Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 31 de março de 2012

O TEMPO,O ESPAÇO E AS ESTÂNCIAS DE DZYAN

Comemorando os 5154 acessos de março de 2012.

por Mario Sales FRC.:,S.:I.:,M.:M.:

HPB



As Estâncias de Dzyan são pergaminhos antigos de origem tibetana, citados por Helena Petrovna Blavatsky em seu livro A Doutrina Secreta, que é uma obra teosófica. Blavatsky alegava que teria tido acesso e estudado estes pergaminhos em sua estada no Tibete. Segundo Blavatsky, as "Estâncias de Dzyan" seriam um manuscrito arcaico, escrito em uma coleção de folhas de palma, resistentes à água, ao fogo e ao ar, devido a um processo de fabrico desconhecido, e que conteriam registros de toda a evolução da humanidade, em uma língua desconhecida pelos filólogos denominada Senzar. Foram feitas várias tentativas, sem sucesso, de descobrir este manuscrito, durante o século XX. Assim, permanece sem resposta se estes manuscritos realmente existiram ou não. As "Estâncias de Dzyan", segundo Blavatsky, estão relacionadas com o "Livro dos Preceitos de Ouro" e com os "livros de Kiu-te", que são uma série de tratados do budismo esotérico.
Da Wikipedia


Algum tempo atrás publiquei no blog um ensaio cujo título era “Meditando sobre o Espaço sem Tempo e o Tempo sem Espaço”, de 19 de março de 2011, um estudo sobre as afirmações altamente complexas do Sepher Yetzirah acerca dos 4 níveis da criação, como descritas em relação a Árvore da Vida. Foi um exercício de reflexão sobre um tema impossível de visualizar, altamente abstrato, que eu supunha pudesse auxiliar a quem se embrenhe por essas veredas.
Cometi, entretanto, a imprudência de colocar este ensaio a disposição dos frateres que me procuram para palestras, e recebi recentemente um email de uma sóror, da Loja Santo André, me pedindo que realizasse uma palestra exatamente sobre este ensaio em seu corpo afiliado. Concordei de pronto, acertamos dia e hora e desliguei o telefone.
Aí começou a minha angústia.
Quando fui reler o texto , primeiro percebi que era demasiado curto para transformar-se em uma palestra.



Depois percebi que, dada a abstração do tema, eu teria dificuldade em tornar o mesmo didático e interessante para quem não esteja habituado a este tipo de reflexões.
A primeira reação foi ligar e tentar modificar o tema com a sóror. Protelei, entretanto, não sei bem por que.
Ainda bem.
Quarta feira passada, dia 28 de março, retomei com Frater Flavio, meu companheiro da Loja e da Heptada Guarulhos, nossos estudos da Doutrina Secreta. Ele, teósofo interessado, já faz algum tempo, tinha se mostrado disposto a esta revisão deste texto fecundo que nos foi legado por Blavatsky.
Concordamos em recomeçar com o volume um, a Cosmogênese, pelo estudo das Estâncias de  Dzyan  , peça fundamental do texto.
E para minha surpresa, lá nas primeiras passagens, estavam as bases para estender a discussão do Tempo sem Espaço e do Espaço sem Tempo por toda uma noite.
Na verdade, Blavatsky passa quase todo o texto da Cosmogênese, apresentando as Estâncias (no meu exemplar, da Ed. Pensamento, edição de 1973, na página 94), uma a uma, para depois comentá-las, detalhadamente. São em número de sete, numeradas em algarismos romanos. Já na Estância I, percebe-se porque me senti atraído.
Senão vejamos:


Estância I 

1. O Eterno Pai, envolto em suas Sempre Invisíveis Vestes, havia adormecido uma vez mais durante Sete Eternidades.
2. O Tempo não existia porque dormia no Seio Infinito da Duração.
3. A Mente Universal não existia, por que na havia Ah-Hi [1]para contê-la.
4. Os Sete Caminhos da Felicidade não existiam. As Grandes Causas da Desgraça não existiam, porque não havia ninguém que as produzisse e fosse por elas aprisionado.
5. Só as Trevas enchiam o Todo Sem Limites, porque Pai, Mãe e Filho eram novamente Um, e o Filho ainda não havia despertado para a Nova Roda e a Peregrinação por ela.
6. Os Sete Senhores Sublimes e as Sete Verdades haviam cessado de ser; e o Universo, filho da necessidade, estava mergulhado em Paranishpanna(2), para ser expirado por aquêle que é, e, todavia não é. Nada existia.
7. As Causas da Existência haviam sido eliminadas; o Visível que foi, e o Invisível que é, repousavam no Eterno Não-Ser – O Único Ser.
8. A Forma Una de Existência, sem limites, infinita, sem causa, permanecia sozinha, em um Sono sem Sonhos; e a Vida pulsava inconsciente no Espaço Universal, em toda a extensão daquela Onipresença, que o Olho Aberto de Dangma percebe.
9. Onde, porém, estava Dangma(3) quando o Alaya(4) do Universo se encontrava em Paramartha(5), e a grande Roda era Anupâdaka(6)?


Este texto, aparentemente esotérico, é de uma beleza exemplar.
Às vêzes, misticismo é práxis, métodos e conjunto de maneiras de chegar a um determinado objetivo, como a oração que nos aproxima do Todo Poderoso e nos purifica, ou a Visualização Criativa que nos torna semi deuses num mundo de homens.
Outras vêzes, misticismo, na forma de esoterismo, é apenas beleza, estética, poesia. Algo que tem um único objetivo: nos inspirar.
A estância número um é pura beleza e poesia.
Vale não só pelo que informa, mas pela forma como passa a informação.
Nos seus comentários seguintes, Blavatsky intelectualiza e aprofunda as afirmações da estância número um, linha por linha.
Diz ela (página 100) da primeira linha (O Eterno Pai, envolto em suas Sempre Invisíveis Vestes, havia adormecido uma vez mais durante Sete Eternidades):
“O “Pai”, o Espaço, é a Causa eterna, onipresente, a incompreensível Divindade, cujas “Invisíveis Vestes”, são a raiz mística de toda a Matéria e do Universo. O espaço é a única coisa eterna que somos capazes de  imaginar facilmente, imutável em sua abstração, e que não é influenciado nem pela presença nem pela ausência de um Universo Objetivo. Não tem dimensões, seja em que sentido for,e existe por si mesmo.”
Neste comentário, Helena Petrovna se supera na clareza com que descreve o espaço como conceito, não como objeto, coisa, mas como ideia, plausível e compreensível por nosso limitado intelecto.
Pois é fácil imaginar um enorme galpão vazio, e pelo poder da Imaginação, ora colocar ali uma cadeira, ora fazê-la desaparecer. O galpão e seu espaço continuará lá, esteja a cadeira dentro dele ou não, presente ou ausente.
Mesmo considerando que não estamos falando de uma dimensão dada, é claro que quaisquer dimensões e extensões que já tenhamos contemplado em nossas curtas encarnações servem de apoio a nossa imaginação ao tentar idealizar o conceito de Espaço sem quaisquer dimensões ou limitações.
É possível também que nos venha à memória a lembrança de um dia em uma praia vazia, em frente ao mar imenso, em seu eterno movimento, em que nosso olhar tenha, distraído, pousado no horizonte distante. Ali, o conceito de distância, de comprimento, de extensão, estavam manifestos, sem detalhes, em nossa simples contemplação, e a ideia de deslocamento sobre a massa d´água à nossa frente até aquele ponto longínquo onde céu e terra se encontram poderá até, em determinado momento, ter atravessado a nossa mente.
Quando Helena fala de Espaço, podemos fantasiar o espaço vazio, o espaço entre dois pontos, independente dos pontos em si, este ambiente que a física define como o “uma estrutura ilimitada ou infinitamente grande, que contém todos os seres, que é definida por relações geométricas entre todos os seres, e que é campo de todos os eventos — sejam eles observáveis ou não”.
Só que esta definição física não satisfaz o conceito esotérico descrito por HPB.
Ela não fala desse espaço, mas do Espaço-em-si, aquele que promove a possibilidade de uma presença qualquer, para lembrar Heidegger, consciente ou inconsciente, já que tudo que está presente está presente “em algum lugar”, e este lugar deverá preencher, necessariamente, uma determinada porção do espaço.
Por que este Espaço-em Si não tem dimensões, nem bordas, nem limites, não interage com qualquer outra dimensão de localização. É o Espaço Puro, e nesse sentido, um espaço sem tempo como coloquei em meu ensaio, descrevendo Yetzirah, já que tempo pressupõe Movimento que não existe no Espaço-em-si. Dizia eu, naquela oportunidade:
“O que dá existência ao Tempo é o Movimento. O Espaço vazio, sem nada que o ocupe e que se desloque sobre ele, é o Espaço sem Tempo. Só pelo movimento sobre o espaço surge o deslocamento e a sucessão de instantes, as durações. Diz o Cabala: “Antes que pusesse sua coroa para estabelecer seu reinado ele delimitou o Ilimitado dentro de limites. Correu uma cortina diante D´Êle e nela Ele começou a desenhar o Seu reinado. Mas nada existia, exceto em nome.”
Este é o Espaço sem Tempo. A Prancheta de Deus, um desenho da Obra, o plano no papel, o pensamento e a intenção transformando-se em projeto. Desenho sem vida, imóvel, apenas traços em uma folha (unidimensional) rabiscos da Criação.”
Blavatsky vai mais longe.
Para evidenciar a falta de referenciais que designem ou particularizem qualquer forma dentro deste espaço, que para ser espaço puro precisa ser absolutamente vazio, ela cita a enorme diferenciação que este mesmo sofreria pela presença de uma consciência, no caso, a Presença Divina:
“O Espírito é a primeira diferenciação “D´Aquilo” – a Causa sem Causa do Espírito e da Matéria.”, diz ela. E continua: “Segundo o ensinamento do catecismo esotérico, (o espaço) não é nem o “vazio sem limites”, nem a plenitude condicionada”, mas ambas as coisas simultaneamente. Foi e sempre será.”
E o que É, simplesmente, não possui a dimensão temporal, o que é dito na segunda linha da estância número I:
“O Tempo não existia, porque dormia no Seio Infinito da Duração”.
O tempo é uma ilusão do movimento, pela sucessão de percepções, ou como diz ela, “pela sucessão de nossos estados de consciência, à medida que viajamos através da Duração Eterna”.
Henri Bergson, talvez alimentando-se da fala Blavatskyniana, definirá esta Duração como “o correr do tempo uno e interpenetrado. Os momentos temporais somados uns aos outros formam um todo indivisível. (A Duração) opõe-se ao tempo físico ou sucessão que é passível de ser calculado e analisado. O tempo vivido é incompreensível para a inteligência lógica por ser qualitativo, enquanto o tempo físico é quantitativo.”
Pensem na Duração como um tecido, um lençol extremamente grande, aonde podemos deitar o corpo.
Não vemos a separação das fibras que o compõem e, desta forma, ele se nos apresenta contínuo e uno. Este seria o Tempo contínuo, ou Duração, uma qualidade, não uma quantidade, por isso não pode ser compreendido, apenas experienciado. O Continuum é, como o nome diz, indivisível, uma extensão una, como o lençol de nosso exemplo.
Voltemos à praia e à contemplação de que falamos antes, ao descrever a extensão, para tentar compreender a noção de Tempo-em-si, vazio de instantes, assim como o Espaço-em-Si é vazio de partes ou limites. 
Posso, numa tarde agradável, esquecer-me de mim mesmo em uma cadeira, ao sol. Sonolento, mas consciente, ouço indiferente o som das ondas que batem na praia. A preguiça é enorme, mas não adormeço. Meu corpo, imóvel, minha mente, tranquila, não se dão conta do passar dos minutos ou dos segundos.
Neste instante, e exatamente neste momento, em que o tempo deixou de ter importância, em que relógios seriam abominações em meu momento de repouso, neste exato instante estou mergulhado na Duração. Aqui, passado, presente e futuro estão fundidos no Eterno.
É por isso que Blavatsky comenta, falando desta segunda linha da primeira estância:
“(O “Tempo”) (...) deixa de existir quando a consciência em que tal ilusão se produz já não exista; então ele “jaz adormecido”. O presente não é senão uma linha matemática (imaginária, diria eu) que separa aquela parte da Duração Eterna que chamamos Futuro, daquela outra a que damos o nome de Passado”. E conclui ela: “Nada há sobre a Terra que tenha uma duração (no sentido de existência) real, pois nada permanece sem mutação, ou no mesmo estado, durante um bilionésimo de segundo que seja”.
Foi nesse sentido que tentei descrever Briah, o Tempo sem Espaço:
“O Tempo sem Espaço é Som, mas Som que não se propaga, Som sem som, murmúrio abafado, aliás, nem isto, já que está retido na garganta de Deus por não ter espaço por onde se propagar.
É o Som do Pensamento, que ecoa em nossa mente sem se deslocar.
Porque o Som que se ouve, propagou-se, irradiou-se através de uma extensão, ou por outra, deslocou-se através de algum espaço. Já o Som sem propagação é puro pensamento, intenção de som, como movimentos involuntários de cordas vocais sem emissão de ar durante um sonho.”
Talvez por isso o Som Primordial, o OM, seja tão gutural, grave.Em Briah, enquanto Deus imagina o Mundo, ele sonha, como ensina o Vedanta. Interessante.
Esta é a explicação do Tempo sem Espaço: a Intenção do Som, a Imaginação do Som, o delinear de uma sinfonia na cabeça do Compositor. Não ainda a Música da Criação, mas a Criação Mental da Música.
A Justiça, a Misericórdia e a Beleza são Princípios Éticos, Concepções acerca da Obra, nada denso ou sólido, mas fundamentos mentais em ebulição no calor do pensamento para a execução da obra. Este triângulo mental está no período de sonho e desejo. Briah é fogo e desejo.


[1] “Serpentes Sábias” ou “Dragões da Sabedoria”, segundo o Glossário Teosófico, 2ª edição, Ed. Ground, tradução de Silvia Sarzana, pág. 24. Já que no Oriente o símbolo do dragão é “do Bem”, querendo representar a Energia do Universo, a ideia de contenção do todo, exposta nesta linha da Estância I, pelos Dragões, pode ser traduzida por encapsulamento energético, ou dito de outra forma, um Campo Energético, contendo a Criação.
(2) O mesmo que Paranirvana, o Estado de Não Ser.
(3) Alma Purificada, o Iniciado.
(4) Alma Universal ou Anima Mundi, a Alma Mestra.
(5) Existência Absoluta, a Suprema Verdade ou Realidade
(6) "Sem pais", Que Existe por Si Mesmo.

sábado, 17 de março de 2012

A PAZ PROFUNDA DOS SÁBIOS SERENOS

Em homenagem às comemorações do Ano Novo Rosacruz 3365
por Mario Sales FRC.:,S.:I.:,M.:M.:





Rosacruzes em todo mundo tem o hábito de se cumprimentarem desejando paz profunda uns aos outros.
A razão desta prática é a convicção de que a busca deste estado de paz interior é o Verdadeiro Cálice Sagrado da senda mística, ou em inglês, o “Hole Graal”.
Viver dentro da carne é extremamente complexo fazendo com que tenhamos a necessidade de dia após dia nos desdobrarmos física e psicologicamente para superar os desafios principalmente emocionais que a vida nos oferece.
Diante destas demandas, não temos aparentemente nenhuma garantia de sucesso e a reação mais imediata é o medo, a sensação de estarmos expostos a alguma ameaça que nos destruirá.
A vida mística ensina que esta sensação de ameaça é semelhante àquela que sentiram os primeiros expectadores de um filme, “A Chegada de um Trem na Estação”, dos irmãos Lumiére, em 1895.




Consta que ao ver as imagens que duram 50 segundos, com um fundo musical absolutamente ingênuo, mesmo assim alguns se levantaram assustados supondo que a locomotiva invadisse a sala de projeção.
O que hoje nos causa um sorriso no canto da boca, na época fazia todo o sentido. O grau de ilusão conseguido era absolutamente inédito e, portanto, suficientemente impactante para provocar o receio de todos.
O grau de crença na ilusão a nossa frente é diretamente proporcional à intensidade do sofrimento psicológico resultante.
Assim, da mesma maneira, embora em misticismo gostemos de dizer, como os místicos hindus, de que tudo é Ilusão, que a Vida como a conhecemos não passa de um jogo de sombras, este “jogo de sombras” tem tamanha densidade e realidade para nós e nos envolve de maneira tão intensa que provoca em nós reações emocionais proporcionais à realidade que lhe conferimos.
Ilusão ou não, a vida às vêzes nos assusta.
Daí que, se não é possível sair da experiência, é preciso aprender a desfrutá-la. E isso só é possível quando, para combater a crença arraigada de que estamos sob ameaça, nos fortalecemos com uma outra crença, aquela de que nada nos é hostil e de que, realmente, tudo a nossa volta só visa nosso aperfeiçoamento moral e espiritual.
No início é apenas isso, uma crença contra outra.
Da mesma maneira que a sensação ilusória de ameaça da Vida cotidiana, a sensação de fé em uma existência benéfica é no princípio algo puramente intelectual, sem a consolidação da experiência interna.
Só com o passar dos anos e a vivência de algumas experiências interiores, que chamaremos de Iniciações, o buscador vai internalizando a consciência de que realmente, nada se interpõe entre ele e a felicidade.
A ponte entre o Medo e a Ausência de Medo é a Serenidade. Esta é construída, lentamente, pela materialização interna de um estado de paz.
Não a paz dos cemitérios, não a paz dos silêncios da Língua, não a paz da ausência dos desafios, da inércia, mas a paz que se manifesta na lida contente com o cotidiano, a paz do amor a existência, a paz da confiança no Universo e em suas leis.
Esta não é uma paz superficial. Esta é a Paz Profunda que só pode ser conseguida através da Serenidade, da mesma maneira que só a Serenidade pode gerar um estado de Paz Profunda.
Uma e outra são a mesma coisa.
Sereno é o ser humano em estado de Imperturbabilidade.




Sereno é aquele que não sofre grandes mudanças internas enquanto tudo a sua volta não pára de se modificar.
Sereno é o indivíduo que contempla com equanimidade o ir e vir das Ondas do Oceano da Existência, cônscio de que esta oscilação é própria e constitucional deste plano de manifestação e não um problema a ser resolvido.Olhar o mar durante algum tempo é uma boa maneira de entender o que é ser sereno em meio à Vida e à Existência Mundana.


O movimento ininterrupto das águas é semelhante ao movimento ininterrupto da história humana, que passa ante nossos olhos como o mar que contemplamos.
Somos todos observadores, testemunhas oculares de acontecimentos que aparentemente fogem ao nosso controle e que seguem leis que não criamos e as quais não temos como modificar.
Sentados na areia, tudo que podemos fazer é observar este movimento e tentar entendê-lo, tentar estudá-lo, até que, atingindo a compreensão de sua natureza, possamos até antecipar suas aparentemente imprevisíveis variações.
Porque com o tempo aprendemos que até o Caos tem sua própria Ordem, seu próprio Modus Operandi interior e que o que nos parece Caótico, muitas das vêzes, é aquilo que não conhecemos e que não compreendemos.
Observar e aprender. Esta é a lei.
Observar com Atenção e Serenidade. Isto é tudo que importa.
Nada que nos cerca ou que nos aconteça tem outra finalidade, como uma peça que se desenrola para uma plateia de apenas um expectador.
Quem presta atenção com todas as fibras de seu ser ao que ocorre à sua frente não tem como sentir medo.
Não existe espaço para o medo aonde a curiosidade genuína e a vontade de compreender ocuparam o espaço interno.
Esta troca de sentimentos, esta qualificação de atitude diante dos fatos à nossa frente muda toda a natureza da experiência.
Para isso, inicialmente, é preciso mudar a compreensão do que ocorre, entendendo que os fatos fazem parte de um espetáculo, de um enredo didático, e que toda a experiência que vivenciarmos é antes de tudo de caráter estético.


Sim, é preciso ver a beleza da Vida antes de se interessar por ela, pois, me perdoem os depressivos, ver a beleza da Existência é fundamental.
É a beleza que nos atrai, que nos chama a atenção para os movimentos da existência a nossa frente.
Quem não pode ver esta beleza precisa esfregar os olhos ou mudar de óculos.
Ou chegar mais perto do palco. 
Não está apto nem atento o suficiente para acompanhar adequadamente o espetáculo.
E neste particular a atenção é essencial.
Serenidade não é apenas a consequência da calma, mas também do prazer. Sem prazer na existência, o prazer do desfrute, o prazer daqueles que sabem que esta é uma experiência de beleza e deleite, não há como sentir-se sereno.


Esta é a equação da sabedoria, portanto: Calma+Atenção= Percepção da Beleza da Vida. De forma que Percepção da Beleza da Vida + Deleite= Serenidade.
Esta serenidade é que garante a Paz Profunda. A mesma Paz Profunda que todos os Rosacruzes desejam uns aos outros.
Que todos a conheçamos algum dia.
Assim Seja.

sábado, 10 de março de 2012

COMO CONVERTER UM ATEU


por Mario Sales FRC.:,S.:I.:,M.:M.:



A maior batalha mundial travada pela humanidade não tem tiros e canhões, bombas nucleares, mísseis inteligentes ou militares burros. Não é feita com aviões, tanques ou navios.
A maior de todas as guerras, que começou há muitos séculos e que não dá sinais de terminar tão cedo gerou muitas vítimas e muita dor, deixou cicatrizes em todos os países e em todos os povos, atravessou o oceano, várias vêzes, em todas as direções, de variados modos, século após séculos.
Falo da guerra das palavras.



A história humana acumula um sem número de episódios sangrentos e trágicos só por culpa de equívocos interpretativos declarados em alto e bom som, transtornando multidões arrastadas pelo poder das palavras, estes encantos mágicos disfarçados de idioma.
Sim, as palavras são perigosas, ainda mais quando são usadas sem critério, sem cuidado, sem prudência.
Tal poder não deveria estar na mão de civilização tão jovem, um planeta tão incipiente como o nosso.



Só que nem sempre o poder das palavras foi usado para o mal, inconsciente ou conscientemente.
Houve momentos em que os sábios se apropriaram desta ferramenta poderosa e desencadearam ondas de esclarecimento e iluminação por todas as partes.
Ondas de luz tão intensa que por muitos anos, às vêzes, seus efeitos plenos não foram percebidos, enquanto atravessavam camadas e camadas de insensatez e ignorância no seio da sociedade. Por séculos, os ecos desses discursos abençoados perseveraram e rebateram de rocha em rocha, de alma em alma, transformando quem os ouvia e, principalmente, os compreendia.

Assim são as palavras do Buda, os textos Essênios, ou as palavras do Bardo Todol, o Livro dos Mortos Tibetanos. E ainda podemos citar os diálogos platônicos, os sermões de Jesus, ou as cartas de Paulo apóstolo.
Mais recentemente, nos anos de mil e seiscentos, a Ética de Espinoza veio se somar a este conjunto de forças que combatem arduamente as trevas neste mundo de enganos, mas também de superação.
Talvez o maior dos combates ao longo dos séculos na guerra das palavras tenha sido a compreensão do termo Deus.



Seja qual for a nossa opinião sobre a divindade, sem duvida é inegável a importância desta palavra-conceito em nossa história recente e antiga.
Por sua causa, e pela peculiar compreensão de seu significado para um sem número de pessoas, verdadeiras chacinas foram organizadas contra os cristãos e depois pelos cristãos contra os muçulmanos, e mais tarde pelos muçulmanos contra os cristãos, num ir e vir de estupidez e martírio.
Já discutimos aqui que na grande maioria das vezes, as contendas não são entre crentes e ateus, mas entre diferentes tipos de crenças na mesma ideia, diferentes tipos de concepção do que seja Deus em forma, conteúdo e propósito. Assim, naquela oportunidade, eu discutia a tese de que antes de ser ateu ou crente é preciso discutir do que duvidamos e exatamente no que acreditamos.
Por que, convenhamos, Deus não é uma ideia uma e indivisível, mas o nome genérico de um sem número de conceitos. Existem aqueles que lhe atribuem aspectos antropomórficos e os que o supõem velho; há os que o consideram inequivocamente homem e existem outros que tem absoluta certeza de que Deus é mulher. Alguns dizem que ele é justo; outros que é cruel. E segue a romaria de definições e impressões causando discórdia e discussões às vêzes bizantinas e estéreis.
Neste mar de teses e antíteses surge o pensamento espinoziano trazendo uma proposta capaz de apaziguar ânimos em todos os lados, uma proposta de consenso, que em nada deve ao Cristianismo na tentativa de trazer à humanidade algum bom senso e generosidade e nada deve ao racionalismo na elegância de sua apresentação e no brilhante encadeamento de seus passos lógicos.
A beleza do pensamento espinoziano é que ele permite uma leitura bifacial, mesmo quando retira da discussão uma ideia religiosa e preconceituosa da divindade e a transporta para o campo da realidade biológica, descentralizando a manifestação de Deus e difundindo-o por toda a Criação. Por isso foi classificado como panteísta, e não panenteísta; por isso foi aceito por pessoas que não conhecem a experiência do contato íntimo com a Divindade, mas podem entender uma realidade criadora, manifesta na Natureza, que ele chama enquanto criativa, de Natureza Naturante, enquanto nomeia os produtos desta criação, seus modos, como ele chama, de Natureza Naturada.
Deus torna-se então palatável para aqueles que não conseguem senti-lo, mas apenas pensá-lo.
Muitos ateus ou agnósticos que eu conheço sentem-se perfeitamente à vontade com a ideia de Deus espinosana. Ainda mais que esta vem acompanhada de tamanha bondade e generosidade que é difícil não tentar compará-la a mensagem cristã. Ao contrário desta, no entanto, que talvez tenha tido uma penetração mais poderosa nos corações e mentes da humanidade, a mensagem espinosana se imiscui no tecido social como a água no papel, lentamente, sendo absorvida aos poucos. Parte pela sua estranha forma de organização, em textos em latim que buscam uma organização matemática e encadeada, parte pela sua novidade, rompendo com noções de culpa e moralismos esdrúxulos, considerando o atraso sociopolítica da época em que foram redigidos. 
Estes preciosos textos , mesmo assim, atravessaram os séculos e ainda ecoam em nossos ouvidos, repetidos por milhares de bocas e traduzidos por milhares de mestres que reverenciam, uma vez compreendida, a mensagem deste outro mestre de outrora, agora eterno.
Quem lê que “faz parte da minha felicidade compartilhar com outros o verdadeiro bem e formar uma sociedade tal que a maioria possa chegar a ele facilmente”(Tratado da Emenda do Intelecto) entende a enorme generosidade e o verdadeiro espírito crístico deste judeu incompreendido.
Em outra passagem de seus textos lemos: “A verdadeira felicidade e beatitude do indivíduo consiste unicamente na fruição do bem e, não, como é evidente, na glória de ser o único a fruí-lo quando os outros dele são excluídos; quem se julga mais feliz só porque é o único a ser feliz, ou porque é mais afortunado que os outros, ignora a verdadeira felicidade e beatitude.”(Tratado Teologico Politico).
Espinoza abriu uma porta que muitos julgavam necessário ser arrombada: a porta do coração dos que se dizem ateus.
E com argumentos tão dignos e tão nobres que em nada ficam a dever as epístolas paulinas, se bem que as superem na ausência de moralismo e na absoluta libertação do terrível peso da culpa.
No pensamento espinosano não se busca responsáveis, criminosos, pecadores. Buscam-se informações , entendimento, compreensão. Em suma, esclarecimento. Tudo o que ocorre, ocorre por uma razão e se não a conhecemos, não quer dizer que ela não exista.
Para ele os homens são o que podem ser, não mais, nem menos. Não estão contra a Natureza porque não podem estar, mesmo que o quisessem, já que não existem o homem e a natureza, mas apenas a natureza, expressa no ser humano como um de seus modos.
Existe no íntimo de seu discurso, no entanto, a promessa de melhorarmos e de evoluirmos, pois tudo muda, se atentarmos ao que conhecemos e se buscarmos com sinceridade de coração a compreensão daquilo que não conhecemos. Se principalmente não julgarmos aos outros ou a nós mesmos pelos nossos erros, mas apenas tentar, sinceramente compreender suas causas e evitar repeti-las, alimentados pela experiência.
Pergunto: existe discurso místico mais perfeito?

domingo, 4 de março de 2012

O VINHO, OS QUEIJOS E A FRATERNIDADE


por Mario Sales FRC.:,S.:I.:,M.:M.:

“Nós logo alcançamos sua caverna, mas ele estava fora cuidando das ovelhas, então entramos e fizemos um levantamento de tudo que pudéssemos ver. Sua prateleira estava lotada com queijos, e ele tinha mais cordeiros e cabritos que seus currais podiam conter…Quando ele terminou, sentou-se e ordenhou suas ovelhas e cabras, tudo em seu devido tempo e, em seguida, levou cada uma delas para junto de suas crias. Ele coalhou metade do leite e colocou-o de lado em peneiras de vime”.

A Odisseia de Homero (século VIII A.C.) descrevendo o Ciclope Aristeu, fazendo e armazenando queijo do leite de ovelha e cabra. A tradução é de Samuel Butler.







Enquanto a noite segue, a tradicional reunião de quinta feira da ARLS In Vino Veritas se mostra produtiva e divertida, entre goles de Dão, vinho português de gosto marcante e cor rubi, e pedaços de queijo gorgonzola italiano, mussarela e parmesão.
Yasmashita não veio, envolvido em obrigações de marcenaria. 




Estamos aqui eu e Fernando, em Suzano, enquanto Reginaldo participa via Skype, desde Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco.
Sim, comenta ele, a língua hebraica tem seu caminho desde o proto-canaanita, depois no fenício e no aramaico que por sua vez alimenta além do hebraico o brâmane e o ciríaco. Milhares de anos nos separam destes movimentos linguísticos.
Milhares de anos, lembra minha filha, nos separam dos primeiros queijos. Há relatos de que os primeiros tenham sido elaborados 2800 a 3000 anos atrás, tornando-se parte de nossa dieta.
Quanto ao vinho, está presente entre os deuses gregos, mas também na primeira empreitada depois do dilúvio, embriagando Noé, o perpetuador, que nu e inconsciente é carregado para casa por seus filhos.
Sim, o vinho é antigo, muito antigo.
Como o Cabala e os queijos.
A região de onde vem o vinho que tomamos esta noite, que leva seu nome, Dão, ocupa a província de Beira Alta, no Centro Norte de Portugal. Dão está toda cercada de serras.





Cooperativas produzem 60% dos vinhos de lá. Os outros 40% estão divididos em três grandes grupos: Borges, Sogrape e Caves. O Dão que embala nossas discussões esta noite é da Vinha Sogrape. Depois de ter visto eleito o seu produto como o melhor vinho do Porto, o Sandeman Tawny 20 Years Old, a Sogrape Vinhos conquista no International Wine and Spirits Competition – IWSC 2011 o troféu de Produtor Português de 2011, lê-se no site da prestigiada vinícola lusitana. 






Já o gorgonzola é uma "variedade de queijo azul fabricado com leite de vaca ou cabra, originário da localidade de Gorgonzola, nos arredores de Milão, na Itália. Neste queijo, assim como em todos os queijos azuis, no processo de maturação, são injetados fungos, que fazem com que tenha veias verde-azuladas e que lhe dão um sabor especial. Neste caso, injeta-se o Penicillium”. 


Penicilinum Notatum




O genero de fungo Penicilum é conhecido, o mesmo do bolor do pão, e se o Penicilum Roqueforti dá origem à um queijo de sabor inconfundível, o Penicilum Notatum transformou-se, nas mãos de Alexander Fleming, em 1928, na base para a elaboração do primeiro membro da família dos antibióticos, que garantiu a cura de uma doença antiga e bíblica, a sífilis, há pouco menos de 100 anos atrás. 



Gorgonzola, Lombardia, arredores de Milão, Itália 

O antigo mal teve como cura um antigo bem, mas que não se sabia que poderia neutralizar aquele antigo mal.
O bem, enquanto desconhecido é inútil.
Tudo que serve ou tem o propósito de servir alguém ou a alguma coisa, deve ser manifesto.
Antes de ser útil, deve ser manifesto.
Intenções ocultas não salvam vidas nem melhoram os humores.
Só as atitudes, as ações no real, transformam situações e pessoas.
Precisamos não só de ideias, mas de fatos, de natureza clara e definida, como o gosto deste queijo, inconfundível, inesquecível.
Como o prazer da companhia destes irmãos, cuja verdadeira Magia Cabalística está na fraternidade que nos une e nos faz extensões uns dos outros, ao sabor de queijos, dos vinhos e das palavras.
Que Baco, Aristeu e os fungos nos protejam e alimentem nossos corpos e espíritos na prática da fraternidade e da camaradagem. Assim seja.