Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 21 de outubro de 2012

O MEDO


por Mario Sales, FRC.:, C.:R.:+C.:, S.:I.:(membro do CFD)


A herança filosófica e científica ocidental é laica, ou por outra, está fundamentada na liberdade de pensamento, diante de dogmas ou determinações arbitrárias. 
A palavra Leigo, que dá origem ao adjetivo Laico, segundo o dicionário Houaiss, 1a edição, pág 1166, significa " 1.que ou aquele que não recebeu ordens sacras; designava o serviçal dos conventos;2. que ou aquele que é estranho a ou revela ignorância ou pouca familiaridade com determinado assunto, profissão, etc;...4.(adj) não clerical; relativo ao meio civil, mundano, secular"
É no sentido de número 4 que os pensadores e cientistas usam o termo. Todo o progresso da ciência só foi possível pela libertação da tirania dos dogmas, ou melhor dizendo, do dogma da tirania, como modelo de governo. Em uma moderna corporação como o GOOGLE, a chamada pirâmide hierárquica inexiste e as regras foram flexibilizadas em prol da criatividade. Lá todos são adeptos do trabalho secular. Milhares de jovens desejam trabalhar em uma companhia aonde os horários de trabalho não são rígidos, não existem regras comportamentais estritas e só um foco direciona o serviço: a criatividade unida a produtividade.
Ordens esotéricas, como o próprio nome diz, tem enorme receio deste modelo. Entraram no século XXI como os homeopatas de 30 anos atrás, que achavam elegante e parte do seu teatro profissional ter um consultório de móveis antigos, livros pesados em cima da mesa, e usar um linguajar conservador.
Supunham, antes que a tecnologia lhes desse programas de computador que cruzam características individuais em segundos, que fosse absolutamente necessário ser lento em seus procedimentos para parecerem confiáveis. 




A Maçonaria e o Rosacrucianismo, embora de modo diferente, tem o mesmo dilema.
Lidam com o pesado desafio de enfrentar uma era de informação vertiginosa, "em tempos tumultuosos, num mundo em transformação", sem acompanharem estas transformações, por medo de perder, digamos assim, seus fundamentos.
O curioso é que este receio de terem seu espírito roubado pela modernização de seus métodos se assemelha ao medo que os índios americanos tinham das fotografias, ou melhor, dos seus antecessores, os daguerreótipos.
A modernidade e a ciência sempre forma apanágios do exercício laico do pensamento, não da prática religiosa.E como essas Ordens entram no terreno cinza de prática devocional sem cunho religioso, aonde as almas buscam independência do clero na adoração a Deus e liberdade dos dogmas para adorar este mesmo Deus, há todo o tempo na mente desses místicos e esoteristas um conflito entre o modelo vencedor no Ocidente de estrutura religiosa, o Católico Romano, e a estrutura das Universidades, geralmente seculares e livres de conflitos de natureza religiosa e dos pesados grilhões de uma autoridade fortemente hierarquizada.
Quando Ordens Esotéricas, (que pelo próprio nome, Ordens, denunciam a indecisão entre serem ou não religiões), falam em liberdade, na importância da liberdade para seus membros, ou quando propagam lemas como frater Parucker, nosso antigo Grande Mestre, propagava,( "a mais perfeita liberdade na mais completa tolerância"), não têm uma noção clara do que signifique isso no século XXI, onde a velocidade com que as idéias são propagadas e as pesquisas são feitas tornam qualquer tipo de controle difícil e, às vezes, inviável. 

Como em uma Universidade Laica, onde a hierarquia que a comanda é a da qualidade das idéias e a produtividade de seus pesquisadores.
Como dentro da sociedade americana em que a idéia de Censura é abominada como algo obsceno e inaceitável. Culturas latinas ainda aceitam de modo mais ou menos indiferente algum tipo de autoritarismo, mas isto seria impensável na realidade norte americana. E assim as lojas Maçônicas americanas gozam de uma liberdade indescritível para lojas maçônicas sul americanas ou brasileiras. E práticas de estudo e templárias rosacruzes e martinistas também mostram pequenas diferenças em relação às americanas, que demonstram o conflito e a influência do caráter sociocultural na interpretação e aplicação das regras de prática dentro dos templos.
Na maçonaria, o exemplo destas peculiaridades locais são as fotografias e filmagens dos rituais, hoje praticamente disseminadas em todo território americano. Perdeu-se aos poucos por lá o pudor em revelar o interior do templo maçônico e até a dinâmica de suas reuniões, em troca de uma maior aceitação e penetração na sociedade na qual os maçons desejam intervir, pacífica e progressivamente.
Hoje a Maçonaria é uma escola de Líderes como tantas no mundo corporativo, só que com uma tradição histórica de mil anos. Este é o seu diferencial. E é mais comum dentro dos templos, mesmo os mais conservadores , o emprego de métodos modernos de exposição como projeção multimídia e uso de notebooks pelos palestrantes.
Já na AMORC, fundada no atual ciclo de atividades por um jornalista americano, um homem com dotes publicitários e um enorme senso de pragmatismo, as coisas evoluem nos últimos anos bem mais lentamente.
E como exemplo didático vou usar o caso do Atril. Como sabem os martinistas, não há suporte para leitura pelo coordenador da reunião, dos textos que são estudados no ritual martinista. Eu que sou míope sempre tive problemas com a distância entre o papel e os meus olhos. E é para isso que servem os Atris, suportes de madeira para livros, originalmente usados para Bíblias, e que com o advento do mundo laico, transformaram-se em suporte para qualquer tipo de livros. Um atril facilitaria a vida de qualquer leitor, seja martinista ou não.
Quando eu era mestre martinista em uma heptada da região, sugeri que se colocasse um atril em cima da mesa de leitura para facilitar a vida de meus pobres olhos.
Recebi a informação de que, como no regulamento e no manual de organização, sobre a mesa de leitura não havia a previsão de qualquer outro objeto a não ser os ritualísticos, isto não seria possível.
Qual não foi a nossa surpresa quando um irmão, membro da mesma heptada, de volta de uma visita a Grande Heptada da Grande Loja de Língua Inglesa, em San Jose, na Califórnia, antiga Suprema Grande Loja, comentou que, sobre a mesa de leitura do orientador da reunião existia um Atril para facilitar a leitura dos textos.
Mesma Ordem, diferentes interpretações dos regulamentos.
E o que mudou no século XXI? A velocidade com que percebemos estas incongruências administrativas de uma para outra região de AMORC no mundo. 

E com esta facilidade de comunicação e de deslocamento internacional, vemos que não existe, porque não poderia existir, esta homogeneidade litúrgica sonhada por alguns burocratas, já que Ordens esotéricas são feitas de pessoas, e estão por isso irremediavelmente marcadas pela subjetividade e pelas culturas locais o que leva a imaginar que deve ser um esforço enorme manter algum tipo de regularidade nas práticas rosacruzes de AMORC em todo o planeta. Só que entre manter uma Ordem unida pelas mesmas práticas e aceitar uma mudança aqui ou ali de procedimento que em nada mexa com o conteúdo de sua mensagem ou com a seriedade do trabalho realizado, vai uma distância bem grande. Uma coisa é manter o conteúdo, outra é preservar a forma. A forma, necessariamente, muda com o passar do tempo, pois se não fosse assim não seria tão difícil compreender os textos de Jacob Boheme que por causa da forma, a língua e as imagens típicas do século XVI, hoje são de difícil assimilação.
Um irmão , a esse respeito, me disse certa vez que, sim, ele é hermético, mas que é preciso ler Jacob com o coração, não com a cabeça. Aceito isso, mas mesmo assim, ainda é preciso lê-lo, seja com a cabeça ou com o coração, e para isso sua distancia no tempo dificulta e muito esta leitura. Talvez esta história de "ler com o coração" seja inclusive uma outra maneira de dizer " eu também não entendi nada mas achei muito bonito".
Não é satisfatório.
Como não é satisfatório práticas e métodos seiscentistas no início do século XXI, como se a proibição de qualquer modernização no trabalho de estudo prejudicasse o próprio estudo.
Existe grande medo, quase terror da mudança na forma, e assim, enquanto nas lojas maçônicas, bem menos dadas aos estudos místicos, já se usam computadores e projetores, em templos rosacruzes, quanto mais em templos martinistas, isto é impensável.
Os rosacruzes querem estudar. E a AMORC não pode ao contrário de seu reativador, Spencer Lewis, no início do século passado, voltar as costas para a modernidade.
Talvez até nossos líderes queiram esta mudança, só não saibam como fazê-lo sem quebrar outro dogma aparente: o do sigilo das informações.
Existe um medo enorme da violação de textos por olhos profanos, leigos, se enviados pela internet, como se enviá-los pelo correio também não os sujeitasse ao mesmo tipo de violação, aliás mais fácil, e que deve ter ocorrido várias vezes. Foi assim que, com enorme receio, lembro-me, foi lançado o modelo de entrega das monografias pela internet cuja mecanica não conheço bem. 

E qual foi a Grande Loja que iniciou o procedimento, depois seguido pela França? A Grande loja Norte Americana, terra do pragmatismo, terra de Spencer Lewis. 
Julie Scott, a Grande Mestra de lá, além de ser uma simpatia em pessoa, é americana e pragmática.
Jamais hesitaria em permitir um atril em cima de uma mesa com medo de que isso afetasse a espiritualidade de um templo.
Por aqui não é assim.Paciência.Ou não.
E um sinal de impaciência é o brotar de vários blogs e sites rosacruzes de qualidade, aonde a tradição rosacruz é aprofundada, não do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista histórico. Muitas são as informações que podem ser elencadas e publicadas em um blog, com recursos de imagem, com vídeos, muitos produzidos pela prórpia Grande Loja Norte Americana, sobre a história e a tradição de AMORC.
Isto no Estados Unidos é perfeitamente normal.
Aqui, ao contrário, é visto com desconfiança e temor, e se alguém tiver a infeliz idéia de pedir permissão a Grande Loja para fazer um espaço dedicado ao rosacrucianismo, mesmo que por lealdade e seriedade se comprometa a não divulgar nenhum material considerado sigiloso, receberá o não do conservadorismo, em alto e bom som, ou num elegante email, muito educado, mas restritivo a liberdade e a criatividade civil, historicamente ligadas à origem das Ordens Esotéricas, um não que exala o medo do novo, o medo da inovação, o medo que Spencer Lewis não teve ao fazer o upgrade dos conhecimentos rosacruzes da Europa, antigos pergaminhos que ele lia, até altas horas da noite e tentava, pedindo inspiração aos Mestre e ao Cósmico, traduzir em linguagem mais contemporânea.
Sem um esforço de transformação da forma como este sagrado conteúdo tinha sido expresso em outras épocas, não existiria a AMORC a que pertencemos hoje e eu, provavelmente, não seria membro como sou já 37 anos.
O que me fascinou na AMORC não foi o discurso espiritualista, pois isto eu conseguiria em qualquer religião, mas a promessa de uma abordagem laica dos ensinamentos sagrados e da enorme liberdade que era prometida, de pensamento e da imaginação, aqueles que se tornassem membros de suas fileiras. Havia um viés cientificista no discurso de Spencer Lewis, um bem sucedido consultor de empresas, e de seu filho, Ralph Lewis, um arqueólogo autodidata apaixonado. Ambos pensavam AMORC como uma universidade mística, não como uma religião.
Ambos pregavam a liberdade laica da pesquisa, ambos falavam sobre a necessidade de testar as técnicas rosacruzes, de verificá-las, cientificamente, não de aceitá-las apenas pela fé, ou porque algum dignitário dissesse que elas funcionavam, dando um perfil posotivista ao trabalho rosacruciano em AMORC.
E se a ciência se faz dentro da comunidade científica, a ciência mística se faz dentro da comunidade mística rosacruciana internacional, sendo necessário a discussão, o debate, o intercâmbio entre iguais, pois pensar nunca foi objeto de permissão e o diálogo e a livre expressão do pensamento é um direito garantido a todos os seres humanos, que vivam em países democráticos.
E hoje, os meios de informática garantem a rapidez e a excelência destas trocas entre irmãos, frateres e sorores em qualquer local do globo, a um clique de distância.
Nos Estados Unidos, no ambiente da Grande Loja de Língua Inglesa, isto nem precisaria ser dito.
Aqui, segundo consta, não é bem assim e sites maravilhosos como o do ex frater Marco Guimarães, mantenedor do blog "Rosacruzes.blogspot.com.br", que recomendo fortemente a quem quiser acompanhar a cultura histórico mística, não foram autorizados e a idéia foi fortemente rechaçada, em suas palavras, pela GLP.
Recentemente aconteceu comigo problema semelhante. Só que, verdade seja dita, a GLP nada tem a ver com isso.
É que o Medo do erro, da punição,quase de um pecado, já se disseminou, e corre nas veias de muitos Artesãos, não de neófitos, pasmem.
Assim, na intenção de conversar com meus frateres Artesãos de todo o país, criei um site apenas para esses debates e, fiel aos meus juramentos de sigilo e discrição, e à máxima de Saint Martin de que "o alarde não faz bem, e o bem não faz alarde", neste site chamado a "Teia de Indra"(http://teiadeindra.wordpress.com) cada artigo de conteúdo importante é lacrado com uma senha passada apenas por SMS, de celular a celular, aqueles que me pedem pelo meu email, mariosergio47@hotmail.com, de maneira que tenho absoluto controle de quem me pediu e quem teve acesso às senhas. Não é um site secreto, e ao contrário do pai de nosso Imperator, o saudoso Raymond Bernard, não tenho nenhuma intenção de criar uma Ordem paralela, ou de romper com a AMORC. Se sou o que sou é porque estou dentro da AMORC, por ser leal a AMORC e não contrário a ela, e sou leal também ao juramento de auxiliar meu Grande Mestre com minhas idéias e inspirações.
Por isso, achei que havia descoberto a pólvora e pus o site no ar.
O que aconteceu? Quase nada. Afora alguns amigos e conhecidos espalhados pelo país, poucos me pediram estas senhas. Poucos entraram e muito menos ainda comentaram o que leram. Aqui da minha região, praticamente ninguém me escreveu pedindo senha. E o próprio Grande Conselheiro, meu amigo pessoal, não quis entrar.
Em silencio, sem uma palavra, era como se a iniciativa fosse censurada. Sou bom entendedor. A ausência de interesse só pode se dever a duas coisas. Ou a falta de intimidade com meios de informática, o que atualmente é difícil aceitar, ou ao Medo, o terrível Medo de ser errado participar de qualquer evento rosacruciano, que não tenha recebido a bênção oficial da hierarquia administrativa local.
O que é triste é pensar que após 37 anos dedicados a Ordem, sem interesse algum financeiro, saindo da minha casa em São Paulo para ir até Manaus ou Curitiba, para levar orientações rosacruzes aos frateres e sorores de todo o país, eu ainda seja objeto de desconfiança, e possa-se supor que seria capaz de fazer alguma coisa ou tomar alguma iniciativa que pudesse, mesmo que de leve, arranhar a dignidade da Ordem.
O que me consola e ao mesmo me entristece, é que o Medo não é especificamente relacionado a mim ou a qualquer iniciativa minha, mas sim dirigido por igual a qualquer mudança que possa modernizar o trabalho de AMORC no país, mudanças que por trazerem novas abordagens da comunicação entre rosacruzes são olhadas sem exceção, com suspeita e receio, como aconteceu com nosso ex frater Marco Guimarães.
O que dói é imaginar que, a se manter esta situação, se Spencer Lewis reencarnasse e resolvesse fazer uma atualização não do conteúdo, mas da forma de estudar as monografias, por exemplo, pelo debate via Skipe entre neofitos ou membros de outros graus e professores autorizados e capacitados na Grande Loja de Curitiba, e se colocasse sua idéia no papel e mandasse para a GLP, não o Grande Mestre, mas algum funcionário de segundo escalão, designado para receber e decidir sobre essas iniciativas provavelmente responderia: "- Saudações Rosacruzes! Informamos que até o momento não há autorização para que sejam formados tais grupos. A atividade proposta não tem o aval da Grande Loja." E tudo apenas por Medo do que é novo.
Aviso a Sir Alden. Quando reencarnar, reencarne nos Estados Unidos. Será mais proveitoso.

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