Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 18 de dezembro de 2010

A ERUDIÇÃO, O OCULTISMO E SEU CONTEXTO DE ÉPOCA

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:



Saber muitas coisas, acerca de diversos campos do conhecimento, era considerado uma qualidade humana, três séculos atrás, no chamado “século das luzes”.


Um vasto conhecimento inespecífico fazia do seu portador um indivíduo aceito com facilidade em círculos da alta sociedade, já que com suas informações variadas poderia entreter os convidados de um marquês ou de um conde, enquanto os músicos descansavam, ou mesmo, no lugar dos músicos.


Conhecimentos vastos acerca de um campo apenas, a chamada especialização, não renderia nem aumento de salário, nem prestígio intelectual igual àquele que falasse sobre tudo e sobre todas as coisas.


Passeios superficiais sobre o verniz de certos saberes eram mais facilmente digeríveis do que, por exemplo, um volume avassalador de informações acerca da química envolvida na fabricação das tintas de um pintor.


Cunhou-se naquela época o termo “conhecimento enciclopédico” que caracterizava estes personagens que tanto deleite levava às reuniões sociais de então (de Enciclopédia ,do grego antigo ἐγκυκλοπαιδεία, ἐγκυκλο "circular" + παιδεία "educação"). A primeira Enciclopédia do mundo ocidental moderno é obra de Diderot, em 1772.


De lá para cá, a tendência foi a redução do número de focos de atenção, até que os indivíduos ditos preparados fossem aqueles que possuíam muita, mas muita informação acerca de um único campo, ou sobre uma das partes deste campo, já que com o aumento do conhecimento científico tornou-se impossível que um único ser humano conseguisse dominar, com destreza, tudo que se acumulou em informação em todos estes séculos.


É a este processo que se chama especialização, pois aquele que se concentra em um único ponto, consegue divisar detalhes mais distintamente do que quem apenas passe os olhos de relance pelo problema.


Como, no entanto, tudo em excesso acaba se tornando um problema, e gera desequilíbrio, hoje vemo-nos às voltas com uma enorme carência de visão geral da ciência, ou do que se convencionou chamar de Humanismo. O que não quer dizer que a especilização esteja condenada.O mais provavel é que surja um novo especialista, o Transdisciplinarista, aquele que colocará dois campos de conhecimento aparentemente díspares para dialogar.


É verdade que muitos homens de ciência são excelentes músicos e discutem de igual para igual tendências e estilos com profissionais da área. Ou mesmo que físicos e matemáticos sejam profundamente apaixonados por assuntos filosóficos e tenham conhecimento que poderia se chamar de vasto naquela área.


Mas são poucos.


Um gênio do passado, que seria alguém que falasse duas ou três línguas e dominasse o conhecimento helênico com alguma segurança, sendo versado em todos os mitos da antiguidade, além de conhecer os estilos estéticos, hoje seria chamado apenas culto, e sempre teria que responder a embaraçosa questão: “Você faz o quê?”. Todos indagariam a qual contexto sua exuberância intelectual pertenceria.


O homo sapiens foi substituído pelo homo faber.


As pessoas são julgadas pelo seu desempenho profissional e pela pertinência de seu conhecimento à sua habilidade profissional específica.


Interessante será aquele que, além de ter um conhecimento específico bastante apurado de determinada técnica ou habilidade, seja capaz também de dialogar com outros saberes, principalmente se forem áreas bastante diferentes da sua.


Como eu disse acima, o conhecimento aumentou tanto em quantidade e qualidade que aquilo que se designava o gênio do passado não passa hoje de um mero erudito. Às vezes, até, se não for colocada a serviço da humanização de seu portador, uma erudição pedante e , novamente, inútil.


Melhor dizendo, hoje, qualquer erudito necessita de um contexto, o que em si não era uma pré-condição para o sábio do passado.


A relação entre o saber e o fazer é muito mais intensa em nossos dias e ser capaz de transformar idéias em atitudes e fatos depõe a favor de qualquer ser humano moderno.



No passado, não era assim. Um sem número de práticas complexas e pouco objetivas eram desenvolvidas apenas para demonstrar, primeiro a riqueza cultural de seu usuário e, segundo, servir de veículo para a sua própria vaidade .


O Ocultismo do século XVIII era um desses conhecimentos. Surgido da necessidade da época de intervir na realidade e em virtude da pobreza metodológica da ciência e a carência de aparelhos de medição e de tecnologia, o ocultismo com seus maneirismos e palavras obscuras, seus gestos estranhos e para alguns assustadores, saciava o desejo de demonstrar conhecimento a multidão ignorante, mesmo que este conhecimento, muitas das vezes, traísse apenas o desejo vaidoso de controlar a criação e mesmos as forças celestes.


Caracteristicamente complexo, com inúmeras regras e encantamentos em línguas desconhecidas, o Ocultismo ocupou no Imaginário da Sociedade daqueles dias um papel importante e , como de hábito, absolutamente inútil. Já que o Ocultismo, de per si, referia-se a busca de Poder e não de auto realização, seus praticantes mergulhavam em seus ritos com um desejo ingênuo de conseguir através daqueles métodos algo que não tivesse a ver com a monótona e insatisfatória vida que levavam.


Havia muitas doenças então e poucos remédios. A higiene era baixíssima ou nenhuma e a superstição campeava de forma totalmente descontrolada. Mesmo os chamados homens da razão dedicavam-se a práticas no mínimo equivocadas, com ares de seriedade que hoje em dia só nos traz um sorriso embaraçado aos lábios, como no caso de Elias Ashmole, maçon e rosacruz e um dos fundadores da Academia Real (Inglesa) de Ciência, da qual faria parte Sir Isaac Newton, que costumava tratar quadros de “febre” com um cordão de, pasmem, aranhas, pendurado ao seu pescoço.


Ora, em um mundo tão bizarro, nada pareceria bizarro, por similaridade.


Portanto o Ocultismo teve um contexto favorável sócio-psicológico que garantiu sua sobrevivência por décadas.


Hoje, inevitavelmente, ao testemunhar práticas ocultistas, que causam tanto fascínio em alguns místicos de certas tradições, cabe perguntar: “Para que serve isto?”


Existe, hoje, um contexto que permita que o conhecimento do Ocultismo possa ser mais do que erudição ou curiosidade?


Sinceramente acredito que não. Tal intervenção na realidade, se não é démodé do ponto de vista prático, o é, pelo menos, do ponto de vista ético.


Pois hoje toda pessoa equilibrada sabe que não pode, não deve e não precisa depender de técnicas ocultas para desenvolver sua sensibilidade ou sua espiritualidade.


Trata-se mais de algo Revelado do que de algo Oculto.


Pois em nossos dias, realiza-se todo o tempo, para fora sim, mas também para dentro.


A mulher e o homem modernos gostam de ver resultados de suas ações, mudanças objetivas em seu status psicológico e espiritual, mesmo que isto demande tempo.


O problema não é a lentidão das mudanças, desde que elas ocorram. O problema é a tergiversação, a procrastinação, a falta de foco no trabalho místico ou esotérico. Não se pode, em épocas mais objetivas, como a nossa, ser impreciso quanto aos seus reais objetivos sem pagar um preço por isso. O ser humano moderno tem menos paciência, muito menos paciência com o obscuro e indefinido do que o homem do século XVIII para o qual o tempo se arrastava, e a vida era infinitamente mais curta.


Mesmo esoteristas e místicos querem saber as razões do que estão fazendo, o prognóstico de seus esforços, a não ser que não estejam muito atentos ao que ocorre a sua volta. Pessoas pouco objetivas não conseguem bons resultados , ou melhor, resultados palpáveis, mesmo que sejam muito eruditas.


Por isso precisamos estar atentos se nossos pensamentos são claros e distintos ou confusos e mal direcionados, se sabemos o que queremos quando entramos em uma ordem esotérica qualquer, ou se estamos apenas matando tempo, como se diz, aprendendo coisas estranhas que tornem nosso tédio menor e nossa vida um pouco mais interessante.


O Ocultismo, como se conhecia no passado, hoje, deveria ser uma página virada da história Esotérica.


A busca interior prescinde de conhecimentos ocultistas.


Ou nas palavras de Saint Martin, avançadas para a época, ao ver a complexidade das práticas de Martinez de Pasqually, “será que precisamos de tudo isto para ver Deus?”.


Com certeza, hoje podemos afirmar com segurança, não precisamos.


Para ser sincero, acredito que o estudo do Ocultismo, embora curioso e até interessante, nos afasta de nossos objetivos mais importantes e é uma distração desnecessária no processo alquímico de aprimoramento humano.


Precisamos, isto sim, de atitudes condizentes com nossas crenças na importância do Bem e da Vida, como a prática da Solidariedade, da Misericórdia e da Oração.


Hoje sabemos que o Homo Sapiens é sempre, por ser Sapiens, um Faber. Não há oposição entre as condições.


Saber é realizar. Mesmo entre místicos. Mesmo na busca do Divino em nós.

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