Comenius: Bem, frater João, as bases de escolas de pensamento de cunho espiritual geralmente fundamentam-se em percepções de um líder ou de um indivíduo em particular que atingiu níveis de consciência extremamente elevado. Este indivíduo, seja como for, cria em torno de si uma área de forte influência que redunda sempre em um movimento de adeptos, que buscam acompanhar a luz deste indivíduo, receber parte de seus fluidos, da bênção de sua presença ou de suas palavras.
Obviamente, nem todos, para não dizer nenhum, terá nível de evolução ou sensibilidade espiritual semelhante ao seu líder. A compreensão do seguidor de um líder espiritual religioso, por ser menos elaborada que seu mestre, requer que as preleções deste mestre sejam em uma linguagem propícia, didática,que, via de regra, deságua em um mito explicativo.
Não é por outra razão que Cristo falava por parábolas.
Bernardo: O problema,frateres e sorores, é que mitos explicativos, por sua beleza, por seu simbolismo, têm grande apelo emocional. Muitos deles, com o tempo, ganham status de verdade incontestável, fazendo com que o símbolo se transforme na própria coisa que ele representa.
Primeiro, porque grande energia intelectual e física geralmente é gasta em debates inúteis, quando não batalhas violentas, sobre detalhes do mito, enquanto que a idéia por trás dele, aquilo que se queria passar através dele, fica relegada a segundo plano, oculta, soterrada por palavras e discussões infindáveis.
Segundo, porque quando a idéia principal é perdida, a essência do discurso daquele iniciado é esquecida, e resta apenas uma estrutura religiosa vazia, rituais sem clareza, com mistérios demais, sem capacidade de causar no adepto o efeito que seria desejável.
Passa-se a um ritualismo burocrático, sem vida, o qual será defendido e comandado por aqueles que só conseguem ver o externo, o superficial.
Comenius: A conseqüência direta disso é que o mito explicativo já não explica, mas confunde. A chave está perdida, uma vez que ela se oculta no coração. É do coração que vem a autorização e a decifração, do profundo, não do superficial. Quando, depois de anos, alguém tenta apenas comentar que o mito é apenas isto, um belo mito, as reações dos superficiais ou daqueles que os seguem pode ser violenta e geralmente é. Não se discutem idéias. Não se discutem percepções. Discutem-se crenças, dogmas. E como dogmas não se discutem, não existe evolução possível. Sistemas fechados filosófico espirituais sempre sofrerão com este esquema de expansão, condensação e enrijecimento.
Sistemas abertos ao contrário, têm fluxo, dinamismo, vida.
A maioria das religiões são sistemas fechados.
Algumas escolas esotéricas são sistemas abertos.
A Ordem Rosacruz é um destes sistemas.
O SOM DO SILÊNCIO
O que isto quer dizer?
Que religiões são sempre fadadas ao fracasso? Não é bem assim. Digamos que qualquer movimento religioso corre o risco de enveredar pelo caminho do congelamento das idéias, mas que isto não implica que toda religião seja uma estratégia equivocada em direção a harmonia com o Deus de nosso compreensão.
Quando o homem se organiza em um culto religioso, dá um passo importante no aperfeiçoamento de sua espiritualidade.
Um passo, não o último, e provavelmente, com certeza não o primeiro.
Ela apenas organiza nosso relacionamento com nossa espiritualidade, que pode mais facilmente se expressar através de modelos e protocolos que criam o hábito do contato com o Eterno. É a religiosidade inata no homem que leva normalmente a instituição de uma religião, que então aos poucos passa a ser uma organização no plano material.
Uma egrégora viva, pulsante, em renovação interna constante. Seus símbolos e mitos serão vivos, plenos de energia e significado, e serão como devem ser, pontes para o sentido profundo que representam, para além dos véus do mistério. E eles o decifrarão com facilidade, pois têm a chave dentro de si mesmos.
Comenius: Mesmo as ordens esotéricas devem se precaver contra o perigo de se tornarem sistemas fechados.
Nada impede a dogmatização a não ser a cultura e o desenvolvimento da sensibilidade. O que muitos não entendem é que a ausência de dogmas não quer dizer ausência de doutrina.
A ciência tem sua doutrina, embora não se trate de uma doutrina dogmática.
O corpo de conhecimento e de valores que forma uma doutrina mística também pode ser, desde que bafejado pelo espírito científico, aberto a mudanças, em vigência das condições necessárias.
E quais são estas condições de transformação? As mesmas da ciência: fatos novos, surgidos da busca e da experimentação científica séria. Dados novos nos impelem na direção de pensamentos novos. Assim evolui e caminha a ciência.
E o misticismo, como avança, como caminha? Sua evolução é diferente. Na verdade, enquanto o processo científico vai tentando retirar o véu do desconhecido, o misticismo vai aos poucos levantando os véus daquilo que já sabe. Sua linguagem, seu modo de revelar seus conhecimentos vai ficando menos hermético, não por uma decisão das escolas esotéricas, mas porque a humanidade progressivamente vai galgando níveis mais altos de refinamento e portanto, permitindo que este conhecimento sagrado seja revelado.
E porque o misticismo e a ciência não são um e o mesmo saber? Porque o conflito entre ambos?
Primeiro, porque como lembra Saint Martin, o cientista atual ainda busca as respostas no Livro da Natureza e não no Livro do Homem. Portanto busca fora de si as respostas que poderia achar dentro de si mesmo. Já o místico faz o caminho inverso, buscando dentro de si mesmo as respostas as suas questões fundamentais.
Louis Claude de Saint Martin
A religiosidade é aperfeiçoada pela razão enquanto a razão ganha um sentido mais profundo quando embebida da religiosidade.
Frater João: Então na opinião de vocês, já que o misticismo não avança, apenas se torna menos hermético, não haveria porque sermos classificados como cientistas místicos, como os frateres gostam de chamar os rosacruzes. A motivação para a ciência é a busca da verdade e, se já sabemos toda a verdade não haveria motivação para buscá-la nem necessidade do experimentalismo ou do método científico.
Bernardo: Sua questão é muito interessante. Gostaria de dizer que, se para o cientista ortodoxo, os experimentos científicos buscam revelar, para o cientista místico a experimentação busca confirmar e consolidar o já sabido.
O método embora seja o mesmo, tem objetivos finais diversos. O homem comum que ingressa na senda mística é informado por sua escola esotérica que o poder está dentro de si e que, mediante alguns exercícios e experimentos poderá verificar esta afirmação.
Porque verificar? Porque com isso entenderá por experiência própria, pessoal, com seu próprio esforço, que aquilo que lhe foi afirmado é real e tem procedência.
Comenius: É esta ciência para dentro ,digamos assim, que o místico vai praticar. Não precisará sacrificar animais como cobaias de experimentação: ele é a sua própria cobaia. Não precisará de instrumentos refinados: descobrirá dentro de si mesmo os instrumentos que necessita.
O que não muda é a atitude mental que deverá ter, a mesma prudência, o mesmo cuidado ao examinar as evidências que encontrar, que um cientista ortodoxo deve ter com as evidências que encontra, com a vantagem de que, neste tipo de campo, não precisa convencer ninguém de suas descobertas, mas apenas a si mesmo. Só que é justamente aí que está o perigo da ciência mística. Livre da necessidade de demonstração a terceiros, o místico destreinado pode ser condescendente com os resultados encontrados e deixar-se levar pela falta de rigor metodológico, supondo ter conseguido aquilo que é apenas fruto de sua imaginação. E como sua imaginação é um dos seus instrumentos de trabalho, tudo fica muito mais delicado.
Bernardo: Isto torna impossível o rigor? Isto quer dizer que a nossa sensibilidade deve ser a única maneira de perceber a veracidade de nossas experiências místicas? Não seria adequado, já que é possível submeter nossos resultados ao rigor do bom senso, desde que tenhamos prudência, um dos mais importantes degraus da Escada de Rá, que todos os irmãos aqui conhecem.
Repito o que disse antes: cultura intelectual, acadêmica, e bom senso são coisas diferentes. Para que alguém seja prudente não é preciso ter lido muitos livros, ou falar várias línguas. Prudência é uma das virtudes decorrentes da maturidade psicológica e espiritual. E para isto temos que combater nossos piores demônios interiores: a pressa, a vaidade, a arrogância.
Por vaidade, não admitimos que não estamos prontos; por pressa, não aguardamos o tempo suficiente para consolidar os estados de consciência necessários; e por arrogância não admitimos que estamos errados em nossa atitude diante do conhecimento interior.
A sabedoria mística é delicada, fortalece-se aos poucos, até ter uma densidade segura que nos garanta uma manipulação fácil e hábil.
Em outras palavras, aos poucos a Voz do Mestre Interior fica mais forte, mais audível, e muda de um simples sussurro em estrondo ensurdecedor.
Esta alquimia da autopercepção é o experimento mais demorado e o que requer mais paciência e determinação.
Não sei se o frater se satisfez com esta análise.
Frater João: Plenamente, frater. Plenamente.
Comenius: Passemos então a outras questões.
Frater João: Eu gostaria de colocar outra questão, se a assembléia me der sua tolerância.
Bernardo: Acredito que tolerância, aqui, não falta.
(Risos.)
Frater João: Gostaria de discutir o papel do Bem e do Mal, na visão Rosacruz.
Comenius: Tema fascinante, mas não sei se podemos fazer uma discussão baseada na ótica rosacruz, já que a Ordem não estabelece premissas próprias sobre isto.
Bernardo: É uma discussão baseada em princípios filosóficos, mas também em crenças pessoais, por isso o debate é complexo.
Frater João: E os frateres não tem uma opinião pessoal sobre o assunto? Gostaria de ouvi-la.
Comenius: Bernardo tem longas considerações sobre o assunto. Talvez devêssemos deixar que ele tecesse esse comentário.
Bernardo: Pois não. Primeiro, não comungo da visão ocidental sobre o tema. Este é o primeiro ponto que gostaria de deixar claro. Tendo mais a pensar como os hindus que encaram a realidade como uma Grande Ilusão, nem boa nem má, que denominam Maya, produto da imaginação criativa de todos.
Talvez minha posição cause estranheza a muitos aqui, mas esotericamente isto já está dado em várias passagens de rituais secretos tanto da Rosacruz como da Ordem Martinista.
O grande mistério neste assunto é a conjunção harmônica dos contrários, assunto profundo e de largas implicações no cotidiano de todos nós.
Eu começo minha análise pela análise da percepção neurológica da realidade que já foi objeto de estudo de vários pensadores ao longo da história da humanidade.
Ora, neste particular, existe consenso científico de que o cérebro humano é incapaz de abarcar a totalidade, funcionando de maneira binária, dual como diria a Ordem, e estabelecendo para tudo que está a sua frente uma divisão em pólos. Desta forma, vemos o mundo como um todo mas o descrevemos em partes, e, ato contínuo, narramos esta realidade percebida em partes dividindo-a em positiva e negativa, boa e má.
A realidade , em si, não têm estes pólos, estas ambigüidades, circulando livre entre todas as suas partes, manifestando-se de forma íntegra; mas a percepção humana, por limitação neurológica, não pode acompanhar esta integralidade, e a divide para entendê-la.
Vejamos a linguagem, reflexo direto de nossa intelectualidade. Ao descrevermos um evento, não temos palavras para falar do todo, só de suas partes.
Não ajuda falarmos “Elefante”: precisamos dizer, também, pernas grossas, orelhas longas, presas,tromba.
Não adianta dizermos “casa”: precisamos dizer também janelas azuis, porta de madeira entalhada, marrom, jardim com rosas na frente, etc.
A linguagem demanda os detalhes, as partes; a coisa vista, no entanto, é uma só.
Assim, quanto ao Bem e o Mal do mundo, temos o mesmo fenômeno.
O mundo é um só, seus acontecimentos apenas são, sem adjetivos. Nossa escala de valores e limitação de linguagem, entretanto, impõe a adjetivação em bom ou mal, em coluna negra ou coluna branca, quando , na verdade, todos os místicos sabem que o mestre senta entre colunas, manifestando o mistério da conjunção dos contrários no seu centro, usufruindo o campo formado entre os pólos.
Como lembra a Ordem, o Universo é dual em essência e trino em manifestação.
E porque dual? Porque é assim que se gera campo, fluxo entre os extremos, em uma palavra, Vida.
As colunas não importam, importa a existência do campo. O campo que garante o movimento, a realidade como a conhecemos, sempre dinâmica, sempre em mutação.
A realidade é o campo entre os pólos.
Os Rosacruzes tem acompanhado de perto e até interferido no estudo dos campos eletromagnéticos. Basta lembrar que um eminente rosacruz, Benjamin Franklin, colaborou pessoalmente para a compreensão do fenômeno elétrico com uma experiência absolutamente romântica e inesquecível, capturando raios com uma pipa, e demonstrando assim sua natureza elétrica.
Benjamim Franklin, rosacruz, e seu clássico experimento. Benjamin Franklin (Boston, 17 de Janeiro de 1706 — Filadélfia, 17 de Abril de 1790) foi um jornalista, editor, autor, maçom, filantropo, abolicionista, funcionário público, cientista, diplomata e inventor estadunidense, que foi também um dos líderes da Revolução Americana, e é muito conhecido pelas suas muitas citações e pelas experiências com a electricidade.Um homem religioso, calvinista, é ao mesmo tempo uma figura representativa do Iluminismo. Ele trocava correspondência com membros da sociedade lunar e foi eleito membro de Royal Society. Em 1771, Franklin tornou-se o primeiro Postmaster General (ministro dos correios) dos Estados Unidos da América.
Estava assim demonstrado a natureza elétrica dos raios e aberto o caminho para trabalhos posteriores que caracterizaram o eletro magnetismo, como os de Maxwell, e seu papel no conjunto da forças universais, como o da relatividade de Einstein, já no início do século XX.
James Clerk Maxwell (13 de Junho de 1831, Edimburgo, Escócia - 5 de Novembro de 1879, Cambridge, Inglaterra) foi um físico e matemático Escocês. Ele é mais conhecido por ter dado a sua forma final à teoria moderna do electromagnetismo, que une a electricidade, o magnetismo e a óptica.
E porque eu me demoro a narrar fatos da ciência eletromagnética ao falar do Bem e do Mal? Para tirar deste debate toda e qualquer fantasia filosófica.
A Dor, a Morte, a desdita, os infortúnios, tanto quanto as alegrias, as vitórias, os prazeres deste mundo, são todos apenas, e tão somente, oscilações de campo. E tudo nestas oscilações depende de manter-se equilíbrio entre os pólos, entre as colunas, e vai depender da habilidade de todos nós de não pendermos nem para um lado nem para o outro.
E esta talvez seja a afirmação mais polêmica: nem para o Bem devemos pender demasiadamente, pois não há maior Mal do que o Bem permanente. Sem os contrários, sem as oposições, a Vida, como a conhecemos, não poderia existir.
O que muda na mente daquele que transcende as limitações do mundo, daquele que é chamado de Iluminado, é que ele percebe a ausência de diferença entre os pólos, e pode então usar o campo a seu favor, sem ser uma aparente vítima de suas oscilações.
Pois o campo não é mal ou bom em si, mas apenas uma manifestação natural da Criação, uma poderosa conjunção de forças e energias aonde construímos com nossa imaginação aquilo que chamamos Realidade.
A Realidade é Maya, a grande Ilusão.
Maya é o Campo.É isso.
Comenius: Acho que depois disto podemos dar por terminada esta fase do seminário. Retiremos-nos agora para meditar, sozinhos, sobre o que foi comentado aqui. Que todos tenham um bom retorno a seus lares, mergulhados na Paz Profunda dos Rosacruzes. Assim Seja.
Todos respondem: Assim seja
E deixam a sala.
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