Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

terça-feira, 31 de julho de 2018

PONTOS DE VISTA


Por Mario Sales



Encontrar o justo equilíbrio entre segurança e liberdade, já dizia Bauman (e Obama) é muito difícil.
Se temos mais de uma, temos menos da outra, não importa nossa vontade pessoal ou nossas crenças.
Em uma visão realista de um mundo cada vez mais difícil de administrar, onde a violência e o mal persistem como mórbida presença na sociedade, a instabilidade é a única certeza em todas as nossas atividades profissionais e relacionamentos.
Místicos, pessoas preocupadas em descobrir o que de mais profundo se oculta nas aparências, para além dos físicos de partículas e dos psicanalistas, também participam da vida social como qualquer ser humano.

Edmund Husserl


Todos os místicos têm em comum o alento de serem capazes de ver um sentido e uma linha de proposito no aparente caos que nos cerca. Um certo pensador alemão, chamado Husserl, dizia que “a consciência é doadora de sentido” e, portanto, nada impede que os céticos nos acusem de ver na vida um sentido que se baseia em nossas crenças pessoais. Concedo tal posição, contra argumentando, entretanto, que não crer também é uma crença, um paradigma, que permite uma visão da vida mais objetiva, mas não mais ampla.
Sempre temos pressupostos a partir dos quais examinamos o mundo. As desejadas lentes transparentes e incolores não existem para a mente.
O ceticismo, no entanto, para ser fiel a sua origem, deve, como diz a piada, ser cético também quanto a si mesmo.
Quando um nobre rosacruz do século XVII deu ao mundo com seu “Discurso do Método”, os primeiros traços do ceticismo como ferramenta de investigação, buscava livrar a mente de ilusões e fantasias, na construção de um conhecimento de certeza, confiável, sustentado.
É necessário lembrar que este mesmo pensador rosacruz tinha uma crença inabalável na existência de Deus e não desejava com suas especulações dar munição ao ateísmo, mas sim combater a superstição.
Por que crer e ser cético ao mesmo tempo sofre dos mesmos problemas citados antes entre segurança e liberdade. Só que do mesmo modo que ter mais segurança garante uma liberdade melhor e uma maior liberdade, seja no caráter religioso, intelectual ou de imprensa, torna a vida em sociedade mais segura, o ceticismo, paradoxalmente, pode ajudar a crer de forma mais fundamentada. Não apenas porque se quer crer, mas por ser a crença produto de uma percepção interior indubitável, embora pessoal e intransferível.  
O problema é que a fé não fundamentada em sensação e percepção interna, a fé do religioso que se baseia apenas e tão somente em uma crença construída culturalmente, é diferente da convicção mística da presença de Deus em nós e em todas as coisas.
Como neste campo estamos em terreno perigoso e movediço, é preciso cuidado e prudência, já que estamos falando de sensações subjetivas, do sujeito.
E como lembram os grandes iniciados, místicos não trabalham com a hipótese antropomórfica da divindade.
Eles narram em seus textos e cartas sentimentos pessoais e impressões que o atingem da mesma maneira que a beleza de uma escultura ou o delicioso e fascinante desconforto que vem da contemplação dos quadros de Dali, ou de Magritte, ou mesmo de Picasso na fase cubista.
Não cremos, nós, místicos. Sabemos que Deus está aqui, da mesma maneira que sentimos o vento invisível tocar nosso rosto, ou a luz do sol nos aquecer a pele. No nível mais profundo, sentimos em nosso íntimo o êxtase de estarmos em contato com pessoas e coisas que perdem a estranheza quando mergulhadas em um contexto de interligação, que é a lente dos óculos místicos para contemplar o mundo que nos cerca.
Lentes vermelhas, mundo vermelho; lentes azuis, mundo azul; lentes foscas, pouco transparentes, e o mundo assim será também, fosco, sem beleza, distorcido.
Depois do microscópio e do telescópio, não ver alguma coisa, sabe-se, não quer dizer que ela não está lá.
Um ceticismo parcial e metodológico é útil.
O ceticismo total, sem a dose adequada, no entanto, conspira contra a busca da verdade.
É preciso ser cético quanto ao ceticismo, por prudência, não por ideologia. A verdade deve estar no meio de tudo, dançando como uma odalisca, vestidas com vários véus.
O mesmo pensador citado acima, que falava que o sentido era dado pela consciência, também defendia que o melhor método de investigar os fatos era manter todas as nossas certezas em suspenso, entre aspas, enquanto durasse nossa busca, nossa analise do objeto de estudo, fosse uma rocha ou uma sociedade primitiva.
A pressa é inimiga da compreensão adequada.
Deixemos que nossa sensibilidade à arte, à musica, à beleza enfim sejam nossas guias na busca da verdade, e não a emoção ou a razão apenas.
Essa sensibilidade é a metodologia mística de investigação, superior ao ceticismo puro e simples, pois nos ensina a perceber o invisível como se sólido fosse sensibilidade que é uma ferramenta altamente desenvolvida de compreensão dos fenômenos a nossa volta.
É isso.




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