Lendo o trecho do livro de Marcelo Gleiser, ("Criação Imperfeita", editora Record), sobre a vontade de Kepler de ver órbitas circulares para os planetas, mesmo depois de concluir, a partir dos dados observacionais de Tyco Brahe, que elas eram elípticas, lembrei-me do estudo da Geometria Sagrada de Pitágoras e dos muitos pensadores místicos que a defenderam durante anos. Marcados pelas palavras e pensamentos de Platão e dos neo platônicos, alguns dos místicos e dos cientistas do século XVI e XVII, perderam a noção da fronteira entre fato observado e crença pessoal. Aliás, nenhum de nós está livre deste pecado e atire a primeira pedra aquele que, em algum momento ou mesmo sempre não quis acreditar que o mundo era ou deveria ser como ele supunha ser. Crenças, eu já falei isso, são coisas poderosas. Assaltam-nos em nossos sonhos e principalmente quando estamos acordados.Mudam a cor das coisas que contemplamos e uma visão clara dos fenômenos a nossa volta só é possível quando superamos com imensa dificuldade nossos pré-conceitos do real. Todas estas considerações me vieram à mente enquanto eu alertava em uma reunião mística os estudantes presentes para terem em mente as diferenças entre crença e fato ao estudarem os simbolismos do ocultismo do século XVIII , em pleno século XXI.
Lembrei a eles que para Kepler, influenciado por Platão e por sua peculiar idéia de religião e de Deus, a Geometria Pitagórica estaria com certeza presente e refletida na criação e no Universo, e como seis eram os planetas conhecidos ele conjecturou que suas órbitas estivessem relacionadas à superposição de sólidos geométricos, uns dentro dos outros, como uma boneca russa, o que provaria a sua tese e mostraria a glória geométrica.
Construiu um complexo modelo para demonstrar esta tese. (abaixo)
Mysterium Cosmographicum, representação com sólidos geométrios da estrutura do sistema solar.
Só que hoje sabemos que o nosso sistema tem 8 planetas e não seis, já que Plutão foi rebaixado. As órbitas perfeitas deveriam ser circulares segundo a noção Pitagórica de que o círculo é a forma perfeita; não são, são elípticas. Portanto as coisas são como são e as noções humanas acerca de como o Universo deveria ser são solenemente ignoradas por este mesmo Universo que à medida que vai sendo conhecido melhor mostra uma face cada vez menos simples e mais variada, contrariando a idéia de uma unidade de formas e manifestações. É a variedade que se impõe pelos fatos observacionais, não a unidade. Pelo menos na matéria. Nada de seis planetas por que o número 6 é um número perfeito; nada de círculos ou cubos ou pirâmides definindo as órbitas, mas a força gravitacional. Isso invalida o estudo do simbolismo ocultista do século XVIII? Não, desde que devidamente contextualizado, no tempo e no espaço, se me permitem o trocadilho. Que os místicos daquela época chegassem a supor que seus conhecimentos esotéricos antecipavam o que seria a criação material, compreende-se. Nós, no século XXI não podemos pensar da mesma forma e devemos, por compromisso com o bom senso e com o pensamento esclarecido, entender que trata-se de uma linguagem eminentemente simbólica e como tal representa idéias e não fatos. Os fatos são outros. E é assim que deve ser. Eu sempre escuto aquela piada mística que diz que quando os cientistas chegarem ao topo da montanha, encontrarão os místicos escovando os dentes depois de dias e dias de banquete. Talvez fosse a hora de termos, nós, místicos, mais humildade, e entendermos que nossos textos podem estar corretos , mas podem ter sido mal interpretados, e com isso produziram um conhecimento aparentemente complexo e hermético quando, na verdade, descrevem fenômenos absolutamente compreensíveis e demonstráveis. Símbolos são atemporais. Simbolistas não. O erro não está no texto a ser interpretado, mas em quem o interpreta. Devemos, portanto ser cautelosos quando às nossas crenças e jamais permitir, como bons rosacruzes, como bons cientistas místicos, que elas nublem nosso bom senso ao contemplar o real a nossa volta.
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