O Shabat é sagrado.
No Zohar, ainda nos textos preliminares, antes da primeira
parashat, da primeira parte ou porção, conhecida por Bereshit, existe uma longa
digressão sobre a natureza sagrada do Shabat.
Lá é dito que a razão da sacralidade deste período, que vai
do pôr do sol na sexta feira até o pôr do sol no sábado, está no fato de que
especificamente naquelas horas, as portas do céu estão abertas, e a inspiração
divina flui livre para que os Justos, os Tzadikin, possam recebe-la.
Deve-se guardar, respeitar o Shabat, pois o Shabat é mais do
que um dia e uma noite: o Shabat é uma porta dimensional, que é tão sutil e
delicada, que será perturbada pela mínima manifestação de desarmonia, seja por
ansiedade, indisciplina ou luxuria.
O que possa perturbar o vínculo com o sagrado deve ser
evitado: as coisas da carne, os assuntos mundanos, o vinho, a voz elevada, a
cólera, a exaltação.
É preciso comportar-se com pudor, temor e tremor, pois o
Santo, Bendito Seja, estará atento aos nossos pensamentos e atitudes.
Em função disso, o trabalho deve ser suspenso, deve-se
mergulhar em oração, meditando sobre a Torah, a lei, procurando a compreensão
de seus segredos e de sua iluminação.
Esta é a tradição, estes são os parâmetros que qualquer
judeu, fiel a sua fé, conhece e pratica.
Jesus era judeu. Jesus conhecia bem a Torah.
Mesmo assim relata o Evangelho de Marcos, capítulo 2:
“E aconteceu que, passando ele
num sábado pelas searas, os seus discípulos, caminhando, começaram a colher
espigas.
E os fariseus lhe disseram: Vês? Por que fazem no sábado o que não é lícito?
Mas ele disse-lhes: Nunca lestes o que fez Davi, quando estava em necessidade e
teve fome, ele e os que com ele estavam?
Como entrou na casa de Deus, no tempo de Abiatar, sumo sacerdote, e comeu os
pães da proposição, dos quais não era lícito comer senão aos sacerdotes, dando
também aos que com ele estavam?
E disse-lhes: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do
sábado.
Assim o Filho do homem até do sábado é Senhor[1].”
Peca aquele que vive por sua consciência, que transcende as regras e
age de acordo com seu coração e sensibilidade?
Devemos guardar o sábado, mas o que é guardar o sábado?
Um conjunto de normas e proibições, um ritual rígido que, se
esquecido, incorrerá em terríveis prejuízos espirituais?
Onde reside nossa santidade, dentro ou fora de nós?
Quem pode ver nossa pureza e nossa sinceridade a não ser
HaShem, o Deus de nossos corações e de nossas compreensões? E onde está este
Deus que tanto veneramos e adoramos senão dentro de nós mesmos?
Jesus sabia todas estas coisas e com seu gesto, incomum,
simples e despreocupado, mostrou que ele estava em harmonia com estas simples
verdades, que não fazia aquilo que a tradição mandava, mas sim o que seu
coração ditava. E isto se chama a liberdade verdadeira ou a prisão da
consciência.
Nossa consciência nos autoriza certos comportamentos em
função de sua autoridade sobre nós, já que nossa consciência, nossa guardiã, é
também a presença de Deus em nós.
Nós somos extremamente complexos.
Estamos vivos e a vida é extremamente dinâmica. Nenhum
texto, por mais belo e sagrado, consegue nos definir ou circunscrever. Nenhum
livro pode ser maior que a própria existência.
“A idéia de verdade é um modo, fundamentado em um método, de
conferir estabilidade a determinados discursos, não uma instância neutra
detentora da essência das coisas, mesmo porque não há essência nem coisas
neutras senão na linguagem. As palavras dão identidade a coisas distintas; sob
a palavra permanece a vida em sua pluralidade e potência; não é possível
reduzir a vida a um discurso”[2]
Temos que ir além do discurso, além da lei, sem ferir a lei.
E isto é possível.
Todas as regras e normas foram criadas para representar uma
noção de valor, algo que ajudaria a criar Ordem no Caos. Nenhuma lei foi criada
com o intuito de prejudicar quem quer que seja, no mundo religioso ou secular.
As normas visam o melhor para o convívio de muitos, como boias de sinalização
ou mesmo cancelas, que impedem os acidentes e as tragédias desnecessárias. Mas
para quem foram feitas? Para aqueles que não possuem discernimento próprio, que
são desprovidos de senso coletivo.
Não é preciso dizer a alguém altruísta da necessidade e
conveniência de se preocupar com o bem da coletividade. Sua consciência fará
isso sozinha. Este homem ou esta mulher estarão para além do bem e do mal,
serão membros da elite espiritual da humanidade, que traz em si a marca de
muitas vidas, de muitas encarnações. São as almas antigas, que socorrem e
ensinam, que estudam a sabedoria de todas as tradições religiosas identificando
as semelhanças entre elas ocultas nas palavras e nas convicções nacionalistas.
Estas almas sabem que o sábado foi feito para o homem e não
o homem para o sábado.
Sabem que as portas do céu estão abertas todos os dias e que
a chave para entrar por estas portas é a elevação espiritual e mental.
Não são os dias que são sagrados por si, mas são as pessoas
que tornam seus dias sagrados, que fazem do seu cotidiano uma oração
permanente, abençoando o mundo com suas simples presenças.
Deus está em nós, nós estamos nEle.
Assim, se percebermos que a luz já está em nós e permitirmos
que ela se manifeste, não só santificaremos a noite de sexta feira, mas também
a de quinta feira, como também as terças e os domingos pela manhã.
O céu aguarda ansioso nossa visita. Basta que nos deixemos
levar pelos ventos da espiritualidade e subiremos mais alto que os pássaros e sem
que percebamos estaremos conversando com os santos e com os anjos, enquanto os
Iluminados, a nossa volta, nos revelarão os segredos do espírito e da evolução.
E voltaremos deste encontro encharcados de inspiração e
êxtase, por termos passado alguns minutos na companhia daqueles que como nós,
sabem que tudo que está a nossa volta é sagrado e que o mundo inteiro é nosso
templo, nosso sanctum sanctorum, onde podemos vigiar e orar enquanto aprendemos
as estratégias da misericórdia e do serviço.
Não, não precisamos de leis. Nossa lei está gravada a fogo
em nossos corações, não em livros, não em textos; somos os filósofos de fogo,
como nos classifica Blavatsky na Doutrina Secreta.
Somos os filhos da consciência, os buscadores incansáveis da
luz e do Cálice Sagrado.
Somos os rosacruzes.
Belíssimas palavras! Parabéns frater, gosto muito dos seus textos!
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