VONTADE E NEUROFISIOLOGIA
Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Psicologia e Misticismo, um ensaio feito para uma palestra aqui na região SP2 da AMORC, em 2007, publicado no blog em agosto de 2010 foi, por quase um ano, o campeão dos textos mais lidos. Só nesta semana foi ultrapassado por outro ensaio, mas até semana passada demonstrava, com seu sucesso, o interesse que os místicos rosacruzes têm pelos assuntos objetivos, como comentei em carta com o Grande Mestre, frater Helio de Morais. E isto tem uma razão, resumida em uma frase socrática: “Só sei que nada sei.” Não é importante apenas saber, mas estar sempre aberto a novas informações e manter o espírito plástico e maleável às atualizações que acontecerão de forma inevitável, dado o avanço do conhecimento.Uma dessas importantes atualizações, no campo da Psiquiatria, aconteceu nos últimos 60 anos, qual seja o advento de medicamentos antidepressivos e drogas antipsicóticas, como a clorpromazina. Todas surgidas após 1950. Neste ano foi inaugurada a psicofarmacoterapia.
A primeira droga desse leque de possibilidades foi a Clorpromazina. Sintetizada pelo químico Paul Charpentier em 11 de dezembro de 1950, como uma evolução dos estudos dos efeitos psiquiátricos de uma outra droga, a Prometazina, um anti histamínico, ou seja, um antialérgico, usado para evitar as freqüentes complicações nas anestesias do início do século. Os primeiros testes farmacológicos foram feitos por Simone Courvoisier. “Coube ao cirurgião francês Henri Laborit em 1952 as primeiras aplicações clínicas da substância. A primeira referência do uso de clorpromazina na literatura médica surgiu num trabalho de Laborit e Huguenard em 13 de fevereiro de 1952: "Um novo estabilizador neurovegetativo, o 4560 R.P." Não era uma indicação para tratamento das psicoses. Esse uso se deve a Deniker que, após conseguir amostras do 4.560 R.P. decidiu experimentá-lo em pacientes psicóticos. A substância foi chamada na França de Largactil. Nos EUA mudou de nome e passou a se chamar Thorazine. No Brasil recebeu o nome de Amplictil.”
Clorpromazina
Assim se iniciou o período de tratamento farmacológico da doença psiquiátrica que até aquele momento jamais tinha sido objeto de qualquer abordagem por drogas. Tudo começou a mudar na compreensão da base neuroquímica do comportamento e também começou a aumentar o entendimento de que alguns cérebros já saíam do estaleiro, digamos assim, com defeitos de fábrica, e que bastariam alguns comprimidos para ajudar, não a curar, pois ainda estamos longe disso, mas estabilizar o humor daqueles que junto com leprosos e pobres sempre foram a escória dos doentes para toda a sociedade: os doentes mentais.
Quanto a depressão, a doença da perda da vontade, sua história também é curiosa. Na página 342 do Tratado de Farmacologia de Goodman e Gilman, 10ª edição, Ed. Mac Graw Hill, lemos o seguinte: “Em 1951, a isoniazida e seu derivado,... a iproniazida, foram desenvolvidos para o tratamento da tuberculose. A iproniazida demonstrou ter efeitos de elevação do humor em pacientes com tuberculose. Em 1952, Zeller e colaboradores constataram que a iproniazida , em contraste com a Isoniazida, era capaz de inibir a enzima Mono Amino Oxidase (MAO). Após investigações realizadas por Kline e por Crane, em meados da década de 1950, a iproniazida passou a ser usada para o tratamento de pacientes deprimidos. Historicamente trata-se do primeiro antidepressivo moderno clinicamente bem sucedido.” Foi assim que a própria vontade, decantada em prosa em verso, mostrou-se também uma conseqüência da saúde neuroquímica. Até hoje, a compreensão da doença mental é difícil e trabalhosa e a aceitação da mesma pela classe médica não ligada a área psiquiátrica mais ainda. Só que a mudança na quantidade de informações sobre patologias mentais aumentou tanto em qualidade e quantidade que é inevitável que nos próximos anos os distúrbios psiquiátricos ocupem um espaço semelhante ao que a diabetes ocupa hoje na clínica diária, sem a sombra do preconceito que hoje paira sobre a demência ou qualquer outro distúrbio de comportamento. Mas porque falar dessas coisas em um blog místico? Por que esta mudança de compreensão afetou de modo significativo a nossa visão da mente como uma manifestação espiritual e modificou a perspectiva das relações que até então estabelecíamos entre humor e comportamento, educação e humor, vontade e educação. Até a evidenciação de que a vontade e a capacidade de reagir ou não aos desafios do cotidiano, as angústias, os sofrimentos, principalmente aqueles de natureza mental, não dependiam unicamente de uma formação educacional ou religiosa X ou Y, mas também de uma saúde mental e neurológica capaz de acompanhar esta educação, a sociedade estava dividida entre pessoas classificadas, quanto ao caráter, em fortes e fracas, e as fracas deveriam ser severamente criticadas enquanto as fortes elogiadas por seu desempenho e capacidade, tomadas como exemplo de como um ser humano deveria ser.
Hoje, com o conhecimento que possuímos sobre as muitas possibilidades de defeitos intrínsecos de produção de substâncias e neurotransmissores no sistema nervoso, sabemos que a diferença entre um indivíduo e outro quanto ao seu caráter pode estar apenas relacionada não a sua educação, mas a quantidade de serotonina que ele é capaz de produzir. E esta capacidade está diretamente ligada a uma herança genética, a um tipo de quadro biológico dado na formação do feto, ainda no útero de sua mãe. Sem termos claro se o paciente é ou não deficiente ou bem dotado de substâncias neuroquímicas absolutamente fundamentais para se ter uma saúde mental adequada, a comparação entre um indivíduo e outro pode ser a mesma que se faz entre uma pessoa em cadeiras de rodas e outra que tenha pernas normais.
Para usar uma imagem esclarecedora, ninguém veria o menor sentido uma disputa atlética, uma corrida, por exemplo, entre estes dois indivíduos. Suas peculiaridades, seus contextos biológicos são diferentes e as disputas entre ambos devem ser, também, contextualizadas: disputas entre corredores de cadeira de rodas de um lado e corredores com pernas normais do outro.
Hoje, com diagnósticos mais rápidos e mais corriqueiros, e com a abordagem psicofarmacológica, ainda imperfeita, mas muito mais rica de opções, os transtornos psiquiátricos vão aos poucos sendo aliviados e compensados, de tal maneira e com tal eficácia, que eu diria confiar mais em um paciente psiquiátrico medicado, diante de um estresse no trânsito, do que em uma pessoa sem qualquer diagnóstico e que se acha normal psicologicamente, por isso sem medicação, mas que anda armada e é capaz de causar uma tragédia levada pelo calor do momento. Quantas outras barbaridades mais seriam causadas não por razões ditas morais, mas por uma realidade neuroquímica predisponente? Difícil dizer. Não temos os elementos necessários ainda. Tudo indica, no entanto, que sem ir ao extremo de dizer que a maldade é apenas produto da doença não tratada, muitas das pessoas que hoje classificaríamos como dotadas de uma personalidade maligna, no futuro poderão ter seu comportamento antisocial e desumano revertido pela medicação correta. Obviamente serei acusado de ser materialista em excesso e esquecer da existência da alma.
Isto, claro, é falso. E mesmo aqueles que me criticarem concordarão comigo se acompanharem meu raciocínio místico e médico. Imaginemos que o corpo é, como em um ensaio anterior eu já descrevi (“O Mergulho”, de 3 de março de 2010) um instrumento como o escafandro, para visitar este mundo da manifestação, ou Assiah.
Agora imaginem que uma peça no próprio escafandro, uma válvula ou outra parte da vestimenta, apresente um defeito que permita uma descompressão significativa no traje, afetando o raciocínio do mergulhador e provocando um comportamento alterado.
Dizem que a hipoxia, a falta de oxigênio, gera quadros de desorientação e demência.
Agora pensemos na Alma, perfeita, emanada, não criada, e por isso da mesma natureza de Deus, presa em um veículo problemático, com o qual sua visão do mundo, seu discernimento dos acontecimentos ficam prejudicados. Seria esta alma perfeita capaz de não ser afetada por estes problemas no seu veículo? Ou tais defeitos e problemas operacionais refletir-se-iam no comportamento deste espírito no mundo? Muitas vezes à sua revelia? Para um peixe, irracional, o ser a sua frente, dentro do escafandro é um com o escafandro, é um único ser.
Para o homem não espiritualizado, a alma dentro de um corpo defeituoso, com um cérebro defeituoso, é um único indivíduo, e não um ser perfeito aprisionado num veículo imperfeito.
Se ao longo dos anos, desenvolvermos uma tecnologia médica mais avançada que possa intervir nesses graves problemas que afetam a mente de muitos ou o cérebro que veicula esta mente, partindo do princípio que não seja a mesma coisa, seremos capazes de facilitar a manifestação da perfeição dessas pessoas verdadeiras, as almas nestes corpos, de modo completo e gratificante.
A Medicina é uma profissão de misericórdia. Seu único objetivo é diminuir o sofrimento daqueles que buscam seus recursos. Hoje, eminentemente, do ponto de vista orgânico. No futuro, no entanto, saberemos como diminuir o sofrimento, quiçá extingui-lo, no âmbito espiritual, por que esta divisão arbitrária e falsa entre corpo e mente já não existirá.
O “Escafandro” que usamos no “Mergulho” neste plano, o nosso Corpo, é altamente complexo e refinado, um verdadeiro biotraje, capaz de fundir-se com nosso sistema espiritual e receber instruções diretamente da mente que o ocupa, como se realmente fosse a segunda pele do espírito.
Mesmo assim não está imune a defeitos, que serão corrigidos cada vez de modo mais eficiente, de maneira que sua expressão possa ser a mais perfeita.
Recentemente, uma informação me deixou inquieto.
Uma pesquisa, aliás mais uma, estabelecia correlação entre anormalidades na estrutura neurológica, e provavelmente com repercussões neuroquímicas, e a sociopatia, um transtorno que poderia ser descrito como seres humanos que são capazes de manifestar aquilo que chamamos de Mal na sua forma mais pura e terrível, e pasmem, sem qualquer senso de culpa ou responsabilidade. No site http://clubecetico.org/forum/index.php?topic=22449.0 lemos o senguinte: “Muitos estudos têm mostrado nos últimos 20 anos que assassinos e criminosos ultraviolentos têm evidências precoces de doença cerebral. Por exemplo, em um estudo, 20 de 31 assassinos confessos e sentenciados possuíam diagnósticos neurológicos específicos. Alguns dos presos tinham mais que um distúrbio, e nenhum sujeito era normal em todas as esferas. Entre os diagnósticos, estavam a esquizofrenia, depressão, epilepsia, alcoolismo, demência alcoólica, retardamento mental, paralisia cerebral, injúria cerebral, distúrbios dissociativos e outros. Mais de 64% dos criminosos pareciam ter anormalidades no lobo frontal. Quase 84% dos sujeitos tinham sido vítimas de severo abuso físico e/ou sexual. O grupo de assassinos incluiu membros de gangues, seqüestradores, ladrões, assassinos seriais, um sentenciado que tinha matado seu filho pequeno, e outro que assassinara seus três irmãos. Em outro estudo realizado no Canadá em 1994, no grupo mais violento de 372 homens presos em um hospital mental de segurança máxima, 20 % tinham anormalidades focais temporais do EEG, e 41% tinham alterações patológicas da estrutura do cérebro no lobo temporal. As taxas correspondentes para o resto do grupo violento foram de 2.4 % e 6.7 %, respectivamente, sugerindo assim um papel importante para os danos neurológicos na gênese das personalidades violentas, em uma proporção de 21:1 para agressivos habituais, e de até 4:1 (quatro vezes mais que na população normal), no caso de agressivos incidentais (uma única vez). O estudo conclui: "nós propomos que, embora tais discrepâncias não sejam suficientes para confirmar a neuropatologia como uma causa univariada da agressão criminosa, também não é razoável supor que sejam meram artefatos do acaso."
De acordo com os autores Nathaniel J. Pollone e James J. Hennessy, "vários estudos em um período de mais de 40 anos sugeriram uma incidência relativamente alta de neuropatologia entre os criminosos violentos, muitas vezes acima daquele encontrado na população em geral, em taxas que excedem de 31:1 no caso de homicidas acidentais." (35 Annual Meeting of the Academy of Criminal Justice Sciences, Albuquerque, NM, 14 março, 1998).”
Amígdalas cerebrais
Um estudo recente mostrou com o auxílio de ressonâncias magnéticas que a região préfrontal de criminosos é 16% menor nesses indivíduo do que no indivíduo comum. Hipocampo e amígdalas estão envolvidos nas nossas escolhas morais e são determinantes na orientação de nosso caráter e consciência.
O mesmo grupo que fez esta pesquisa na Universidade da Pensilvânia alertou também que fatores ambientais como falta de estímulo adequado e deficiências nutricionais podem colaborar para constituir mentes doentias.
Sim, não devemos supervalorizar estes dados, mas da mesma maneira não podemos desprezar estas informações. Existem alterações orgânicas, cerebrais, que interferem na capacidade de altruísmo ou egoísmo, ou na formação de uma personalidade construtiva ou uma personalidade destrutiva no ambiente social.
E isto, eu pergunto, tem a ver com Maldade ou Bondade do espírito dentro destes corpos ou são meros defeitos de fabricação que atrapalham a livre manifestação do aspecto divino que todos nós possuímos?
Seria pretensão declarar uma ou outra coisa, com o atual conhecimento que temos da neurofisiologia. O que se sabe é que o Hipocampo e as Amígdalas cerebrais de criminosos são bem menores do que os indivíduos socialmente normais.
Ou seja, às vezes, já chegamos na encarnação com “escafandros mentais defeituosos”.
Qual o papel desta situação no Karma, deixo ao critério de cada um concluir.