Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quinta-feira, 13 de maio de 2021

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARTAS DOS MAHATMAS

 

Por Mario Sales, FRC




Se a DOUTRINA SECRETA é uma obra obscura e às vezes errática em seu curso, desafiando a paciência e a persistência de quem se atreve a encarar seu desafio, as Cartas dos Mahatmas para A.P.Sinnett ao contrário são de uma clareza e leveza impressionantes.

Ali pode-se ouvir Ku-Thu-Mi e Moria falando em tom absolutamente coloquial sobre assuntos os mais variados, com uma objetividade que deveria servir de exemplo para outros esoteristas, sem o mesmo nível de evolução, e que, mesmo assim, supõem que quanto mais rebuscado e vago for seu discurso mais erudito e atraente parecerá.

Coisas pouco claras me dão muito sono e cansaço.

Quem escreve se denuncia como alguém que quer ser compreendido. Quando eu falo com alguém espero que meu interlocutor entenda o que estou explicando e por isso uso o mesmo idioma que ele, com a mesma gramática, com uma entonação de voz e às vezes gestos que complementem e reforcem minha apresentação.

Em textos não temos a não ser idioma e gramática para nos ajudar. E claro, um curso de pensamento coerente e se possível linear.

Tudo que encontramos nos textos das Cartas dos Mahatmas para Alfred. P Sinnett e não encontramos por mais que louvemos a importância de seu trabalho, na Doutrina Secreta, cujo nome antecipa seu objetivo oculto: manter secreta a Doutrina de que fala.

K-H ou na maneira como assina, Koot’Hoomi Lal Singh, dito o Hierofante de AMORC além de irmão de Ordem do Mestre de Blavatsky, Morya, escreve com bom senso e raciocina com muita clareza. Conhece bem a natureza humana e antecipa corretamente comportamentos que hoje estão mais do que claros para psicólogos comportamentais, em relação ao modus operandi das multidões em geral.

Uma coisa, no entanto, sempre me intrigou.

Os relatos dos seus contatos com o editor do Pioneer e seu amigo, Hume, mostram que ambos os interlocutores destes excelsos mestres não eram personalidades espiritualmente diferenciadas. No caso de Hume, pelo contrário, tratava-se de alguém com pouca evolução, que chegou mesmo a elaborar estratagemas para testar a veracidade das afirmações dos mahatmas, estratagemas estes descobertos e criticados pelos mesmos como demonstrações de falta de maturidade e mesmo seriedade do mesmo.

Mais tarde, por causa deste comportamento, os contatos com este cavalheiro foram suspensos, mostrando que foi um erro dar-lhe uma atenção que muitos discípulos de natureza mística bem mais refinada gostariam de receber.

Nas palavras de K-H, na carta número 1, dirigindo-se a Sinnett, comenta:

“Em outras palavras, você presenciou uma variedade maior de fenômenos, produzidos para você e seus amigos, do que muitos neófitos viram em muitos anos.”

Por que isso? Pelo fato de que Sinnett era editor de um jornal considerado a época de importância na Índia e com ecos em Londres? Pela sua evolução com certeza não era, visto que não seria este o critério para tamanha cordialidade. Muitos tentaram contato com esses iluminados sem sucesso. E o argumento sempre foi de que não teriam merecimento para isso.

Com certeza existia outra razão que escapa aos textos publicados e que estão preservados na British Library, na Inglaterra.

Para que os Mestres se expusessem do modo como fizeram, quase como se estivessem dispostos a divertir um grupo de burgueses ociosos com feitos que pareceriam truques de mágica, a intenção destes seres excelsos deveria, em princípio, visar uma meta mais complexa.

Só posso concluir que não escreveram para o editor do Pioneer, mas sim para todos nós. Esta correspondência, eles deviam saber, viria a ser publicada no futuro e serviria de guia para aqueles que quisessem compreender os meandros do trabalho do Governo Oculto do Mundo.

Aliás, um trabalho que não é tão livre assim, nem tão arbitrário como possa parecer àqueles que supõem que o poder dá liberdade de ação aos que o detém.

Uma frase me marcou profundamente nesta primeira carta: “…quando chegar o momento e ele puder ter um relance completo do mundo do esoterismo, com as suas leis baseadas em cálculos matematicamente corretos do futuro – os resultados necessários das causas que sempre temos liberdade para criar de modelar a nossa vontade, mas cujas consequências somos incapazes de controlar, e as quais dessa forma se tornam nossos mestres…” (o grifo é meu).

Ou seja, os Mestres não podem controlar as consequências de seus atos, ou pelo menos todas as consequências, e por isso seus movimentos devem ser prudentes e cuidadosos. Eles não são livres, em todo o seu poder, para fazer o que queiram, mas precisam estar atentos às muitas repercussões de atitudes impensadas ou intempestivas, evitando tornarem-se escravos de seus desdobramentos.

Portanto, toda a cordialidade e a estranha (para nós, que nos acostumamos a reverenciá-los como seres elevados e distantes de nós) naturalidade como concederam a dois visivelmente limitados indivíduos e seus amigos, satisfazendo pedidos caprichosos e banais, de pessoas espiritualmente também banais, aquiescendo em surpreendê-los e diverti-los com feitos extraordinários, só podem significar uma coisa: tais acontecimentos foram feitos para serem registrados para as gerações posteriores a estes eventos, uma outra época, talvez a nossa, onde as coisas importantes não fossem a posição social ou os costumes não fossem tão vitorianos. Alguns podem argumentar que não estamos em um mundo evoluído espiritualmente como não estávamos naquela época. Ninguém, entretanto, negará que houve uma significativa mudança nos costumes e a informalidade hoje é bem mais numerosa do que a formalidade. E se ainda temos muitos preconceitos e manifestações de racismo, não se pode negar também que esses aspectos não são aceitos em geral pela sociedade como toleráveis e geram, muito frequentemente, consequências legais para os seus praticantes.

Em suma o mundo mudou e a sociedade deu alguns passos em direção a uma compreensão maior do fenômeno espiritualista. A visão antropomórfica de Deus, embora ainda persista como dogma em algumas crenças, não é mais vista como aceitável pela maioria das pessoas.

As religiões são constantemente “customizadas” e adaptadas as novas concepções do momento.

Visivelmente o ser humano busca novas formas de crer.

Este novo homem, arrisco-me a dizer, lerá com muito menos assombro estas cartas e estranhará o comportamento infantil dos interlocutores dos mahatmas o que só pode ser atribuído ao momento histórico em que estes fatos ocorreram.

Outro mundo, outra sociedade, outras pessoas.

Estou dizendo que pessoas banais não existem mais? Não, longe disso. O que digo é que as comunicações e a velocidade com que a informação viaja e a sua democratização permite hoje que não haja necessidade de ter que se relacionar com seres espiritualmente tão limitados para chegar aqueles que realmente importam. Quando digo isso, refiro-me, claro aos iniciados, os servidores da humanidade, aqueles que estão militando na causa da evolução. Almas diferenciadas que merecem uma atenção e uma orientação mais próxima e que terão acesso as personalidades dos Mahatmas de várias formas, uma delas lendo suas cartas e descobrindo na leveza de seus textos homens, e não deuses, que tem como único objetivo colocar toda sua erudição e experiencia de muitas vidas a serviço da humanidade.

Cem anos precisaram passar para que isso ocorresse.

Considerando a imensidão do Universo e a escala cósmica do tempo, até que foi rápido.

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