por Mario Sales, FRC,SI,CRC 18°
É comum entre nós desejarmos o Bem, o Bom e o Belo, à
exemplo de Platão, e execrarmos o Mal, o Mau e o Feio como coisas detestáveis.
Fugimos destas e procuramos aquelas como se a vida fosse só
uma de suas metades, e não a esfera inteira.
É a própria vida que nos lembra de nossa complexa e dinâmica
dualidade, que nos balança de um lado para o outro, todos os dias de nossa
existência.
É ela que nos lembra que temos duas pernas, a esquerda e a
direita, de forma que se nos falte uma delas, mancamos ou caímos.
Nosso próprio caminhar, o ato mais simples de nossas vidas,
compõe-se de um desequilíbrio constante em que nosso corpo é lançado de um lado
para o outro e para a frente ao mesmo tempo, como no pendular de um prumo.
Na nossa psicologia não poderia ser diferente.
Ora estamos alegres, ora tristes; ora seguros, ora
inseguros; ora nos sentimos eternos, ora nossa mortalidade explode aos nossos
olhos, e sentimos medo de desaparecer sem vestígios.
Oscilamos de um a outro humor, desde a hora que acordamos
até a hora de dormirmos, mas vamos em frente com este balanço como quando
caminhamos.
É exatamente este movimento de equilibrado desequilíbrio que
nos faz avançar, passo a passo, na senda do amadurecimento.
Ao que tudo indica, não há possibilidade de ser diferente.
Diz um antigo axioma rosacruz: "A vida é dual em
essência e trina em manifestação."
"Dual em essência." A essência da vida é ter duas
faces, dois aspectos, sempre juntas, como os lados de uma moeda.
Nosso objetivo de vida para ser correto, portanto, ao contrário do que nos diz Platão,
não é buscar o Belo, o Bom e o Bem, mas aceitar que períodos onde estes se
manifestem são passageiros e fugidios. Que tudo que é polar, que se refira a um
dos lados apenas da nossa existência tende a desaparecer e reaparecer de tempos
em tempos, ciclicamente, e que períodos
de vacas magras e vacas gordas, como no sonho do Faraó, sempre suceder-se-ão de
modo ininterrupto.
Cônscias desta dicotomia, pessoas sábias devem ter como sua
companheira constante a prudência. Preparar-se para os chamados dias maus
durante os dias bons e celebrar, nos dias maus, que os próximos,
necessariamente serão melhores.
Com isso não evitamos o que é feio, mau, mas nos adaptamos e
nos acostumamos a sua existência e companhia, sem lutar contra a natureza da
vida, compreendendo-a e aceitando-a.
Perdemos desta maneira a condição de lamentadores e
assumimos a posição de senhores do Carma, olhando com olhos de águia o processo
ao longe e vendo suas oscilações e sua continuidade.
Sol e Lua, Noite e Dia serão apenas fases normais da vida na
Terra e não fonte de sofrimentos desnecessários ou de ansiedades descabidas.
Como o Sol e o Dia tem suas belezas, também as têm a Lua e a
Noite. O que nos resta como sábios é compreender esta beleza a qual vai além do
simplesmente Belo de Platão, e evolui para o Natural e Verdadeiro.
Tudo que implicar opostos (Vida e Morte, Esterilidade e
Fecundidade, Amor e Ódio, Guerra e Paz) manifestará, tão somente, aspectos parciais de um mesmo fenômeno,
faces diferentes de um único objeto, que não podem ser separadas sem destruir a
existência deste mesmo objeto.
Nós, que buscamos sabedoria, precisamos saber amar nossos
dias de Escuridão tanto quanto nossos dias de Luz, nossos dias de Guerra quanto
nossos dias de Paz, já que quanto mais os amarmos, menor será a variação entre
eles, menor a curva da oscilação inevitável.
Somos duais. Aceitemos isto.
Como nosso corpo aceitou antes de nós, nos dando um cérebro
direito e outro esquerdo, diferentes em comportamento; duas mãos que se
auxiliam, mutuamente; dois pulmões, duas narinas, dois ouvidos e dois olhos,
para respirarmos, cheirarmos, ouvirmos e vermos melhor.
Duais serão também nossos dias, nossos humores e amores, e todos
serão manifestações legítimas de nosso Eu, que sem esta oscilação se tornaria
banal e incompleto, capenga em percepção e capacidade de ação.
Que nossas Trevas e nossa Luz dêem as mãos e assinem um
tratado de cooperação dentro de nós.
Esta é minha prece mais sincera por todos nós e por mim
mesmo.