Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

segunda-feira, 31 de março de 2014

PARA QUE TANTO SEGREDO?

por Mario Sales, FRC,SI,CRC





Quando entrei na senda mística certos conceitos para mim eram absolutamente indiscutíveis e os aceitei de modo dócil, sem questionamento. O mais óbvio de todos estes conceitos foi o de necessidade de sigilo quanto àquilo que eu ia estudar.
Ouvi e li várias declarações, nestes últimos 40 anos de estudos esotéricos, sobre os perigos de se revelar ao chamado "mundo profano" os conhecimentos que estavam sob nossa guarda, nós, os protetores da sabedoria da tradição, a qual, pressupunha eu naquela época, este "resto do mundo" queria desesperadamente descobrir, e só não o fazia graças aos nossos esforços de resguardar estas informações atrás de códigos, símbolos e procedimentos os mais variados.
Nos primeiros anos, achei que este precioso conhecimento compunha-se de palavras mágicas as quais, quando pronunciadas, modificariam a natureza da realidade de modo súbito e vantajoso.
Porém, fora um honroso exemplo, não foi isso que aprendi.
Depois, supus que certos poderes maravilhosos como a projeção astral, a telepatia, a telecinese, depois de alguns anos estudando nestas chamadas escolas de mistério, se tornariam parte integrante do meu cotidiano, após um conjunto de treinamentos perfeitamente delineados, mas isto também não ocorreu.
Achei então que se tratava de uma deficiência e uma peculiaridade pessoais, e que devia existir alguém, em algum lugar, dentro destas Ordens a que eu pertencia, que dominava estas artes, e que não eram poucos os que o faziam. Apenas eu, era minha impressão, não conseguia.
Após anos e anos frequentando corpos afiliados e conversando com outros membros como eu, percebi que, se algum deles tinha algum dom extraordinário, proveniente de seus estudos esotéricos, este era restrito, de manifestação esporádica, episódica, geralmente motivada por uma forte e imperiosa necessidade pessoal.
Nada tão dramático que fizesse diferença em uma situação cotidiana de maneira constante.
Os efeitos especiais que eu via em filmes de ficção nada tinham a ver com o dia a dia da minha vida de esoterista, muito mais ligada a leitura de textos os mais herméticos possíveis, a contemplar e tentar interpretar símbolos que tinham sido feitos três séculos atrás para manter secretas, informações importantes sobre o mundo dos iniciados.
Que informações eram estas eu nem sempre estava certo.
Na maioria das vêzes a interpretação destes símbolos me trouxe interessantes noções acerca da natureza da vida, todas muito filosóficas e, em nada, objetivas ou práticas, mostrando que a interpretação destes símbolos não me revelaria poderes especiais quaisquer, mas apenas e tão somente valores morais e éticos, demasiadamente genéricos para resultar em consequências operacionais.
Talvez no passado, em que a opinião sempre valeu mais que a experimentação, onde o cientista era mais um escritor que um pesquisador, informações de cunho meramente conceituais fossem realmente interessantes e merecessem o esforço de debruçar-se sobre elas dias e dias.
Hoje, pragmaticamente falando, não consigo identificar nada de prático no estudo de conceitos morais e genéricos, e estudá-los para mim é um deleite estético, acima de tudo algo que gosto de fazer, que me dá prazer intelectual, mas nada, absolutamente nada além disto.
Não consigo ver nenhum ganho prático no estudo dos textos esotéricos. Ninguém lê um texto de Martinez de Pasqually ou de Jacob Boheme como se lê um manual de um sistema de som de um rádio do nosso automóvel.
Não se colhe de textos esotéricos informações realmente aplicáveis ao cotidiano, apenas noções vagas da natureza de coisas (a maior parte do tempo, senão todo ele) invisíveis aos nossos olhos comuns.
Estas considerações vem a mim enquanto a água do chuveiro desce pelo meu corpo.
Penso: para que tanto mistério? O que escondemos e porque? Aliás, hoje em dia, de quem escondemos o que supomos esconder?
Quem se interessa pelo que está escrito em livros antigos e empoeirados? Estes mesmos livros, entretanto, continuam a ser reimpressos para deleite de mentes que provavelmente os lêem sem compreender seu conteúdo, porém sofrem de uma estranha doença intelectual que os faz fascinar-se pelo incompreensível, pelo texto mais obscuro. Aliás, quanto mais incompreensíveis, melhor.
Sim, existem pessoas que tem um estranho prazer em ler coisas incompreensíveis .
Não é o meu caso, mas conheço muitos.
Deliciam-se em dizer que encontraram textos de significado "muito profundo", tanto "que não conseguiram alcançá-lo" e , obviamente, são incapazes de explicar algo sobre o texto, terminando sempre com a afirmação-explicação que tudo resolve e que toda crítica afasta:
"-Trata-se de um texto extremamente esotérico."
E em volta, ouve-se um "Ah!", de compreensão e aceitação, que evita discussões ou interrogações indigestas pois, aparentemente, não há entre estes estranhos e tão numerosos seres humanos nenhum interesse em entender o que está escrito ali, em compreender verdadeiramente a mensagem que estava sendo passada quando, quem escreveu o tal texto esotérico, o fez.
Porque se eu escrevo um bilhete, uma carta ou um livro, minha intenção é descrever algo para alguém. Existem, portanto, três elementos nesta equação: eu que escrevo ou descrevo uma idéia; o texto aonde faço esta descrição; e, por último, a pessoa que, anos depois, lerá meu texto. Deduz-se que, ao escrever o que escrevi, minha intenção era passar adiante uma informação para aquele que me leria, horas, anos ou séculos depois.
Em suma, quem escreve quer revelar alguma coisa e não ocultar.
Mesmo quem, sendo um esoterista, reveste seu texto de aspectos simbólicos os mais variados, para protegê-lo que seja de olhos menos dignos, não objetiva impedir a compreensão daquilo que escreve com esta manobra, mas dificultar uma compreensão fácil, compreensão esta que , em última análise, é a verdadeira intenção daquele texto.
Um texto esotérico é, mesmo sendo esotérico, um texto. Foi feito por alguém, em alguma época, de forma a preservar e revelar, e não esconder, determinada concepção de mundo, mesmo que seja uma concepção pouco objetiva, de natureza mais filosófica, ou mais mística talvez.
Mas o texto foi feito pra ser compreendido, e se não o é, mesmo que as chaves de compreensão sejam dadas, seja por dificuldades interpretativas intransponíveis, seja pela barreira linguística, ele é , ao fim e ao cabo, inútil para sua principal finalidade, qual seja, transmitir um determinado conhecimento para outrem.
E além disso, a natureza deste conhecimento também interessa na motivação de quem se dedicar a interpretá-lo e traduzi-lo para nossa visão e compreensão contemporânea.
Concluir, depois de horas de leitura de um texto secreto, que ele afirma, em síntese, que a Natureza de Deus é incompreensível, convenhamos, não traz nenhuma informação retumbante ou prática.
Não seria nem necessário que esta verdade fosse disfarçada em símbolos ou esoterizada.
A questão da Natureza de Deus não tem quaisquer implicações práticas na vida cotidiana, seja do ateu, seja do crente. E é um tema cuja importância já foi discutida milênios atrás com conclusões semelhantes a esta que enunciei acima.
A escola Sankhya[1] já enunciava o mesmo raciocínio desse modo: "Ishwar Avydia", ou seja "Deus não se discute". Foi chamada de filosofia ateísta por causa disto mas isto é um disparate. A única razão dos filósofos Sankhya não demonstrarem vontade de discutir a Natureza de Deus era porque haviam chegado a mesma conclusão que ora descrevemos, ou seja, para que eu preciso saber a Natureza de Deus? Em que isto modificaria a minha necessidade cotidiana de paz, saúde, pão e vinho?
Em nada. Pelo contrário, buscar compreender a Natureza de Deus por mera curiosidade intelectual pode até roubar a paz de quem o faça, e não trazer-lhe nenhum lucro pessoal e espiritual.
Existem temas que, do ponto de vista prático são inúteis.
Causam mais transtorno que deleite, e por isso, mais e mais me intriga porque tanto segredo em torno de temas às vêzes tão bizantinos quanto este acima, entre os esoteristas.
O mundo hoje está cada vez mais objetivo e pragmático. As pessoas são "acusadas" de quererem "apenas" resultados práticos de seus esforços intelectuais.
Aí eu me pergunto: o que há de pecaminoso nisso?
Porque a busca objetiva de resultados práticos, pode ou tem que ser, contrária ao trabalho esotérico?
Ao estudar a história dos Ellus Cohen, suas práticas teúrgicas que eles chamavam "O Culto", invocando um ser na época entendido como um anjo, que se materializava durante a reunião, vejo aí esforços práticos e palpáveis.
A sequência de jejuns e orações, os encantos e círculos que eram traçados no solo, as invocações, tudo era parte de uma técnica que visava abrir, segundo se conta, um portal interdimensional, e permitir que um ser de natureza na maioria do tempo invisível, se tornasse visível, e uma vez materializado, falasse com sua boca sobre verdades universais e espirituais, que eram tomadas como revelações indiscutíveis da natureza do Universo, mesmo que fossem um relato de apenas um ser, Anjo ou não.
Um esforço demasiado grande para um resultado pífio, embora do ponto de vista circense espetacular.
Sim, buscava-se o espetáculo no passado e quanto mais espetáculo mais profundo achava-se que se ia.
Hoje sabemos que não é assim. Hoje e ontem, pois era um contemporâneo deste mesmo Pasqually que dizia:"-Será necessário tudo isto para ver Deus?".
Até entre os místicos temos almas pragmáticas, que são mais objetivas, que definem com mais clareza o que é e o que não é importante na busca por uma mais perfeita espiritualidade.
O pouco, com Deus , é muito.
A experiência divina, a experiência da Presença Divina, a Shekinah, é silenciosa e interna, intransmissível, inviolável, inquestionável para quem a experimenta.
Não precisa ser escondida através de véus ou textos rebuscados; ela é esotérica por sua própria natureza.
Então, porque os textos sobre a busca espiritual, os chamados textos esotéricos, são tão esotéricos às vêzes?
Porque nossos textos estão há anos sendo lidos em segredo e não sendo publicados como material de leitura comum?
Papus achava que se jogássemos nos rostos dos profanos os chamados textos secretos, estes, após lerem algumas folhas, os deixariam de lado, com desinteresse, pois não veriam nenhum sentido, nem extrairiam deles qualquer significado ou ensinamento.
Mesmo textos que nada tem a ver com o sagrado e que por definição são profanos, tem seu próprio esoterismo.
Sem uma explicação coadjuvante, chamada "chave" do código em que estão redigidos, textos médicos, de física, de química molecular são ininteligíveis, mesmo que em nada e por nada discutam temas metafísicos ou espirituais.
Assim ocorre com textos esotérico-ocultistas.
Ninguém, a não ser alguns malucos como eu, tem qualquer interesse em lê-los, quanto mais decifrá-los. E quando os lêem, o fazem com tanta inépcia e ineficiência que só chegam a falar sobre eles aquilo não que tenham certeza, mas que supõem, sabe-se lá porque, esteja em suas páginas. Para não demonstrarem ignorância até inventam sentidos inexistentes, para outros que ouvirão seus relatos com a mesma perplexidade e admiração daqueles que nem chegaram a ler tais textos.
Não acredito que esteja dizendo absurdos e chego mesmo a afirmar que voce que me lê e que frequenta lojas maçônicas ou corpos afiliados da AMORC já testemunhou pessoas e cenas como a que descrevi.
Essas pessoas, que lêem mas não compreendem e que inventam interpretações de textos que não compreenderam, são às vezes, mesmo, consideradas intelectuais destacados em seu meio.
E assim o equívoco se mantém e se propaga.
Nada de objetivo, nenhum resultado prático se obtém de tais leituras ou de tais discussões.
Escolas esotéricas deveriam ser locais de formação de homens e mulheres mais sensíveis, mas também mais perspicazes, capazes de mais pensamento crítico e analítico.
Eu, por exemplo, aprendi a ler com devoção os textos clássicos. Por ingenuidade, li com devoção muitos textos não clássicos, feitos por pessoas em que eu depositava confiança, ou avalizados por instituições em que eu depositei a mesma confiança. Eram textos muito bonitos, profundos e sensatos. Ou pelo menos me pareceram na época.
Depois, com o tempo, vi que nem todos estes textos não clássicos poderiam ser chamados de sensatos, e que alguns, inclusive tinham sua dose de Obscurantismo.
Uma campainha tocou em minha cabeça, e diminui a velocidade como os consumia, pensando cada linha, cada trecho.
Então, além de perceber que pela profundidade da experiência mística esta não poderia ser descrita apenas através de textos, e que além disso, nem todos os textos eram ou são produto da inspiração divina, mas sim de intelectos medíocres de pseudo esoteristas, uma necessária avaliação crítica destes textos passou a ser rotina em minhas leituras, para ver o que valia ou o que não valia a pena ser lido.
Muita coisa dita secreta, percebi, não possuía nenhum segredo a ser descoberto. O rótulo de secreto apenas buscava dar importância a textos sem importância alguma.
O próprio conhecimento esotérico não o é porque está escondido em um cofre, não corre o risco de ser roubado, mas enfrenta a mesma situação da mensagem do Cristo quando exposta por Paulo aos Gregos.
Em suas viagens , o apóstolo enfrentou perseguição, risco de morte física, agressões. Na Grécia, apenas desdém. Sua fala foi considerada banal e desinteressante. Disse ele que foi seu maior fracasso como pregador.(  Atos dos Apóstolos,capítulo 17, versículos 32 e 33 - "e, como ouviram falar da ressurreição dos mortos, uns escarneciam, e outros diziam: acerca disso te ouviremos outra vez" e assim Paulo saiu do meio deles.)
Estamos todos nós, esoteristas, como Paulo diante de uma sociedade cética como a sociedade grega daquela época.
Poucos, muito poucos, se interessam pelo que nos interessamos.
Pouquíssimos querem saber o que sabemos. E isto porque, principalmente, não temos nada de objetivo a oferecer.
Cada vez mais as Ordens Esotéricas amargam números menores de membros e se a abordagem do assunto não mudar, suponho que esta seja uma tendência irreversível.
E quando falo em mudança de abordagem, falo em tornar os ensinamentos mais diretos, mais focados em resultados palpáveis, pari passo com procedimentos mais demorados, como a mudança alquímica da personalidade, que só ocorre ao longo de demorados períodos de tempo.
Na AMORC ouço frequentemente a queixa de que os corpos afiliados estão sem membros. Na Maçonaria, vejo aprendizes, membros do primeiro grau, abandonarem a Ordem por tédio.
Mas o modelo não muda, por inércia mental ou por falta de visão.
E ainda se acredita que a idéia de segredo ou de ensinamentos secretos possam manter as pessoas interessadas.
O que é secreto, será secreto até ser revelado. E é bom que a revelação não seja uma frustração para o interessado.
O mundo mudou. As pessoas não se deixam mais seduzir por afirmações sem comprovação por muito tempo. A não ser que sejam absolutamente desprovidas de inteligência.
Todos nós, em sã consciência , queremos mais das Ordens a que pertencemos. Queremos ensinamentos práticos, operacionais, técnicas que possam ser aplicadas no cotidiano e que, não sendo mágicas, pelo menos possibilitem uma melhora de nosso desempenho profissional, social e humano.
Só isto já justificaria nossa filiação.
E como fazê-lo? Com a ênfase didática na experimentação, na verificação em templo dos princípios que descrevemos em nossos texto, rosacruzes ou maçons.
Para rosacruzes, demonstrações das técnicas que são relatadas nas monografias, grau a grau; entre os maçons, seminários dinâmicos, sem a monótona repetição de palavras ou de instruções, deixando que as colunas se manifestem de modo livre e espontâneo, sobre temas fornecidos previamente. É preciso deixar o Maçon falar e o Rosacruz experimentar suas idéias e conceitos.
Os chamados discípulos precisam de espaço para elaborarem suas dúvidas e questionamentos, sendo papel dos mais antigos apenas orientarem o desenvolvimento destes estudos, de forma a preservar um crescimento do espírito do Irmão ou Irmã livre de chuvas e trovoadas, oferecendo-lhe um ambiente acolhedor para o aprendizado e não o rigor de uma disciplina estúpida e inútil, que desencoraja o questionamento e portanto o crescimento espiritual e intelectual.
Nas palavras do educador inglês Sir Ken Robinson, "a educação está matando a criatividade".
O esoterismo que se baseia na ilusão de que quanto mais oculto melhor aposta na ignorância e sufoca a capacidade de seus membros de colaborarem como o crescimento de suas Ordens.
Sir Robson chama a educação do terceiro milênio de Educação Botânica, que trata o aluno, o discípulo, não como um papagaio repetidor, mas como uma planta que se desenvolve sozinha, necessitando apenas de condições adequadas de solo, sol, e sombra para fazê-lo.
Nós precisamos deste impacto e desta revolução educacional em nossas Ordens, de forma que valha a pena para cada membro sair de suas casas e ir, com satisfação, até o seu corpo afiliado ou sua Loja certo de que, naquele encontro, crescerá mais um pouco como ser humano e como místico.
A alternativa é testemunharmos ( e sinceramente, espero estar enganado) o desaparecimento, por completa obsolescência, destas Ordens que foram o reduto dos místicos e esoteristas por muitos séculos até hoje.


[1] Samkhya

Sámkhya, Sankhya, Sāṃkhya, ou Sāṅkhya (em sânscritoसांख्य : sāṃkhya) é o sistema filosófico indiano que foi desenvolvido concomitantemente com o yoga. A palavra significa "Enumeração" ou "Conta".
Muito antigo, desenvolveu uma psicologia e ontologia sofisticada, que é a base do sádhana ou prática do yoga. Curiosamente é um sistema ateu que nega a existência de um deus interferente (ishvara). Kapila , que viveu pouco antes do Buda, revisor deste sistema filosófico, escreveu os aforismos em que se baseia grande parte do conhecimento atual sobre este intrincado sistema de pensamento.
A investigação através do Sámkhya ampara-se estritamente sobre o conhecimento discriminador, racional, especialmente a ênfase na causalidade. O caráter teórico especulativo do Sámkhya vai eventualmente gerar divergências filosóficas com adeptos do Yoga, este principalmente prático e experiencial.
O mais antigo tratado sobre Sámkhya disponivel - o 'Sámkhyakarika', de Isvara Krsna - inicia o discurso deste modo:
1 - "A partir da ação desagradável das três formas de dor, decorre a investigação do modo de preveni-las; a investigação não é sem propósito só porque o testemunhável existe, porque ele não alcança a prevenção permanente e certa [da dor]."
O objetivo do estudo do Sámkhya é o cessar do sofrimento e da dor. Como outros sistemas filosóficos do período, o Sámkhya encara dor e sofrimento como provindos da ignorância (avydia), não de qualquer ignorância, mas de um tipo específico. E estando dentro de uma cultura hinduísta o conceito de Sansara é importante, sendo ele a roda dos nascimento, na qual ora você é rico, ora pobre, ora saudável, ora enfermo, ora vivo, ora morto; desse modo, o Sámkhya, como outras escolas filosóficas nascidas na Índia, propõe uma saída a essa condição existencial. O conhecimento obtido através do Sámkhya visa Moksha - liberação do sofrimento de todos os tipos, inclusive da morte e vida entendida como Samsara.

Ontologia

O Sámkhya é essencialmente dualista. A distinção fundamental é entre Prakrití, matriz de todos os fenômenos, e Púrusha, a testemunha dos fenômenos.

Prakrití
Para entender o conceito de Prakrití é necessário que se tenha em vista a noção de fenômeno: Prakritíé a matriz que contém todos os fenômenos possíveis. Segundo a noção de causalidade aceita pelo Sámkhya, um efeito qualquer está contido em potencial na sua causa específica. Assim entende-se que, por exemplo o leite contenha em sí a manteiga em forma latente, potencial. Entretanto, o leite sozinho não pode gerar manteiga: para que o efeito se manifeste é necessário um arranjo específico de causas compostas.
Seguindo este raciocínio a teoria do Sámkhya conclui que todos os fenômenos manifestos devem ser efeitos de uma causa primordial, uma matriz de onde emanam todos os fenômenos possíveis. Esta matriz é chamada Prakrití. Para que possa ser efetivamente a causa primordial, é necessário que Prakrití não seja ela mesma manifesta, dado que qualquer manifestação da sua parte seria um fenômeno causado - efeito e não a verdadeira causa. Além disso, já que admite-se que os efeitos advenham de causas compostas, Prakrití também é composta por três "princípios" ou "elementos" chamados Gunas.
Prakrití foi inúmeras vezes conceitualizado erroneamente como a esfera da matéria, em oposição à alma ou espirito. É importante que se reconheça que essas noções são propriamente ocidentais e normalmente pouco precisas para definir o dualismo do Sámkhya.
Púrusha
Púrusha significa pessoa,espírito ou homem . Como vimos, Prakrití é a fonte de todo fenômeno, o contém tudo que tem causas específicas, o que inclui o nosso próprio corpo, nosso ego pensamentos e tudo o mais que é fenômeno. Logo a noção de Púrusha não corresponde de maneira alguma à nossa consciência linguística ou mental de qualquer tipo. Tampouco está relacionada à alma no sentido cristão da palavra, dado que esta também tem causas específicas, sendo considerada por alguns como equivalente a atma no Vedanta.
O conceito mais preciso de Púrusha pode ser apreendido através da noção de "observador". Púrusha é a consciência que observa os fenômenos de Prakrití. Uma alegoria esclarecedora é a do homem no teatro ou cinema: O espectador é o observador de um espetáculo desenrolando-se na sua frente, e pode eventualmente esquecer-se que é espectador, tamanha sua imersão na história à sua frente. Púrusha e Prakrití são entidades distintas assim como atores e espectador, mas o espectador não reconhece sua verdadeira posição, ao invés disso se identifica com a história. No entanto, a verdadeira consciência própria - Púrusha - não se identifica com os fenômenos que testemunha. É somente o observador. O Ego (Ahamkara) é que se identifica erroneamente com o que se desenrola a sua frente. Note-se que o sofrimento não é entendido como fruto de um pecado ou erro cósmico, e sim fruto do engano e da ignorância do ego, nunca do Púrusha. O Púrusha nunca se engana, somente observa e sabe de tudo. Daí decorre que a liberação do Samsára pode ser atingida por meio do conhecimento verdadeiro da natureza do Ser.

Sámkhya e Yôga

Sámkhya e Yôga são consideradas por grande parte dos estudiosos como disciplinas irmãs - onde o Sámkhya é uma investigação lógica acerca da causalidade e da consciência, o Yoga se volta às práticas e experiências da consciência e dos fenômenos. Assim, as duas disciplinas compartilham em grande parte o mesmo sistema teórico.

quarta-feira, 26 de março de 2014

O CORPO, ESTE INJUSTIÇADO


"Porque a carne milita contra o espírito, e o espírito contra a carne."
Paulo Apóstolo, Epístola aos Gálatas, 15:17





Vamos recorrer de novo as nossas comparações didáticas.
Imaginemos um astronauta, em gravidade zero, que faz uma assim chamada "caminhada espacial" para um serviço rotineiro de conserto de um mau funcionamento qualquer de um telescópio espacial, como o Hubble.
Todos hão de concordar que nenhum astronauta, sem oxigênio, exposto a uma situação semelhante, causaria propositalmente qualquer dano a sua vestimenta de trabalho, sem a qual, em um meio diferente de temperatura, pressão e atmosfera, aliás sem qualquer atmosfera, morreria instantaneamente em primeiro lugar, e em segundo lugar, não conseguiria completar sua missão.
Imaginemos a mesma situação em grandes profundidades. Um equipamento semelhante de proteção do nosso frágil corpo seria usado com certeza, para que conseguíssemos chegar até aonde desejássemos, estudar seres abissais, coletar informações oceanográficas, etc, etc, etc. Jamais, expostos a um meio diferente de temperatura e pressão, mergulharíamos tão fundo sem o revestimento de um traje protetor, que nos amparasse em nosso esforço, e que, aliás, o permitisse. Sem este traje, como antes foi dito, morreríamos instantaneamente em primeiro lugar e, em segundo lugar, não conseguiríamos completar nossa missão.
Trajes especiais são feitos para nos permitir viver em ambientes diferentes e investigá-los.
Trajes espaciais ou escafandros, largados a um canto, são peças sem vida, sem atividade própria. Apenas quando os vestimos, damos um sentido a sua existência, movimentos, intenções, da mesma forma que eles nos amparam e protegem enquanto os usamos.
Não militam contra nós, que somos o seu conteúdo e seus senhores pois só fazem aquilo que queremos que façam.
Muito menos deveríamos militar contra eles, já que isto não faria nenhum sentido, considerando que dependemos destes trajes para trabalhar e sobreviver em meios inóspitos e hostis.
Tudo isto posto e considerado, é impossível conceber que fundamentos podem estar no nojo e no medo do corpo e de suas necessidades por aqueles que se dizem líderes espirituais.
É difícil dizer qual a base para esta campanha de tantos séculos levada a cabo por mentes tacanhas ou mal intencionadas, que vêem no traje, e não naquele que o veste, a responsabilidade pelos erros e equívocos éticos que testemunhamos na história da espécie humana.
Da mesma maneira que o traje humano para viver nesta dimensão, o corpo, não pode ser responsabilizado de qualquer comportamento anti ético ou imoral, mas sim aqueles que o usam, da mesma forma não pode ser exaltado como a expressão de nossa humanidade, já que nem a sua forma provavelmente corresponde a nossa, pelo menos se levarmos em consideração as comparações feitas acima.
O que somos, não sabemos. Sabemos o que nosso corpo é, e embora saibamos bem mais do que sabíamos 100 anos atrás, ainda temos muito pela frente para compreendê-lo perfeitamente.
O que somos é este algo dentro de nosso corpo, que não podemos ver ou tocar. Isto que os rosacruzes chamam de personalidade alma.
O corpo, bem como suas necessidades, tem sido injustiçado de maneira sistemática, como em uma tentativa canalha de atribuir-lhe responsabilidade por coisas que em sã consciência ninguém atribuiria.
Culpar um traje espacial por um erro de procedimento em um trabalho qualquer de reparo de uma aparelho espacial seria um disparate.
Da mesma maneira seria um disparate culpar o traje por nos limitar os movimentos em ambientes que, em si, já nos ameaçam, e que nos dilacerariam sem que lançássemos mão deste maravilhoso recurso de imersão neste meio.
As limitações de um traje não podem e nem devem ser consideradas mais importantes do que as vantagens operacionais que ele nos oferece, considerando o ambiente em que estivermos.
O nosso corpo é nosso traje neste mundo, nesta dimensão.
Que mais é preciso dizer em defesa de uma visão menos preconceituosa e descabida sobre o corpo?
Cuidemos de nossos trajes de serviço, e aprendamos a valorizá-los, antes que o Chefe do serviço mande devolvermos.

COMO LIDAR COM RACISTAS

Só mesmo portugueses para ter uma idéia tão interessante e uma abordagem tão criativa deste grave problema humano, o racismo. Parabéns aos autores do filme que reproduzo neste blog como forma de homenagem a criatividade lusitana.

sábado, 22 de março de 2014

NOSSA ÚNICA META É A ILUMINAÇÃO


por Mario Sales, FRC,SI,CRC

Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.
Mateus, 5 - 48


Que queremos, como místicos, do misticismo? A considerar outras coisas que escrevi, falando que ninguém escolhia este caminho mas era convocado para ele, esta pergunta não faz sentido.
Mas digamos que tenhamos alguma expectativa dentro de nós em relação ao nosso desempenho dentro da senda mística.
Qual seria esta expectativa? Poder?
Não, isto é para Ocultistas. A ambição dos místicos é o contato com o Divino, bem ao estilo dos praticantes da tradição protocabalista do Misticismo da Carruagem, o Mercavah.
Mas então, nesta perspectiva, qual poderia ser o desejo mais profundo dos místicos senão preparar-se para este encontro, melhorando, se aperfeiçoando?; como alguém que entra em uma camara de descompressão para não ser vitima de embolia, depois de subir de grandes profundidades.
Sim, é isso. Místicos desejam no fundo do seu ser, a perfeição espiritual, que lhes permita aproximar-se e , quem sabe , serem reabsorvidos na Totalidade.
A intensidade da Presença nos aniquilaria se não nos esforçássemos por chegar perto de Sua perfeição na busca da reabsorção.
Todos nós, místicos, portanto, buscamos a Iluminação, a Perfeição, seguindo a determinação do Mestre relatada em Mateus 5-48.
O desafio é imenso, mas não temos opção. E temos tempo.
Esforcemos-nos, pois.

A Luz de Deus nos aguarda.

EU TINHA UM CACHORRO PRETO E SEU NOME ERA DEPRESSÃO ( UM VIDEO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE)

sexta-feira, 21 de março de 2014

domingo, 16 de março de 2014

DISCRIÇÃO E PRÁTICA MÍSTICA


por Mario Sales, FRC,SI,CRC



"Vocês não devem esperar que ocorram o dia todo ou a noite toda demonstrações fantásticas e incomuns. Não é necessariamente desenvolvida ou espiritualmente harmonizada a pessoa que tem fantásticas experiências imaginárias, que tem sonhos simbólicos ou que sente que está sempre recebendo impressões cósmicas. Aliás, tais pessoas muitas vezes não tem nenhum desenvolvimento psíquico, sendo simplesmente vítimas de sua própria imaginação exacerbada, de suas crenças, superstições e coisas (assim). As experiências cósmicas autênticas são poucas. O desenvolvimento psíquico pertence ao Eu Interior, dizendo respeito à alma e ao progresso espiritual do ser. Enquanto estamos ocupados com os afazeres materiais da vida, esse desenvolvimento psíquico não tem razão nem chance de se manifestar."
MN 123,11°GT, pág 2


É difícil, certas vezes, convencer alguns fratres e sorores de que o histrionismo espiritualista não é condizente com a prática rosacruz, nem privada, muito menos pública.
Todos nós, que frequentamos organismos afiliados conhecemos uma ou outra personalidade que se destaca por um comportamento, para usar um termo mais leve, inusitado, fazendo constantes referências a manifestações místicas e ocultas, relatos dos quais não tem nenhum elemento de comprovação, geralmente acompanhados de máscaras faciais e olhares às vêzes cômicos, às vêzes assustadores.
Qualquer pessoa ou místico de bom senso sabe que a vida a ser vivida é esta, e não outra, e que um sinal de seu equilíbrio e serenidade é sua falta de ansiedade em relação a outros planos, a outras manifestações, por mais curioso que se sinta em relação a estas coisas.
Precisamos cuidar de nossas obrigações pessoais, financeiras e familiares, e isto toma parte considerável de nosso tempo. É neste trabalho diário que expressamos nossas habilidades físicas e mentais, e , ao contrário do que diz o trecho em epígrafe, até manifestamos, sim, algumas das nossas habilidades intuitivas e proféticas como estudantes rosacruzes. 
Em consultório, atendendo pacientes, sempre fui capaz com certa facilidade de estabelecer vínculos mentais e empáticos, a ponto de conseguir um relacionamento de confiança e conforto com meus clientes, muitas vêzes sendo este fato mais importante do que meus procedimentos técnicos.
Todos que procuram uma orientação técnica, querem, além disso, via de regra, serem tratados com cortesia e compreensão. Um ambiente psicológico afável, acolhedor e simpático cria condições excelentes para desfazer desconfianças e permitir um melhor relacionamento entre cliente e provedor de serviço. Rosacruzes, pela natureza de seu estudo, têm uma vantagem neste campo, já que sabem como criar em torno de si um ambiente de harmonia, tolerância e simpatia, voluntariamente, independente do interlocutor.
Este é um ato essencialmente místico esotérico, que demanda sim um conhecimento diferenciado e específico, típico do aprendizado dos rosacruzes.
Só desta forma, sutil, velada, imperceptível aos olhos não iniciados, é que atuação de um esoterista de desenrola, discretamente.
Não se observa em seus gestos nenhum traço teatral, nenhuma mudança de máscara facial estranha ou olhares especiais. Sua influência se dá por uma voz calma, segura, e pelo tom de sua voz ao sugerir posturas positivas e saudáveis aos seus interlocutores, de tal forma que quem escute suponha que esta mudança veio de dentro dele mesmo.
Quanto mais poderoso é o místico, mais discreto ele é em seus movimentos e em suas intervenções.
Por isso devemos desconfiar sempre de relatos exaltados e cheios de teatralidade acerca de ocorrências que, em condições normais de temperatura e pressão, deveria ficar guardadas a sete chaves, na memória e na alma de cada um.

A carência afetiva e insegurança social são as únicas causas para comportamentos pouco discretos, e nada disso tem a ver com a prática mística autêntica.

DIRETRIZES FILOSÓFICAS


por Mario Sales, FRC,SI,CRC


"Lembrem-se que as primitivas escolas de filosofia mística deram origem aos filósofos conhecidos como Gnósticos, cuja organização cresceu muito rapidamente e mais tarde tornou-se um grave obstáculo a rápida expansão das especulações cristãs, porque os gnósticos procuraram exemplificar o que o nome gnosticismo significava, qual seja conhecimento e sabedoria. Os gnósticos eram pessoas que se pautavam pelo conhecimento, que não afirmavam nem ensinavam nada que não conhecessem absolutamente. Eliminaram de seus ensinamentos toda possível dúvida ou crença que não fossem corroboradas pelo conhecimento autêntico ou que fosse baseada (apenas) em fé. Vocês podem compreender, portanto, que os ensinamentos dos gnósticos, durante a vida de Jesus ou logo depois, tornaram-se um real empecilho a expansão das doutrinas cristãs, que então passavam por uma mudança rápida e contínua baseada em especulações dos líderes eclesiásticos e autoridades da igreja, cuja única intenção era a de criar e promulgar ensinamentos doutrinários que apoiassem e constituíssem uma igreja. Esses líderes gnósticos dividiram-se em várias escolas, mas jamais perderam de vista o objetivo de não se afastarem do conhecimento; e nesse sentido os Rosacruzes eram iguais aos gnósticos;  aliás, muitos dos Rosacruzes pertenceram a escola do Gnosticismo."
De uma monografia rosacruz do 11° grau

Anos atrás, li estas linhas com a mesma devoção que as leio agora. Entre velas, respeitosamente, eu estudava a história de minha ordem, e relembrava, ao mesmo tempo, seus princípios, seus valores mais preciosos, seu respeito ao pensamento fundamentado e ao conhecimento que nos deu civilização, educação, preceitos de dignidade mental que tanto orgulho nos causam, a nós seres humanos, rosacruzes ou não.
Sim, porque a escola rosacruciana está inserida na Humanidade, não é outra coisa senão parte integrante desta mesma humanidade, e gosto de pensar que seja uma de suas melhores partes.
Os rosacruzes tem princípios nobres a norteá-los e estes princípios foram tornados compreensíveis aos contemporâneos pelo trabalho impressionante e sempre subestimado de Harvey Spencer Lewis.
Destes princípios, talvez o mais importante seja o amor ao conhecimento, ou como diz o texto em epígrafe, um trabalho educacional "que não afirme nem ensine nada que não se conheça absolutamente". De forma que se elimine "de seus ensinamentos toda possível dúvida ou crença que não sejam corroboradas pelo conhecimento autêntico ou que sejam baseadas (apenas) em fé".
Foi isso que eu aprendi e que estudei em muitas monografias de AMORC. É isto que tento passar para fratres e sorores em exposições em locais os mais variados, em conversas em organismos afiliados que visito, em contatos pelo skipe.
Rosacruzes devem, apenas por ser rosacruzes, ler sobre tudo que possa fazer a sua vida tornar-se mais rica e produtiva, e sua mente e pensamento com horizontes mais largos. Portanto, um verdadeiro estudante de AMORC não estuda apenas os assuntos relacionados a AMORC, mas também sobre Arte, Ciência e Filosofia. Procura conhecer a História da raça humana, o grupo a que pertence, as mudanças de perspectiva do real que se sucederam século após século; procura entender as dificuldades encaradas por astrônomos e astrofísicos ao longo dos anos para compreender a natureza do Universo; dos biólogos, na tentativa de compreender o funcionamento da Vida e os comportamentos dos animais com os quais dividimos este planeta.



Rosacruzes não tem forma, ou cor de pele, ou credo que os iguale, mas todos , sem exceção, são pessoas curiosas e interessadas em ampliar seu conhecimento, e a partir daí, sua sensibilidade. E para que um conhecimento seja ampliado de modo sólido e sustentável ele não pode, repito, não pode ser produto apenas de crenças e suposições; não pode enfim ser baseado apenas na fé.
Fé é crer em algo sem fundamentação. Esta não é, repito, não é uma atitude mental rosacruciana, como citado no trecho em epígrafe. Rosacruzes se comportam e sempre se comportaram como membros do gnosticismo, movimento que nada tem a ver com a chamada Escola Gnóstica Moderna.



Hoje a Escola Gnóstica Primitiva não existe mais porque seu lugar foi ocupado pela Ciência.
É o método científico que norteia, hoje, a busca por conhecimento fundamentado. E embora nem todos os rosacruzes sejam cientistas, o espírito científico pode e deve estar presente em seus corações e mentes.
Um bom e autêntico rosacruz não zomba ou desconfia da ciência ortodoxa. Pelo contrário, procura estar a par dos avanços, dentro do possível, porque sabe que as limitações da ciência são o sinal de sua prudência ao construir um saber realmente demonstrável e fundamentado.
Quanto ao aspecto místico, característico dos rosacruzes, mesmo aí o método científico também pode auxiliar, já que para o místico, ao contrário do religioso, o Divino é uma experiência e não uma crença.
O verdadeiro Rosacruz sente Deus em si mesmo e em sua vida, experimenta Sua Sagrada Presença, e portanto, não precisa acreditar em algo que faz parte de seu cotidiano, como o Sol ou a Lua.
Isto é conhecimento fundamentado.
Isto é misticismo verdadeiro.
Nós não somos membros de nenhuma seita, de nenhuma religião e nossos líderes não são líderes religiosos que exigem de nós devoção e adoração.
São seres humanos e fratres e sorores como todos nós e precisam de nosso auxílio para manter a qualidade desta que é a mais profunda e nobre Ordem Esotérica do planeta.
E nesse sentido, todos os membros de AMORC precisam desenvolver cultura e capacidade de reflexão, de forma que sejam um exemplo de cultura e discernimento para todos com quem conversarem, demonstrando e exemplificando com seu conhecimento e sabedoria sua inteligência e sensibilidades diferenciadas.
Esta é a única e a melhor propaganda que podemos fazer de nossa amada Ordem; essas são as diretrizes filosóficas que nos norteiam como membros e das quais jamais devemos nos afastar.

sexta-feira, 14 de março de 2014

JAN VAN RUYSBROECK


por Mario Sales, FRC,SI,CRC

RUYSBROECK (1293-1381)

Jan van Ruysbroeck, chamado 'o Admirável', foi um místico belga, de expressão flamenga, nascido em 1293, na aldeia que lhe deu o nome, nas proximidades de Bruxelas. Depois de estudos em Bruxelas, Jan van Ruysbroeck foi ordenado sacerdote em 1317. Ali permaneceu a serviço da catedral de Santa Gúdula. Por volta dos seus 50 anos se retirou para uma ermida numa floresta, acompanhado por seu tio e outros amigos. Ali iniciaram uma vida austera, meio eremítica e meio conventual, alternando a oração com o trabalho. Ao ser organizada a comunidade em mosteiro regular, foi eleito seu primeiro Prior, em 1350, fato que gerou ao mesmo tempo sua grande influência. Ruysbroeck era procurado por inúmeras pessoas procurando orientação espiritual e mística.

(in http://coracaomistico.blogspot.com.br/2007/12/ruysbroeck.html)




JAN VAN RUYSBROECK

Amadeu me telefona. 
"- Marinho, Américo (Américo Sommerman, Editora Polar) está publicando um livro muito bom, sobre um místico belga do século 13, voce precisa ler, eu estou lendo e vou mandar pra voce".
"Mas se Américo está publicando está na praça, diga o nome que eu compro por aqui" respondo.
"Não, deixa que eu mando", insiste ele.
Passam-se alguns dias, e Frater Amadeu liga novamente hoje :
"-Olha, já postei o livro, quando chegar me avisa"
Hoje a tarde, repousava, quando o correio me chama da grade. Não sei porque alguns carteiros tem uma predileção pelo drama e pelos gritos quando um civilizado toque de campainha seria suficiente.
Tem uma encomenda e quer que eu assine.
Pensei :"-Não pode ser o livro, Amadeu está em Uberaba, não chegaria tão depressa."
Era o Livro. Olhei o pacote, espantado pela velocidade com que chegou. Estava indisposto, voltei a deitar pensando "Mais tarde eu abro".
Assim fiz. Qual não foi o meu espanto quando vejo, abaixo do nome de Amadeu, no remetente, um endereço da Vila Madalena, em São Paulo.
"Puxa, Amadeu esteve aqui tão perto e nem pra me visitar", penso com meus botões.
Abro o pacote e cuidadosamente embrulhado em papel bolha, vejo o livro. Surpresa: grudado elegantemente ao centro, um cartão pessoal do próprio Américo.



Américo Sommerman


Olho o pacote com mais atenção.
É uma correspondência da própria editora Polar.
Tudo fica mais claro. "Amadeu está prestigiado", penso.




Fora a gentileza de Américo, instigado por Amadeu, suponho, um livro novo é sempre uma experiência gratificante. Ainda mais em impressão tão bem cuidada. Gostei até da capa, com essa luz que surge e se expande por trás do título. A cor é sóbria, agradável aos olhos. Muito elegante, em suma.
A obra deste místico belga que foi chamado "O Admirável" é pouca conhecida por estes lados e é mais um serviço que Américo Sommerman presta aos místicos brasileiros e portugueses ao disponibilizar no nosso idioma, em um único volume, os três livros que compõem estes ensaios deste sensível escritor.
Precisamos, penso, desesperadamente destes textos. Eu particularmente, como rosacruz, não tenho mais nenhuma atração pelo esoterismo, mas sim pelo misticismo. Aos textos de Martinez de Pasqualy, prefiro os de Louis Claude de Saint Martin.
Aos de Elyphas Levy, os relacionados a Philipe de Lyon.
Precisamos ler sobre aqueles que buscaram o contato direto, que mergulharam no ato devocional, que se interessaram pela essência do trabalho místico: o contato com a Fonte de Todas as Coisas. Isto nos fortalece e nos alimenta na senda.
Esoterismo é distração. Misticismo é motivação.

Lucia Primo

Na orelha desta edição, traduzida do flamengo para o inglês por C.A.Wynschenk Dom, e do inglês para o português por Lucia Beatriz Primo, está dito que Ruysbroeck, já com seus 50 anos, abandona a cidade de Bruxelas e refugia-se com um tio e amigos em um local ermo aonde fundam uma pequena comunidade, cansado do "contraste entre (suas) formidáveis intuições da Eternidade e o excessivo formalismo religioso, (sem falar) na insuportável agitação da cidade".
Qual de nós, hoje, não sente o mesmo, enquanto místicos? Não sentimos todos nós, que o espírito de Deus não pode ser contido em um ritual? Não sentimos que, mesmo fora do ambiente iniciático, Sua Presença é indiscutível e poderosa? Que esta mesma Divina Presença, esta Shekinah, plana sobre nossas cabeças ao lavar um prato do almoço, ao tomar café pela manhã, da mesma forma que durante um ritual esotérico?
Como reter o canto de um rouxinol em uma gaiola?
Nada contra os rituais mas podem eles, em si, serem as únicas estratégias de provocar esta conexão, ou terão um papel transitório, didático, que uma vez alcançado, faz com que percam sua importância? O ritualismo excessivo nos aproxima ou nos afasta de Deus?
Por  outro lado, a intuição, uma vez desperta, estabelece uma conexão direta entre nossa mente e a mente divina, refaz nossa união, jamais perdida, mas esquecida e negligenciada por uma educação ateísta e medíocre.
Educar é formar pessoas sensíveis e capazes de buscar o conhecimento por si mesmas. Este despertar da educação propicia a inspiração de idéias, outro nome para Intuição Captativa.
Qualquer místico de intuição desperta sabe que ser tocado pela influência não só não é um fenômeno restrito a iluminados, como também é mais fácil do que nos fizeram supor por séculos os "Doutores da Igreja", mais interessados em nos separar de Deus do que nos aproximar.
Assim, Ruysbroeck também sentiu o peso deste formalismo e optou pelo retiro e pela meditação no silêncio. Imaginem no século XIII e XIV alguém achar uma cidade demasiadamente agitada.
Não teriam senão alguns minutos de vida em meio ao burburinho de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
Mas tudo é muito relativo. O que importa é que embora sete séculos nos separem, os problemas dos místicos continuam os mesmos.
E de que trata este texto, publicado originalmente em três volumes?
Diz Ruysbroeck:
“Para que o espírito possa contemplar a Deus por Deus mesmo nessa luz divina, sem intermediários, é preciso, da parte do homem, três coisas. A primeira é que ele deve estar perfeitamente ordenado exteriormente em todas as virtudes e deve estar sem nenhum entrave interiormente e tão desligado de todas as obras exteriores que é como se elas não existissem; pois, se seu vazio for perturbado interiormente por algum ato de virtude é porque existe uma imagem; e enquanto isso durar, ele não pode contemplar.
“A segunda condição é que ele deve unir-se a Deus interiormente, com intenção amorosa, como um fogo ardente que queima e é impossível de ser extinto. Enquanto estiver nesse estado, ele é capaz de contemplar.
“Em terceiro lugar, deve ter perdido a si mesmo numa ausência de modos em uma Treva na qual todos os espíritos contemplativos são tragados fruitivamente, incapazes de jamais se encontrar segundo o modo das criaturas".
E conclui ele:
"É no abismo dessa Treva, na qual o espírito amante morreu para si mesmo, que começa a manifestação de Deus e a vida eterna. Pois é aí, nessa Treva, que brilha e engendra-se uma Luz incompreensível, o próprio Filho de Deus, no Qual nós contemplamos a vida eterna!". 
Sim, é preciso mergulhar na Treva para que a Luz brilhe. Paradoxal, mas correto. As Trevas sempre foram, senso comum, associadas ao Mal e a Perdição.
Mas o Cabala nos lembra que Luz, em si, é um atributo do Ser, e não o Ser, e que a Luz, Kav, é o instrumento através do qual o Ser cria o mudo visível, nas palavras de Luria, dentro da esfera aberta dentro do próprio Ser pelo Tzim Tzum.
A Luz é o modo pelo qual a imagem da criação (Maya, no sânscrito) surge, como a projeção de cinema já citada nestes espaço. Mas o projetor do filme em si, embora produza luz, não é Luz em si mesmo, mas uma fonte desta Luz que jogará na Tela a nossa frente, alegrias, tristezas, dramas e maravilhas.
 É de uma máquina oculta nas trevas atrás e acima de nossas cabeças na sala de projeção que surge a vida do filme a nossa frente num raio de luz mágico que dá vida ao que antes era apenas uma tela em branco. (Koilon, para os teósofos)
Portanto, mergulhar em Deus, fonte de tudo, não é prestar atenção no filme que assistimos, por mais belo que ele nos pareça, por mais emoções que nos provoque. O filme, em si, não passa de uma ilusão cinematográfica, uma efeito óptico, com duas únicas finalidades: divertir e ensinar.
A fonte de tudo está atrás de nós, nas Trevas que nos circundam na sala de projeção, e precisamos de algum esforço para romper o vínculo psicológico com esta inversão moderna da Caverna de Platão e sairmos em busca, não da Luz, como no mito, mas da Verdade, oculta nas Trevas.
A Fonte da Luz, pois, está nas Trevas.
É preciso que fechemos os olhos para ver, verdadeiramente.
 A Luz, as imagens, neste caso, distraem o místico de seu objetivo, oculto nas Trevas.
"... pois, se seu vazio for perturbado interiormente por algum ato de virtude é porque existe uma imagem; e enquanto isso durar, ele não pode contemplar."
A virtude, a nobreza, como qualquer adjetivo ou qualificativo, definem a necessidade de um sujeito a ser qualificado, adjetivado; portanto, um ego, uma imagem social do indivíduo.
As Trevas devem absorver esta ilusão de ser um ser separado de Deus, para que a fusão ocorra. É na perda da ilusão de ser algo que mergulhamos no todo.
Não podemos ter um nome, uma reputação, uma imagem, portanto. Não podemos ter algo a preservar.
Preservar-se é ancorar-se, é deter nosso barco no fluxo do rio da existência. Sem que o barco navegue, não existe avanço.
A água precisa correr pelo rio para manter-se limpa. Se a água pára, fica turva e depois, torna-se lama.
Fluir é a única preservação possível. É quando esquecemos o que somos que nos tornamos o que realmente somos.
Devir, transformar-se, ininterruptamente. Este é o verdadeiro Ser.
Sem imagem, resta a escuridão, a ausência de contorno, de forma.
Essa é a Divina Escuridão em que aquele que busca o Absoluto, mergulha.
É neste estado que é possível a segunda condição, a adoração interna. Livre das distrações externas, das imagens, o místico mergulha em si, no seu interior, no terreno solitário de seu coração, território aonde se dá o encontro entre Devoto e a Divindade.
Não há outro espaço possível para tal encontro, lembra Jan Van Ruysbroeck. Este é o templo verdadeiro, o oratório secreto, o sactum sanctorum onde cada místico realizará este contato. Mais que um contato, trata-se da busca de uma fusão, que aqui é chamada eufemisticamente "casamento", no caso um "casamento espiritual". O que buscam os noivos? Fundirem-se apaixonadamente em um só, gerarem o um, o filho, a partir desta fusão, filho no qual pai e mãe se transformam definitivamente em algo diferente deles, mas resultante de sua união.
É isto que busca o místico em sua fusão com o Divino. A resultante desta fusão é algo mais perfeito, uma síntese deste encontro, a qual pode retornar sobre aquele que se funde. O mistério é que aquele que é o noivo e que se "casa" com a "Alma de Deus", seja também o próprio filho desta União, já que emerge dela transfigurado pela experiência.
A isto chamamos Iluminação, ou no caso aqui, "Entrevação", o mergulho nas Trevas do Desconhecido, mergulho do qual emergimos transformados.
E conclui Ruysbroeck:
""É no abismo dessa Treva, na qual o espírito amante morreu para si mesmo, que começa a manifestação de Deus e a vida eterna. Pois é aí, nessa Treva, que brilha e engendra-se uma Luz incompreensível, o próprio Filho de Deus, no Qual nós contemplamos a vida eterna!". 
É disso que trata esta obra, passo a passo.
Desfrutemo-la.
Telefonarei a Américo para agradecer o gesto carinhoso.
Quanto a voce Amadeu, sem palavras. Meu muito obrigado.

segunda-feira, 10 de março de 2014

CAMPO DE ESTRELAS

por Mario Sales, FRC,SI,CRC


Praça das Pratarias, Santiago de Compostela


É verdade que a viagem foi primeiramente para Portugal, mas admito que a vibração de Santiago me magnetizou.
Fiquei fascinado ao saber dos aspectos etimológicos do seu nome, tanto quanto com o ambiente de devoção que compartilhei por lá.



O Autor na Praça das Pratarias, Santiago de Compostela



Santiago é o mesmo que São Tiago, apóstolo. 
Já Compostela tem dois significados: o primeiro, é a corruptela de Campo de Estrelas, pois conta-se a história, as relíquias de São Tiago, que estão guardadas na Catedral de São Tiago, só foram encontradas por causa dos sonhos proféticos de um eremita, que sonhava todas as noites com um campo aonde havia constantemente a manifestação de estrelas cadentes.



O segundo significado é que Compostela é o nome do documento que cada peregrino recebe, comprovando sua condição de peregrino, após apresentar uma caderneta que ele consegue em sua paróquia, caderneta essa que é carimbada em cada posto de repouso e parada ao longo da peregrinação, que no mínimo deve percorrer 100 km.
Existem vários caminhos para Santiago, o caminho Português, o Espanhol, o Francês. A condição acima permanece, entretanto, para todos eles.



Peregrinar é um ato físico, mas pode ser entendido também como um ato psicológico. Símbolo disto são as pilhas de pedras pelo caminho. Existe a noção de que aquelas pilhas de pedras são deixadas por alguns peregrinos para marcar o caminho para outros peregrinos que vem depois mas que também representam uma superação alcançada ao longo do trajeto, uma mágoa transcendida, uma tristeza ou angústia dissipada por este exercício de fé.
Pedras como marcas, pedras como referencias de estágios da evolução de cada um.



Existe ainda esta poética característica do caminho de Santiago: os indicadores feitos de conchas[1]. Junto com as setas existem conchas para a direita, para cima ( que significa em frente), e para a esquerda.





Conchas aonde se recolhia a água para beber, a comida a se comer, durante a peregrinação. Conchas que são de cálcio, como de cálcio são os nossos ossos, sustentação de nosso corpo, veículo de nosso espírito.
Concluímos, pois, que só podemos nos alimentar da experiência através deste corpo que nos carrega e ao qual damos vida por nossa presença.
É neste corpo, aonde recebemos a água e o pão de todos os dias, que conseguimos trilhar esta vida em direção a nossa própria catedral.

É dele, corpo e espírito, que retiramos, trecho a trecho do caminho, uma pedra aqui, outra ali, de nossa bagagem, deixando para trás, pouco a pouco, os erros e desventuras inevitáveis do trajeto.

Mais leves, mais sóbrios, mais lúcidos, estamos também mais aptos a perceber a espiritualidade deste corpo e desta jornada, tão espiritual quanto física, aonde esses dois aspectos se fundem de modo a não se perceber distinção entre um e outro.
Se fica uma lição da viagem é que por caminhos tão longos, é impossível que cocheiro e passageiro da carruagem não acabem por conversar e que , em determinado momento, não viagem juntos, lado a lado, na frente da carruagem, irmanados pelo destino comum.
Corpo e alma são cocheiro e passageiro da mesma carruagem. Ou procedemos o casamento alquímico de ambos, ou pereceremos na ignorância do sentido sagrado de tudo que existe , desde a mais simples concha, ao mais glorioso ritual.
O mesmo Deus glorioso está em toda a parte.
O mesmo Deus.
Sem separações, sem distinções, sem possibilidade de diferença.
Existem muitas lições a se tirar da peregrinação.
Uma delas é a noção de Unidade de todas as coisas.
Como sucede com os peregrinos na Espanha, roguemos a Deus que nosso suor batize nossa iniciação, água abençoada do esforço do corpo na busca pela sua própria alma na Catedral Interior.
Que assim seja.


[1] Primeira versão: Depois da morte de Santiago os seus discípulos levaram o corpo de barco para a península ibérica, para ser enterrado no que é hoje Santiago de Compostela. Ao largo da costa ibérica, uma violenta tempestade atingiu o navio e o corpo caiu ao mar tendo-se perdido. Contudo, depois de algum tempo, deu à costa sem estragos, coberto por vieiras.
Segunda versão: Depois da morte de Santiago o seu corpo foi misteriosamente transportado por um navio sem tripulação para a península Ibérica, para ser enterrado no que é hoje Santiago de Compostela. Quando o navio se aproximou de terra, estava a decorrer um casamento na costa. O jovem noivo estava montado num cavalo e ao ver o navio aproximar-se o cavalo assustou-se e cavaleiro e montada mergulharam no mar. Através de uma intervenção miraculosa, o cavaleiro e o seu cavalo emergiram da água vivos, cobertos de conchas. A concha de vieira também é uma metáfora. Os sulcos radiantes na concha, que se juntam num só ponto, representam as várias rotas usadas pelos peregrinos, que acabavam por chegar todos ao mesmo destino — o sepulcro de Santiago em Compostela. A concha além disso uma metáfora do peregrino: como as ondas do oceano arrastam conchas de vieira para as costas da Galiza, a mão de Deus guia os peregrinos para Santiago. A concha tinha também utilidade prática para os peregrinos, pois tem o tamanho adequado para tirar e beber água das fontes e para servir como tigela de comida. Tradicionalmente, a vieira é pendurada no chapéu, outro artefato típico do peregrino, ou então na roupa. No passado, os peregrinos apresentavam-se em igrejas, castelos, mosteiros, etc. Ao longo do Caminho e podiam contar com oferta da comida que conseguissem recolher com uma colherada da concha. Provavelmente davam-lhes aveia, cevada e talvez cerveja ou vinho. Dessa forma, até as casas mais humildes podiam ser caridosas com os peregrinos sem risco de serem sobrecarregadas. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caminhos_de_Santiago)