Por Mario Sales,FRC,S.:I.:,M.:M.:
“Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne,
porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer”
Paulo, Gálatas 5:17
Entre os místicos e espiritualistas, existe consenso sobre o papel de perigo da matéria sobre a iluminação.
Todos concordam que o desapego às coisas materiais facilita a percepção das verdades eternas do espírito e a descoberta de valores mais perenes.
Pergunto-me, entretanto , se um mergulhador dentro de um antigo escafandro , transferiria a este escafandro, em sã consciência , responsabilidade pelos seus atos nas profundezas do mar.
Cônscio de que , sem o escafandro, ele não conseguiria atingir níveis quase abissais sem ser destruído pela pressão da profundidade, o mergulhador tem consciência exata do papel e da razão de usar aquele escafandro.
Mais do que isso: ele jamais se confundiria com o escafandro, achando que o escafandro e ele são uma só coisa, embora consciente de que trabalham em conjunto naquele momento, por vontade do mergulhador.
Da mesma maneira , atribuir a matéria e ao corpo físico responsabilidade pelos nossos desatinos espirituais é , no mínimo confundir as coisas.
Nossos problemas decorrem daí: ignorância e equívoco.
Paulo , o apóstolo , erra quando prega que “a carne milita contra o espírito e o espírito milita contra a carne.” A única coisa que milita contra ambos, carne e espírito, é a ignorância.
Seu vaticínio lançou milhares de religiosos a uma luta desenfreada cheia de ódio contra a mais sublime criação de Deus, o corpo humano, como se o segredo da libertação do mal fosse a destruição do corpo.
Perguntem ao mergulhador se em sã consciência destruiria com sua faca de mergulhador seu escafandro?
Perguntem a um astronauta se, em uma caminhada fora de sua nave mãe ele, de maneira proposital, causaria qualquer dano a seu traje espacial?
A resposta seria não por que, diriam eles, mergulhador e astronauta, precisamos deles, de nossos trajes.
O traje é necessário ao desempenho de suas missões em ambiente específico.
O seu traje é o seu equipamento, que aumenta sua capacidade de desempenho e melhora sua performance. E se o equipamento estiver funcionando muito bem, se algo sair errado na missão, a culpa do erro não será do traje, mas de quem o utiliza.
Ou seja, o mergulhador ou o astronauta , não são seus trajes, estão dentro dos trajes, usam-nos e não são usados por eles.
Assim também, estamos no corpo, mas não somos o corpo, embora para existirmos neste plano de manifestação necessitemos do corpo.
Maior bem Paulo faria se tivesse ensinado, como faziam os Yogues, que nós não somos o corpo, embora estejamos dentro dele.
É justo ressaltar que mesmo entre os yogues encontramos diferenças de compreensão, com indivíduos ligados a espiritualidade oriental e a Yoga com mais e com menos sabedoria e bom senso.
É o caso de faquires, indivíduos que, à título de demonstrarem sua evolução no domínio da mente sobre o corpo, praticam todo o tipo de atrocidades contra o templo de suas almas como sentar em colchões de pregos ou expor-se às chamas, tentando com isso demonstrar suas habilidades.
Tal falta de bom senso e equilíbrio nem merece ser comentada e os grandes líderes espirituais do oriente repudiam tais práticas como abominações , produto da ignorância e não da alta espiritualidade.
O ser verdadeiro, a alma dentro do corpo é a verdadeira comandante de nosso comportamento. Isto sim deveria ser ensinado em escolas verdadeiramente espiritualistas , ao contrário desta superestimação do corpo em detrimento da alma.
Desta forma , a responsabilidade de nossos atos e decisões não seriam atribuídos ao nosso estado carnal, aos nossos apetites sexuais ou as nossas limitações materiais (se é que se pode falar que um instrumento como o corpo,que nos dá a possibilidade de experimentar a criação, nos limita), mas sim a nós mesmos, consciências aptas a interpretar e decidir a todo o momento qual será o rumo de nossas vidas.
Moralistas toscos e medíocres não teriam assumido o papel de Guardiões da Dignidade, eles que tantas vezes, com suas iniqüidades e crueldade, com sua intolerância indiscutivelmente maléfica e demoníaca, perseguiram física e psicologicamente, um sem número de seres humanos, muitas vezes culpados apenas por sua beleza e sensualidade.
Dizem que pessoas com graves repressões sexuais são, via de regra, as mais preocupadas com aspectos ditos morais quanto ao comportamento alheio.
Assim, encontramos em nossa época, denúncias de pedófilos sacerdotes , escândalos sexuais em mosteiros, ditos locais onde o impulso estaria subjugado pela oração.
Na verdade , práticas antinaturais como o celibato imposto , e não produto de uma opção pessoal geram estas distorções.
A única garantia para a pureza de pensamento, o único elemento que expande nossa dignidade é o conhecimento.
Ninguém pode ou deve julgar o comportamento alheio enquanto não entender o papel do corpo como instrumento de trabalho da alma e não como fonte do pecado.
O pecado, se ele existir , estará na alma que habita o corpo e não no corpo escravizado, este sim, à vontade da alma que o habita e que é responsável pelas opções de uso desse corpo.
Essas opções são decisões solitárias que trarão prejuízo apenas aquele que utiliza esse corpo e aqueles que optarem por acompanha-lo em suas decisões.
Se eu danificar meu escafandro, cortando a mangueira de ar, sufocarei e me afogarei sozinho.
Ninguém pode sufocar por outra pessoa. Existe um Pulmão para cada um.
O moralismo excessivo, portanto , reflete a ignorância espiritual do indivíduo medíocre.
O Cristo, nosso mestre, jamais se preocupou com problemas de ordem física quanto ao comportamento daqueles que abençoava com seus discursos, não fosse a sua melhor amiga e mais fiel companheira uma mulher marcada pela sociedade.
Sua preocupação era com a alma dentro daquele corpo, sofrida, angustiada , e que , em função desta angústia , cometia os mais variados desatinos com aquele que deveria ser o veículo de sua manifestação na terra.
De resto, uma vez superada a ilusão do corpo, o Cristo tocou a alma dentro deste corpo com as palavras “Mulher, teus pecados, e eles são muitos, estão perdoados.Vai, e não peques mais.”
Vai e não erres mais. Isto era o que o Cristo queria dizer na linguagem possível para aquela época.
O erro está em nós, não no corpo. Erro de estratégia, erro de uso, erro de manipulação deste instrumento precioso que nos permite experimentar a criação divina e evoluir, e não erro moral, e com certeza, não um pecado na acepção Paulina.
O único pecado como ensina Krishna é a omissão.
A vida não deve ser relegada a um segundo plano, não deve ser tratada como o problema, mas como a solução. Foi Deus que nos deu este corpo e nada, nada que venha do Todo Poderoso pode ter qualquer conotação de vilania ou maldade. O que é biológico é inocente e sujeito a acompanhar as nossas determinações enquanto almas imortais e portadoras de consciência.
Nosso comportamento sexual é problema único e exclusivamente nosso e só uma visão carola e provinciana pode dar importância a coisas deste tipo.
O que importa ao místico Rosacruz é a qualidade da alma que está dentro do corpo pois é ela que determina a estratégia de vida deste corpo.
Para concluir, queria lembrar um dia que um ex-aluno da minha academia de Yoga muito simpático e fazendeiro me levou para cavalgar em sua fazenda.
Eu nunca havia cavalgado antes e só de ver o tamanho do animal , já fiquei um pouco ressabiado.
Montei para se simpático mas não tinha a mínima idéia de como controlar as rédeas.
Logo a montaria começou a andar desgovernada e foi se aproximando perigosamente de uma ribanceira ao nosso lado.
Meu amigo correu em meu socorro segurou as rédeas e puxou o animal de volta para o caminho.
Eu ensaiei, embaraçado, uma desculpa:
“- Este cavalo é bem rebelde.”
Ao que ele retrucou, com um sorriso
“- Não, A CULPA NÃO É DO CAVALO” e desatou numa estrondosa gargalhada.
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