Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sexta-feira, 24 de março de 2017

A VIDA COMO ARTE E PRAZER


Por Mario Sales, FRC, SI




Talvez a parte mais importante da fala de Luiz Felipe Pondé no vídeo aonde discorre sobre a Clínica do Trágico, vídeo disponível no YouTube e aqui em baixo no blog, seja quando, ao final, já nas perguntas e respostas, quando indagado sobre o papel do Bem e do Mal no contexto da frase de Caetano de que “o mal é bom e o Bem, cruel” responde dizendo que na visão trágica do mundo não existe lugar para trabalhar estas categorias, mas sim, sintetiza, considerar que “ a crueldade do destino separa os adultos das crianças, ou melhor, os retardados dos maduros” no sentido psicológico.
Dito de outra forma, esperar pelo melhor e preparar-se para o pior, já que coisas ruins acontecem, como uma frequência indesejável.
Porque comento isso? Porque muitas vezes, vejo uma tentativa infantil de nivelar ao mesmo plano a sabedoria dos iluminados com a complacência dos inexperientes.
Existe no campo religioso e mesmo no campo místico, uma perigosa auto hipocrisia, que se baseia em repetir para si mesmo que “tudo vai dar certo”, aconteça o que acontecer.
E não é bem assim que as coisas são.
Um dos filósofos públicos, Leandro Karnal, tem uma piada sobre o assunto. Diz ele, mais ou menos, que atirar-se do 10º andar pensando firmemente “eu vou voar”, eu vou voar”, não criará asas em tempo suficiente para evitar a morte certa no impacto com o solo lá embaixo.





E é este tipo de discurso fantasioso, imaturo, infantil, que vemos muitas vezes retratado como o discurso correto do místico que crê ou que tem fé.
Bom senso, prudência e caldo de galinha fazem bem mesmo para os santos.
Convém que alguém que esteja entrando no Universo Místico, entre sem sapatos e sem ruído, devagar, pé ante pé.
Como eu sempre repito, misticismo não é religião, embora eu compreenda que seja sutil e difícil perceber esta diferença e acabemos misturando categorias de ambas, muitas vezes derramando no ambiente místico valores eminentemente religiosos e dogmáticos.
Quem tem fé na fé, apenas, deve pagar um preço alto de natureza física, por isso.
Pois terá fé que tendo apenas fé todas as coisas que lhe causam atribulação moral, material e espiritual serão superadas.
A fé pela fé gera paralisia, conformismo, um aguardar passivo da intervenção divina para fazer por nós aquilo que é nossa obrigação.
 Ao contrário do místico que age todo o tempo, às vezes sem saber porque, mas obedece a comandos silenciosos e se desloca na sociedade guiado por forças invisíveis que ele chama “a vontade de Deus”, o homem religioso transfere toda a responsabilidade de suas ações para o Altíssimo e aguarda, quieto, que Ele resolva seus problemas por ele.



Místicos tem uma parceria com o Divino, é fato, mas não abdicam de seu papel nesta peça em que atuam, pois sabem que suas falas devem ser ditas para que o espetáculo continue. E o show tem que continuar.
Ninguém iria assistir uma peça de teatro em que os atores ficassem, no centro do palco, mudos, e pior do que isso, imóveis. Seria um fracasso de crítica e de público.
Todos têm seus papéis. E devem desempenhá-los com empenho, com som e fúria.
A diferença entre místicos e filósofos trágicos é a crença na existência de sentido para tudo que fazemos como atores deste drama cósmico.
Filósofos trágicos acham que não existe sentido algum; místicos sabem que o sentido da vida é a vida em si, como fenômeno dinâmico de aperfeiçoamento pessoal e espiritual.
E, queiramos ou não, envelheceremos para nos tornar melhores como pessoas do que éramos na infância.
E nosso equilíbrio mental será preservado se não estabelecermos metas irrealizáveis, se formos prudentes, se mantivermos nossa cabeça aberta, mas como dizia Carl Sagan, não tão abertas que nosso cérebro caia de dentro dela.

O problema não é Maya, a Ilusão, mas acreditar que ela seja real, da mesma forma que não há nada demais em vivenciar a aventura e o espetáculo a nossa frente, por hora e meia, desde que saibamos que trata-se apenas de arte e deleite, cultura e prazer.

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