Comenius: Neste encontro , temos um tema que gostaríamos de propor a assembléia de rosacruzes aqui presente: o karma.
Bernardo: Quero colocar de início que não acreditamos como rosacruzes em maldições do passado, e, além disto, acreditamos que karma resulta de opções cotidianas, ininterruptamente, gerando situações que terão efeito cármico.
Não há nenhum ato que não seja kármico, que não gere reação, porque afinal, da genética e do karma é impossível fugir.
Aliás, genética também é karma.
Comenius: Ora, tal fatalismo não implica em tragédia. Leis naturais e universais, como dissemos, não são maldições, como alguns querem fazer crer mas parte da mecânica interna do Cosmos. A mão que vai ao fogo, queima e dói.
O indivíduo não repetirá o mesmo ato. O fogo, no entanto, não o puniu por nenhum pecado. É a natureza do fogo queimar, como da água molhar. O contato entre naturezas diversas, uma que se queima e outra que queima é o encontro entre forças antagônicas que se reconhecem e portanto se afastam, mantendo a tendência de adaptação constante entre os elementos da realidade.
Não há caráter moral a ser considerado. Trata-se de um fenômeno físico, o qual por sua regularidade e constância, torna-se conhecimento científico. Uma vez que saibamos que não devemos fazê-lo não o faremos, porque aprendemos que é melhor que seja assim. Não há nobreza intrínseca em nosso ato. Apenas sensatez. Atitudes sensatas são amorais, mas nem por isso deixam de ser sensatas. Nem por isso deixam de ser boas. Espera-se que um ser humano equilibrado seja, antes de moralista, sensato.
O estudante rosacruz é, via de regra, um ser humano equilibrado.
Portanto sua visão do karma é tão sensata quanto ele. Não um sistema de punições e prêmios, mas um mecanismo de balanceamento de forças, amoral, mas eficaz e automático. A justiça cármica é uma lei da natureza, não dos homens, portanto não atende, embora o homem desejasse que assim fosse, aos valores comezinhos de certo e errado que cada cultura estabelece em cada período histórico da sociedade, e em cada região do planeta.
O fogo queima aqui e na China, bem como nas Antilhas e na Suécia. Em todas as partes do planeta, ou mesmo do Universo, onde uma mão humana encostar em uma chama sofrerá queimaduras imediatas por causa de sua atitude, seja a mão de um homem mau ou de um homem bom, segundo os critérios particulares de cada cultura.
Não haverá petições, apelações ou pedidos de desculpas que poderão ou não ser aceitos. Apenas uma queimadura. Nada mais. E o fogo não se sentirá culpado por queimar nem a mão terá qualquer benesse por ser queimada.
Ação e reação terão se manifestado, de forma automática, mecânica.
Bernardo: Isto não implica em um universo sem Deus ou sem dignidade, mas sim em uma visão da Natureza sem romantismo ou idealismos particulares, que escondem a tentativa de impor concepções humanas à realidade e à Divindade. Esconde a atávica tentativa do ser humano de dar a Deus qualidades também humanas, de antropomorfizar a Divindade. No passado, Deus já foi “um Deus de vingança”, “um Deus Cruel”, “um Deus de Fúria”, “um Deus guerreiro”; depois tornou-se “um Deus de amor”, “um Deus bondoso”, “um Deus de perdão”.
Na verdade estes são adjetivos humanos para um fenômeno além do humano, que na impossibilidade de ser compreendido recebe vestes mais palatáveis e acaba mais parecido com o observador do que consigo mesmo.
O que realmente ocorre é que não podemos conhecer o Criador e nem compreendê-lo, mas o contemplamos através de sua Obra, a Criação.
E quem se esforça em compreender esta Criação, vê claramente que não há intenção específica na Natureza de ser boa ou má. A natureza apenas é. E ponto.
Pensemos agora como místicos. Os instintos dos animais são absolutamente naturais. Autopreservação, satisfação da fome, da sede e do ar, a necessidade de abrigo e de afeto, a sexualidade que garante a perpetuação da espécie, são fenômenos naturais em todos os seres, inclusive em nós.
EQUANIMIDADE
Não há nada mais puro ou em harmonia com Deus do que satisfazer tais necessidades. Elas não podem ser objeto de crítica ou de punição pois foram colocadas em nós por Aquele que não pode ser desobedecido.
É sensato que um animal siga seus instintos, da mesma maneira que é sensato um homem, dotado de consciência, não ser escravo dos seus. O que em si não implica negá-los ou maldizê-los.
Da mesma forma que o fogo, os instintos são o que são por que esta é a sua natureza.
O mesmo Deus que criou os instintos criou o karma. São dois subsistemas do mesmo grande esquema. Portanto é sensato pensar que não sejam sub sistemas, sub rotinas antagônicas, mas sinérgicas, que buscam um trabalho em conjunto na busca pelo equilíbrio da Criação.
Então porque a destruição da vida não implica em remorso para um tigre que devora sua presa, ao mesmo tempo que matar outro homem nos afeta, a nós, homens, de forma tão devastadora?
Por que o homem, ao contrário do tigre, sabe o que faz, e avalia intimamente seus atos em conjunto com Deus.
Isto faz do homem uma criatura particular. Ele tem o poder da auto análise. O homem tem em si algo que o tigre não tem: consciência; mais do que isso: o homem tem consciência de si mesmo.
Deste modo, ele julga a si mesmo, através de sua consciência, e estabelece, em conjunto com a mente universal, a correção de seus atos, dadas as suas particulares circunstâncias.
Isto é o karma humano. Além de reações mecânicas na interação com o chamado mundo material, por causa de sua consciência o homem também tem de estar atento aos seus pensamentos e atitudes íntimas, por causa das reações que colherá no mundo mental.
A consciência gera para um homem um segundo nível de exigência, que o obriga a ter um comportamento mais cuidadoso, consigo mesmo tanto quanto com a criação a sua volta. Não fosse a consciência não haveria culpa, ou remorso, mas por causa da consciência, não temos a liberdade de arbítrio que apregoamos.
Podemos arbitrar entre duas opções, mas não livremente. Nossa consciência guiará nossas opções e determinará o tipo de escolha que deveremos fazer.
Mais consciência, menos liberdade de escolha.
Mais e mais nossas escolhas estarão atreladas àquilo que sabemos ou acreditamos ser a coisa mais sensata e mais certa a fazer. E assim o fazemos. Vejam, não há como ir contra nossos sentimentos mais profundos
Pois tanto quanto o fogo, a consciência gera uma reação em nós. Sem ela não sentiríamos nada, nem pudor, nem vergonha.
Sem consciência, não há karma.
Assim, existem mecanismos de autoregulação que devem ser considerados, quando lidamos com a Criação, tanto no nível de existência menos elaborada, reguladas pelo instinto ou pela autopreservação, como nos níveis mais elevados de manifestação da vida, com a consciência em nós. Instinto e Consciência são modos de a presença divina se manifestar em nós, como em todos os seres vivos da natureza.
Jamais estamos sós, ou livres, como gostamos de achar.
Frater João: Já que o frater expôs este tema com tanta elegância eu confesso que uma curiosidade me assaltou.
A questão é: se os animais têm instinto, e os homens têm consciência, dois mecanismos intrínsecos de auto-regulação comportamental, como ficam os anjos? Se eu não me engano eles são mensageiros de Deus. Terão eles algum mecanismo semelhante?
Comenius: Questão interessante.
Bernardo: Eu gostaria de dar a minha opinião.
Comenius: Fique a vontade.
Bernardo: Acho meu frater, elaborando sua interessante questão, que os chamados Anjos são seres de evolução paralela aos humanos, e, portanto, com características muito próprias. De certa forma, baseado nas muitas descrições em livros santos, sabemos que não são seres necessariamente voltados para a prática do bem, e isto se entendermos o bem como a ausência de violência, brutalidade e beligerância.
Basta acompanhar a descrição de um único livro: a Bíblia cristã. Lá os encontramos destruindo cidades, expulsando Adão e Eva com espadas em fogo ou lutando uns contra os outros no combate às forças de Lúcifer. E porque são então chamados “Santos Anjos”, se essas mesmas criaturas são capazes de atos tão violentos? Talvez por uma certa ingenuidade de compreensão do homem do passado.
Se olhamos com o olhar místico moderno, vemos a descrição dos Anjos como forças da natureza que, à semelhança de Tigres de Bengala, são, a um só tempo, belas, poderosas e perigosas, desde que motivadas a isto. E, se nos tigres temos o instinto que os guia, nos Anjos temos a Vontade de Deus, ou seja, Anjos não têm vontade própria e possuem, da sua maneira, uma conexão íntima com a vontade do Universo. São seres assexuados. São gloriosos em esplendor, mas também, da mesma forma, são energias que se mobilizam em função de valores diferentes dos valores humanos.
Há relatos de antigos rabinos que aprisionavam anjos com a finalidade de roubar-lhes a força e a bênção, a semelhança da luta de Jacó com o Anjo, que, segundo dizem, é uma história mais cabalística que histórica e indica a possibilidade de interação entre humanos e Anjos, claro que considerada a devida hierarquia angélica.
Como o irmão deve saber, dos textos de Dionísio o pseudo-Aeropagita , existem três coros de anjos, cada um com três níveis dentro dele:
1° nível: Serafins, Querubins e Tronos; 2° nível: Dominações, Potestades e Virtudes ; 3° nível: Principados,Arcanjos e Anjos, propriamente ditos.
Tenho a impressão que nesta classificação oculta-se também uma hierarquia de força, sendo que os mais poderosos e mais fortes seriam os Serafins, os que queimam por Deus, e os mais frágeis os Anjos propriamente ditos, que podem inclusive, ser objeto de captura por cabalistas mal intencionados.
Não é objetivo nosso aqui, tentar julgar os atos de Místicos de outras linhas, mas ao saber desta prática de capturar Anjos em busca de sua bênção, senti o quanto ainda é necessário, entre místicos, a melhoria do comportamento que advém da cultura e da civilização.
Considero a Ordem Rosacruz a escola de místicos mais refinada no Ocidente, e entre meus pares, reputo conviver com as mentes mais lúcidas do misticismo ocidental.
Seria impensável para um místico rosacruz, ao menos supor tal ato de barbárie no relacionamento com seres da Natureza, sejam animais, sejam Anjos.
Os Anjos têm seu próprio caminho.
Homens jamais serão Anjos e Anjos jamais serão homens. São linhas de evolução paralelas e é assim que deve ser.
Sua interferência no destino dos homens ainda está para ser melhor explicada. (Por exemplo, a justificativa de que Sodoma e Gomorra foram destruídas, por causa das barbaridades e orgias que lá aconteciam não se sustenta, se fosse assim, muitas cidades modernas e do passado, nestes últimos 2000 anos deveriam também ter conhecido a Ira dos Anjos, a começar pela Roma de Calígula, ou a Bagdá de Sadam Hussein).
Mesmo assim, nenhum homem, nenhum Mago, em sã consciência, pode se colocar na posição de ter, sabe-se lá de onde, autorização para capturar e aprisionar qualquer ser desta estranha espécie que conosco divide o Universo, do mesmo modo que os golfinhos ou os pássaros.
Anjos são seres que , mal comparando, parecem-se com os animais: não possuem como nós consciência,vivem pelo impulso interior, são forças instintivas, só que neles o instinto chama-se Vontade de Deus, seja lá o que isto queira significar para os Anjos.
Da mesma maneira que podemos nos afeiçoar pelos nossos animais domésticos, e comunicarmos-nos com eles essencialmente pelo sentimento, também, ao que parece, anjos relacionam-se com os humanos muito mais pelo sentimento do que pela razão.
Teremos a proteção desses seres desde que estejamos na mesma freqüência vibracional de bondade e docilidade.
Portanto, meus irmãos, os Anjos não são mais divinos do que nós, homens, ou que os animais, pois que todos nós, seres vivos, compartilhamos o título de filhos de Deus.
Somos todos irmãos na criação, e semelhantes pela filiação divina.
Aliás, este é o segundo racismo que teremos que superar no futuro: o racismo entre espécies. O homem sempre lidou mal com o diferente. Cabe aos místicos, principalmente aos místicos rosacruzes, mais sensatos, mostrar a humanidade que espera-se de todos um comportamento a altura do refinamento espiritual mais elevado no trato com a natureza, seus habitantes e suas forças.
Jamais dominaremos a Natureza pela força, como desejava o homem do passado.
Poderemos no entanto, ter todo o seu poder aos nossos pés, desde que nos harmonizemos com ela, que vivamos em harmonia com a Vontade da Consciência Cósmica, como vivem os animais da floresta, os peixes do mar, e os Anjos do Céu.
Como parte desse discurso sobre os Anjos, gostaria de lhes dizer do meu amor e carinho por esses seres fortes, nobres e dignos mensageiros.
São nossos companheiros de Universo, porém estão mais próximos do Todo Poderoso, já que não possuem ego que os iluda. Precisamos de nosso Ego para sentir e experimentar sensações. É isto que nos diferencia, nós, humanóides, dos outros seres: nosso discernimento, Viveka, na língua dos deuses, o Sânscrito.
Gostaria de poder compartilhar o que sei, como homem, com os Anjos e com os outros seres da natureza, mas só poderia fazer isso através da emoção do Amor.
Porque como a música e a matemática, o Amor é uma linguagem universal. Se qualquer um de nós quiser se comunicar com todos os seres do Universo, e encontrarmos o ponto aonde a compreensão verdadeira se estabelece, precisamos do Amor. Pelo Amor podemos entender as plantas, as nuvens, as rochas e ver em cada coisa a presença divina.
O Amor não é apenas um sentimento. O Amor é a linguagem dos seres que não possuem Ego, como é o caso dos Anjos.
Para se conversar com Anjos, portanto, é preciso amá-los, profunda e decididamente.
Alguém poderia, pragmaticamente, como é normal entre Rosacruzes, perguntar qual a finalidade de se amar os Anjos.
Afinal o mundo evoluiu e já sabemos que não devemos tentar descobrir as coisas que precisamos através de outros seres, pois no passado não tão distante, era comum a certos tipos de místicos pedir aos Anjos que lhes dessem sinais ou instruções sobre o nosso comportamento, nosso próprio mundo ou outro mundo, acima do nosso, ou devo dizer, o mundo que fica ao lado do nosso, já que as dimensões são contíguas e, certas vezes, até se interpenetram.
Anjos eram consultados sobre temas universais partindo-se do princípio de que, já que eram seres tocados pelo divino, poderiam nos falar melhor sobre Ele do que qualquer humano.
Só que hoje sabemos que a evolução é feita com nossas próprias pernas, nossas próprias intuições e percepções e transferir nossa busca de conhecimento a outrem, humano ou não, é retardar ou tornar excessivamente complexa uma busca que em si já é difícil.
Então porque esta fascinação pelo tema angelical, aliás recentemente descoberto?
Parte, eu suponho, por mera curiosidade inconseqüente.
Nada mais.
E, em parte, porque tornando-nos como os anjos, plenos da emoção do amor que conseguiremos a percepção que eles possuem, quase palpável, do que chamamos acima de A Vontade de Deus.
Por que, assim como os seres simples têm o instinto, os Anjos têm o Amor Infinito que sentem pela Divina Presença.
Um Amor tão intenso que nos levaria, a nós, humanos, a autoconsumição, caso fosse sentido de uma vez, sem uma gradual aproximação, sem a prudência de senti-lo pouco a pouco, até alcançar a sua intensidade plena.
Não por outra razão os Anjos mais perto de Deus são chamados Serafins, “os que permanentemente queimam por ele”.
Portanto, meus irmãos, como qualquer encontro entre humanos, ou entre os homens e outras espécies do Universo, o encontro com Anjos tem um caráter didático.
Podemos aprender como sentir o Criador através da convivência com os Anjos, já que, como eu disse, estão mais conectados a ele pela ausência do que chamamos entre nós humanos, Ego, embora devamos ter em mente que o mero contato com tais seres não nos torna melhores, pois isto, evoluir, é única e exclusivamente responsabilidade nossa.
Anjos não tem vontades pessoais: são e fazem apenas o que o Amor a Deus os manda ser ou fazer.
Para nós humanos, isto pode ser enriquecedor.
Comenius: Tema interessante. Sua abordagem Bernardo foi surpreendentemente original, sem a reverência ou o romantismo comuns a este assunto. Agradeço por sua objetividade. Existe alguma referência que possa ser consultada sobre este assunto?
Bernardo: O texto mais conhecido sobre os Anjos é o de Dionísio o pseudo aeropagita.
Comenius: Meus frateres, minhas sorores, mais alguma questão.
Frater Alberto: Eu tenho.
Comenius: Diga frater, e com a concordância de todos, encerraremos o nosso seminário com sua questão.
Frater Alberto: Minha questão é a seguinte: no passado,havia a intenção entre alguns místicos de conseguir poder mágico sobre a natureza. A vida, então, era muito difícil. A civilização não existia. Os direitos humanos não existiam. A democracia não existia. Era um planeta de tiranos absolutistas ou de classes sociais pétreas, chamadas nobres, absurdamente privilegiadas.
Sim existia a violência, mas era infinitamente mais grave do que agora. A magia era um recurso válido, parte por causa da insegurança parte por causa da falta de alternativas. Havia doenças de todo o tipo, incuráveis. Hoje ainda existem , mais diminuíram em número e existem mais recursos de tratamento. Ou seja, houve progresso material, social e político. A magia operativa deixou de ser o único meio para conseguir a felicidade e o equilíbrio entre a matéria e o espírito.
A cultura está difundida pela Internet e temos um acesso nunca visto a um sem número de fontes.
Ora, se não tenho a ilusão, por ser rosacruz, de que qualquer ser, anjo ou demônio, possa fazer por mim aquilo que só eu posso fazer; se sei que minhas opções e escolhas somadas a graça de Deus, como lembrou bem o frater Bernardo, são as únicas coisas que serão realmente decisivas na minha evolução; se sei que meu progresso material será diretamente proporcional ao meu esforço intelectual e profissional; minha questão é: qual a razão de sermos rosacruzes hoje? Para ser mais provocante: qual a utilidade em sermos rosacruzes hoje?
Sim, as iniciações rosacruzes são tremendamente inspiradoras; mas, de resto, textos de São João da Cruz, de Santo Agostinho, ou mesmo de Paulo apóstolo, também são.
Digo mais: necessariamente, os estudantes rosacruzes não apresentam modificações significativas em sua existência.
Então, o que a herança de nossa Ordem faz, objetivamente, que poderia impedir que muitos a abandonassem, tornando-se mais um de muitos rosacruzes inativos, como tem acontecido?
Bernardo: Frater, eu queria começar a responder a sua questão lembrando a frase de que muitos são chamados, mas pouco são escolhidos. Por causa disto, muitos abandonarão a ordem, comprovando o que é mostrado na parábola do semeador. Esta é a razão de muitos rosacruzes tornarem-se inativos, como o frater bem lembrou.
Comenius: Outra coisa: não nos tornamos rosacruzes, na minha opinião, apenas por opção. Fazemos isto principalmente por necessidade. Alguma coisa nos faz sentir forte atração pelos símbolos, ensinamentos e textos publicados pela Ordem em todo mundo. Em todo o planeta, mesmo diante de todo o progresso material que o frater descreveu, permanece em alguns o vazio espiritual e a insatisfação que desde eras priscas são os responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento da humanidade.
Dizia um antigo material sobre rosacruzes que todos nós, membros da Ordem, somos Buscadores.
E o que buscamos? Poder, glória, saúde, fortuna material, abundância? Talvez tudo isto, ou nada disto.
A busca é pessoal. Cada um tem aspirações particulares ou ilusões que precisa desfazer. E talvez seja exatamente aí que o trabalho da Ordem se destaca num mundo tão avançado materialmente como o nosso, mesmo que persistam bolsões de miséria aqui e ali, em toda a parte.
O ser humano melhorou seu domínio sobre centenas de aspectos de sua vida no planeta, mas permanece sem controle de sua imaginação.
Bernardo: Se os rosacruzes ensinam como preservar a saúde, embora com técnicas complementares a medicina ortodoxa e não em substituição à esta, é para que a doença física não distraia o estudante de seu processo criativo através de sua imaginação.
E, ensinando como organizar o pensamento lógico, estimulando o estudante a se familiarizar com os grandes pensadores da humanidade, fazemos com que tenha sensatez em seu processo de raciocínio, e clareza em sua imaginção.
A maioria de nossas técnicas não prescindem da participação ativa do processo imaginativo, seja como desencadeador de energias astrais, seja como guia dessas energias fora ou dentro de nossos corpos.
Nossos ensinamentos nada devem as modernas escolas pois atualizamos as monografias de acordo com as mudanças de paradigma da ciência. Entretanto é notável que essas modificações sejam de forma e não de conteúdo.
Não antecipamos os antibióticos, mas o conceito de seres invisíveis que provocam doenças já estava em nossos textos da idade média.
Não antecipamos a ciência da acústica, mas o conceito de que sons poderiam causar efeitos específicos sobre os seres vivos ou sobre objetos sempre esteve em nossos ensinamentos, aliás, nossa mais sagrada herança do conhecimento atlantiano, que ainda não foi totalmente percebida pela ciência ortodoxa.
Antecipamos a importância do sistema nervoso autônomo na gênese da doença psicossomático, fato amplamente aceito hoje em dia pela Medicina, se bem que ainda não esgotado em todas as suas nuances.
E mais coisas ainda virão pela frente. Principalmente no capítulo do uso terapêutico da nossa energia sutil no tratamento de moléstias as mais variadas.
Se concordarmos que somos, essencialmente, uma Escola de Aperfeiçoamento da Imaginação, podemos depois destas ponderações concordar que, mesmo hoje, ainda temos uma ou outra coisinha a ensinar ao mundo lá fora.
Comenius: Não fosse meu irmão por essas coisas que Bernardo enumerou, a Ordem não teria atrativo; mas, embora concorde com você que muitos abandonam suas fileiras sem aproveitar 1/10 de seu potencial benefício, gostaria de ressaltar o fluxo ininterrupto, geração após geração, daqueles que chegam ao nosso portal.
Quem são essas pessoas que continuam a nos procurar com os olhos cheios de questões e o coração cheio de esperança de encontrar respostas? Buscadores, como nós, pessoas que não estão satisfeitas com o que têm ou com o que são e que sabem que podem ser melhores como seres humanos, como indivíduos.
Suas aspirações são legítimas, mas são apenas o princípio de qualquer caminhada. Descobrirão ao chegar até nós, que as respostas não serão dadas mas, isto sim, construídas e conquistadas, a partir do Aperfeiçoamento da Imaginação Criativa e da utilização de técnicas ainda hoje avançadas e eficazes na melhoria de nosso desempenho pessoal e social.
Bernardo: O fato é que para usufruir destas técnicas todos devem dominá-las e para isto é preciso praticá-las. O rosacrucianismo é uma experiência e uma vivência, não um conceito.
Os experimentos mostrados em nossas monografias não são decorativos. Devem ser utilizados exaustivamente ou não terão nenhum valor.
Estimulo o frater a fazer suas práticas.
Aí é que encontrará a razão pela qual devemos, todos nós aqui, vivenciar o rosacrucianismo entusiasticamente e, se possível, mostrá-lo ao maior número possível de pessoas.
Comenius: Assim seja. Meus irmãos, vamos encerrar este seminário e, com ele ,esta seqüência de seminários voltados a discutir a prática rosacruciana.
Agradecemos a todos pela participação, em meu nome e em nome de frater Bernardo, mas principalmente em nome de nossa Amada Ordem, acredito que tão fundamental nas nossas vidas quanto na vida de todos vocês.
Que todos fiquem em paz profunda. Assim seja.
Todos respondem: Assim seja.
E se retiram.
FIM
O assunto sobre Anjos neste diálogo é um tanto interessante no tocante às crenças e o que foi colocado nas nossas cabeças para acreditar. Eu defendo a premissa do misticismo que não é buscar a intercessão de seres exteriores, mas, antes, alcançar harmonização individual diretamente com a Mente Divina ou Cósmica.
ResponderExcluirNeste particular, o misticismo puro opõe-se à teologia ortodoxa e ao dogma da Igreja, visto que principalmente este último implica em dependência de certos fatores externos para a humana comunhão com Deus.
Questiona-se a existência dos anjos como seres divinos protetores e mensageiros preocupados com os humanos mortais. Muito já se escreveu sobre os anjos, especialmente nas últimas décadas, por conta de uma lacuna de obras pseudomísticas e antes comercial que esotéricas sobre o assunto, o que, aliás, não ajudou muito a esclarecer o grande público sobre a verdadeira natureza dos tão comentados seres angelicais.
Até próximo do século IV a Igreja interpretava os termos bíblicos de “filhos de Deus” como sendo anjos culpados. Depois passaram a considerá-los como os descendentes da linhagem de Set (terceiro filho de Adão), sendo as “filhas dos homens” a descendência de Caim. Até que identificam três classes de anjos: Elohim (anjos criadores), Querubim (anjos dos elementos e pontos cardeais) e Ben-Elohim (filhos dos Deuses ou anjos menores, semideuses ou algo como “semi-anjos”)
Este tema sobre anjos se deve muito ao contato dos judeus com os persas e a respectiva religião mazdeísta. Deles tomaram novos desenvolvimentos para a doutrina sobre os anjos, os demônios, a ressurreição e a ritualística.
Por outro lado, o misticismo assume a posição de que o homem pode pessoalmente preencher a lacuna entre sua consciência mortal e a consecução espiritual. Isto requer o despertar da Luz interior, de um Alvorecer de Iluminação.
Para o místico, toda liturgia e todo credo são incidentais, constituindo meros recursos pelos quais o indivíduo alcança o conhecimento pessoal de Deus.
Encontramos em Martinès de Pasqually quanto Louis-Claude de Saint-Martin suas asserções de que o nosso Guia angelical desempenha um papel fundamental na nossa evolução espiritual.
No entanto, ressalva que através de um longo trabalho de introspecção e de meditação, mergulhando nas profundezas do nosso coração, podemos encontrar esse ser de luz que guarda o Santo dos Santos do nosso Templo interior.
Então, a minha posição é que não devemos associar os círculos imaginários de energia com uma entidade ou ser que intercede ao nosso favor, como no caso inicial de um Guia angelical, mas, sim, o nosso trabalho em desenvolver a nossa comunhão interior com a essência Divina.