Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 29 de outubro de 2016

ESPIRITUALISMO MATERIAL

Por Mario Sales

“Nós não podemos ir além
Se não conseguirmos sentir o amor comum
Nós não podemos ir mais alto
Se não conseguirmos lidar com o amor comum

U2, in “Ordinary Love”







Meus anos dedicados ao Misticismo e ao Esoterismo me deram, no início, a falsa impressão de que conseguir distância das coisas da Terra fosse o caminho para encontrar as coisas de Deus.
Foram necessárias várias décadas para que eu percebesse o erro conceitual de minha premissa, um traço romântico e fantasioso de minha personalidade, difícil de aperfeiçoar.
Hoje minha jornada está na mesma direção, mas em sentido inverso.
Eu imaginei que o caminho para o espírito fosse olhar para dentro saltando por cima do corpo. Hoje entendo que se não vivenciar minha experiência corpórea jamais chegarei a entender a minha natureza espiritual.
A falsa dualidade platônica denunciada por Espinoza me iludiu, confundiu e constrangeu minha capacidade de perceber a santidade existente nesta manifestação física que ora habito.
Negar a mim mesmo enquanto corpo não me tornará mais refinado, percebo agora, algo óbvio do ponto de vista intelectual, mas não tão óbvio do ponto de vista existencial.
Hoje suponho ter percebido este simples fato: é mantendo com carinho e cuidado minha casa, minha morada, que crio as condições externas adequadas para quem a habita, ou seja, eu mesmo. E cuidar da morada, do corpo, não é apenas garantir a satisfação de suas necessidades básicas como ar, água, alimento e abrigo. É preciso cuidar do afeto, com tanta ou mais importância que os outros quatro itens anteriores.
Precisamos amar o corpo e as coisas do corpo, sem que isso signifique tornarmo-nos escravos do corpo. É dar a César o que é de César, fator sem o qual a equação estará desbalanceada.
Com certeza ninguém elevará sua alma pela negação de sua própria carne. Só tolos como eu, poderiam cometer este terrível equívoco.
Alguns pensadores já mostraram os perigos implícitos na expressão “amar a humanidade e odiar o próximo”. E ninguém é mais próximo de nós do que nosso próprio corpo.
Da mesma maneira é estúpido supor que nosso amor será mais espiritual e elevado se não conseguimos lidar com o Amor Comum. Toquemos a nós mesmos. Sintamos nossa pele.
Ela tem, com certeza, muitas lições a nos ensinar.

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