Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Gostaria de começar este texto agradecendo ao meu leitor que tem trocado interessantes comentários comigo.
Como todos sabem, eu apenas moro em São Paulo, já fazem 20 anos, mas sou carioca de nascimento. Nasci no Estado da Guanabara, estado que não existe mais desde a fusão com o Estado do Rio de Janeiro.
Os cariocas, nome que no Rio reservamos apenas aos nascidos na cidade do Rio de Janeiro, são muito parecidos com os gregos: adoram conversar.
Imagine o meu prazer em receber uma nova carta do meu leitor, outrora Incógnito, e agora para minha satisfação identificando-se como Fernando. Diz que não tornou-se “incognitus” por vontade própria mas que o Google o nomeou assim ao fazer o comentário no blog.
Agradeceu a visibilidade da resposta, mas quanto a isto eu explico: não consigo responder aos comentários pessoalmente a não ser que o comentarista deixe um email para resposta.
Eu até consigo ir até os blogs que a pessoa segue e mais nada.
E como gostei muito do detalhismo dos comentários de Fernando acabei respondendo pela capa do blog.
Neste segundo comentário, Fernando diz que acha intuitivamente que eu queria dizer panenteísmo e não panteísmo no meu comentário.
Bom, até ontem eu não sabia o que era panenteísmo, mas agora que estudei o assunto, se bem que superficialmente, e descobri o trabalho de Christian Krause, posso dizer que com certeza não concordo com ele e, de resto, repito a definição que peguei do dicionário de filosofia:
No “Dicionário de Filosofia de N.Abbagnano, Editora Mestre Jou, 2a edição em português de 1982, São Paulo (...) na página 711, (...) está escrito que panenteísmo é um "termo criado por Christian Krause para designar uma síntese entre teísmo e panteísmo a qual consistiria em admitir que tudo que existe, existe em Deus e existe como realização e revelação de Deus. Na realidade este ponto de vista é próprio do panteísmo clássico e, portanto não se vê utilidade no termo, o qual, com efeito, não teve aceitação"
Ou seja, em filosofia, um saber muito profissional, embora não pareça, existe um consenso de que a noção de panenteísmo não trouxe qualquer avanço conceitual em relação à noção de panteísmo.
O que Krause tentou foi criar um híbrido, que satisfizesse a sua necessidade pessoal de preservar a idéia de uma Entidade Divina definível no tempo e no espaço, localizado, portanto, com um Universo onde este mesmo Ser Divino estivesse como é dito, Onipresente, mas diluído, espalhado, não localizado.
As palavras chave da questão são imanência e transcendência.
Em filosofia, imanência tem três sentidos:
1. Entre os Escolásticos, imanência era uma ação cuja finalidade estivesse dentro dela mesma.
2. A limitação do uso de certo princípio à experiência possível e a recusa de admitir conhecimentos autênticos que superem os limites desta experiência.
3. A absorção de toda a realidade na consciência.
Explicando, sempre com ajuda do dicionário de Nicola Abbagnano.
1° conceito: os Escolásticos (Escolástica ou Escolasticismo é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. Esta linha vai do começo do século IX até ao fim do século XVI ) falavam de uma ação imanente em oposição a uma ação transitiva. Como exemplo de imanente temos entender, sentir, querer, coisas que dizem respeito ao próprio autor da ação, que nunca escapam ao seu espaço. Já as transitivas tem como exemplo serrar, esquentar, quebrar, e dizem respeito a interação com uma matéria externa ao sujeito da ação. Esta distinção já estava presente em Aristóteles que fala de atividade e movimento, sendo atividades ações dentro do próprio agente (imanentes, para os escolásticos) e movimento algo que transcenda o próprio agente(transitiva para os escolásticos), com os mesmos exemplos acima. Também Espinosa usava esta concepção dizendo que “Deus é causa imanente e não transitiva de todas as coisas.”
O segundo significado está em Kant. Ele fala que imanentes são “os princípios cuja aplicação se atém em tudo e por tudo nos limites da experiência possível”. Dizendo de outra maneira, é Imanente aquilo que eu posso experimentar; ao contrário, o não experimentável, não perceptível aos sentidos, que se situa além da experiência material, ele chamou de Transcendente. Assim, princípios imanentes, segundo Kant, devem ater-se ao domínio da experiência e jamais ultrapassá-lo.
O terceiro sentido de Imanência é pós kantiano. Seus defensores são Fichte e Schelling. Nesta conotação, imanência significa que toda a realidade está contida no Eu. Nada existe fora do Eu ( ou Absoluto ou Consciência). Espinosa concordava com esta visão ao dizer que a ação de Deus é imanente porque não vai além do próprio Deus.
O que existe de comum entre estas três interpretações é que a Imanência restringe as consequências de uma ação ao próprio agente, seu causador.
Mas o que isso tem a ver com Panenteísmo? Quando Krause cria o termo Panenteísmo em sua obra System des Philosophie (1828), ele tenta fazer uma convergência entre imanência e transcendência. Deus seria algo que, ao mesmo tempo, contém a criação e é o seu conteúdo.
A imagem do Círculo abaixo explica o paradoxo.
Tudo que está dentro do Círculo está contido pelo círculo e é, pois, seu conteúdo.
O círculo estabele a linha de contenção deste conteúdo, e é chamado de Continente.Na teoria do panenteísmo, considera-se possível que algo esteja contido e ao mesmo tempo esteja em torno do conteúdo.
Outro exemplo: uma esponja cheia de água.
Neste particular, apenas para efeito didático, temos um conteúdo dentro de um continente diferente do círculo acima, mas ainda assim, temos uma estrutura externa à água que a absorve e a contém.
Embora pareça que ambos estão unidos por completo isto não corresponde a realidade. A água não se fundiu com a esponja, mas percorre milhares de microcanais existentes em sua estrutura, contida dentro destes canalículos, cada um funcionando a seu tempo como um círculo continente que contém a água dentro dele, o conteúdo.
Mesmo aqui, aonde parece existir fusão, existe coexistência em espaços diferentes de duas realidades: os canais da esponja e a água dentro destes canais.
A idéia de Krause propõe a possibilidade de uma convivência entre dois conceitos irreconciliáveis e por isso foi rejeitada pela filosofia. Pasmem, no entanto, não foi rejeitada pela religião onde é possível que Krause tenha se inspirado.
Embora, como meu querido Fernando diga, existam sinais de Panenteísmo em Platão e Plotino, na verdade o conceito ainda não existia e não podemos a rigor dizer tal coisa. Mas entendo que a idéia estivesse em gestação em certas doutrinas de cunho metafísico religioso como em Plotino que representa o neo platonismo ligado ao Cristianismo.
O que Fernando não diz em defesa do Panenteísmo, mas eu descobri estudando o assunto, é que o Cabala tem características panenteístas num de seus mais consagrados conceitos com o qual, talvez, Krause tenha se familiarizado no século XIX, o conceito de Tzimtzum.
Como é sabido, o Tzimtzum é descrito originalmente por Isaac Luria(1534-1572), um cabalista do século XVI, muito estudado no Martinismo.
Para Luria, Deus não criou o Universo expandindo-se mas contraindo-se como uma rosquinha de Donut, e abrindo dentro de si mesmo um “espaço conceitual” aonde a criação foi possível. Isto é puro panenteísmo, já que Deus está lá fora, em volta de tudo, e penetrando tudo, e no seu centro estamos nós. Este modelo salva conceitualmente o panenteísmo harmonizando Imanência e Transcendência.
Certo? Não, errado. Por que aqui, o que temos não é imanência, mas um conteúdo criado dentro de um ser Criador. Não há nem a integração e aparente fusão do modelo da Esponja. O que temos não é nem mesmo o modelo da Rosquinha, mas uma esfera dentro de outra esfera.
A esfera interna é Olam, o mundo ou o universo criado, finito, dentro de Deus , o Incriado, o Infinito, mas sem sombra de dúvida, dele, mundo, separado, pois Deus é o Continente Criador e a Criação, com tudo que existe dentro dela, o conteúdo, separado e no centro do Criador.
Se dissermos que o Tzimtzum é um modelo panenteísta estaremos errando pois, na idéia de Krause, tem que haver concomitância entre Imanência e Transcendência e não convívio; tem de haver simultaneidade e não sucessividade (primeiro o círculo e depois o seu interior).
Isto não satisfaz o místico. O místico percebe a presença de Deus em si e no mundo. Imagens materiais não resolvem este problema conceitual. Menos uma: a água.
Eu pensei em usar a água como exemplo por causa de Espinosa. Espinosa era panteísta e não panenteísta, porque defendia a tese de que existia uma substância primordial aonde tudo se encontrava e do qual tudo era apenas uma modificação, (ou como dizia meu professor Ivair, o irmão mais novo de Claudio Ulpiano, uma dobra de tecido).
Cada realidade, cada ser, cada pedra, seriam apenas dobras de uma realidade comum, a chamada Substância, onde tudo reside e de onde tudo provém. Lemos em http://cogitamundo.wordpress.com/2008/12/08/espinosa-deus-e-natureza/ : “Spinoza defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a saber, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações. Ele afirmou que Deus sive Natura (“Deus ou Natureza” em latim) era um ser de infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de matéria) e o pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.”
Lembrei-me então de falar da água como exemplo final desta imanência do panteísmo que não é igual a proposta do panenteísmo. Imanência é a água e uma estátua de gelo, duas coisas formadas de uma mesma substância que, dependendo de seu estado, pode ter características gasosas, líquidas ou sólidas. Isto é imanência e variedade. Sempre água e sempre diferente.
Como estátuas de gelo, que são água, mas apenas formas extraídas de uma mudança de estado físico, por diminuição do movimento das moléculas internas, causado pela mudança de temperatura (frio).
Esta é a idéia mística de imanência, o verdadeiro panteísmo.
Deus ou Tudo, como dizia Tales de Mileto, é Água.
Continue mandando emails Fernando e se quiser conversar "face to face" anote aí meu Skype: mario.sergio.sales.
Grande abraço
Estimado Mário,
ResponderExcluirVenho pela última vez te incomodar (prometo rsrs) sobre o assunto que tratamos e devo dizer que foi muito boa a conversa/exercício dialético.
Com efeito, me estimulou a estudar e durante o dia meditei sobre o tema, o que gera e ainda gerará bons frutos tenho certeza.
Sei que tens vasto conhecimento e que tens o sincero desejo de difusão de doutrina da venerável Ordem da Rosa Cruz e, mais ainda, de tuas próprias conclusões sobre a Verdade. Esse foi um dos estímulos para meu comentário.
Desejo iluminação pelo teu caminho e fica meu agradecimento pela salutar conversa. Passo ao 'último' comentário.
Como premissas, quero esclarecer algumas questões, a fim de evitar confusões:
1. Concordo que na época de Platão e Plotino não existia o termo panenteísmo. Como eu disse o termo é mera classificação e podem existir outras válidas. Como exemplo similar, e sabendo que és psicólogo, posso citar a ocorrência dessa espécie de fato no livro do Jung “tipos psicológicos” onde ele analisa esses grandes filósofos os atribuindo a classificação de “introvertidos”, e à Aristóteles características extrovertidas. Na época de Platão, Aristóteles e Plotino não existia essa classificação – pelo menos da forma como Jung a fez-, mas esse fato não exclui a hipótese daqueles filósofos se enquadrarem no conceito definido. No mesmo sentido é a classificação de panenteísmo.
2. Outra questão que saliento é: não sou grande admirador de Cristian Krause, ou seu seguidor ou qualquer coisa, admiro que tenha introduzido na filosofia o termo panenteísmo, apenas isso. O termo empregado em sua filosofia, no entanto, evoluiu sendo enriquecido em relação ao conceito inicial, não que tenha sido distorcido, mas foi esclarecido.
Em última hipótese o termo pretende dizer que a criação e o criador não são a mesma coisa. A criação está contida no criador, foi feita por Ele, e Ele está presente na criação (por meio de suas leis, agentes, e em nós..). Assim, esse conceito permite evitar a identificação da matéria com a própria divindade. Sugiro, se não for pedir demais, que leias as páginas 29 e seguintes do “Quadro Natural das Relações Entre Deus, o Homem e o Universo” ele me deu boas dicas a refletir.
E por isso, como esclareceste, acredito que exista divergência entre panteísmo clássico e panenteísmo.
No Brasil, Humberto Rohden atribui outro nome a esse mesmo conceito preconizado pelo panenteísmo, o Monismo. É válido, é a mesma idéia, verbis: “Deus não está fora do mundo, nem o mundo está fora de Deus –mas Deus não é o mundo nem o mundo é Deus”. “Deus é uno em sua essência, mas múltiplo em sua existência....” Ele diz que não pode-se confundir essência com existência e tem uma análise do Spinoza bastante interessante no seu livro Filosofia Contemporânea. Admiro muito Spinoza, também.
... continua no próximo comentário em razão da limitação de carcteres....
...continuação...
ResponderExcluir3. Escreveste muito bem sobre o Tzim Tzum. É um belo conceito que também tento entender, pois não é simples. Após a contração na própria divindade há uma criação nesse espaço, correto? Assim pode-se chegar a conclusão que a criação veio de Deus, mas não é o próprio Deus, e, é claro, não são concomitantes, concordo com o que escreveste em relação à concomitância.
Os panenteístas contemporâneos têm uma interpretação parecida como o tzim tzum, que pode servir de amparo, e utilizam para tal o termo Kenosis, cito: (God freely limited God’s infinite power in order to allow for the existence of non-divine agents. This self limitation is best understood as a self-emptying, insofar as God chose to limit or “empty Godself of” qualities that would otherwise seem to belong to the divine essence, such as omnipotence or the unlimited manifestation of the divine glory and agency (p. 182). ) Assim há uma sucessividade, pois o criador auto limitou-se para criar o Universo.
Essa autolimitação é um mistério e palavras não seriam suficientes para expressar.
Devo dizer, por fim que prefiro a Verdade (Cristo fala, “eu sou a Verdade”) à qualquer doutrina e limitação doutrinária panenteísta, monista,teísta... mas sabe que nossa racionalidade faz com que busquemos ela dessa forma, como um mosaico, sob diversas perspectivas, e no momento atual somos muito racionais.
4. Prezado Mário, gostei muito de nosso exercício dialético, que é claro, não tem um ponto final completo, as idéias estão sendo semeadas e serão germinadas, como disseste em outra postagem.
Um forte abraço, fica meu email fernando.bbmm@gmail.com.
Obrigado pelo skype.