Por Mario Sales, FRC,S.:I.:,M.:M.:
Chama atenção a criatividade de nossa época e se formos justos, de todas as épocas.
As pessoas menos críticas, menos dadas a análise do sociopsicológico humano, supõem que os seres dividem-se em crentes e ateus. E que os ateus são, por definição, materialistas, enquanto que os crentes , em complemento, seriam espiritualistas.
Ora, ao longo dos séculos não tem sido bem este quadro simples que temos divisado. Desde os tempos em que haviam uma profusão de deuses como no panteão grego e os templos disputavam seguidores com técnicas de hidráulica as quais provocavam efeitos especiais com portas que pareciam abrir-se sozinhas e estátuas que desciam do teto como que flutuando sobre a cabeça dos devotos com potencial para serem convertidos, o negócio, digamos assim, das religiões, nunca foi um terreno essencialmente puro.
A obrigação moral implantada pelos discursos canônicos e no púlpito das igrejas da Idade média, que convencia a todos que o contato com Deus não prescindia de um intermediário, e que este intermediário era um padre ou outro membro da Igreja, e que tal intermediário deveria ser tratado com regalia , o que obrigava moralmente pessoas miseráveis a dividirem com os párocos do convento parte de seu parco sustento, na intenção de agradar a Deus, agradando seus representantes na Terra, deixa bem claro que a fé muitas vezes foi instrumento de sobrevivência para uns (poucos) enquanto significava objeto de devoção para outros (muitos).
Não, a questão da crença ou do ateísmo, ou da oposição clássica entre espiritualistas e materialistas , se pensarmos com mais cuidado, pode e deve ser enriquecida com uma terceira categoria: a dos Espiritualistas Materialistas.
Este estranho mais compreensível grupo compõe-se de pessoas absolutamente inescrupulosas, que dedicam toda a sua infeliz existência à ludibriar a boa fé de incautos, inocentes e outros simples de espírito, que enchem as cidades e que aumentam a cada dia, os quais não conseguem dar conta , psicológica e fisicamente dos muitos desafios da vida moderna, ou por serem resultado de processos sociais e familiares, para dizer o mínimo, difíceis, ou por que não receberam o benefício da cultura e do discernimento da educação ou a bênção da sagacidade do Altíssimo.
Estes são os modernos membros da conhecida “massa de manobra” conhecida de analistas políticos, mas presente também dentro do fenômeno religioso.
Sacerdotes ou religiosos do grupo dos Espiritualistas Materialistas, no entanto, não devem receber toda a culpa por seu sucesso. Eles apenas lidam com um material riquíssimo e fértil: os filhos da Superstição.
A maioria das pessoas que buscam o espiritualismo, buscam, também, soluções.
Problemas, na vida cotidiana, são infinitos. Ter habilidade, ser sagaz, faz com que estes problemas transformem-se em desafios estimulantes. No entanto, para quem não tem o dom da sagacidade, conquistado ou dado por Deus, os mesmos problemas são fonte de muito sofrimento e desolação. Tanta que geram a busca por soluções definitivas e súbitas, descoladas da realidade, baseadas na intervenção de forças mágicas, e de forças invisíveis que só o supersticioso crê existirem. Não falo aqui de assuntos místicos e esotéricos.
Falo é de fantasias, de ilusões , que são alimentadas pelo desespero e pela falta de perspectiva de solução a curto prazo.
Não fosse essa idéia peculiar de muitos de que a relação com o Todo Poderoso, ou com seus santos, baseia-se para ser proveitosa num escambo de mercadorias, tipo sacrifícios em troca de bênçãos, orações em troca de riqueza e prosperidade, sem que o interessado tenha que fazer qualquer coisa além de rezar, dá a base para a ação de um grupo sempre criativo de charlatães da fé que sabem muito bem como se utilizar deste conhecimento acerca da natureza humana.
O aspecto espiritualista-materialista nos devotos permite o surgimento de sacerdotes proporcionais a tal perfil.
O resto é história.
Relacionar-se com Deus esperando sempre alguma coisa material de Deus (e diga-se de passagem, sem esperar nada de nós, também, por tabela) é a melhor maneira de propiciar a multiplicação de igrejas com nomes grandiloqüentes, Mundiais, Universais, nunca locais, as quais não são mais do que o atendimento de uma demanda social específica.
Os seres humanos são assim.
Paciência.
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