Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

EM DEFESA DA CULTURA ROSACRUZ

por Mario Sales










“O místico encontra felicidade no fato de que pode transmitir felicidade, pelo conhecimento e serviço, a outros. Encontra forças no fato de que pode atrair aquilo que lhe dará fortaleza física, mental e espiritual. Encontra prosperidade crescente nas coisas mundanas, porque aprende a valorizar todas as coisas por um padrão mais elevado.”
“Conhecer a si mesmo é conhecer a própria linhagem e o próprio poder. É por isto que nós, Rosacruzes, sentimos que os assuntos de nossos estudos merecem todo o tempo e devoção que lhes dispensamos, e que levarão o homem a maior poder e maior glória do que o fariam os estudos e investigações sobre os mistérios astrais.”

Harvey Spencer Lewis.






A quarta parte do Manual Rosacruz, intitulada “Instruções Gerais para todos os membros”, começa com o seguinte cabeçalho: “os benefícios reais da filiação a Grande Loja da AMORC, quer para os membros de sanctum, quer para os membros de uma loja regional, são inúmeros, sendo os mais importantes os seguintes”:
E no item 5 diz:
“Despertar o desenvolvimento de certas faculdades latentes e adormecidas em seu interior, que lhe permitirão melhorar sua posição na vida, aumentar sua capacidade de idealizar e realizar, trazendo-lhe maior sucesso.” (o grifo é meu).
Mais a frente, lê-se o seguinte:
“O GRANDE OBJETIVO dos rosacruzes (em maiúsculas no texto original) tem sido auxiliar a humanidade a evoluir ao mais alto grau de perfeição terrena e prestar ajuda a todo ser vivente “para a glória de Deus e Benefício as Humanidade. (...) Para isto se realizar, todavia, a organização MINISTRA cursos completos de estudo.”[1]


Ora, estas afirmações, que estão na declaração de princípios e objetivos feita pelo próprio Harvey Spencer Lewis deixa claro que os estudos rosacruzes, embora feitos “para a glória de Deus e Benefício as Humanidade” tem como objetivo “auxiliar a humanidade a evoluir ao mais alto grau de perfeição terrena”.
Para isso, diz o manual, é necessário “Despertar o desenvolvimento de certas faculdades latentes e adormecidas”.
Para que seja possível este despertar, certos exercícios eram e são ensinados para que o membro possa desenvolver habilidades insuspeitas em seu interior, as quais “lhe permitirão melhorar sua posição na vida, aumentar sua capacidade de idealizar e realizar, trazendo-lhe maior sucesso.”
Dessa forma, a finalidade principal, se bem que não a única, da filiação rosacruz, segundo nosso manual escrito em parte e supervisionado pelo Frater Lewis, é “auxiliar a humanidade a evoluir” na vida social e material.
Vejam, não só espiritual, objetivo que é um pressuposto místico, mas terrena, coisa que só é possível pela prática e domínio de algumas técnicas que significarão um diferencial para os iniciados rosacruzes em relação aos não iniciados.
Existe pois, sim, um aspecto prático e objetivo para a filiação à Ordem.
Como não somos uma religião, mas uma escola esotérica, nosso papel é dar suporte prático aos nossos membros para que possam alcançar o que o manual chama de o “mais alto grau de perfeição terrena”.
Isto quer dizer que nossos objetivos são eminentemente materialistas? Não. Apenas significa que, de acordo com o bom senso de Harvey Spencer Lewis e dos ensinamentos da Ordem, não é possível desenvolver o espírito equilibradamente se estivermos limitados pela pobreza material, pela doença e pela angustia existencial.
Nós rosacruzes buscamos, antes de tudo, o equilíbrio e a serenidade diante das oscilações naturais dos acontecimentos cotidianos e pessoais.
E para isso, aprendemos a usar a telepatia, a intuição, a projeção astral, a capacidade de influenciar mentes menos elaboradas no sentido de dirigi-las para comportamentos sociais mais evoluídos, como um grau mais alto de solidariedade e altruísmo.
Essas técnicas sim, são nosso diferencial.
Nossos ensinamentos éticos não são originais e podem ser encontrados em quaisquer religiões ou escolas filosóficas.
Portanto, não é o aspecto moral que nos diferencia.
Se assim fosse, a Ordem não teria necessidade de existir.
De novo, sua característica mais importante é facilitar a vida material e social de nossos membros para que, livres dos problemas cotidianos mais comezinhos possam se dedicar com mais intensidade aquilo que é o objetivo mais importante de qualquer encarnação, o aperfeiçoamento espiritual.
Esse é nosso escopo. Precisamos lembrar dessas coisas básicas ao entrarmos em nossos templos.
O fato é que a vida de sanctum é mais fácil do que a vida em corpos afiliados, Lojas ou capítulos.
No sanctum, não há necessidade de interação social, não precisamos exercitar nossa tolerância, nossa flexibilidade.
Quando passamos a frequentar os corpos afiliados, no entanto, tudo muda. No passado, dizíamos que ali, nas Lojas, encontraríamos “mentes afins”.
Todos nós sabemos que isto nem sempre é verdade.
Muitas vezes os corpos afiliados provocam, enquanto encontros humanos, uma série de comportamentos descabidos de significado místico ou espiritual, e além disso, sem nenhum benefício prático.
Os grupos de estudos práticos, os laboratórios de nossos corpos afiliados, não existem. Seminários para praticar telepatia, telecinesia e a intuição também não são encontrados.
Em vez disso, é comum que nossos esforços dentro da loja ou do capítulo sejam voltados às práticas ritualísticas, importantes, mas que pelo seu caráter coletivo e considerando que são rituais devidamente estabelecidos, não permitem a interação intelectual e esotérica necessária ao desenvolvimento de habilidades incomuns de modo sistemático.
Em suma, não praticamos ou desenvolvemos dons em ambiente de Loja ou de Capítulo.
O que seria uma oportunidade para acelerar nossa evolução quanto ao domínio dessas técnicas, ensinadas em nossas monografias, não ocorre.
Na maior parte do tempo, nosso trabalho coletivo é de natureza meramente intelectual e social, não de estudos práticos.
É comum ouvir entre membros de corpos afiliados, comentários críticos em relação ao comportamento de outros membros, que no entender desses fratres não se comportam com o decoro necessário aos membros de um templo rosacruz.
Ora, jamais se ouviria tais comentários de pessoas que estivessem envolvidas e dedicadas a pesquisa místico-esotérica. Minha experiência pessoal, e me corrijam se eu estiver errado, é que aqueles que estão mergulhados em um trabalho de aperfeiçoamento técnico pessoal não conseguem prestar atenção a detalhes menores e sem importância do comportamento humano.
Se algum Frater ou soror tem tempo e disponibilidade psicológica para comentar criticamente a roupa de outra soror, ou o comportamento de um Frater, tudo indica que não está absorvida por alguma pesquisa pessoal importante e atraente. Seu lugar, portanto, não deveria ser aquele, mas um clube ou uma associação de bairro.
Só mentes distraídas e sem objetivo ou função se permitem vasculhar os arredores e valorizar coisas mesquinhas e mundanas em detrimento do trabalho esotérico mais profundo.
Quando alguma coisa realmente nos fascina, nada ao nosso redor é capaz de nos distrair.
E talvez esta seja nossa maior crise atual.
Nossas Lojas e nossos Capítulos, em alguns casos, sem querer ser rude, parecem igrejas. Formam-se grupos aqui e ali, e na ausência de qualquer tipo de trabalho prático coletivo, se permitem comportamentos sociais, digamos assim, de caráter absolutamente não iniciático.
Espera-se de nossos membros que busquem os corpos afiliados para se aperfeiçoar técnica e espiritualmente, não para discutirem a roupa ou o comportamento deste ou daquele Frater, desta ou daquela soror.
Isto comumente acontece em igrejas e templos religiosos, mas não deveria acontecer em templos rosacruzes.
Os corpos afiliados têm uma responsabilidade nesse tipo de situação. Deveriam ser centros de aperfeiçoamento técnico e prático. Se nossos membros estivessem ocupados, trabalhando dedicadamente em aperfeiçoar certas faculdades latentes e adormecidas em seu interior, aperfeiçoamento este que lhes permitiria melhorar sua posição na vida não teriam tempo para atitudes mundanas comuns e de menor importância.
A mente vazia é a oficina do diabo.
Nossos membros não podem ficar restritos a ouvir discursos, às vezes de natureza eminentemente moralista, em detrimento da prática objetiva de exercícios que de alguma forma acelerem o desenvolvimento das habilidades “latentes e adormecidas em seu interior.”
É nisto que deveríamos nos concentrar em nossos corpos afiliados. Cursos para desenvolver nossa intuição, nossas habilidades telecinéticas e telepáticas. Todas as vezes que conversei como membro, mestre de capítulo ou monitor regional com outros mestres de outros corpos afiliados, a queixa mais constante era a falta dos membros, a diminuição assustadora da frequência e do número de rosacruzes que comparecem as cerimonias e rituais.
Se nosso foco fosse o aperfeiçoamento prático de nossas habilidades, como preconizava nosso manual, setenta e oito anos atrás, tenho a impressão que esse quadro seria revertido.
Não é isso, no entanto, que testemunhamos.
No meu entender, talvez pela enorme importância dada a Ordem Martinista, com sua característica fortemente religiosa, os rosacruzes se esqueceram de que são cientistas esotéricos e não especialistas em ética e em moral.
Não temos e nunca tivemos a pretensão, tradicionalmente, de dizer aos nossos membros como devem se comportar em suas vidas pessoais.
Se existia um quesito no manual voltado ao decoro dentro do templo, isto tinha a ver com a instauração de algumas poucas premissas de vida e interação social adequadas.
Não é papel da Ordem discutir o comportamento pessoal privado de seus membros. Esperamos apenas que, no convívio coletivo, o comportamento dos mesmos seja condizente com a elegância e o bom senso adequados.
Nosso foco deveria ser, repito, o exercício de nossos dons naturais esquecidos, meta que estava definida nos experimentos preconizados em nossas antigas monografias e que foram retirados das mesmas pelo nosso corpo administrativo educacional, por motivos desconhecidos e jamais discutidos.
Urge que recuperemos esta característica do estudo rosacruciano, o empirismo, no sentido esotérico, a busca sistemática do desenvolvimento de nossas habilidades ocultas por nossa limitada formação educacional.
Esta é a nossa mais profunda esperança.





[1] MANUAL ROSACRUZ, página 71, supervisão H. SPENCER LEWIS, FRC, PhD, BIBLIOTECA ROSACRUZ, Ed Renes, coordenação da soror Maria Moura, sexta edição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário