Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

COMENTÁRIOS SOBRE O TRATADO DA PEDRA FILOSOFAL, de LAMBSPRING


Por Mario Sales, FRC, SI

A pedido de uma sóror de Santos, SP, começamos a estudar um texto clássico da Ordem, “O Casamento Alquímico de Cristian Rosencreutz” (1616), que junto com Fama Fraternitatis, também intitulado Fama Fraternitatis Roseae Crucis oder Die Bruderschaft des Ordens der Rosenkreuzer (1614) e Confessio Fraternitatis (1615) compõem a Trilogia de manifestos rosacruzes. Temos usado para este estudo, via Skipe, a publicação da AMORC que reúne os três manifestos, ainda sob a coordenação e supervisão de nosso antigo e saudoso Grande Mestre, Charles Vega Parucker, de 1998.


Jamais imaginei que depois das dificuldades que nos últimos três anos tenho encontrado para me acostumar com a terminologia e arcabouço de conceitos teosóficos, com a ajuda paciente e fraterna de Mestre Flavio, eu encontraria outro texto de natureza hermética equivalente.
Equivalente, por sinal, em complexidade, não é um adjetivo justo para o Casamento Alquímico, mas minha afinidade pela alquimia era mínima e minha ignorância de sua simbologia, imensa.
Durante a primeira leitura, saltava aos olhos o simbolismo quase ingênuo de certas imagens, mas como um hermeneuta prudente ainda me sentia inseguro de concluir pela interpretação deste ou daquele signo sem o apoio de um texto base.
Américo Somermann

Para minha felicidade, e atendendo a minha visualização, por motivos de estarmos no mesmo evento neste fim de semana, em Ribeirão Preto, confraternizei com Américo Somermann, este Editor corajoso que facilitou a todos os esoteristas brasileiros, acesso a textos fundamentais para Rosacruzes, mas muito mais para Martinistas, considerando que a espinha dorsal da Obra de Jacob Boheme foi traduzida. 
Américo levou para divulgação vários exemplares das publicações da Polar, mas dois ou três me chamaram atenção, já que os outros eu já possuía. 
Entre estes, cito especificamente O Tratado da Pedra Filosofal, de Lamb-spring, ou Lambsprink provavelmente um pseudônimo, em dois volumes.
Patrick Paul
A edição como tudo que a Polar publicou, é de uma elegância e beleza inspiradoras,traduzida por Marly Segreto, da de Patrick Paul (Livre docente em Ciências da Educação, doutor em Medicina e em Ciências da Educação, mestre em Ciências [Microbiologia] e em Antropologia, atualmente é Professor Visitante da Faculdade de Medicina da USP) ; o texto, do século XIV ou XV, é primoroso, publicado em dois volumes, e foi referência no estudo alquímico para famosos esoteristas ao longo dos séculos. Patrick Paul, por sinal, é uma figura constante na Ed. Polar (vide O Paradoxo do Nada, em 2011). 
Imediatamente vi que estes eram os tais textos de apoio que necessitava para continuar minha exegese do Casamento Alquímico. Ontem e hoje os folheei, curioso.

Marly Segreto
O interessante é que, embora minha expectativa fosse ter suporte para um estudo alquímico, fui surpreendido pelo fato de que o Autor, dada sua erudição, descreve e explica as imagens alquímicas do livro lançando mão de conceitos cabalísticos.







É o caso da página 195 aonde lemos: “ O Centro Frontal enunciado na Ioga está aberto. Essa mesma passagem corresponde, na Cabala, à entrada no mundo de Briah e ao acesso à Tiferet. Ela é considerada, na Cabala, como a travessia de um véu (o Parohet)[1]que separa as quatro sephirot inferiores das seis superiores (as quais, por sua vez, são separadas de três em três por outro véu, o dos Abismos). Essa travessia, que abre acesso a outro nível de realidade, é chamada de Obra em Branco. ”[2]
Para minha alegria, descubro um texto explicado em termos cabalísticos, o que, para usar uma expressão típica da minha terra, o Rio de Janeiro, é mais a minha praia. Muito bom. Acredito que será uma grande leitura, enriquecedora e esclarecedora. Mãos a obra.




Para informações, acesse o site da Polar Editorial http://polareditorial.com.br/


[1]Que eu, Mario, chamo de Paroketh.

[2] Meditações sobre o Tratado da Pedra Filosofal de Lambspring, pág.195. Ed Polar, vol 1, 2014

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A DOUTRINA SECRETA DE HELENA BLAVATSKY IIIº VOLUME

Novos comentários sobre a leitura

        por Mario Sales, FRC,SI,CRC 18°



"1.Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha pra dizer.
2.Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si, os traços que deixaram na cultura ou nas culturas.
3.Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele.
4.O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vêzes, descobrimos nele algo que sempre soubéramos ou acreditávamos saber, mas que desconhecíamos que ele o dissera pela primeira vez."

Ítalo Calvino in "Por que Ler os Clássicos", Ed. Compahia das Letras


Em uma dessas noites da Confraria do Vinho In Vino Veritas, aqui em casa, queixei-me das dificuldades da leitura da Doutrina Secreta, (DS) de Helena Petrovna Blavatsky (HPB). A pergunta a seguir era inevitável: "Mas porque então você está lendo?"
Melhor seria que Calvino, eminente escritor italiano do século XX, nascido em Cuba, e não eu, tivesse dado a resposta acima. Só que eu ainda não a conhecia.
Respondi, se me lembro bem, que me sentia na obrigação de conhecer as obras clássicas do esoterismo, se não todas pelo menos aquelas que puder digerir em uma encarnação.
Gosto de conversar sobre o que conheço, não de especular sobre que o que nunca contemplei. E em esoterismo como na vida social em geral, ouvimos discursos absurdos que traem o desconhecimento do assunto de quem fala.
É apenas por isso, por amor ao conhecimento fundamentado, que eu e Flavio continuamos a desbravar as florestas cerradas da DS da Editora Pensamento, agora lidando com o III° volume, "Antropogênese".
Supõe-se, ao ler este título, que HPB e seus mentores dedicar-se-ão, ato contínuo, a narrar a formação inicial do homem e da humanidade, bem como seu desenvolvimento.
No entanto, com inegável talento para o Caos descritivo, ela inicia o tomo estudando novamente as Estâncias de Dizyan, de I até XII.
Em um trecho anterior às "Estâncias", intitulado "Notas preliminares sobre as Estâncias Arcaicas e os quatro continentes pré históricos", na pág. 15, HPB alerta que realizou "...uma tradução a mais literal possível; mas algumas das Estâncias... ", continua ela, " ...são demasiado obscuras para que possam ser compreendidas sem uma explicação...", e por isso HPB se propõe a explicá-las "...versículo por versículo."
Se este projeto se mantivesse fiel a sua proposta, eu nada teria a comentar. Só que é exatamente pela ausência de uma linha lógica e encadeada de pensamento, (espargindo de modo anárquico e, às vêzes, desnecessário, milhares de informações pulverizadas, ao mesmo tempo, com o objetivo de demonstrar erudição), que o leitor desarmado sente-se atormentado com as frequentes quebras de estilo, tão bruscas e grosseiras ao longo da narrativa, que o livro cairia das mãos de qualquer leitor menos maduro com facilidade.
Nestas "Notas Preliminares...", HPB é, ao contrário, bem clara. Diz que "...no que concerne à evolução da Humanidade, a DS enuncia três novas proposições, que se acham em contradição formal com a ciência moderna [ciência de sua época, séc.XIX], e também com os dogmas religiosos correntes".
Segundo HPB, a DS "...ensina...(a) a evolução simultânea de sete grupos humanos em sete diferentes partes do globo;(b) o nascimento do corpo astral antes do corpo físico, servindo o primeiro de modelo ao segundo; e (c) que o homem nesta ronda, precede todos os animais - inclusive os antropóides - do Reino Animal."
Deduzimos, ingenuamente, que ela começaria o texto deste terceiro volume por aí, certo? Errado. Basta que olhemos o índice da parte I (Antropogênese) na página 7, para vermos que a coisa para HPB, não pode ser tão simples. Dos 26 tópicos enumerados ali, só o 25º fala especificamente de "grupos humanos em desenvolvimento"ou, como HPB prefere, de raças raiz.
Até chegar aí ela se demorará em considerações paralelas sobre símbolos do Oriente e do Ocidente, sem que fique clara a razão e a importância pela qual ela o faz.
É como se, subitamente, HPB perdesse o foco e se esquecesse do que estava falando. Não se trata de mudança de estilos literário como já ouvi comentarem. É perda de linha de raciocínio pura e simples.
E o que nos causou mais perplexidade foi que, na página 53 ela lança sem aviso números permutados ao texto, ao modo da Gematria e da Themurah.
Sem uma orientação prévia, de repente, lê-se na linha seguinte: "A Cabala nos ensina que estes Sephirot eram números ou emanações da Luz Celeste" e acrescenta a este trecho um parênteses inexplicável "(20612:6561)".
Flavio e eu nem nos olhamos, tamanha nossa perplexidade. Continuamos a ler na esperança de que mais a frente surgisse uma explicação. Mas nada acontecia.
Que significariam estes números? Porque e para que foram colocados ali? Por que os dois pontos entre ambos?
Fui para a internet e após pesquisar um pouco achei em um site, www.nova-acropole.pt/a_lexaritmos, o que nos pareceu ser a razão de ser destes números.
Ao que parece esses Lexaritmos são parte de um código usados em diversas culturas para ocultar de profanos conhecimentos sagrados. Por que trazê-los ao texto naquele momento continuou sendo um mistério para nós.
Este aspecto, a codificação do que já é esotérico de per si, talvez mereça um post a parte.
O que tanto eu quanto Flavio notamos foi a falta de senso de momento no texto e no contexto para o aparecimento destes números.
Este episódio mostra o que falei acima: em certos momentos as mudanças de direção da DS são tão bruscas que mostram apenas perda de linha de raciocínio e não mudança de estilo literário, como alguns eufemicamente dizem. Já vi alguns esoteristas atribuírem o fenômeno, reconhecido por outros, ao fato de que três grandes mestres segundo consta usavam HPB como veículo de suas próprias idéias. O que em si, seja ou não um fato, não melhora o problema da compreensibilidade do texto em questão.
Após todas estes questionamentos, muitos podem indagar qual a motivação que nos faz continuar a leitura deste texto. Além do comentário de Calvino em epígrafe , a resposta é simples: somos dois rosacruzes, e já que é assim, somos extremamente curiosos.
Perguntamos-nos todas as quartas feiras porque um texto tão confuso tornou-se um clássico; tentamos identificar aonde o texto está confuso devido à uma tradução inadequada de Raymundo Mendes Sobral, aonde são erros de impressão da própria editora Pensamento e aonde existem indícios de que o texto foi adulterado por terceiros, ainda em Adyar, leia-se Ane Besant e Leadbeater, no período imediatamente em seguida a morte de HPB.
Não é possível que este livro seja um clássico do esoterismo apenas pela simplicidade intelectual de seus leitores que julgaram ao longo de décadas o conteúdo pelo volume de informações ou, por reverência inexplicável, abstiveram-se de analisar criticamente o texto em questão, mesmo que suas colocações sejam inverossímeis, já que como qualquer texto esotérico religioso ele só pode ser avaliado no terreno da fé.
É preciso crer que o que HPB narra é real, não só para ela, para se continuar a leitura. Ou pelo menos deixar em suspenso, como bons fenomenologistas husserlianos, a decisão sobre o que é ou não verdade em seus relatos, até que mais dados estejam disponíveis.
Antes de tudo, por sermos esoteristas rosacruzes , é preciso conhecer o texto, ir ao texto, com coragem, mas com humildade, sem no entanto, em nenhum momento, eximir-se de pensar aquilo que estamos lendo.
Como quando conceitos cabalisticos são alterados sem pudor. Na página 55, e convenhamos, isto não deve ser atribuído a HPB, mas aos seus tradutores, uma das obras fundamentais do Cabala Judaico, o Sepher Yetzirah, é traduzido para o português como "Número da Criação". Ora, de acordo com Arieh Kaplan, minha referência em textos fundamentais de Cabala, no livro "Sêfer Ietsirá" , O Livro da Criação, ed. Sêfer, 3a edição revisada, set de 2005, o trecho 1:1 do Yetzirah, em outra forma de grafar, diz que  "...E criou o Universo com três livros (Sefarim), com texto (Sefer), com número (Sefar) e com comunicação (Sipur). Portanto traduzir Sefer (texto ou livro) como se fosse Sefar (número) é uma falha grosseira de tradução que nesta versão da DS, para mim e para Flávio, hoje, já não surpreende.
Nessa hora sempre aparece a "turma do deixa disso" que argumenta que se trata de uma vertente interpretativa diferente, mas não errônea. Este argumento não se sustenta mais, hoje. Traduções melhores, a internacionalização do conhecimento do hebraico e a melhoria do conhecimento histórico, tiram este debate da sombra cinza aonde querem colocá-lo. Trata-se de um erro de tradução, puro e simples, sobre o qual HPB não tem nenhuma responsabilidade.
Continuaremos a ler e criticar o texto, mas também a estudá-lo na sincera intenção de entendê-lo.
Infelizmente aqui não podemos contar com o contraponto das traduções iniciadas em 2012 e disponíveis em: http://www.filosofiaesoterica.com/userfiles/A_DOUT_SEC_1_PASSO_A_PASSO_04_02_2015.pdf ,as quais não alcançaram ainda este trecho em que estamos trabalhando.
O que nos consola é que existe um genuíno interesse em restaurar as informações da DS, tanto por teósofos como por não teósofos, curiosos, como os rosacruzes.
Nenhum esforço é em vão. Em breve teremos resultados.

sexta-feira, 14 de março de 2014

JAN VAN RUYSBROECK


por Mario Sales, FRC,SI,CRC

RUYSBROECK (1293-1381)

Jan van Ruysbroeck, chamado 'o Admirável', foi um místico belga, de expressão flamenga, nascido em 1293, na aldeia que lhe deu o nome, nas proximidades de Bruxelas. Depois de estudos em Bruxelas, Jan van Ruysbroeck foi ordenado sacerdote em 1317. Ali permaneceu a serviço da catedral de Santa Gúdula. Por volta dos seus 50 anos se retirou para uma ermida numa floresta, acompanhado por seu tio e outros amigos. Ali iniciaram uma vida austera, meio eremítica e meio conventual, alternando a oração com o trabalho. Ao ser organizada a comunidade em mosteiro regular, foi eleito seu primeiro Prior, em 1350, fato que gerou ao mesmo tempo sua grande influência. Ruysbroeck era procurado por inúmeras pessoas procurando orientação espiritual e mística.

(in http://coracaomistico.blogspot.com.br/2007/12/ruysbroeck.html)




JAN VAN RUYSBROECK

Amadeu me telefona. 
"- Marinho, Américo (Américo Sommerman, Editora Polar) está publicando um livro muito bom, sobre um místico belga do século 13, voce precisa ler, eu estou lendo e vou mandar pra voce".
"Mas se Américo está publicando está na praça, diga o nome que eu compro por aqui" respondo.
"Não, deixa que eu mando", insiste ele.
Passam-se alguns dias, e Frater Amadeu liga novamente hoje :
"-Olha, já postei o livro, quando chegar me avisa"
Hoje a tarde, repousava, quando o correio me chama da grade. Não sei porque alguns carteiros tem uma predileção pelo drama e pelos gritos quando um civilizado toque de campainha seria suficiente.
Tem uma encomenda e quer que eu assine.
Pensei :"-Não pode ser o livro, Amadeu está em Uberaba, não chegaria tão depressa."
Era o Livro. Olhei o pacote, espantado pela velocidade com que chegou. Estava indisposto, voltei a deitar pensando "Mais tarde eu abro".
Assim fiz. Qual não foi o meu espanto quando vejo, abaixo do nome de Amadeu, no remetente, um endereço da Vila Madalena, em São Paulo.
"Puxa, Amadeu esteve aqui tão perto e nem pra me visitar", penso com meus botões.
Abro o pacote e cuidadosamente embrulhado em papel bolha, vejo o livro. Surpresa: grudado elegantemente ao centro, um cartão pessoal do próprio Américo.



Américo Sommerman


Olho o pacote com mais atenção.
É uma correspondência da própria editora Polar.
Tudo fica mais claro. "Amadeu está prestigiado", penso.




Fora a gentileza de Américo, instigado por Amadeu, suponho, um livro novo é sempre uma experiência gratificante. Ainda mais em impressão tão bem cuidada. Gostei até da capa, com essa luz que surge e se expande por trás do título. A cor é sóbria, agradável aos olhos. Muito elegante, em suma.
A obra deste místico belga que foi chamado "O Admirável" é pouca conhecida por estes lados e é mais um serviço que Américo Sommerman presta aos místicos brasileiros e portugueses ao disponibilizar no nosso idioma, em um único volume, os três livros que compõem estes ensaios deste sensível escritor.
Precisamos, penso, desesperadamente destes textos. Eu particularmente, como rosacruz, não tenho mais nenhuma atração pelo esoterismo, mas sim pelo misticismo. Aos textos de Martinez de Pasqualy, prefiro os de Louis Claude de Saint Martin.
Aos de Elyphas Levy, os relacionados a Philipe de Lyon.
Precisamos ler sobre aqueles que buscaram o contato direto, que mergulharam no ato devocional, que se interessaram pela essência do trabalho místico: o contato com a Fonte de Todas as Coisas. Isto nos fortalece e nos alimenta na senda.
Esoterismo é distração. Misticismo é motivação.

Lucia Primo

Na orelha desta edição, traduzida do flamengo para o inglês por C.A.Wynschenk Dom, e do inglês para o português por Lucia Beatriz Primo, está dito que Ruysbroeck, já com seus 50 anos, abandona a cidade de Bruxelas e refugia-se com um tio e amigos em um local ermo aonde fundam uma pequena comunidade, cansado do "contraste entre (suas) formidáveis intuições da Eternidade e o excessivo formalismo religioso, (sem falar) na insuportável agitação da cidade".
Qual de nós, hoje, não sente o mesmo, enquanto místicos? Não sentimos todos nós, que o espírito de Deus não pode ser contido em um ritual? Não sentimos que, mesmo fora do ambiente iniciático, Sua Presença é indiscutível e poderosa? Que esta mesma Divina Presença, esta Shekinah, plana sobre nossas cabeças ao lavar um prato do almoço, ao tomar café pela manhã, da mesma forma que durante um ritual esotérico?
Como reter o canto de um rouxinol em uma gaiola?
Nada contra os rituais mas podem eles, em si, serem as únicas estratégias de provocar esta conexão, ou terão um papel transitório, didático, que uma vez alcançado, faz com que percam sua importância? O ritualismo excessivo nos aproxima ou nos afasta de Deus?
Por  outro lado, a intuição, uma vez desperta, estabelece uma conexão direta entre nossa mente e a mente divina, refaz nossa união, jamais perdida, mas esquecida e negligenciada por uma educação ateísta e medíocre.
Educar é formar pessoas sensíveis e capazes de buscar o conhecimento por si mesmas. Este despertar da educação propicia a inspiração de idéias, outro nome para Intuição Captativa.
Qualquer místico de intuição desperta sabe que ser tocado pela influência não só não é um fenômeno restrito a iluminados, como também é mais fácil do que nos fizeram supor por séculos os "Doutores da Igreja", mais interessados em nos separar de Deus do que nos aproximar.
Assim, Ruysbroeck também sentiu o peso deste formalismo e optou pelo retiro e pela meditação no silêncio. Imaginem no século XIII e XIV alguém achar uma cidade demasiadamente agitada.
Não teriam senão alguns minutos de vida em meio ao burburinho de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
Mas tudo é muito relativo. O que importa é que embora sete séculos nos separem, os problemas dos místicos continuam os mesmos.
E de que trata este texto, publicado originalmente em três volumes?
Diz Ruysbroeck:
“Para que o espírito possa contemplar a Deus por Deus mesmo nessa luz divina, sem intermediários, é preciso, da parte do homem, três coisas. A primeira é que ele deve estar perfeitamente ordenado exteriormente em todas as virtudes e deve estar sem nenhum entrave interiormente e tão desligado de todas as obras exteriores que é como se elas não existissem; pois, se seu vazio for perturbado interiormente por algum ato de virtude é porque existe uma imagem; e enquanto isso durar, ele não pode contemplar.
“A segunda condição é que ele deve unir-se a Deus interiormente, com intenção amorosa, como um fogo ardente que queima e é impossível de ser extinto. Enquanto estiver nesse estado, ele é capaz de contemplar.
“Em terceiro lugar, deve ter perdido a si mesmo numa ausência de modos em uma Treva na qual todos os espíritos contemplativos são tragados fruitivamente, incapazes de jamais se encontrar segundo o modo das criaturas".
E conclui ele:
"É no abismo dessa Treva, na qual o espírito amante morreu para si mesmo, que começa a manifestação de Deus e a vida eterna. Pois é aí, nessa Treva, que brilha e engendra-se uma Luz incompreensível, o próprio Filho de Deus, no Qual nós contemplamos a vida eterna!". 
Sim, é preciso mergulhar na Treva para que a Luz brilhe. Paradoxal, mas correto. As Trevas sempre foram, senso comum, associadas ao Mal e a Perdição.
Mas o Cabala nos lembra que Luz, em si, é um atributo do Ser, e não o Ser, e que a Luz, Kav, é o instrumento através do qual o Ser cria o mudo visível, nas palavras de Luria, dentro da esfera aberta dentro do próprio Ser pelo Tzim Tzum.
A Luz é o modo pelo qual a imagem da criação (Maya, no sânscrito) surge, como a projeção de cinema já citada nestes espaço. Mas o projetor do filme em si, embora produza luz, não é Luz em si mesmo, mas uma fonte desta Luz que jogará na Tela a nossa frente, alegrias, tristezas, dramas e maravilhas.
 É de uma máquina oculta nas trevas atrás e acima de nossas cabeças na sala de projeção que surge a vida do filme a nossa frente num raio de luz mágico que dá vida ao que antes era apenas uma tela em branco. (Koilon, para os teósofos)
Portanto, mergulhar em Deus, fonte de tudo, não é prestar atenção no filme que assistimos, por mais belo que ele nos pareça, por mais emoções que nos provoque. O filme, em si, não passa de uma ilusão cinematográfica, uma efeito óptico, com duas únicas finalidades: divertir e ensinar.
A fonte de tudo está atrás de nós, nas Trevas que nos circundam na sala de projeção, e precisamos de algum esforço para romper o vínculo psicológico com esta inversão moderna da Caverna de Platão e sairmos em busca, não da Luz, como no mito, mas da Verdade, oculta nas Trevas.
A Fonte da Luz, pois, está nas Trevas.
É preciso que fechemos os olhos para ver, verdadeiramente.
 A Luz, as imagens, neste caso, distraem o místico de seu objetivo, oculto nas Trevas.
"... pois, se seu vazio for perturbado interiormente por algum ato de virtude é porque existe uma imagem; e enquanto isso durar, ele não pode contemplar."
A virtude, a nobreza, como qualquer adjetivo ou qualificativo, definem a necessidade de um sujeito a ser qualificado, adjetivado; portanto, um ego, uma imagem social do indivíduo.
As Trevas devem absorver esta ilusão de ser um ser separado de Deus, para que a fusão ocorra. É na perda da ilusão de ser algo que mergulhamos no todo.
Não podemos ter um nome, uma reputação, uma imagem, portanto. Não podemos ter algo a preservar.
Preservar-se é ancorar-se, é deter nosso barco no fluxo do rio da existência. Sem que o barco navegue, não existe avanço.
A água precisa correr pelo rio para manter-se limpa. Se a água pára, fica turva e depois, torna-se lama.
Fluir é a única preservação possível. É quando esquecemos o que somos que nos tornamos o que realmente somos.
Devir, transformar-se, ininterruptamente. Este é o verdadeiro Ser.
Sem imagem, resta a escuridão, a ausência de contorno, de forma.
Essa é a Divina Escuridão em que aquele que busca o Absoluto, mergulha.
É neste estado que é possível a segunda condição, a adoração interna. Livre das distrações externas, das imagens, o místico mergulha em si, no seu interior, no terreno solitário de seu coração, território aonde se dá o encontro entre Devoto e a Divindade.
Não há outro espaço possível para tal encontro, lembra Jan Van Ruysbroeck. Este é o templo verdadeiro, o oratório secreto, o sactum sanctorum onde cada místico realizará este contato. Mais que um contato, trata-se da busca de uma fusão, que aqui é chamada eufemisticamente "casamento", no caso um "casamento espiritual". O que buscam os noivos? Fundirem-se apaixonadamente em um só, gerarem o um, o filho, a partir desta fusão, filho no qual pai e mãe se transformam definitivamente em algo diferente deles, mas resultante de sua união.
É isto que busca o místico em sua fusão com o Divino. A resultante desta fusão é algo mais perfeito, uma síntese deste encontro, a qual pode retornar sobre aquele que se funde. O mistério é que aquele que é o noivo e que se "casa" com a "Alma de Deus", seja também o próprio filho desta União, já que emerge dela transfigurado pela experiência.
A isto chamamos Iluminação, ou no caso aqui, "Entrevação", o mergulho nas Trevas do Desconhecido, mergulho do qual emergimos transformados.
E conclui Ruysbroeck:
""É no abismo dessa Treva, na qual o espírito amante morreu para si mesmo, que começa a manifestação de Deus e a vida eterna. Pois é aí, nessa Treva, que brilha e engendra-se uma Luz incompreensível, o próprio Filho de Deus, no Qual nós contemplamos a vida eterna!". 
É disso que trata esta obra, passo a passo.
Desfrutemo-la.
Telefonarei a Américo para agradecer o gesto carinhoso.
Quanto a voce Amadeu, sem palavras. Meu muito obrigado.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

DIÁLOGOS ROSACRUCIANOS:CAPÍTULO 8: 5° E ÚLTIMO SEMINÁRIO: KARMA, ANJOS E HARMONIA.

Bernardo: Bom dia a todos. Estamos iniciando o último de 5 seminários que nos tomaram os últimos meses. Sejam todos bem vindos.

Comenius: Neste encontro , temos um tema que gostaríamos de propor a assembléia de rosacruzes aqui presente: o karma.
Bernardo: Quero colocar de início que não acreditamos como rosacruzes em maldições do passado, e, além disto, acreditamos que karma resulta de opções cotidianas, ininterruptamente, gerando situações que terão efeito cármico.
Não há nenhum ato que não seja kármico, que não gere reação, porque afinal, da genética e do karma é impossível fugir.
Aliás, genética também é karma.
Comenius: Ora, tal fatalismo não implica em tragédia. Leis naturais e universais, como dissemos, não são maldições, como alguns querem fazer crer mas parte da mecânica interna do Cosmos. A mão que vai ao fogo, queima e dói.
O indivíduo não repetirá o mesmo ato. O fogo, no entanto, não o puniu por nenhum pecado. É a natureza do fogo queimar, como da água molhar. O contato entre naturezas diversas, uma que se queima e outra que queima é o encontro entre forças antagônicas que se reconhecem e portanto se afastam, mantendo a tendência de adaptação constante entre os elementos da realidade.
Não há caráter moral a ser considerado. Trata-se de um fenômeno físico, o qual por sua regularidade e constância, torna-se conhecimento científico. Uma vez que saibamos que não devemos fazê-lo não o faremos, porque aprendemos que é melhor que seja assim. Não há nobreza intrínseca em nosso ato. Apenas sensatez. Atitudes sensatas são amorais, mas nem por isso deixam de ser sensatas. Nem por isso deixam de ser boas. Espera-se que um ser humano equilibrado seja, antes de moralista, sensato.
O estudante rosacruz é, via de regra, um ser humano equilibrado.
Portanto sua visão do karma é tão sensata quanto ele. Não um sistema de punições e prêmios, mas um mecanismo de balanceamento de forças, amoral, mas eficaz e automático. A justiça cármica é uma lei da natureza, não dos homens, portanto não atende, embora o homem desejasse que assim fosse, aos valores comezinhos de certo e errado que cada cultura estabelece em cada período histórico da sociedade, e em cada região do planeta.
O fogo queima aqui e na China, bem como nas Antilhas e na Suécia. Em todas as partes do planeta, ou mesmo do Universo, onde uma mão humana encostar em uma chama sofrerá queimaduras imediatas por causa de sua atitude, seja a mão de um homem mau ou de um homem bom, segundo os critérios particulares de cada cultura.
Não haverá petições, apelações ou pedidos de desculpas que poderão ou não ser aceitos. Apenas uma queimadura. Nada mais. E o fogo não se sentirá culpado por queimar nem a mão terá qualquer benesse por ser queimada.
Ação e reação terão se manifestado, de forma automática, mecânica.
Bernardo: Isto não implica em um universo sem Deus ou sem dignidade, mas sim em uma visão da Natureza sem romantismo ou idealismos particulares, que escondem a tentativa de impor concepções humanas à realidade e à Divindade. Esconde a atávica tentativa do ser humano de dar a Deus qualidades também humanas, de antropomorfizar a Divindade. No passado, Deus já foi “um Deus de vingança”, “um Deus Cruel”, “um Deus de Fúria”, “um Deus guerreiro”; depois tornou-se “um Deus de amor”, “um Deus bondoso”, “um Deus de perdão”.


Na verdade estes são adjetivos humanos para um fenômeno além do humano, que na impossibilidade de ser compreendido recebe vestes mais palatáveis e acaba mais parecido com o observador do que consigo mesmo.
O que realmente ocorre é que não podemos conhecer o Criador e nem compreendê-lo, mas o contemplamos através de sua Obra, a Criação.
E quem se esforça em compreender esta Criação, vê claramente que não há intenção específica na Natureza de ser boa ou má. A natureza apenas é. E ponto.
Pensemos agora como místicos. Os instintos dos animais são absolutamente naturais. Autopreservação, satisfação da fome, da sede e do ar, a necessidade de abrigo e de afeto, a sexualidade que garante a perpetuação da espécie, são fenômenos naturais em todos os seres, inclusive em nós.

EQUANIMIDADE

Ora, se como místicos concordamos que a Criação é obra de Deus, todos as programações automáticas internas dos seres vivos, mediadas por substâncias químicas poderosas, os hormônios, que conhecemos como instintos, são desígnios deste mesmo Deus e por isso, são santos.
Não há nada mais puro ou em harmonia com Deus do que satisfazer tais necessidades. Elas não podem ser objeto de crítica ou de punição pois foram colocadas em nós por Aquele que não pode ser desobedecido.
É sensato que um animal siga seus instintos, da mesma maneira que é sensato um homem, dotado de consciência, não ser escravo dos seus. O que em si não implica negá-los ou maldizê-los.
Da mesma forma que o fogo, os instintos são o que são por que esta é a sua natureza.
O mesmo Deus que criou os instintos criou o karma. São dois subsistemas do mesmo grande esquema. Portanto é sensato pensar que não sejam sub sistemas, sub rotinas antagônicas, mas sinérgicas, que buscam um trabalho em conjunto na busca pelo equilíbrio da Criação.
Então porque a destruição da vida não implica em remorso para um tigre que devora sua presa, ao mesmo tempo que matar outro homem nos afeta, a nós, homens, de forma tão devastadora?

Por que o homem, ao contrário do tigre, sabe o que faz, e avalia intimamente seus atos em conjunto com Deus.
Isto faz do homem uma criatura particular. Ele tem o poder da auto análise. O homem tem em si algo que o tigre não tem: consciência; mais do que isso: o homem tem consciência de si mesmo.
Deste modo, ele julga a si mesmo, através de sua consciência, e estabelece, em conjunto com a mente universal, a correção de seus atos, dadas as suas particulares circunstâncias.
Isto é o karma humano. Além de reações mecânicas na interação com o chamado mundo material, por causa de sua consciência o homem também tem de estar atento aos seus pensamentos e atitudes íntimas, por causa das reações que colherá no mundo mental.
A consciência gera para um homem um segundo nível de exigência, que o obriga a ter um comportamento mais cuidadoso, consigo mesmo tanto quanto com a criação a sua volta. Não fosse a consciência não haveria culpa, ou remorso, mas por causa da consciência, não temos a liberdade de arbítrio que apregoamos.

Podemos arbitrar entre duas opções, mas não livremente. Nossa consciência guiará nossas opções e determinará o tipo de escolha que deveremos fazer.
Mais consciência, menos liberdade de escolha.
Mais e mais nossas escolhas estarão atreladas àquilo que sabemos ou acreditamos ser a coisa mais sensata e mais certa a fazer. E assim o fazemos. Vejam, não há como ir contra nossos sentimentos mais profundos
Pois tanto quanto o fogo, a consciência gera uma reação em nós. Sem ela não sentiríamos nada, nem pudor, nem vergonha.
Sem consciência, não há karma.
Assim, existem mecanismos de autoregulação que devem ser considerados, quando lidamos com a Criação, tanto no nível de existência menos elaborada, reguladas pelo instinto ou pela autopreservação, como nos níveis mais elevados de manifestação da vida, com a consciência em nós. Instinto e Consciência são modos de a presença divina se manifestar em nós, como em todos os seres vivos da natureza.
Jamais estamos sós, ou livres, como gostamos de achar.
Frater João: Já que o frater expôs este tema com tanta elegância eu confesso que uma curiosidade me assaltou.
A questão é: se os animais têm instinto, e os homens têm consciência, dois mecanismos intrínsecos de auto-regulação comportamental, como ficam os anjos? Se eu não me engano eles são mensageiros de Deus. Terão eles algum mecanismo semelhante?
Comenius: Questão interessante.
Bernardo: Eu gostaria de dar a minha opinião.
Comenius: Fique a vontade.
Bernardo: Acho meu frater, elaborando sua interessante questão, que os chamados Anjos são seres de evolução paralela aos humanos, e, portanto, com características muito próprias. De certa forma, baseado nas muitas descrições em livros santos, sabemos que não são seres necessariamente voltados para a prática do bem, e isto se entendermos o bem como a ausência de violência, brutalidade e beligerância.
Basta acompanhar a descrição de um único livro: a Bíblia cristã. Lá os encontramos destruindo cidades, expulsando Adão e Eva com espadas em fogo ou lutando uns contra os outros no combate às forças de Lúcifer. E porque são então chamados “Santos Anjos”, se essas mesmas criaturas são capazes de atos tão violentos? Talvez por uma certa ingenuidade de compreensão do homem do passado.
Se olhamos com o olhar místico moderno, vemos a descrição dos Anjos como forças da natureza que, à semelhança de Tigres de Bengala, são, a um só tempo, belas, poderosas e perigosas, desde que motivadas a isto. E, se nos tigres temos o instinto que os guia, nos Anjos temos a Vontade de Deus, ou seja, Anjos não têm vontade própria e possuem, da sua maneira, uma conexão íntima com a vontade do Universo. São seres assexuados. São gloriosos em esplendor, mas também, da mesma forma, são energias que se mobilizam em função de valores diferentes dos valores humanos.
Há relatos de antigos rabinos que aprisionavam anjos com a finalidade de roubar-lhes a força e a bênção, a semelhança da luta de Jacó com o Anjo, que, segundo dizem, é uma história mais cabalística que histórica e indica a possibilidade de interação entre humanos e Anjos, claro que considerada a devida hierarquia angélica.
Como o irmão deve saber, dos textos de Dionísio o pseudo-Aeropagita , existem três coros de anjos, cada um com três níveis dentro dele:

1° nível: Serafins, Querubins e Tronos; 2° nível: Dominações, Potestades e Virtudes ; 3° nível: Principados,Arcanjos e Anjos, propriamente ditos.
Tenho a impressão que nesta classificação oculta-se também uma hierarquia de força, sendo que os mais poderosos e mais fortes seriam os Serafins, os que queimam por Deus, e os mais frágeis os Anjos propriamente ditos, que podem inclusive, ser objeto de captura por cabalistas mal intencionados.
Não é objetivo nosso aqui, tentar julgar os atos de Místicos de outras linhas, mas ao saber desta prática de capturar Anjos em busca de sua bênção, senti o quanto ainda é necessário, entre místicos, a melhoria do comportamento que advém da cultura e da civilização.

Considero a Ordem Rosacruz a escola de místicos mais refinada no Ocidente, e entre meus pares, reputo conviver com as mentes mais lúcidas do misticismo ocidental.
Seria impensável para um místico rosacruz, ao menos supor tal ato de barbárie no relacionamento com seres da Natureza, sejam animais, sejam Anjos.
Os Anjos têm seu próprio caminho.
Homens jamais serão Anjos e Anjos jamais serão homens. São linhas de evolução paralelas e é assim que deve ser.

Sua interferência no destino dos homens ainda está para ser melhor explicada. (Por exemplo, a justificativa de que Sodoma e Gomorra foram destruídas, por causa das barbaridades e orgias que lá aconteciam não se sustenta, se fosse assim, muitas cidades modernas e do passado, nestes últimos 2000 anos deveriam também ter conhecido a Ira dos Anjos, a começar pela Roma de Calígula, ou a Bagdá de Sadam Hussein).

Mesmo assim, nenhum homem, nenhum Mago, em sã consciência, pode se colocar na posição de ter, sabe-se lá de onde, autorização para capturar e aprisionar qualquer ser desta estranha espécie que conosco divide o Universo, do mesmo modo que os golfinhos ou os pássaros.

Anjos são seres que , mal comparando, parecem-se com os animais: não possuem como nós consciência,vivem pelo impulso interior, são forças instintivas, só que neles o instinto chama-se Vontade de Deus, seja lá o que isto queira significar para os Anjos.
Da mesma maneira que podemos nos afeiçoar pelos nossos animais domésticos, e comunicarmos-nos com eles essencialmente pelo sentimento, também, ao que parece, anjos relacionam-se com os humanos muito mais pelo sentimento do que pela razão.
Teremos a proteção desses seres desde que estejamos na mesma freqüência vibracional de bondade e docilidade.
Portanto, meus irmãos, os Anjos não são mais divinos do que nós, homens, ou que os animais, pois que todos nós, seres vivos, compartilhamos o título de filhos de Deus.
Somos todos irmãos na criação, e semelhantes pela filiação divina.
Aliás, este é o segundo racismo que teremos que superar no futuro: o racismo entre espécies. O homem sempre lidou mal com o diferente. Cabe aos místicos, principalmente aos místicos rosacruzes, mais sensatos, mostrar a humanidade que espera-se de todos um comportamento a altura do refinamento espiritual mais elevado no trato com a natureza, seus habitantes e suas forças.
Jamais dominaremos a Natureza pela força, como desejava o homem do passado.
Poderemos no entanto, ter todo o seu poder aos nossos pés, desde que nos harmonizemos com ela, que vivamos em harmonia com a Vontade da Consciência Cósmica, como vivem os animais da floresta, os peixes do mar, e os Anjos do Céu.
Como parte desse discurso sobre os Anjos, gostaria de lhes dizer do meu amor e carinho por esses seres fortes, nobres e dignos mensageiros.
São nossos companheiros de Universo, porém estão mais próximos do Todo Poderoso, já que não possuem ego que os iluda. Precisamos de nosso Ego para sentir e experimentar sensações. É isto que nos diferencia, nós, humanóides, dos outros seres: nosso discernimento, Viveka, na língua dos deuses, o Sânscrito.
Gostaria de poder compartilhar o que sei, como homem, com os Anjos e com os outros seres da natureza, mas só poderia fazer isso através da emoção do Amor.

Porque como a música e a matemática, o Amor é uma linguagem universal. Se qualquer um de nós quiser se comunicar com todos os seres do Universo, e encontrarmos o ponto aonde a compreensão verdadeira se estabelece, precisamos do Amor. Pelo Amor podemos entender as plantas, as nuvens, as rochas e ver em cada coisa a presença divina.
O Amor não é apenas um sentimento. O Amor é a linguagem dos seres que não possuem Ego, como é o caso dos Anjos.
Para se conversar com Anjos, portanto, é preciso amá-los, profunda e decididamente.

Alguém poderia, pragmaticamente, como é normal entre Rosacruzes, perguntar qual a finalidade de se amar os Anjos.
Afinal o mundo evoluiu e já sabemos que não devemos tentar descobrir as coisas que precisamos através de outros seres, pois no passado não tão distante, era comum a certos tipos de místicos pedir aos Anjos que lhes dessem sinais ou instruções sobre o nosso comportamento, nosso próprio mundo ou outro mundo, acima do nosso, ou devo dizer, o mundo que fica ao lado do nosso, já que as dimensões são contíguas e, certas vezes, até se interpenetram.
Anjos eram consultados sobre temas universais partindo-se do princípio de que, já que eram seres tocados pelo divino, poderiam nos falar melhor sobre Ele do que qualquer humano.
Só que hoje sabemos que a evolução é feita com nossas próprias pernas, nossas próprias intuições e percepções e transferir nossa busca de conhecimento a outrem, humano ou não, é retardar ou tornar excessivamente complexa uma busca que em si já é difícil.
Então porque esta fascinação pelo tema angelical, aliás recentemente descoberto?
Parte, eu suponho, por mera curiosidade inconseqüente.
Nada mais.
E, em parte, porque tornando-nos como os anjos, plenos da emoção do amor que conseguiremos a percepção que eles possuem, quase palpável, do que chamamos acima de A Vontade de Deus.
Por que, assim como os seres simples têm o instinto, os Anjos têm o Amor Infinito que sentem pela Divina Presença.
Um Amor tão intenso que nos levaria, a nós, humanos, a autoconsumição, caso fosse sentido de uma vez, sem uma gradual aproximação, sem a prudência de senti-lo pouco a pouco, até alcançar a sua intensidade plena.

Não por outra razão os Anjos mais perto de Deus são chamados Serafins, “os que permanentemente queimam por ele”.
Portanto, meus irmãos, como qualquer encontro entre humanos, ou entre os homens e outras espécies do Universo, o encontro com Anjos tem um caráter didático.
Podemos aprender como sentir o Criador através da convivência com os Anjos, já que, como eu disse, estão mais conectados a ele pela ausência do que chamamos entre nós humanos, Ego, embora devamos ter em mente que o mero contato com tais seres não nos torna melhores, pois isto, evoluir, é única e exclusivamente responsabilidade nossa.
Anjos não tem vontades pessoais: são e fazem apenas o que o Amor a Deus os manda ser ou fazer.
Para nós humanos, isto pode ser enriquecedor.
Comenius: Tema interessante. Sua abordagem Bernardo foi surpreendentemente original, sem a reverência ou o romantismo comuns a este assunto. Agradeço por sua objetividade. Existe alguma referência que possa ser consultada sobre este assunto?
Bernardo: O texto mais conhecido sobre os Anjos é o de Dionísio o pseudo aeropagita.


Comenius: Meus frateres, minhas sorores, mais alguma questão.
Frater Alberto: Eu tenho.
Comenius: Diga frater, e com a concordância de todos, encerraremos o nosso seminário com sua questão.
Frater Alberto: Minha questão é a seguinte: no passado,havia a intenção entre alguns místicos de conseguir poder mágico sobre a natureza. A vida, então, era muito difícil. A civilização não existia. Os direitos humanos não existiam. A democracia não existia. Era um planeta de tiranos absolutistas ou de classes sociais pétreas, chamadas nobres, absurdamente privilegiadas.
Sim existia a violência, mas era infinitamente mais grave do que agora. A magia era um recurso válido, parte por causa da insegurança parte por causa da falta de alternativas. Havia doenças de todo o tipo, incuráveis. Hoje ainda existem , mais diminuíram em número e existem mais recursos de tratamento. Ou seja, houve progresso material, social e político. A magia operativa deixou de ser o único meio para conseguir a felicidade e o equilíbrio entre a matéria e o espírito.
A cultura está difundida pela Internet e temos um acesso nunca visto a um sem número de fontes.
Ora, se não tenho a ilusão, por ser rosacruz, de que qualquer ser, anjo ou demônio, possa fazer por mim aquilo que só eu posso fazer; se sei que minhas opções e escolhas somadas a graça de Deus, como lembrou bem o frater Bernardo, são as únicas coisas que serão realmente decisivas na minha evolução; se sei que meu progresso material será diretamente proporcional ao meu esforço intelectual e profissional; minha questão é: qual a razão de sermos rosacruzes hoje? Para ser mais provocante: qual a utilidade em sermos rosacruzes hoje?
Sim, as iniciações rosacruzes são tremendamente inspiradoras; mas, de resto, textos de São João da Cruz, de Santo Agostinho, ou mesmo de Paulo apóstolo, também são.
Digo mais: necessariamente, os estudantes rosacruzes não apresentam modificações significativas em sua existência.
Então, o que a herança de nossa Ordem faz, objetivamente, que poderia impedir que muitos a abandonassem, tornando-se mais um de muitos rosacruzes inativos, como tem acontecido?
Bernardo: Frater, eu queria começar a responder a sua questão lembrando a frase de que muitos são chamados, mas pouco são escolhidos. Por causa disto, muitos abandonarão a ordem, comprovando o que é mostrado na parábola do semeador. Esta é a razão de muitos rosacruzes tornarem-se inativos, como o frater bem lembrou.
Comenius: Outra coisa: não nos tornamos rosacruzes, na minha opinião, apenas por opção. Fazemos isto principalmente por necessidade. Alguma coisa nos faz sentir forte atração pelos símbolos, ensinamentos e textos publicados pela Ordem em todo mundo. Em todo o planeta, mesmo diante de todo o progresso material que o frater descreveu, permanece em alguns o vazio espiritual e a insatisfação que desde eras priscas são os responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento da humanidade.
Dizia um antigo material sobre rosacruzes que todos nós, membros da Ordem, somos Buscadores.
E o que buscamos? Poder, glória, saúde, fortuna material, abundância? Talvez tudo isto, ou nada disto.
A busca é pessoal. Cada um tem aspirações particulares ou ilusões que precisa desfazer. E talvez seja exatamente aí que o trabalho da Ordem se destaca num mundo tão avançado materialmente como o nosso, mesmo que persistam bolsões de miséria aqui e ali, em toda a parte.
O ser humano melhorou seu domínio sobre centenas de aspectos de sua vida no planeta, mas permanece sem controle de sua imaginação.
Bernardo: Se os rosacruzes ensinam como preservar a saúde, embora com técnicas complementares a medicina ortodoxa e não em substituição à esta, é para que a doença física não distraia o estudante de seu processo criativo através de sua imaginação.
E, ensinando como organizar o pensamento lógico, estimulando o estudante a se familiarizar com os grandes pensadores da humanidade, fazemos com que tenha sensatez em seu processo de raciocínio, e clareza em sua imaginção.
A maioria de nossas técnicas não prescindem da participação ativa do processo imaginativo, seja como desencadeador de energias astrais, seja como guia dessas energias fora ou dentro de nossos corpos.
Nossos ensinamentos nada devem as modernas escolas pois atualizamos as monografias de acordo com as mudanças de paradigma da ciência. Entretanto é notável que essas modificações sejam de forma e não de conteúdo.
Não antecipamos os antibióticos, mas o conceito de seres invisíveis que provocam doenças já estava em nossos textos da idade média.
Não antecipamos a ciência da acústica, mas o conceito de que sons poderiam causar efeitos específicos sobre os seres vivos ou sobre objetos sempre esteve em nossos ensinamentos, aliás, nossa mais sagrada herança do conhecimento atlantiano, que ainda não foi totalmente percebida pela ciência ortodoxa.
Antecipamos a importância do sistema nervoso autônomo na gênese da doença psicossomático, fato amplamente aceito hoje em dia pela Medicina, se bem que ainda não esgotado em todas as suas nuances.
E mais coisas ainda virão pela frente. Principalmente no capítulo do uso terapêutico da nossa energia sutil no tratamento de moléstias as mais variadas.
Se concordarmos que somos, essencialmente, uma Escola de Aperfeiçoamento da Imaginação, podemos depois destas ponderações concordar que, mesmo hoje, ainda temos uma ou outra coisinha a ensinar ao mundo lá fora.
Comenius: Não fosse meu irmão por essas coisas que Bernardo enumerou, a Ordem não teria atrativo; mas, embora concorde com você que muitos abandonam suas fileiras sem aproveitar 1/10 de seu potencial benefício, gostaria de ressaltar o fluxo ininterrupto, geração após geração, daqueles que chegam ao nosso portal.
Quem são essas pessoas que continuam a nos procurar com os olhos cheios de questões e o coração cheio de esperança de encontrar respostas? Buscadores, como nós, pessoas que não estão satisfeitas com o que têm ou com o que são e que sabem que podem ser melhores como seres humanos, como indivíduos.
Suas aspirações são legítimas, mas são apenas o princípio de qualquer caminhada. Descobrirão ao chegar até nós, que as respostas não serão dadas mas, isto sim, construídas e conquistadas, a partir do Aperfeiçoamento da Imaginação Criativa e da utilização de técnicas ainda hoje avançadas e eficazes na melhoria de nosso desempenho pessoal e social.
Bernardo: O fato é que para usufruir destas técnicas todos devem dominá-las e para isto é preciso praticá-las.  O rosacrucianismo é uma experiência e uma vivência, não um conceito.
Os experimentos mostrados em nossas monografias não são decorativos. Devem ser utilizados exaustivamente ou não terão nenhum valor.
Estimulo o frater a fazer suas práticas.
Aí é que encontrará a razão pela qual devemos, todos nós aqui, vivenciar o rosacrucianismo entusiasticamente e, se possível, mostrá-lo ao maior número possível de pessoas.
Comenius: Assim seja. Meus irmãos, vamos encerrar este seminário e, com ele ,esta seqüência de seminários voltados a discutir a prática rosacruciana.
Agradecemos a todos pela participação, em meu nome e em nome de frater Bernardo, mas principalmente em nome de nossa Amada Ordem, acredito que tão fundamental nas nossas vidas quanto na vida de todos vocês.
Que todos fiquem em paz profunda. Assim seja.
Todos respondem: Assim seja.
E se retiram.
FIM

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

DIÁLOGOS ROSACRUCIANOS: CAPÍTULO 7: 4°SEMINÁRIO: MITOS EXPLICATIVOS, RELIGIÕES E RELIGIOSIDADE

Frater João: Gostaria de ouvir dos frateres algum comentário sobre se em nossa época ainda tem algum cabimento o estudo dos mitos religiosos com a profundidade com que alguns irmãos, frateres ou sorores, lhes dedicam.

Comenius: Bem, frater João, as bases de escolas de pensamento de cunho espiritual geralmente fundamentam-se em percepções de um líder ou de um indivíduo em particular que atingiu níveis de consciência extremamente elevado. Este indivíduo, seja como for, cria em torno de si uma área de forte influência que redunda sempre em um movimento de adeptos, que buscam acompanhar a luz deste indivíduo, receber parte de seus fluidos, da bênção de sua presença ou de suas palavras.
Obviamente, nem todos, para não dizer nenhum, terá nível de evolução ou sensibilidade espiritual semelhante ao seu líder. A compreensão do seguidor de um líder espiritual religioso, por ser menos elaborada que seu mestre, requer que as preleções deste mestre sejam em uma linguagem propícia, didática,que, via de regra, deságua em um mito explicativo.

Não é por outra razão que Cristo falava por parábolas.
Bernardo: O problema,frateres e sorores, é que mitos explicativos, por sua beleza, por seu simbolismo, têm grande apelo emocional. Muitos deles, com o tempo, ganham status de verdade incontestável, fazendo com que o símbolo se transforme na própria coisa que ele representa.



Embora isto aconteça freqüentemente, não deixa de ser grave.
Primeiro, porque grande energia intelectual e física geralmente é gasta em debates inúteis, quando não batalhas violentas, sobre detalhes do mito, enquanto que a idéia por trás dele, aquilo que se queria passar através dele, fica relegada a segundo plano, oculta, soterrada por palavras e discussões infindáveis.
Segundo, porque quando a idéia principal é perdida, a essência do discurso daquele iniciado é esquecida, e resta apenas uma estrutura religiosa vazia, rituais sem clareza, com mistérios demais, sem capacidade de causar no adepto o efeito que seria desejável.
Passa-se a um ritualismo burocrático, sem vida, o qual será defendido e comandado por aqueles que só conseguem ver o externo, o superficial.


Comenius: A conseqüência direta disso é que o mito explicativo já não explica, mas confunde. A chave está perdida, uma vez que ela se oculta no coração. É do coração que vem a autorização e a decifração, do profundo, não do superficial. Quando, depois de anos, alguém tenta apenas comentar que o mito é apenas isto, um belo mito, as reações dos superficiais ou daqueles que os seguem pode ser violenta e geralmente é. Não se discutem idéias. Não se discutem percepções. Discutem-se crenças, dogmas. E como dogmas não se discutem, não existe evolução possível. Sistemas fechados filosófico espirituais sempre sofrerão com este esquema de expansão, condensação e enrijecimento.
Sistemas abertos ao contrário, têm fluxo, dinamismo, vida.
A maioria das religiões são sistemas fechados.
Algumas escolas esotéricas são sistemas abertos.
A Ordem Rosacruz é um destes sistemas.

O SOM DO SILÊNCIO

O que isto quer dizer?
Que religiões são sempre fadadas ao fracasso? Não é bem assim. Digamos que qualquer movimento religioso corre o risco de enveredar pelo caminho do congelamento das idéias, mas que isto não implica que toda religião seja uma estratégia equivocada em direção a harmonia com o Deus de nosso compreensão.
Quando o homem se organiza em um culto religioso, dá um passo importante no aperfeiçoamento de sua espiritualidade.
Um passo, não o último, e provavelmente, com certeza não o primeiro.


Portanto, esta é uma iniciativa que deve ser louvada e apoiada, mas que não significa um encerramento da jornada.
Ela apenas organiza nosso relacionamento com nossa espiritualidade, que pode mais facilmente se expressar através de modelos e protocolos que criam o hábito do contato com o Eterno. É a religiosidade inata no homem que leva normalmente a instituição de uma religião, que então aos poucos passa a ser uma organização no plano material.





E a organização religiosa tem este papel multiplicador e organizador da religiosidade, pois, para a maioria das pessoas, é preciso que se diga com a boca aquilo que não se consegue ouvir com o coração. E quando a palavra toca seus ouvidos, o indivíduo, que não entende direito a mensagem de seu interior, que não consegue escutar o som do silêncio, reconhece naquilo que seus ouvidos escutam algo familiar, porém esquecido, e que agora se torna novamente audível.


Bernardo: A diferença principal entre sistemas abertos e fechados é que aqueles ao contrário destes últimos, estimulam seus membros a caminhar com as próprias pernas, a cultivar esta audição interna, a dar voz ao seu Mestre Interior. Assim, cada um conectado com seu íntimo, todos os membros deste grupo manterão suas melhores características em atividade, não se renderão a quaisquer tentativas de uniformização mental e saberão que, em sua originalidade, serão, mesmo assim, membros de uma mesma egrégora.
Uma egrégora viva, pulsante, em renovação interna constante. Seus símbolos e mitos serão vivos, plenos de energia e significado, e serão como devem ser, pontes para o sentido profundo que representam, para além dos véus do mistério. E eles o decifrarão com facilidade, pois têm a chave dentro de si mesmos.
Comenius: Mesmo as ordens esotéricas devem se precaver contra o perigo de se tornarem sistemas fechados.
Nada impede a dogmatização a não ser a cultura e o desenvolvimento da sensibilidade. O que muitos não entendem é que a ausência de dogmas não quer dizer ausência de doutrina.
A ciência tem sua doutrina, embora não se trate de uma doutrina dogmática.
O corpo de conhecimento e de valores que forma uma doutrina mística também pode ser, desde que bafejado pelo espírito científico, aberto a mudanças, em vigência das condições necessárias.
E quais são estas condições de transformação? As mesmas da ciência: fatos novos, surgidos da busca e da experimentação científica séria. Dados novos nos impelem na direção de pensamentos novos. Assim evolui e caminha a ciência.
E o misticismo, como avança, como caminha? Sua evolução é diferente. Na verdade, enquanto o processo científico vai tentando retirar o véu do desconhecido, o misticismo vai aos poucos levantando os véus daquilo que já sabe. Sua linguagem, seu modo de revelar seus conhecimentos vai ficando menos hermético, não por uma decisão das escolas esotéricas, mas porque a humanidade progressivamente vai galgando níveis mais altos de refinamento e portanto, permitindo que este conhecimento sagrado seja revelado.
E porque o misticismo e a ciência não são um e o mesmo saber? Porque o conflito entre ambos?
Primeiro, porque como lembra Saint Martin, o cientista atual ainda busca as respostas no Livro da Natureza e não no Livro do Homem. Portanto busca fora de si as respostas que poderia achar dentro de si mesmo. Já o místico faz o caminho inverso, buscando dentro de si mesmo as respostas as suas questões fundamentais.

Louis Claude de Saint Martin

Ambos, no entanto, estão incompletos, sem o outro. Tanto o cientista precisa de Deus como o místico precisa da prudência do método científico. A separação atual é estúpida e despropositada e só beneficia o Mundo Das Sombras.
A religiosidade é aperfeiçoada pela razão enquanto a razão ganha um sentido mais profundo quando embebida da religiosidade.
Frater João: Então na opinião de vocês, já que o misticismo não avança, apenas se torna menos hermético, não haveria porque sermos classificados como cientistas místicos, como os frateres gostam de chamar os rosacruzes. A motivação para a ciência é a busca da verdade e, se já sabemos toda a verdade não haveria motivação para buscá-la nem necessidade do experimentalismo ou do método científico.
Bernardo: Sua questão é muito interessante. Gostaria de dizer que, se para o cientista ortodoxo, os experimentos científicos buscam revelar, para o cientista místico a experimentação busca confirmar e consolidar o já sabido.
O método embora seja o mesmo, tem objetivos finais diversos. O homem comum que ingressa na senda mística é informado por sua escola esotérica que o poder está dentro de si e que, mediante alguns exercícios e experimentos poderá verificar esta afirmação.
Porque verificar? Porque com isso entenderá por experiência própria, pessoal, com seu próprio esforço, que aquilo que lhe foi afirmado é real e tem procedência.
Comenius: É esta ciência para dentro ,digamos assim, que o místico vai praticar. Não precisará sacrificar animais como cobaias de experimentação: ele é a sua própria cobaia. Não precisará de instrumentos refinados: descobrirá dentro de si mesmo os instrumentos que necessita.
O que não muda é a atitude mental que deverá ter, a mesma prudência, o mesmo cuidado ao examinar as evidências que encontrar, que um cientista ortodoxo deve ter com as evidências que encontra, com a vantagem de que, neste tipo de campo, não precisa convencer ninguém de suas descobertas, mas apenas a si mesmo. Só que é justamente aí que está o perigo da ciência mística. Livre da necessidade de demonstração a terceiros, o místico destreinado pode ser condescendente com os resultados encontrados e deixar-se levar pela falta de rigor metodológico, supondo ter conseguido aquilo que é apenas fruto de sua imaginação. E como sua imaginação é um dos seus instrumentos de trabalho, tudo fica muito mais delicado.
Bernardo: Isto torna impossível o rigor? Isto quer dizer que a nossa sensibilidade deve ser a única maneira de perceber a veracidade de nossas experiências místicas? Não seria adequado, já que é possível submeter nossos resultados ao rigor do bom senso, desde que tenhamos prudência, um dos mais importantes degraus da Escada de Rá, que todos os irmãos aqui conhecem.
Repito o que disse antes: cultura intelectual, acadêmica, e bom senso são coisas diferentes. Para que alguém seja prudente não é preciso ter lido muitos livros, ou falar várias línguas. Prudência é uma das virtudes decorrentes da maturidade psicológica e espiritual. E para isto temos que combater nossos piores demônios interiores: a pressa, a vaidade, a arrogância.
Por vaidade, não admitimos que não estamos prontos; por pressa, não aguardamos o tempo suficiente para consolidar os estados de consciência necessários; e por arrogância não admitimos que estamos errados em nossa atitude diante do conhecimento interior.
A sabedoria mística é delicada, fortalece-se aos poucos, até ter uma densidade segura que nos garanta uma manipulação fácil e hábil.
Em outras palavras, aos poucos a Voz do Mestre Interior fica mais forte, mais audível, e muda de um simples sussurro em estrondo ensurdecedor.
Esta alquimia da autopercepção é o experimento mais demorado e o que requer mais paciência e determinação.
Não sei se o frater se satisfez com esta análise.
Frater João: Plenamente, frater. Plenamente.
Comenius: Passemos então a outras questões.
Frater João: Eu gostaria de colocar outra questão, se a assembléia me der sua tolerância.
Bernardo: Acredito que tolerância, aqui, não falta.
(Risos.)
Frater João: Gostaria de discutir o papel do Bem e do Mal, na visão Rosacruz.
Comenius: Tema fascinante, mas não sei se podemos fazer uma discussão baseada na ótica rosacruz, já que a Ordem não estabelece premissas próprias sobre isto.
Bernardo: É uma discussão baseada em princípios filosóficos, mas também em crenças pessoais, por isso o debate é complexo.
Frater João: E os frateres não tem uma opinião pessoal sobre o assunto? Gostaria de ouvi-la.
Comenius: Bernardo tem longas considerações sobre o assunto. Talvez devêssemos deixar que ele tecesse esse comentário.
Bernardo: Pois não. Primeiro, não comungo da visão ocidental sobre o tema. Este é o primeiro ponto que gostaria de deixar claro. Tendo mais a pensar como os hindus que encaram a realidade como uma Grande Ilusão, nem boa nem má, que denominam Maya, produto da imaginação criativa de todos.
Talvez minha posição cause estranheza a muitos aqui, mas esotericamente isto já está dado em várias passagens de rituais secretos tanto da Rosacruz como da Ordem Martinista.
O grande mistério neste assunto é a conjunção harmônica dos contrários, assunto profundo e de largas implicações no cotidiano de todos nós.
Eu começo minha análise pela análise da percepção neurológica da realidade que já foi objeto de estudo de vários pensadores ao longo da história da humanidade.
Ora, neste particular, existe consenso científico de que o cérebro humano é incapaz de abarcar a totalidade, funcionando de maneira binária, dual como diria a Ordem, e estabelecendo para tudo que está a sua frente uma divisão em pólos. Desta forma, vemos o mundo como um todo mas o descrevemos em partes, e, ato contínuo, narramos esta realidade percebida em partes dividindo-a em positiva e negativa, boa e má.
A realidade , em si, não têm estes pólos, estas ambigüidades, circulando livre entre todas as suas partes, manifestando-se de forma íntegra; mas a percepção humana, por limitação neurológica, não pode acompanhar esta integralidade, e a divide para entendê-la.
Vejamos a linguagem, reflexo direto de nossa intelectualidade. Ao descrevermos um evento, não temos palavras para falar do todo, só de suas partes.
Não ajuda falarmos “Elefante”: precisamos dizer, também, pernas grossas, orelhas longas, presas,tromba.
Não adianta dizermos “casa”: precisamos dizer também janelas azuis, porta de madeira entalhada, marrom, jardim com rosas na frente, etc.
A linguagem demanda os detalhes, as partes; a coisa vista, no entanto, é uma só.
Assim, quanto ao Bem e o Mal do mundo, temos o mesmo fenômeno.
O mundo é um só, seus acontecimentos apenas são, sem adjetivos. Nossa escala de valores e limitação de linguagem, entretanto, impõe a adjetivação em bom ou mal, em coluna negra ou coluna branca, quando , na verdade, todos os místicos sabem que o mestre senta entre colunas, manifestando o mistério da conjunção dos contrários no seu centro, usufruindo o campo formado entre os pólos.
Como lembra a Ordem, o Universo é dual em essência e trino em manifestação.
E porque dual? Porque é assim que se gera campo, fluxo entre os extremos, em uma palavra, Vida.
As colunas não importam, importa a existência do campo. O campo que garante o movimento, a realidade como a conhecemos, sempre dinâmica, sempre em mutação.
A realidade é o campo entre os pólos.
Os Rosacruzes tem acompanhado de perto e até interferido no estudo dos campos eletromagnéticos. Basta lembrar que um eminente rosacruz, Benjamin Franklin, colaborou pessoalmente para a compreensão do fenômeno elétrico com uma experiência absolutamente romântica e inesquecível, capturando raios com uma pipa, e demonstrando assim sua natureza elétrica.

Benjamim Franklin, rosacruz, e seu clássico experimento. Benjamin Franklin (Boston, 17 de Janeiro de 1706 — Filadélfia, 17 de Abril de 1790) foi um jornalista, editor, autor, maçom, filantropo, abolicionista, funcionário público, cientista, diplomata e inventor estadunidense, que foi também um dos líderes da Revolução Americana, e é muito conhecido pelas suas muitas citações e pelas experiências com a electricidade.Um homem religioso, calvinista, é ao mesmo tempo uma figura representativa do Iluminismo. Ele trocava correspondência com membros da sociedade lunar e foi eleito membro de Royal Society. Em 1771, Franklin tornou-se o primeiro Postmaster General (ministro dos correios) dos Estados Unidos da América.


Estava assim demonstrado a natureza elétrica dos raios e aberto o caminho para trabalhos posteriores que caracterizaram o eletro magnetismo, como os de Maxwell, e seu papel no conjunto da forças universais, como o da relatividade de Einstein, já no início do século XX.


James Clerk Maxwell (13 de Junho de 1831, Edimburgo, Escócia - 5 de Novembro de 1879, Cambridge, Inglaterra) foi um físico e matemático Escocês. Ele é mais conhecido por ter dado a sua forma final à teoria moderna do electromagnetismo, que une a electricidade, o magnetismo e a óptica.


E porque eu me demoro a narrar fatos da ciência eletromagnética ao falar do Bem e do Mal? Para tirar deste debate toda e qualquer fantasia filosófica.
A Dor, a Morte, a desdita, os infortúnios, tanto quanto as alegrias, as vitórias, os prazeres deste mundo, são todos apenas, e tão somente, oscilações de campo. E tudo nestas oscilações depende de manter-se equilíbrio entre os pólos, entre as colunas, e vai depender da habilidade de todos nós de não pendermos nem para um lado nem para o outro.
E esta talvez seja a afirmação mais polêmica: nem para o Bem devemos pender demasiadamente, pois não há maior Mal do que o Bem permanente. Sem os contrários, sem as oposições, a Vida, como a conhecemos, não poderia existir.
O que muda na mente daquele que transcende as limitações do mundo, daquele que é chamado de Iluminado, é que ele percebe a ausência de diferença entre os pólos, e pode então usar o campo a seu favor, sem ser uma aparente vítima de suas oscilações.
Pois o campo não é mal ou bom em si, mas apenas uma manifestação natural da Criação, uma poderosa conjunção de forças e energias aonde construímos com nossa imaginação aquilo que chamamos Realidade.
A Realidade é Maya, a grande Ilusão.
Maya é o Campo.É isso.
Comenius: Acho que depois disto podemos dar por terminada esta fase do seminário. Retiremos-nos agora para meditar, sozinhos, sobre o que foi comentado aqui. Que todos tenham um bom retorno a seus lares, mergulhados na Paz Profunda dos Rosacruzes. Assim Seja.
Todos respondem: Assim seja
E deixam a sala.