Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 27 de junho de 2020

COMO TORNAR-SE UM DISCÍPULO


Por Mario Sales

                     




Depois que intitulei o ensaio é que percebi minha arrogância e vaidade.
Quem sou eu para, em nome dos mestres, orientar alguém sobre como e o que fazer para tornar-se um discípulo? Eu, que não tenho tal merecimento e que nunca tive a oportunidade de privar da amizade ou da orientação pessoal consciente destes homens maravilhosos para os quais a vida do estudante rosacruz gravita.
Sim, porque quando entrei na Ordem, 45 anos atrás, esta era a mensagem: que , se em outras Ordens o objetivo era tornar-se um mestre (tome-se como exemplo os vaidosos maçons) entre os rosacruzes o cimo da montanha era tornar-se discípulo.
Não tenho, portanto, procuração ou evolução para falar em nome daqueles que alcançaram um nível ao qual só chegarei, provavelmente, após algumas outras encarnações depois desta.
“O tempo, entretanto, não importa. Só a vida importa.”
As coisas que vamos discutir aqui, portanto, são as minhas impressões, que eu espero sejam satisfatoriamente inspiradas, retiradas da leitura das Cartas dos Mahatmas, esse belíssimo e fecundo conjunto de documentos, preservados com carinho e cuidado na London Library, no Reino Unido.





Os teósofos tem como certo que os textos mais importantes de sua imensa bibliografia são a Doutrina Secreta e Ísis sem véu, já que sua autora é também a fundadora e a mais importante mística do século XIX.
Eu, como estudante rosacruz, sei que os textos que mais me importam são este conjunto de cartas, dirigidas a pessoas, às vezes, sem qualquer mérito espiritual pessoal para recebê-las.
Aqui lembramos de Atos dos Apóstolos, 10:34 “Deus não faz acepção de pessoas.”
Fazem alguns dias, tive um insight acerca destas cartas. Elas não foram escritas para quem as recebeu, mesmo que estes suponham que sim.
Foram escritas para toda a humanidade.
Pertencem a toda a Humanidade.
Esclarecem e detalham a natureza dos Mestres e de sua instituição, mostram-nos como homens e não deuses, criticam abertamente a superstição e o dogmatismo em todas as religiões, cristãs ou não cristãs, deixando bem claro a diferença do caminho para religiosos e para  aqueles que buscam o despertar da consciência cósmica, que é como os rosacruzes chamam o fenômeno da iluminação.
Por isso o meu fascínio por estes documentos.
Os textos esotéricos são cheios de enigmas e símbolos de difícil compreensão. Foi assim no passado por razões objetivas de segurança de quem os produzia. Havia perseguição aos estudantes do oculto, os quais eram frequentemente presos, torturados e mortos caso fossem descobertos ou denunciados.
Hoje esse risco não existe por um motivo simples: ninguém mais se importa. 
As "Cartas", ao contrário, são claras e objetivas, já naquela época em que foram escritas, final do século XIX.
O Ocultismo ou o estudo do Esoterismo é visto atualmente como uma atividade de cunho intelectual, e muitos olham com desinteresse ou mesmo ironia para aqueles que se dão a este metier, considerando-os, no mais das vezes, pessoas curiosas ou fantasiosas.
Nenhum cientista conhecido, aliás, daqueles que são respeitados no meio acadêmico, admitiria publicamente interesse nas coisas do oculto, sob pena de perder financiamentos ou angariar o desprezo de seus pares.
É preciso que seja um Einstein, já de cabelos brancos, para deixar a vista de todos, em cima de sua mesa de trabalho em Princeton, uma edição da Doutrina Secreta sem pudor ou cuidado.
Quanto mais aceitar que em algum lugar do planeta existam alguns homens que alcançaram tal grau de evolução que se libertaram das limitações humanas, a doença, o sofrimento e a morte física.
Mesmo assim, lembra Raymond Bernard em um artigo publicado na serie “Luz que vem do Leste”, no segundo volume dos quatro, que “os mestres cósmicos não são divindades. Eles não constituem uma ordem hierárquica de santos e anjos. Os mestres cósmicos” continua ele, “são inteligências que já foram seres mortais.” E conclui: “Queremos dizer, isto sim, que esses mestres desenvolveram os poderes espirituais de seu ser, ao ponto de se tornarem capazes de superar as limitações físicas de sua natureza.”[1]
Portanto, ser discípulo de um Mestre Ascenso não é ser discípulo de um deus, mas de um nobre e qualificado professor do oculto. É para isso que nos tornamos estudantes rosacruzes, é para isso que passamos por nossas 12 iniciações de templo, para isso que nos reunimos em Loja: para prepararmos nosso corpo e mente para este momento, em que a Luz verdadeira, o raio de luz violeta, virá em nossa direção e atravessará nosso peito, libertando-nos da ilusão de que somos outra coisa senão uma extensão de Deus, temporariamente neste corpo físico, enquanto for necessário para nossa evolução e de toda a Humanidade.
Extensão de Deus como todos a nossa volta, portador da Luz de Deus como qualquer ser humano, do mais nobre ao mais renomado patife, todos luz, estejam ou não conscientes disto, lembrem-se ou não deste fato.
Para ser discípulo, antes é preciso reconhecer o Shekinah em nós, a Divina Presença.
Isso nos prepara.
As meditações, as harmonizações elevam nossa consciência ao nível aonde vivem estes mestres cósmicos, como se aprendêssemos a língua em que falam para poder compreender seus discursos e instruções.
Soror Lídia, que já não está entre nós fisicamente, decana dos rosacruzes de minha cidade, lembrava que nas reuniões rosacruzes “não são os Mestres que descem até nós, mas nós que nos elevamos até eles”.
Não é preciso nenhum transe, nenhum estado alterado de comportamento para entrarmos em contato com esses seres. Precisamos isto sim de lucidez, clareza mental, e embora possamos vê-los em sonho, no estado onírico, melhor será o dia que os veremos em vigília, sentados em nosso sanctum, conversando como só um mestre e discípulo conversam.
Nas Cartas dos Mahatmas eles deixam claro que não aceitam os discípulos de modo simples e rápido. Existe um período, digamos assim, de experiencia, para que se consolide a certeza do merecimento daquele que se dispõe a receber este ensinamento.
Estes estudantes são chamados nas Cartas de “Chelas em Probação”, ou aquele que está sendo submetido a uma prova, a um teste, para só depois que for aprovado, tornar-se um verdadeiro e legitimo discípulo.
Esta é a segunda qualidade, a meu ver, de um verdadeiro discípulo: paciência. Devemos esquecer a contagem dos dias, dos anos, dos séculos. Todos os seres humanos estão condenados a ser deuses, já lembrava em sua obra um teósofo português.
Só que tudo acontecerá quando for a hora adequada, não antes. Daí a frase, “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece!”
É preciso ter paciência e confiar. E neste período, estudar e descansar. Estudar e se divertir, porque a alegria é uma condição fundamental ao verdadeiro iniciado. Um iniciado triste é um triste iniciado.
A solenidade necessariamente não significa respeito. Pode ser apenas hipocrisia, medo ou reflexo de uma compreensão equivocada da hierarquia.
Seres realmente elevados não são arrogantes, não são vaidosos, e repugnam serem tratados como manifestações sobrenaturais.
Não existem tais coisas, fenômenos sobrenaturais.
Tudo é natural, como a levitação por som, recentemente desenvolvida em laboratórios ingleses, não representa mais do que um avanço tecnológico, mas seria entendida como magia por espécies menos avançadas.
Essa é a terceira condição necessária ao verdadeiro discípulo: desassombro. Não olhar para os mestres como seres fantasmagóricos nem deixar-se impressionar com as maneiras pelas quais se manifestam para as suas aulas e preleções, seja através da telepatia ou pela materialização pessoal no ambiente do sanctum do discípulo.
É preciso lembrar que não se precisa ir a nenhum lugar para receber o ensinamento. Desde que o discípulo esteja pronto, o ensinamento virá até ele, “materializando-se sobre sua mesa de trabalho, como que por mágica”. Só que não é mágica, mas ciência aplicada, uma avançada ciência, tão antiga quanto possamos imaginar, porém esquecida e por isso, oculta de muitos.
Finalmente, como quarta condição, um discípulo deve aceitar que a iluminação não é a entrada no paraíso, mas a saída do inferno; portanto, solicita-se desapego ao passado. E quem está, há muito entre as chamas, deverá antecipar um certo desconforto em não mais sentir o calor das chamas, talvez até um frio inicial, que deverá ser superado com o tempo.
Este nível em que existimos, que eu metaforicamente chamei de Inferno (que em latim significa “mundo inferior”) não é apenas o lugar de dor e do ranger dos dentes. Tem lá suas qualidades. Aqui estão nossa família, nossos amigos, nossos prazeres e paixões.
Desapegar-se do que nos incomoda é fácil. Desapegar-se daquilo que nos traz alegria já não é tão simples.
E desapego é desapego, de coisas e pessoas.
O Buda abandona não só o conforto e o luxo de seu palácio em busca da espiritualidade; abandona também uma jovem e bela esposa e um filho recém-nascido. Seríamos capazes? Teríamos este grau de obstinação e vontade, este grau de determinação, em busca da luz?
Aqui é o momento de encerrarmos nossas considerações. Porque não é necessário angustiar-se por algo que ainda não aconteceu.
A cada dia sua agonia, e da mesma maneira, a iluminação virá quando for a hora certa.
E embora considere essas quatro condições (reconhecer em si a presença de Deus, ter paciência, desassombro e desapego) como condições muito importantes para a iluminação, é preciso lembrar a quinta e última condição daqueles que pretendem, algum dia, transcender este plano de consciência.
Eu falo do primeiro degrau da escada de Rá, o degrau roxo, o degrau da temperança, do equilíbrio, da ponderação.
É neste degrau que tudo se inicia.
É quando, cientes de nossas limitações humanas, mantemos uma atitude equilibrada, sem querer “apressar as águas do rio, já que elas correm sozinhas”. Basta que dediquemo-nos ao que importa, a verdadeira oração, chamada serviço, a palavra de passe do artesão, a palavra de passe para um verdadeiro mestre.
Está em Marcos 10: 44,45:
“E qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos.
Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.”
Assim, compreendam os Mestres como servidores do Altíssimo, e sua aparente severidade é a mesma de qualquer professor que quer que seu aluno seja o melhor possível.
Sua condição de Mestres também os torna seres plenos de amor e compaixão, dedicados a servir a humanidade e seus discípulos, preparando aqueles que estiverem aptos a receber o mais alto ensinamento.
Que Deus abençoe seu trabalho.


[1] “A LUZ QUE VEM DO LESTE” 2° volume, pág.11, Biblioteca Rosacruz, 2ª edição, 1987


quinta-feira, 25 de junho de 2020

POR QUE NÓS, ROSACRUZES, NÃO SOMOS UMA RELIGIÃO?


Por Mario Sales

El Morya

Primeiro, essa é uma escola para ensinar aqueles que dela façam parte que todos, absolutamente todos , tem a capacidade adormecida, latente, de realizar o que se costuma chamar de milagres, tal como todos os grandes iniciados, já que o Deus que está em mim está em todos, seja o caso de altos iniciados ou do mais infame dos seres humanos.
Por que alguns então se comportam como canalhas? Porque estão confusos e esquecidos de suas origens divinas.
Mas Deus está lá, dentro deles, como está em mim e em você que lê esse texto. 
Qual a diferença entre uma escola esotérica e uma religião? Em uma religião contemplamos com assombro o poder manifesto de seres iluminados, homens e mulheres como nós, mas mais velhos espiritualmente, mais sábios, mais conscientes da presença de Deus neles.
Já os membros da escola rosacruz sabem que tem esse poder em si, e que ninguém pode lhes dar tal capacidade, mas cabe, isso sim, a cada membro da Ordem, desenvolver em si a habilidade dos mestres, aperfeiçoando pari passo a espiritualidade e a elevação que os caracteriza.
Diz Lewis em artigo de 1929: “…os rosacruzes mantêm a convicção que o maior bem do homem para si mesmo não pode advir de sua dependência de milagres realizados por outros, mas através de milagres que ele realiza por si mesmo em sua própria vida.”[1]
Não queremos o poder, mas ele virá, quando estivermos adequadamente preparados, quando estivermos prontos.

Alfred P Sinnett


E não é o poder que importa, como ninguém costuma pensar em seu braço direito ou em seu nariz pois eles sempre estiveram lá. O que importa é a habilidade deste braço, sua expertise em tocar um instrumento, em produzir a beleza em um quadro, em uma escultura, ou mesmo em um texto.
Da mesma maneira, como Mestre Morya lembra em carta a Sinnett, é preciso romper essa “ilusão contra a qual os estudantes de ocultismo, pelo mundo todo, sempre foram advertidos pelos seus professores – o desejo ardente pelos fenômenos. Como a sede pela bebida e pelo ópio, ela cresce de forma gratificante.” (e descontrolada).
Existe, entretanto, outra razão para as pessoas não acreditarem que tenham esse poder e preferirem a religião ao esoterismo: seguir alguém em vez de assumir sua própria herança divina é uma forma de fugir as responsabilidades.
Como dizia o tio do Homem Aranha, “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. E é mais cômodo não ter responsabilidades, orar para que Deus ou algum santo faça por nós aquilo que é nossa obrigação.
Por isso a religião, um meio legitimo de manifestar nossa espiritualidade, é ao mesmo tempo, uma forma de bloqueá-la, de recusar a herança de nosso Deus comum, o Deus de nosso Coração e de nossa Compreensão.
Continua Lewis: “Dependa ou coloque sua fé cega nos poderes de outra pessoa e você vai se tornar um escravo em vez de um mestre.”[2]


[1] Publicado em “The Mystic Triangle”edição de maio de 1929, e republicado em “O Rosacruz”, no 1º trimestre de 2005.(pág.48)
[2] idem

terça-feira, 16 de junho de 2020

TEMOS DE CARREGAR A NOSSA PRÓPRIA CRUZ


Por Mario Sales





Esses dias de reclusão têm sido produtivos, intelectualmente. A sociedade teosófica, da mesma forma que a AMORC, tem feito Lives, de segunda a domingo, com grupos de estudo de 7 temas diferentes. O tema das segundas trabalha as Cartas dos Mahatmas, um conjunto de missivas de Ku-Thu-Mi, Morya e Hilarion, entre os anos de 1870 a 1900 entre diversas pessoas, entre as quais, parentes de Blavatsky, que recebem a primeira delas, e depois um editor chamado Alfred Percy Sinnet, um amigo seu, Alan Octavian Hume, e o próprio coronel Olcott, fundador juntamente com Blavatsky da Sociedade Teosófica.
O interesse dos Altos iniciados com esta correspondência, que viria a publico apenas nas primeiras décadas do século XX, a partir de 1939, portanto após a morte de Sinnet e de todos os citados, era estratégica, e visava dar a conhecer ao mundo ocidental, sua existência, seus trabalhos e a natureza complexa de sua instituição, a assim chamada Grande Loja Branca.
As cartas foram objeto de controvérsia, e Blavatsky foi mesmo acusada de forjá-las por um perito de uma sociedade de pesquisas inglesa, cujo relatório, devastador na época, em 1885, foi objeto de retratação pela própria instituição que o produziu, 101 anos depois, em 1986. Após a revisão feita por um segundo investigador ficou esclarecida a má intenção do primeiro investigador, seus graves erros de investigação, que trouxeram grande sofrimento moral à “velha senhora”.  
Uma coisa que salta aos olhos nas cartas é a preocupação dos Mestres ou Mahatmas (Grandes Almas) de deixar claro sua natureza eminentemente humana. Em todas as ocasiões possíveis, procuram afastar de si todo estereótipo de seres divinos e anormais, deixando claro que eram e são apenas seres humanos como todos nós que atingiram pelo tempo e esforço uma condição física, mental e espiritual diferenciada, superior a nossa, mas a qual todos que tiverem o mesmo percurso poderão e deverão atingir. A preocupação em afastar de si o manto de santos como são conhecidos os seres elevados espiritualmente pelos católicos e cristãos, é constante nas cartas.
Ku-Thu-Mi é um dos mestres envolvidos mais diretamente nesta correspondência. Junto com Morya, mestre pessoal de Blavatsky, ele fomenta a criação da sociedade teosófica, com ela e Olcott.
Não por coincidência, K-H, como é conhecido, é também o Hierofante da Ordem Rosacruz.



KU-THU-MI


A palavra hierofante tem o significado de “sacerdote que, nas religiões de mistérios do Egito e da Grécia antiga, notadamente em Elêusis, instruía os futuros iniciados”.
Ou seja, trata-se do responsável espiritual por nossa Ordem. Daí a importância destas cartas para a maioria dos rosacruzes como uma oportunidade objetiva de conhecer o pensamento de nosso mais elevado dignitário.
Ordens como a AMORC são associações voltadas a transmissão do conhecimento da tradição, e a levarmos em conta o esforço para desfazer equívocos em relação a natureza deles mesmos, reafirmando sua condição humana, os Mestres como Ku-Thu-Mi não fundaram escolas como se funda religiões, ou seja, jamais chamaram para si quaisquer aspectos de caráter devocional, deixando claro que o Universo tem leis, como a Lei do Karma, e que a prosperidade, a felicidade e o sucesso de cada individuo estão diretamente ligados a suas ações no mundo, pelas quais serão cobrados ou abençoados por sua responsabilidade.
Não há no ensinamento das escolas esotéricas o culto a personalidades que fariam por nós nosso trabalho, como é comum ver nas religiões.
Aliás, escolas esotéricas não são religiões, mais centros de formação de mentes mais lucidas, evoluídas e aperfeiçoadas de forma que os membros destas escolas  tornam-se lideres sociais como também espirituais.
Nas cartas, Ku-Thu-Mi e Morya são bastante críticos em relação a todas as religiões, inclusive ao cristianismo, não como instituições, mas como organizações. A fé como manifestação de devoção a Deus é um fenômeno nobre e digno, e se sincero, representa uma manifestação de evolução espiritual e mística.
                    



HUME   

SINNET
                                           
O problema surge quando alguém tenta organizar esta fé em uma estrutura hierárquica e organizada, aonde rituais repetitivos e padronizados substituem a espontaneidade da livre manifestação do contato com Deus. Estas tentativas de organização da fé são as diversas manifestações religiosas, que implicam em uma estrutura, ao fim e ao cabo, de poder, e que resultam muitas vezes, na distorção daquilo que dizem representar.
Exemplo histórico disso é o massacre dos Cátaros, na França, ou a perseguição contra esoteristas feita pela Igreja Católica com a Inquisição, que levou apenas e tão somente ao massacre de pessoas inocentes que tinham como um único defeito pensarem de modo diferente daqueles que detinham poder politico e militar por trás de suas crenças.
Lavoisier, Cagliostro, e o próprio Cristo, foram mortos em função da singularidade de seus pensamentos e atitudes, em situações e contextos diferentes, mas pelo mesmo grave pecado de pensar com suas próprias cabeças e seguirem seu coração.
Nas cartas os Mestres deixam claro que a finalidade de escolas esotéricas era a divulgação do conhecimento da tradição, sem preconceito de classe, cor ou religião, já que todos os seres humanos fazem parte da mesma espécie e merecem receber, de acordo com sua capacidade, acesso a este conhecimento.
Nenhuma escola esotérica deve ceder à tentação de transformar-se em um grupo religioso, perigo constante para aqueles que lidam com assuntos espirituais.


LEWIS

Lewis, nosso primeiro imperator para o atual ciclo de atividades da rosacruz, também tinha esta preocupação.
Em um texto chamado “Perguntas e respostas rosacruzes”, publicado em português pela Grande Loja, à época conhecida como Grande Loja do Brasil, cuja 2ª edição tenho em mãos, de maio de 1983, tem como primeiríssima questão, na página 164, a pergunta: “Constituem os rosacruzes um culto religioso?”; pergunta a qual responde, enfaticamente, da seguinte forma:
“Os rosacruzes não constituem um culto, religioso ou de qualquer outra espécie. Constituem uma fraternidade de homens e mulheres, como qualquer outra fraternidade ou irmandade. Os membros da organização”, continua ele, “pertencem a todas as denominações religiosas e não se lhes pede que mudem suas crenças religiosas de modo algum. Portanto,” conclui, “a organização não é um culto.”
Tamanho cuidado não era exagerado.



Os equívocos de interpretação humanos são notórios e mentes simples e pouco elaboradas tendem a compreender de modo errôneo os fenômenos que testemunham ou as ideias que lhes são apresentadas.
Para muitas pessoas, é quase impossível separar religião e esoterismo, já que ambos, pelo menos em princípio, visam o crescimento espiritual humano.
Por motivos óbvios, as religiões não são espaços democráticos. Não existe ali possibilidade de reflexão livre sobre os mistérios e seus cânones.
Quem entra em uma religião concorda tacitamente que aceita os dogmas desta crença e se dispõe a conduzir sua vida dentro dos parâmetros estabelecidos pelas autoridades desta seita.
Escolas esotéricas, como esclarecido pelo próprio Ku-Thu-Mi, em suas cartas, devem ser associações de livres pensadores que terão oportunidades de estudar e compreender as verdades ocultas da natureza e eventualmente superar as limitações da ignorância, prestando reverencia apenas e tão somente, como dizem os rosacruzes, ao Deus de seu coração, Deus de sua compreensão. Não há santos nem demônios em escolas esotéricas. Ninguém erra ou acerta por influência de espíritos do bem ou do mal.
Não existem Íncubus ou Súcubus que nos induzam ao pecado. Cada homem e cada mulher é responsável, pela lei do Karma, sobre seus atos, pela maior ou menor misericórdia que demonstram aos seus companheiros de espécie, e aos outros seres deste mundo, chamados animais, e que, no mais das vezes tem um comportamento mais nobre que o nosso.
Escolas esotéricas, ao contrário das religiões, não transferem a responsabilidade dos indivíduos para seres invisíveis e fantasmagóricos.
Cada um deve responder por seus atos; cada um é senhor de suas ações e aprenderá com seus erros.
Por isso o cuidado dos fundadores de escolas esotéricas de deixar claro que estas não são nem visam tornar-se religiões, já que estamos falando de instituições completamente diferentes.
A Ordem Rosacruz não é, portanto, uma ordem cristã, ou budista, ou maometana, ou mesmo judaica.
Não faria o menor sentido esta adjetivação, mesmo que aspectos destas tradições religiosas sejam exaltados, quando assim mereçam, em nossos textos.
Entretanto, estamos no ocidente do planeta, aonde o discurso religioso cristão tem uma força cultural mais evidente.
Sendo membro de uma seita cristã, os Metodistas, Spencer Lewis teve um cuidado redobrado de separar a Ordem Rosacruz de qualquer simbolismo que pudesse associá-la a uma prática religiosa de natureza cristã.
Talvez o símbolo mais sagrado dos rosacruzes, já definido no próprio nome da Ordem, seja o mais delicado neste aspecto, uma vez que a cruz é, no Ocidente e mesmo no Oriente, símbolo do cristianismo, pelo fato de seu fundador ter morrido desta forma.
Em vários textos e discursos, Lewis deixa claro que para os rosacruzes, a cruz tem um significado diferente daquele que tem para os cristãos.
Chega ao detalhe de referir que a cruz como símbolo é um fenômeno transcultural, estando presente em várias civilizações, entre elas a civilização egípcia, de onde se origina, tradicionalmente, nossa ordem.
Lá, segundo nossa tradição rosacruz, a cruz venerada como símbolo era cruz ansata, cuja forma representava um homem de braços abertos. Seu papel como hieróglifo era simbolizar a eternidade e dessa forma aparece nos escritos dos papiros nas mãos dos deuses. ( Manual Rosacruz, Editora Renes, sexta edição, página 66)

CRUZ ANSATA


A cruz rosacruz não é a cruz cristã, não simboliza a morte, mas a vida.
A cruz rosacruz, segundo Lewis, nada tem a ver com a cruz da religião ocidental, mesmo que os rosacruzes reconheçam a beleza da mensagem de Jesus.
Não temos como rosacruzes que rezar para nossa cruz como os cristãos rezam para a sua, pois não somos religiosos embora estejamos como místicos imbuídos de intensa religiosidade.
A cruz rosacruz é um símbolo como qualquer outro e serve tão somente como elemento de foco para nosso pensamento no momento de nossa meditação.
Toda a força que buscamos está dentro de nós e não em um símbolo externo, e os símbolos servem como as letras, apenas, para nos guiar na busca de uma informação ou de uma compreensão sintética dos valores espirituais.
O próprio Lewis, no Manual acima citado, sobre o aspecto dubio no Ocidente da cruz, escreve:
“Se a cruz e outros símbolos confundem os sábios contemporâneos, não é de admirar que em épocas passadas houvesse muitos que nada viam nesses símbolos senão sinais de natureza indefinida.” (página 67, Idem)



Portanto, da mesma forma que me causou incômodo, a mim que não sou cristão, mas hinduísta, como também, como soube depois, a um outro frater budista, a substituição, na capa de uma edição de O Rosacruz, do  tradicional triangulo de vértice para baixo no altar do Sanctum Celestial, pela face do Cristo, imagem que analisei aqui no blog com o ensaio “Desconforto” (https://imaginariodomario.blogspot.com/2010/12/desconforto.html), senti de novo o mesmo em relação a uma imagem recente em que uma Columba de mãos postas, parece rezar para uma cruz rosacruz, numa atitude que, salvo engano, lembra mais um ato religioso que esotérico.



O autor pode, acredito, ter visto beleza na imagem, devocionalidade, e sem nenhuma preocupação, usou-a provavelmente de boa-fé, na intenção de simbolizar um ato de espiritualidade.
O problema reside na confusão entre religiosidade e religião, entre cristianismo e rosacrucianismo.
Parece um preciosismo, mas precisamos, a meu ver, separar as coisas em seus devidos campos, não por antagonismo, mas por cuidado, deixando claro que o espaço das ordens esotéricas está aberto a todos, sejam ou não membros de uma denominação cristã.
Acredito, repito, que este equívoco também tenha a ver com o fato da AMORC proteger e abrigar uma Ordem, frequentada por rosacruzes, que se denomina cristã, a Ordem Martinista.
Como exaustivamente venho repetindo, entretanto, Martinismo não é Rosacrucianismo. E, não podem ser confundidos um com o outro.
São duas nobres tradições, com discurso e jargão próprios, definidos, mas além disso, com uma perspectiva esotérica particular a cada uma.
Por não se definir como eminentemente cristã, a Rosacruz é, em princípio, um espaço mais amplo e mais tolerante a outras linhas de pensamento, além de ser mais antiga e tradicional.
Quanto a Cruz, sigamos a tradição cristã: cada um deve carregar a sua.

sábado, 6 de junho de 2020

CAMINHOS



Por Mario Sales


"Muitos daqueles que estudaram as chamadas ciências materiais e têm
por elas elevado respeito sentem, de quando em quando, que o trabalho 
rosacruz é naturalmente oposto com relação a todas as artes e ciências materiais.
Essas pessoas estão erradas em sua suposição..."

"CORRIGINDO UM  EQUIVOCO", Harvey Spencer Lewis, 
artigo republicado em "O ROSACRUZ" de fevereiro, 1976







Cada ordem tem seu caminho e seu propósito. Procuramos sempre as semelhanças, o que não é errado, mas não podemos esquecer as diferenças entre elas, suas peculiaridades.
A maçonaria, hoje, nada tem a ver com seu passado ocultista, esotérico. Trata-se de um clube de serviço em essência, e muitas vezes, salvo honrosas exceções, apenas disso.
A Sociedade Teosófica, legitima herdeira do pensamento de Blavatsky, é um grupo de eruditos e intelectuais. Não são, como não nasceram para ser um grupo de natureza pragmática. Seu foco é no estudo dos textos dos mestres e de seus representantes, fundadores dessa nobre escola.
A Tradicional Ordem Martinista, abrigada dentro da AMORC, intitula-se uma ordem de caráter eclético, mas é de forte tendência cristã, o que a torna eminentemente parcial; embora os cristãos sempre suponham que suas crenças são de natureza mundial, o cristianismo é apenas uma das três grandes tradições religiosas do mundo, sendo que nem é a que mais adeptos arrebanha, (o crescimento do islamismo é inegável) mesmo se considerando o fenômeno das seitas evangélicas pentecostais, que também se denominam como cristãs.
Não comentarei a Escola Antroposófica de Rudolph Steiner, nem a EUBIOSE, brasileira, ou mesmo a Fraternidade Rosacruz Max Heindel, todas derivadas do movimento teosófico.
Já a rosacruz AMORC, tenta manter seu perfil templário e iniciático, dentro do caráter esotérico possível em nossos dias digitais.
Nasceu ou renasceu no século XX com um objetivo claro: dar cunho prático aos ensinamentos transmitidos por Sir Hyeronimus e seus oficiais, ocidentalizando uma tradição de forte caráter oriental.




Na tradução feita por Lewis para um linguajar norte americano, a tradição foi transformada em uma sequencia de técnicas e modus operandi que compõem um mosaico distribuído em doze graus de templo, após três de introdução e mais sete após o 12°, num total de 22 graus de estudo, ao longo de muitos anos.
Muitos desses vinte e dois graus são áreas de espera e preparação para a entrevista com um representante da grande fraternidade branca, se este for o merecimento do iniciado. Se não for, fica como um crédito para a próxima encarnação, o que facilitará em muito o trecho seguinte da caminhada.
De qualquer forma, este é o escopo e o perfil de AMORC: técnico. Deveríamos ser os cientistas do esoterismo, do ocultismo, unindo em um único trabalho a erudição dos teósofos com o espírito positivista da ciência ocidental.
Com o risco de ser repetitivo, noto que este espirito empirista e positivista, essa cultura de resultados, não se impõe, hoje, como um paradigma na AMORC.
É possível ser membro da Rosacruz sem praticar as técnicas rosacruzes. Mais: não produzimos informação nova, não temos laboratórios e nossa Universidade, convenientemente, privilegia as ciências não empíricas, as ciências do texto e não aquela da execução e investigação. Embora saibamos os efeitos dos mantras que chamamos de sons vocálicos, não temos um laboratório de acústica.



Embora estimulemos o desenvolvimento de dons como a telepatia, a telecinese, ou mesmo a hipnose ou sugestão hipnótica, não temos laboratórios parapsicológicos aonde investigar e mensurar o desenvolvimento destes talentos, aliás não sabemos quantos de nós tem esta habilidade e quais são os mais bem dotados.
Não produzimos mais, além disso, de maneira rotineira, trabalhos acerca desses aspectos como fazia George Buletza, responsável pelo Departamento de Pesquisas da Universidade Rose-Croix, na California, até sua morte.
E este é o nosso metier, nosso foco mais importante, salvo engano da minha parte.
Enquanto isso o tempo segue seu fluxo inexorável.
Aceito críticas e comentários, contra argumentos sensatos e fundamentados em fatos que contestem minhas impressões.
Ficaria muito feliz de estar enganado.
Cada ordem, como disse, tem seu caminho.
Todos são importantes, desde que sinceros.
Os rosacruzes precisam voltar ao seu, honrando a memória de Lewis, e evitando perder-se de sua rota autêntica.