Instruções aos Homens de Desejo
Louis Claude de Saint Martin
SUMÁRIO DAS INSTRUÇÕES
Instrução 01: Da Emanação, Da Criação e dos Números.
Instrução 02: Da Extração das Essências e da Matéria na Indiferença.
Instrução 03: Da Modificação das Essências e das Diversas Propriedades do Triângulo.
Instrução 04: Da Explosão das Formas e da Necessidade do Quaternário
Instrução 05: Das Diferentes Produções da Natureza e das Diferentes Formas deste Universo.
Instrução 06: Da Emanação do Homem.
Instrução 07: Da Prevaricação do Homem.
Instrução 08: Do Corpo do Homem e de seu Pensamento.
Instrução 09: Da Reintegração das Formas.
Instrução 10: Desejo, Paciência e Perseverança.
PRIMEIRA INSTRUÇÃO
Da Emanação, da Criação e dos Números
Alegria, paz, saúde àquele que me ouve:
Meus irmãos,
Com o auxílio do Eterno, vou procurar vos falar dos princípios que são a base fundamental de nossa Ordem e que, reunidos em um corpo, poderão constituir um curso de física temporal passiva e de física espiritual eterna.
O primeiro princípio da ciência que cultivamos é o desejo. Em nenhuma arte temporal, nenhum operário jamais venceu, sem uma assiduidade, um trabalho e uma continuidade de esforços para chegar a conhecer as diferentes partes da arte que se propõe a abraçar. Seria, portanto, inútil pensar que se pode chegar à sabedoria sem desejo, visto que a base fundamental dessa sabedoria não é senão o desejo de conhecê-la, que faz vencer todos os obstáculos que se apresentam para bloquear a saída, e não deve parecer surpreendente que esse desejo seja necessário, uma vez que é positivamente o pensamento contrário a esse desejo que afasta todos aqueles que procuram entrar para esse conhecimento.
Ora, é necessário, para ali chegar, trilhar o caminho em razão do afastamento de onde nos encontramos. Aquele que crê aí ter chegado está ainda bem longe; e outro crê estar longe mas não tem senão um passo a dar: o que deve fazer ver que o primeiro passo que se deve dar, deve ser na senda da humildade, da paciência e da caridade. As virtudes são tão necessárias em nossa Ordem que não se pode nela fazer nenhum progresso senão quando se avança nessas virtudes.
Mas poder-me-iam, talvez, perguntar que ligação existe entre as virtudes e as ciências? Esta instrução será empregada para demonstrar essa necessidade.
O Ser, existindo necessariamente por si próprio, Eterno criador e conservador de todo ser, emana de sua imensidade Divina, antes do "tempo", seres livres para sua grande glória. Ele lhes deu uma lei, um preceito e um mandamento sobre os quais foi fundamentada sua emanação. Esses espíritos eram livres e não se pode considerá-los de outro modo sem destruir suas personalidades distintas.
Eles vieram a prevaricar. Qual foi a prevaricação? Sem entrar em todos os detalhes, responderei que o primeiro crime foi a desobediência. Sendo livres, conceberam por sua plena e inteira liberdade um pensamento contrário à lei, ao preceito e ao mandamento do Eterno. Para melhor dar uma idéia dessa desobediência, suponha uma sentinela que se coloque de guarda, a quem se diz de observar os diferentes pontos de sua caserna: essa sentinela é livre e não tem necessidade para que ninguém venha lhe forçar a ficar ou a sair. Por sua própria vontade, ela deixa seu posto e desampara todos os pontos de sua caserna, mas a sentinela é tomada e lhe quebram a cabeça. Eis uma idéia da prevaricação dos primeiros espíritos . A prevaricação foi ter desobedecido à lei, ao preceito e mandamento que lhes haviam sido dados desde a emanação, e de ter concebido um pensamento contrário àquele do Eterno.
Desde então, a comunicação que tinham com o Eterno foi rompida. Deus criara o espaço, no qual os precipitou. Mas de que se serviu Ele para expulsá-los de sua corte Divina? Serviu-se dos espíritos de sua natureza que haviam sido emanados no mesmo instante que os outros, e que também conceberam bem o pensamento maldoso, uma vez que receberam a mancha, mas que fizeram uso diferente de seu livre arbítrio, ficando inviolavelmente presos às leis, preceitos e mandamentos do Eterno. O que prova bem demonstrativamente que os primeiros espíritos conceberam seu pensamento de prevaricação por sua plena e inteira liberdade, e é a fidelidade desses últimos que, sem ter nem mais nem menos faculdades que esses prevaricadores, fizeram bom uso de seu livre arbítrio, rejeitando o mau pensamento que lhes foi apresentado pelos prevaricadores e serviram-se de instrumentos da justiça que Deus lançou sobre àqueles desde o instante de sua prevaricação. É desse combate que fala a Escritura quando diz que Miguel, e seus anjos combatiam contra os demônios e seus anjos, e que Miguel tendo sido vencedor, os precipitou fora do paraíso Divino no espaço que acabava de ser criado.
Não existia ainda o tempo, que não é senão a sucessão ou a revolução dos diferentes corpos . Não havia ali então matéria sutil ou grosseira, não existia senão espíritos puros e simples: espíritos bons no paraíso Divino e espíritos maus no espaço. Desde então, Deus concebeu em sua imaginação pensante criar este universo com formas materiais e passivo para servir de limites e de barreira às operações maldosas dos demônios. Ele emancipou por essa causa os espíritos ternários do eixo "fogo central", que vieram fechar o círculo do espaço no qual os espíritos perversos estavam encerrados, e concebeu em Sua imaginação pensante Divina a criação do corpo principal do chefe deste universo, tanto espiritual Divino como temporal passivo, da forma triangular eqüilátera. Esse triângulo eqüilátero e considerado entre todos os povos da terra como contendo em si a imagem aparente que o Eterno havia concebido em sua imaginação para a criação do chefe deste universo; esse triângulo, repito, nos é ainda representado nas igrejas com quatro caracteres inefáveis dos quais darei a explicação na seqüência.
Deus manifestou de seu pensamento criativo os espíritos do eixo fogo central por esse mesmo triângulo eqüilátero, no centro do qual estava contido seu verbo ternário criativo, como faz ver a figura seguinte:
Esses espíritos tendo inato em si, desde seu princípio de emanação, a faculdade de extrair de seu seio as três essências espirituais que ali estavam. Saíram, então, deles mesmos essas três essências para operar esse verbo do Eterno. Perguntar-se-á o que era esse verbo? Direi que esse verbo continha em si o plano, a execução e a operação deste universo. Em conseqüência, esses espíritos do eixo começaram a executá-lo, tirando de seu seio essas três essências que ali estavam. Essas três essências eram, em seu princípio, a matéria em sua indiferença, porque não tinham ainda sido trabalhadas por esses mesmos espíritos, mas eram distintas. Elas estavam, pois, segundo a linguagem da Escritura, sem forma, ou em sua indiferença, e vazias porque a vida passiva não havia podido ser inserida nas formas, visto que ela ainda não existia. Esse vazio deve ser compreendido como a privação do princípio de movimento necessário a todos os corpos deste universo.
Antes de ir adiante, devo falar do princípio fundamental de toda emanação e de toda criação, que é o número. Os sábios de todos os tempos reconheceram que não poderia haver nenhum conhecimento seguro, seja da parte espiritual Divina, seja da parte universal geral terrestre, seja das particulares, sem a ciência dos números, uma vez que é por esses números que o Eterno fez todos os seus planos de emanação e de criação. O número, sendo co-eterno à Divindade, já que, por toda a eternidade, Deus é, o número, tem, pois, estado em toda a eternidade nele, visto que Deus tem seu número. Porque, se Deus havia podido criar o número, pareceria que ele havia podido criar a si mesmo, o que é impossível, porque nada subsiste sem o número. Ora, Deus sendo o Ser necessário, existindo por si mesmo, conteve, pois, toda a eternidade, todo número. Ele dotou todos os espíritos segundo sua infinita sabedoria e ação eterna. Nenhuma de suas obras saiu de suas mãos sem ser marcada com esse selo: tanto os espíritos emanados como a criação deste universo, tudo tem seu número. Ora, segue-se demonstrativamente que o conhecimento de todas as obras de Deus está oculto no conhecimento dos números. Aí está, pois, meus irmãos, onde devemos procurar admirar as obras do Eterno, não no sentido de nossa forma aparente passiva, mas no sentido de nosso entendimento espiritual Divino e eterno.
Por toda a eternidade, Deus foi um, ou I . Essa unidade nos faz ver a Divindade, uma vez que ela é o princípio de toda a criação; e o círculo que o fecha, contendo em si a unidade, contém tudo o que dele precedeu. Os primeiros espíritos emanados tinham, pois, seu número, os superiores 10, os maiores 8, os inferiores 7 e os menores 4. Seu número, antes de sua prevaricação, era mais forte do que aqueles que damos vulgarmente aos querubins, serafins e arcanjos, que não haviam ainda sido emanados.
Deter-me-ei um pouco a considerar o estado do universo dos espíritos antes de sua prevaricação. Toda a corte da Divindade gozava da mais perfeita paz, nenhuma suspeita de mal existia uma vez que a possibilidade do mal jamais existiu na Divindade: todo ser saiu puro, santo e sem mancha de Seu seio. De onde, pois, veio o mal? O mal não tomou seu princípio senão no pensamento que o chefe demoníaco, que estava livre, concebia dele mesmo, oposto à lei, ao preceito e ao mandamento do Eterno; não que o demônio seja o próprio mal, visto que, se ele mudar desde hoje seu pensamento mau, sua ação mudará também e desde esse instante, não existirá mais o mal em toda a extensão do universo. O mal, repito, (não) teve seu nascimento (senão) no pensamento do demônio oposto àquele da Divindade, pensamento que ele concebeu de seu puro livre-arbítrio e pelo qual separou-se da Divindade; o que originou o binário, número da confusão, como tendo desejado existir independentemente da Divindade ou Criador todo-poderoso.
Deus manifestou sua justiça contra esse espírito perverso, precipitando-o com seus aderentes da corte Divina no círculo do universo; o espaço tendo sido primeiramente criado após sua prevaricação, e tendo sido fechado pelos espíritos do eixo do fogo central, que foram emancipados ao mesmo tempo. É o que quer dizer o salmo: "Non accedet ad te malum" o mal não se aproximará de ti", pela barreira que formam esses espíritos do eixo nas operações maldosas dos demônios. Uma vez que os espíritos do eixo do fogo central receberam o verbo do Eterno, saíram de seu seio as três essências espirituais que ali estavam inatas desde a sua emancipação, e eles modificaram essa matéria em sua indiferença, distinguindo essas essências de maneira que pudessem reter a impressão. Esse trabalho dos espíritos do eixo forma uma distinção das três essências que, em seu lugar nas essências, tudo teve forma, e os diferentes corpos foram criados; e desde que os corpos tiveram forma, os espíritos do eixo inseriram em cada um deles um veículo de seu fogo espiritual , que é o princípio da vida de todos os corpos.
Perguntar-me-ão, talvez, onde residiam todas essas matérias antes do ordenamento que se denomina vulgarmente o caos, e que denominamos a matéria. Responderei que essa matéria sem forma e vazia em sua indiferença, residia na matriz filosófica, assim como a figura seguinte o designa:
O trabalho de todos os diferentes espíritos do eixo do fogo central foi conduzido pela sabedoria do Eterno que a Escritura santa nos representa movendo-se sobre as águas. Ora, nada nos representa melhor a matéria em sua indiferença que uma água sem curso e sem movimento. Era sobre esse princípio das essências que o espírito duplamente forte do Eterno conduzia, dirigia e fixava os limites a todos os diferentes seres deste universo, e conduzia toda espécie de operação de trabalho dos espíritos, fatores operantes ou fabricantes do eixo do fogo central, ou fogo incriado. É essa sabedoria que caminhava diante do Eterno e que aplaudia por santos transportes cada pensamento Divino que o Eterno manifestava pela criação deste universo dizendo:
"Estou em ti e em tuas obras, Criador todo-poderoso, como tu estás em mim e nas minhas obras. Aquele que virá após instruirá tua criatura do culto do qual deves ser servido." O trabalho dos diferentes espíritos do eixo se opera ainda sobre esta superfície e se operará até o fim dos séculos, tal como operaram no princípio para a criação de todos os corpos deste universo; o que farei ver claramente na seqüência destas instruções. No momento, contentar-me-ei em dar a explicação da figura t representando a Divindade. Essa letra hebraica representa um nome inefável da Divindade. É o motivo pelo qual os Judeus jamais pronunciaram, por respeito, esse nome, essa letra; Alef pronúncia que lhe deram, não sendo a verdadeira. c, Bet, segunda característica, representa a ação direta da Divindade; d, Guimel, representa o Espírito Santo conduzindo a operação dos espíritos do eixo; , Dalet, representa o verbo ternário do Eterno, pelo qual ele manifesta aos espíritos do eixo seu imenso pensamento pela criação deste universo .Os três glóbulos que estão na matriz filosófica representam o princípio das essências, ou a matéria em sua indiferença. Ainda que se considere o Mercúrio como sendo o princípio das três essências, não se deve dar a ele, no entanto, uma unidade absoluta, uma vez que não pertencia à Divindade, ou aos espíritos superiores 10, e a nenhuma essência. Assim, essa unidade que se dá a Mercúrio é ternária, e representa as três essências em sua indiferença, em aspecto umas com as outras, sem movimento, sem formas; porque elas não haviam sido trabalhadas, modificadas e operadas pela imensidade dos espíritos agentes, fatores ou operantes do eixo fogo central. Denominamo-no eixo fogo central porque eles são aderentes à corte da Divindade e eternos. Poder-me-iam, talvez, perguntar porque Deus, tendo previsto o pensamento maldoso dos demônios não os conteve nos limites que lhes estavam prescritos? Responderei a essa objeção dizendo que Deus é imutável em seus decretos, seja a respeito do que aprova ou condena sua criatura e que ele não toma nenhuma parte nas causas segundas, tendo fundamentado todo ser sobre leis invariáveis, e a primeira dessas leis é a liberdade. Ora, Deus não pode destruir, em qualquer espírito que seja, seu pensamento sem destruir sua liberdade; se ele destruísse sua liberdade, destruiria a lei que deu a esse espírito desde sua emanação. Ora, a imutabilidade de Deus sendo irrevogável, ele não pode ter de maneira alguma conhecimento do uso que fará de seu livre-arbítrio todo ser livre. Porque, se a Divindade tivesse tido conhecimento pareceria que ela teria permitido o mal, o que é impossível. Deus, sendo necessariamente bom, não pode emanar senão seres como ele, mas distintos em sua personalidade e livres.Ora, Deus não teria podido destruir, mesmo quando tivesse tido conhecimento desse pensamento nesses espíritos, sem destruir os atributos e a manifestação de sua glória e de sua justiça: de sua glória para com os espíritos fiéis, e de sua justiça para com os espíritos perversos. Estejamos, pois, bem convencidos, meus irmãos, de que o Eterno não previu jamais o que não existia efetivamente no pensamento de um ser livre. Porque, se ele pudesse prever o uso de seu livre arbítrio, esse espírito, desde esse instante, cessaria de ser livre. Mas o que a Divindade concebe perfeitamente, é o uso que faz qualquer espírito de seu livre arbítrio. Desde o instante em que esse espírito concebe seu pensamento, seja bom, seja ruim, ele é lido e julgado pela Divindade. O que lhe dá o nome de Deus vingador e remunerador: vingador do ultraje feito à sua lei, e remunerador do bom uso dessa lei para sua maior glória. Vejamos, portanto, bem, meus irmãos, que o princípio ou a origem do mal veio do orgulho. Ora, por uma seqüência necessária, o princípio de todo o bem deve ser a humildade, a paciência e a caridade: a paciência pela necessidade de suportar as fadigas de uma penosa viagem, e a caridade pela necessidade absoluta de suportarmos os erros de nossos semelhantes e de procurarmos corrigi-los tornando-os bons. Essa virtude é tão necessária que uma companhia de perversos não subsistiria vinte e quatro horas se estivesse inteiramente privada dessa virtude. Essa virtude em sua perfeição faz a reunião de todas as outras, visto que é a que mais se aproxima da Divindade. É, pois, meus irmãos, pela prática constante dessas virtudes que nossa união será durável, e que engendrará inúmeros frutos de inteligência, de conhecimento e de sapiência. Estabelecendo uma correspondência mais estreita entre os irmãos uns com os outros, ela tornará comuns os conhecimentos particulares de cada um, e produzirá assim a unidade, que é a base da Ordem.
Felicito-me, meus irmãos, pelo Eterno ter-me dado a graça de vos falar. Estejais bem seguros de meu zelo, de minha afeição e de meu desejo sincero para o bem geral deste oriente.
A graça que vos peço é de aqui colocar cada um o mesmo zelo, e Deus secundará nossos propósitos.
SEGUNDA INSTRUÇÃO
Da Extração, das Essências e da
Matéria na Indiferença
Meus irmãos,
Vimos no discurso precedente o motivo da criação deste universo, ou do tempo , que não deve se compreender senão na duração sucessiva dos diferentes corpos que o compõe, que por seu curso de correspondência formam intervalos iguais cuja medida é o que se denomina vulgarmente o tempo . (Mostrarei, na continuação, como a alma está sujeita ao tempo enquanto está em sua prisão , ou no corpo do homem.) Porque não é necessário pensar que a Divindade possa ser encerrada por algum limite: sua imensidade sendo infinita, nenhuma criação pode contê-la; nem restringi-la. É, ao contrário, a Divindade que contém toda espécie de emanação concernente ao espírito, à criação e ao que diz respeito às formas aparentes. Isso é tão verdadeiro que um espírito puro e simples não poderia estar sujeito ao tempo, uma vez que estando sem corpo de matéria, nenhum corpo dessa matéria aparente pode lhe servir de limite, pois sua lei sendo superior à das formas, ele penetra através de todas as diferentes leis que formam a aparência das formas e ele as comanda e dirige segundo a vontade do Eterno. Eis porque nenhuma parte da criação pode ter sua existência senão pela operação desses mesmos espíritos; o que explicarei ainda melhor na seqüência deste trabalho, quando falarei dos corpos planetários. Continuemos a criação. A matéria, em sua indiferença, residia na matriz filosófica, assim como explica a figura precedente . O Nada não possuía forma. As essências espirituais, sendo um aspecto umas das outras sem movimento, estavam nesse estado que se denomina, vulgarmente, caos. O que rompeu esse estado de indiferença e deu princípio à formação dos diferentes corpos? Foi a operação dos espíritos do eixo fogo central, ou fogo incriado, que haviam emanado de seu seio essas mesmas essências. Qual foi sua operação? Sua operação foi modificar as essências, de maneira a reter a impressão e de formar distinção entre às essências. É essa distinção que dá princípio às formas, adaptando as diferentes divisões e subdivisões do número ternário nas modificações que os espíritos do eixo haviam feito nas essências, isto é, que sua operação tornou a essência de mercúrio mais sólida que as do enxofre e do sal, a do enxofre mais móvel que as do mercúrio e do sal, e a do sal mais fluida que as do mercúrio e do enxofre.
Essa primeira distinção dá primeiramente nascimento ao número senário, uma vez que no primeiro princípio da matéria em sua indiferença, o misto ternário residindo em sua indiferença na matriz filosófica, não formava nenhum corpo aparente, nem suscetível de reter nenhuma impressão. Foram, pois os espíritos do eixo fogo central aqueles que, conforme o pensamento do Eterno, que lhes havia sido anunciado por seu verbo ternário, engendraram por sua operação o número senário, dando a distinção às essências: mercúrio, 1; enxofre, sendo a segunda distinção, 2; o sal, sendo a terceira, 3. Ora, adicionando misteriosamente 1 e 2 fazem 3, e 3 mais 3 fazem 6 . Eis, pois, a manifestação dos seis pensamentos do Eterno; e não dos seis dias que a Escritura atribui emblematicamente ao Eterno, uma vez que, como já disse acima, o Eterno sendo infinito em sua imensidade não pode ter nenhum limite de duração sucessiva, que não é senão a mudança de sucessão ou de relação, dos corpos uns com os outros . Mas o Eterno manifesta pensamentos como os diferentes espíritos executam segundo o plano que lhes é dado. Vemos, pois, que do número ternário veio o senário, uma vez que o verbo ternário do Eterno, estando toda eternidade nele, não pode ter princípio, visto que emanou do Eterno, mas o número senário foi engendrado pela operação dos espíritos do eixo; assim, provo por demonstração a necessidade do fim deste universo uma vez que ele não existe em princípio senão pela operação dos espíritos do eixo, e que a operação de qualquer espírito qualquer sendo finita, não pode durar senão todo o tempo que o Ser infinito o comanda ; o que faz cair por terra a objeção da eternidade da matéria, visto que é impossível que tudo o que teve um princípio possa durar sempre, diante de toda necessidade ter fim.Vemos, pois, o nascimento do número senário quanto às formas. É necessário não confundir os números com os corpos. O número, como já disse anteriormente, é co-eterno, pois, de toda eternidade, o número tem estado em Deus. Mas os corpos não sendo puramente senão aparentes, e não subsistindo senão pela operação dos espíritos, não podem se considerar senão como passivos . Desde que a operação dos diferentes espíritos será infinita, eles cessarão, e não será mais discutido sobre este universo como era antes de sua formação. Denomino a divisão das essências - mercúrio, 1, enxofre, 2 e sal 3 - o nascimento do número senário, uma vez que a operação dos espíritos do eixo que lhe deu nascimento. O princípio de todos os corpos foi, pois, o número ternário; a formação desses mesmos corpos o número senário, que realizou os seis pensamentos que Deus havia tido para a criação deste universo, manifestados aos espíritos agentes, fatores ou fabricantes do eixo fogo central. A partir do momento em que o número senário teve sua realização, as formas tiveram seu nascimento; e para melhor prová-lo, não se tem senão que observar o que segue sobre os três números 3, 6 e 9. O número é a subdivisão das essências em todos os corpos. O princípio de mercúrio é um misto ternário que contém nele enxofre e sal, 3; o enxofre contém sal e mercúrio, 3; o sal contém mercúrio e enxofre, 3. A subdivisão dá, pois, 9; porque a unidade propriamente dita não poderia pertencer aos corpos, ela não pertence senão à Divindade. A unidade atribuída na divisão simples à mercúrio não é considerada senão relativamente ao misto de mercúrio, que é a base das duas outras. O número 9 é, pois, a subdivisão das três essências, ou dos diferentes corpos, assim como segue: 3 à mercúrio, 3 ao enxofre e 3 ao sal fazem 9. Assim, 3 para as essências consideradas em sua particularidade, 6 para a divisão e 9 para a subdivisão; 3, 6. 9/18/9. Eis a origem da matéria.
Resta-nos falar do triângulo, o que faremos na seqüência. No momento, contentar-me-ei em considerá-lo por seu número 1 1: 1 a oeste, 1 ao sul e 1 ao norte dão o número 3, ou ternário, de modo que, acrescentando-o ao produto acima, temos: 3, 6/18/9, 3/12/3. Obtém-se o produto de 3 , que nos faz ver claramente que o complemento da operação dos espíritos do eixo nos dá o número ternário após ter passado pela divisão e subdivisão, sempre para realizar a lei que o Eterno havia manifestado aos espíritos do eixo. O verbo do Eterno era ternário, e a operação dos espíritos do eixo também o era. Adicionemos o verbo 3 à operação dos espíritos do eixo, teremos o número 6. Ora, (o) verbo ternário tendo vindo de Deus, deve retornar a ele, mas o produto ternário dos espíritos tendo vindo de Deus, deve retornar a ele, mas o produto ternário dos espíritos do eixo, tendo tido início, é passivo, ou(melhor) deve terminar. Não havia ali senão o pensamento do Eterno, que forma a lei do universo, e que sustenta toda a criação. As leis de aparência dos diferentes corpos não podem durar uma vez que esta lei (a lei do Eterno) subsistirá, pois é ela quem sustenta essa mesma operação. O Homem de desejo que segue as leis do Eterno não poderia mais conhecer privação, visto que, unindo-se intimamente à lei eterna, a lei passiva das formas não poderia ser um limite para ele.
Vede, pois meus irmãos, um princípio da necessidade que temos todos de seguir essas santas leis, pois à medida que nos aproximamos do Eterno, a Luz se aproxima de nós. Se nós nos separamos dele, as trevas se apoderam de nós. Darei a explicação seguinte às diferentes dimensões do triângulo; no momento, continuarei ainda sobre a criação dos diferentes corpos.
Perguntar-me-ão, talvez, como os espíritos do eixo puderam emanar de seu seio as 3 essências, e como puderam através delas formar todos os corpos deste universo sem nenhuma matéria? Responderei que, desde o princípio de sua emanação, esses seres tinham inatos em seu seio essas três essências, que não devem ser consideradas senão como um produto de sua operação. É, pois, dessa operação única, segundo o pensamento do Eterno, que todas as formas tiveram lugar. Ora, direi que a prova física que esta operação dos diferentes espíritos é a única coisa que dá existência às formas, é que os espíritos que comandam os diferentes corpos deste universo não poderiam ser limitados por esses mesmos corpos, assim como se pode observar que existem homens que vêem no corpo de um homem a circulação do sangue, outros no corpo geral da terra a circulação das águas, outros que vêem, em um altar, ou em uma distância prodigiosa, corpos que os outros homens não poderiam perceber. As virtudes particulares a esses homens nos fazem ver bem que as leis da privação não são as mesmas entre todos os homens, uma vez que a maior parte dos outros homens estão privados de ver as coisas do qual acabo de falar. Se a matéria fosse real, todos os homens veriam da mesma maneira, não haveria para eles todos senão a mesma lei, assim como se pode se convencer pelo pensamento, que é o mesmo entre todos os homens nos objetos eternos como ele, tais como os números. O triângulo , apresentado a todos os homens do universo, dá o pensamento distinto do número ternário, uma vez que um ângulo não é o outro, ainda que as propriedades dessa figura sejam imensas. Mas, no momento em que cada homem o considera, o pensamento que daí resulta pelos números é o mesmo. A superioridade dos homens vem, pois, mais ou menos da pureza que lhes faz observar um maior número de propriedades. Ora, a particularidade distinta de cada homem no que se relaciona aos espíritos vem do pensamento, que é mais ou menos variado em suas propriedades sempre relativas à operação desses mesmos espíritos. A matéria não é, pois, senão aparente, e não subsiste senão pelo trabalho que os diferentes espíritos fazem para nós fazê-la parecer tal como é; não há nenhum dos espíritos que a operando não seja infinitamente superior a ela, uma vez que sua operação sendo finita, e sendo todos eternos, comandam a todos seus trabalhos, que não subsistem senão pela lei do Eterno e que não terão fim senão quando essa lei for realizada. É pois, meus irmãos, do número ternário que toda produção de forma se fez, assim como segue: 1 à Divindade, 2 ao demônio, e 3 às formas que vieram para conter esses mesmos demônios .
Os espíritos do eixo fogo central tiveram toda espécie de faculdade para a produção, a conservação e a reintegração dos diferentes corpos. Não é surpreendente que sua operação tenha produzido este universo, que foi criado para conter os primeiros espíritos perversos, e para servir de barreira a suas operações más, que não prevalecerão jamais contra as leis inalteráveis que o Eterno destinou a cada parte deste universo. O número ternário, como vimos, é a operação que os diferentes espíritos realizaram para conter a confusão. Igualmente, todos os esforços desses espíritos jamais destruirão algum gênero ou alguma espécie dos corpos que compõe essa criação, nem irão alterar em nada sua durabilidade, uma vez que os sustentáculos desses mesmos corpos são espíritos superiores a todos seus antagonistas e tendo Deus em sua mente, enquanto os espíritos maus são continuamente limitados em seus trabalhos de destruição, porque a destruição não podendo ter senão uma força limitada pela desunião que daí resulta se encontra forçada a ceder à união indissolúvel das partes constitutivas do todo, operantes pelo apoio da Natureza, como se pode comprovar lançando uma olhada sobre as reproduções da vegetação. Se o semeador que semeia um campo semeasse trigo ou outro grão, e a metade da produção da vegetação de sua semeadura fosse boa e a outra estragada, não se poderia jamais tirar trigo da terra, visto que a podridão sendo igual à boa vegetação produziria uma mistura desigual que não daria jamais farinha. Ora, está demonstrado que se retira das diferentes sementes que semeamos sobre o corpo geral, ou a terra, mais bom grão do que grãos ruins, pois todos os seres de forma aparente que estão sobre a superfície da terra deles se alimentam. Essa indução pode nos levar a observar que o mesmo acontece para todos os diferentes corpos que são sem cessar atacados e que subsistem a todas as doenças. Entretanto, após o início deste universo, nenhum gênero dos diferentes corpos foi destruído. O que deve nos convencer da superioridade da operação dos espíritos operando para o bem sobre àqueles que operam para o mal: uma é benigna e pura, santa e durável; e a outra é impura e passiva, pois desde que o universo tiver feito sua reintegração, a operação dos maus espíritos contra ele terminará, ou, ainda, que aquela de todos os espíritos contra ele terminará, ou, ainda, que aquela de todos os espíritos bons que contribuíram com sua produção, sua manutenção e sua reintegração, começará um novo gênero de ações seguindo as leis santíssimas que agradará ao Eterno traçá-las . Eis, meus irmãos, ( aqui parece que falta um trecho) pelo número ternário.
No discurso seguinte falaremos das diferentes propriedades do triângulo e da emanação do homem.
Convido a todos a uma união eterna e indissolúvel que nada possa alterar. Vossa constância em vos unir será o selo de vossa felicidade. Uni-vos a mim para rogar ao Eterno que nos dê a todos a graça de caminhar cada vez mais na Luz. A Ordem que abraçastes é a depositária da Luz que deve vos conduzir. Vossa exatidão, vosso zelo e vossa perseverança em segui-lo serão amplamente recompensados, e, enquanto tudo conspira para afastar o homem de seu princípio, sereis o depositário do rumo que deve ali conduzir o homem para não mais dele se afastar. Que a caridade esteja eternamente em todos nós.
Amém!
TERCEIRA INSTRUÇÃO
DA MODIFICAÇÃO DAS ESSÊNCIAS E DAS DIVERSAS
PROPRIEDADES DO TRIÂNGULO
Meus Irmãos,
Vimos pelos discursos precedentes a matéria em sua indiferença residente na matriz filosófica; seguiremos agora os diferentes trabalhos dos espíritos do eixo fogo central que darão forma a essa quantidade informe de essências espirituais.
O Eterno, tendo concebido criar este universo para ser o asilo dos primeiros espíritos perversos e para conter a sua operação ruim, que não prevalecerá jamais contra suas santas leis, apareceu-lhes, em sua imaginação pensante Divina, (n)a forma do triângulo eqüilátero, para ser a do regente deste universo, ou do homem, e do corpo geral, ou da terra, e por ser a (forma) da operação de todos os corpos imensos deste universo. Ora, como nenhum pensamento pode ficar no Eterno sem ação, ele lançou fora de seu seio seu verbo de criação que estava no centro do triângulo eqüilátero, e o fez descer entre os espíritos do eixo fogo central para que eles o executassem conforme seu conteúdo. A seqüência deste discurso fará ver que o triângulo eqüilátero contém não somente todos os números de forma deste universo, mas ainda todos os números co-eternos.
Essa figura, famosa entre os antigos e considerada com muita veneração, nos anuncia bem que ela encerra grandes coisas. Com efeito, é pelo triângulo que nós (nos) elevamos a todos os conhecimentos, sejam espirituais Divinos, sejam espirituais temporais. O triângulo eqüilátero continha, em seu verbo ternário, a lei, o plano e a operação de todos os corpos deste universo. Isto foi (mostrado) aos espíritos do eixo fogo central o que representa o plano de um soberbo palácio aos maçons que o executam : tendo inatos neles os materiais convenientes a essa execução, não é surpreendente que eles o tenham executado com muita regularidade, ordem e proporção, pois a própria sabedoria do Pai dirigia a execução desse plano e presidia os diferentes trabalhos necessários e fixava em todo ser o limite que deveria ter. O aspecto da figura do triângulo inscrito no círculo nos dá claramente a idéia de um número ternário por seus três ângulos: damos a oeste ao ângulo saliente inferior, o sul ao segundo e o norte ao terceiro. Esses três ângulos nos dão a idéia da divisão que os espíritos do eixo deram à matéria da universalidade das formas, modificando as essências segundo a forma triangular, isto é, dando a parte sólida ao oeste, que denominamos mercúrio, a parte fogosa ao sul dado ao enxofre, e a parte salina ao norte dada ao sal, ou a parte aquática. É positivamente essa distinção que dá forma a todo universo. Mas, para melhor fazer sentir, darei uma imagem palpável na formação de uma criança no seio de sua mãe.
Se observamos o seminal reprodutivo, não somente do corpo do homem, mas da maior parte dos animais, ele nos representa a matéria em sua indiferença. Não se dirá que ele dá os indícios de um misto modificado, visto que não tem positivamente forma; do mesmo modo foi a primeira essência que os espíritos do eixo central extraíram de seu seio. Esse seminal inserido na matriz, que serve de forno para o cozimento do embrião, é primeiramente trabalhado pelos espíritos do eixo e os espíritos elementares, que modificam o mercúrio e formam uma distinção. A partir do momento em que a distinção está formada, o embrião tomou forma, isto é, desde que a essência de mercúrio, que constitui a parte óssea, ficou distinta da parte sulfurosa que forma o sangue, e da parte salina que forma a carne. Desde então, o embrião tomou corpo, o que acontece no término de quarenta dias. Como todos os sábios do universo sabem fisicamente que o ser espiritual Divino desce no corpo da criança residindo no centro da matriz e nadando no fluído, coberto por um véu ou envelope, não duvidemos, meus irmãos, que esse trabalho que se faz para a formação da criança não seja realmente o mesmo que se faz para a criação deste universo. Os espíritos do eixo possuíam desde sua emanação uma essência espiritual que podemos considerar como seminal produtivo das formas. Do mesmo modo que esse seminal é operado da matriz, igualmente eles o operam na matriz filosófica, que se pode ainda considerar como a matriz do universo.
Mas qual foi o plano que seguiram os espíritos do eixo? Esse foi, como já disse, o triângulo eqüilátero (veja a figura). Damos 1 a mercúrio no oeste, formando o sólido; 2, ao enxofre no sul, formando o fogoso; e 3, ao sal, no norte, ou fluído. A unidade é ainda dada a mercúrio, como tendo sido o primeiro misto; 2 ao enxofre como tendo sido o segundo; e 3 ao sal, como tendo sido o terceiro, o que nos dá claramente o número da fatura, 6, como diz a Escritura emblematicamente que Deus emprega 6 dias para a formação do universo. Ora, sabemos que Deus é um ser infinito, todo-poderoso e sem limites. O que é sem limites não pode estar sujeito ao tempo. Assim, os seis dias significam que Deus empregou seis pensamentos para a formação deste universo, e a prova disso é palpável, porque todos os corpos trazem consigo a imagem.
Qual é agora o plano que esses mesmos espíritos seguem para a formação do corpo da criança? A imagem deste universo, que não é outra coisa senão a repetição daquela do triângulo. O corpo do homem tem uma figura triangular eqüilátera perfeita e contém resumidamente tudo o que o universo contém em sua imensidão, o que fez com que os sábios denominassem o corpo do homem o microcosmo, ou o pequeno mundo. Vemos, pois, uma semelhança perfeita da operação dos espíritos do eixo para a formação do universo, como aquelas que fazem ainda todos os dias para a formação do corpo de uma criança. Em uma, eles seguiram o plano que o Eterno lhes enviou, que é o triângulo eqüilátero no centro do qual estava o verbo ternário da criação. Os mesmos espíritos empregam, na outra, para a formação do corpo da criança, o plano de todo este universo: o que farei ver em detalhe na seqüência, demonstrando, na enumeração de todas as partes do corpo do homem sua similitude com aquelas do grande mundo ou o universo, que distinguiremos em três partes, a saber: o universal, que é dado no círculo do eixo fogo central, o geral dado à terra, e o particular dado a todos os seres espirituais Divinos e animais espirituais deste universo.
Os diferentes espíritos do eixo executaram, pois, o plano que o Eterno lhes havia manifestado por seu verbo de criação no centro do triângulo eqüilátero. No primeiro princípio, o misto de mercúrio em sua indiferença era ternário, visto que a unidade propriamente dita é puramente espiritual e não poderia pertencer às formas; mas se considera as essências na matriz filosófica como sendo sem movimento, em aspecto(?) umas das outras. O trabalho que fizeram os espíritos foi de distingui-los; de onde vemos nascer os diferentes números de criação, a saber: 3 para essas três essências, 6 para a subdivisão simples, como o dissemos acima, e 9 à subdivisão, porque essas três essências sendo mistas, contém, ainda que distintas, cada uma, uma parte umas das outras. Adicionai os três números: 3, 6, 9/18/9. Dão 18 que adicionado a ele mesmo, dá 9. Adicionai ainda a esse 9 os três ângulos do triângulo eqüilátero: 9 e 3 fazem 12/3. Vemos, pois, que o plano que apareceu na imaginação do Eterno era ternário, visto que era um triângulo eqüilátero. Assim, os espíritos do eixo operaram na criação deste universo o número ternário, pois todos os corpos deste universo, tanto celestes como terrestres, contêm esse número, após as quatro operações de produção, divisão, subdivisão e de figura: o que se pode observar em toda a natureza, uma vez que não se vê senão da terra dada ao sólido mercúrio, do fogo dado ao enxofre, e da água dada ao sal. É necessário evitar fazer quatro princípios, como os homens de trevas deste século, que distinguem a parte aérea. Não há aqui positivamente senão três princípios. O ar não é senão uma água rarefeita e, se quisessem dividi-la, encontrar-se-ia ainda o número ternário: a água, o ar e o éter que qualificamos cristalino e que a Escritura Santa denomina as águas superiores. Toda a diferença que existe entre essas águas com aquelas que rodeiam o corpo geral, ou a terra, é que quanto mais elas descem, mais elas têm peso, o que se pode verificar pela diferença do ar de uma parte baixa com o que se respira sobre uma parte elevada; um é espesso e o outro é rarefeito, e o é em razão da elevação . Todas as formas tomaram seus princípios dessas três essências e é por elas que são alimentadas durante sua fase de produção, de vegetação e de reintegração, o que forma a duração sucessiva dos diferentes corpos deste universo, que não podem durar, em razão da vida, da forma e da figura na medida em que são alimentados pelo misto de sua natureza.
De onde demonstro fisicamente que nenhum ser espiritual Divino pode ter a vida espiritual Divina sem estar unido ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, porque (tanto) os corpos mais brutos deste universo, como os mais ornados e os mais perfeitos, foram criados por ordem do Eterno para ver uma imagem palpável do que se passa na parte espiritual Divina.
Vemos, pois, a similitude que há em razão da semelhança do ser espiritual Divino: um é eterno e outro é passivo. Entretanto, como o passivo foi criado para servir de prisão ao ser menor eterno, ele contém não somente em si sua existência particular, mas serve ainda de livro de lei a esse ser espiritual Divino. Eis as tábuas famosas que Moisés portava em suas mãos, descendo da montanha! Uma, na mão direita, figurava a lei que o Eterno animou no ser menor espiritual Divino, e aquela da mão esquerda figurava a lei que ele animou na forma, para constituí-la em força durante o tempo de seu curso temporal.
Do que se trata, pois, meus irmãos? Trata-se de fazer descobertas imensas e de passar sua vida na meditação? Absolutamente não. Trata-se de seguir, cada um de nós, essa lei inefável que Deus gravou em cada um de nós e que fala sem cessar a nós mesmos. É escutando a voz daquele que nos a apresentam sem cessar, que chegaremos a descobrir as coisas que nos foram ocultas pelo véu que deixamos colocar sobre as tábuas da Lei, de forma que Israel força Moisés a colocar um véu sobre sua cabeça ao lhe ler a Lei, porque suas almas não estavam suficientemente puras para suportar o aspecto de fogo que saíam da cabeça de Moisés. Ora, todos os homens têm esse véu enquanto fazem o mal e o rasgam ao fazer o bem. Aquele que o tem nas mãos é o ser mais perfeito. É, pois, em direção dessa luz Divina que devem se dirigir todas as nossas pesquisas na medida em que aquele que trabalha para aí chegar, emprega sua vontade.
Todas essas verdades estão demonstradas a cada dia sob nossos olhos pelos diferentes seres que nos cercam e que não alcançam êxito em nenhum empreendimento de qualquer natureza que seja, senão pela constância que têm a seguir. Ora, essa constância parte de um grande desejo de conhecer a fundo o que se procura. Citarei a esse respeito o exemplo de um homem que caiu em um poço bem profundo, e que se encontra só. É preciso, para que ele saia dali, que dê o impulso necessário. Se, quando está quase no meio começa a se impacientar por não chegar em cima, corre o risco de tornar a cair, e se sua impaciência continua, corre grande risco de perder as forças necessárias para dali sair, mesmo com todos os socorros humanos.
Acabamos de ver como o triângulo contém em si as diferentes dimensões das formas aparentes e que é por ele, segundo a lei do Eterno inserida no centro do dito triângulo, que a imensidade dos espíritos do eixo fogo central operou todas as formas deste universo. Farei ver no discurso seguinte como se fez a explosão das formas contidas na matriz filosófica. Resta-me recomendar-me a vossas preces e de vos rogar que vossas reuniões adquiram a maior regularidade e que sejam seguidas sem nenhuma interrupção; o que peço de toda minha alma ao Eterno e que ele esteja sempre com todos nós. Amém. Amém. Amém. Amém.
QUARTA INSTRUÇÃO
DA EXPLOSÃO DAS FORMAS E DA NECESSIDADE DO QUATERNÁRIO
Meus irmãos,
Desde que a imensidade dos espíritos do eixo foi modificada, as essências que haviam extraído fora de seu seio no ponto de reter impressão, isto é, que distinguiram os três princípios em sólido dado ao mercúrio, em móvel dado ao enxofre e ao fluído dado ao sal. A partir desse momento, tudo toma vida pelo veículo eixo central, que os espíritos inseriram em cada corpo para servir de ponto de reunião à operação desses mesmos espíritos para a produção, vegetação e reintegração; desde então, o vazio de que fala a Escritura cessa. Não se pode entender o vazio senão pela privação desse veículo em todos os corpos, de forma que o que ela diz, que tudo era sem forma, deve se compreender a indiferença da matéria de seu princípio, pela ausência da modificação e da distinção que dá forma ao que era informe, e vida ao que estava privado dela. A matéria residindo na matriz filosófica conforme os espíritos do eixo o haviam emanado fora si mesmos, era em sua indiferença, 1. Os espíritos do eixo a modificaram, e, desde que seus princípios foram distintos em seus mistos, tudo teve forma, 2. Após tudo ter forma, eles deram, para formar a vida ou o movimento de todos os corpos, seu veículo eixo central em todos esses corpos, 3.
Paremos aqui. Os espíritos do eixo, tendo feito todo esse trabalho, realizaram a lei, o preceito e a ordem, que estavam inatos neles desde sua emanação, executando seis pensamentos do Eterno contidos no triângulo eqüilátero, imagem que o Eterno havia concebido para a criação deste universo e daquele que devia ali presidir, e no verbo ternário residindo no centro do triângulo tal como a figura do discurso precedente o representa, e dá claramente a idéia do número ternário, visto que qualquer homem que seja do universo não poderá refutar que o ângulo do oeste não é o ângulo do sul, o ângulo do sul não é o ângulo do norte e o ângulo do norte nada tem dos dois outros, o que dá claramente a idéia do número ternário.
O verbo que estava no centro é também ternário, como o demonstrarei pela figura apresentada abaixo.
Considerai o triângulo inscrito nos três círculos. Não é necessário ser matemático; a natureza age mais simplesmente que seus procedimentos fatídicos e puramente materiais. Não é preciso senão dois olhos para ver que o centro é o gerador do triângulo; e não somente dele, mas de toda a figura. Para se convencer disso, não temos senão que observar a dificuldade que temos em descrever um triângulo eqüilátero sem seu centro, que se descreve com facilidade desde que se parta desse triângulo. A natureza escolhe sempre a mais simples via, e tudo que não está marcado nesse selo deve ser observado como apócrifo. Não somente o centro é o gerador do triângulo, mas ele é também sua vida: as três linhas que partem do centro nos fazem ver sua relação íntima com os três ângulos. Se essa relação cessasse, o triângulo eqüilátero estaria morto, isto é, ele teria uma outra figura que não seria mais a sua. Ora, a figura do triângulo eqüilátero contendo todos os números co-eternos, não pode pois morrer, uma vez que ela foi produzida pelo pensamento direto do Eterno.
Ora, o que sai dessa fonte inefável e imprevisível como ela, é positivamente o plano dos espíritos do eixo, como farei sentir bem claramente. Não é verdade que uma vez que os três princípios, mercúrio, enxofre e sal, tendo sido distintos, formaram todos os corpos deste universo? Atenho-me àquele princípio do corpo geral, ou a terra, que é um triângulo eqüilátero. Não é verdadeiro que esses três ângulos terrestres, ou de toda forma qualquer, não poderiam ter aqui movimento, nem vegetação, nem produção alguma, sem esse veículo que é a vida de todos os corpos? Ora, vejamos bem, fisicamente, que esse veículo é ternário: por uma de suas modificações ele opera sobre mercúrio, por outra ele opera sobre enxofre, e pela terceira opera sobre o sal. Se ele não tinha o número ternário, não poderia acionar sobre os três princípios dos diferentes corpos, por uma lei imutável que o Eterno estabeleceu no universo dos espíritos como na dos corpos, que nenhum ser pode se unir a um outro se ele não tem princípios da natureza desse ser. Ora, todos os corpos do universo se unem uns aos outros, o que prova bem claramente que todos eles têm os mesmos princípios. Vemos, pois que a vida de todos os corpos é necessariamente ternária, para poder manter os três princípios do misto que os compõe. Isto é tão verdadeiro que a retirada desse veículo produz o que se denomina vulgarmente a morte do corpo, e que nós chamamos reintegração.
Se existe algum incrédulo sobre o acima citado, eis uma experiência para convencê-los. Quando tu procuras bem longe no universo, oh! homem, minhas obras, tu ignoras que elas estão junto a ti; procura-as, não nos livros, compilação da imaginação orgulhosa de tuas semelhanças, mas em minhas obras mais simples. Observa tua fornalha, para te convencer que a reintegração do corpo vem da retirada do veículo. Observa que tu tens necessidade de sair desse veículo, primeiramente do fogo, 1, que se comunica com aquele de uma pedra, 2, e que dá, enfim a explosão a um fogo mais sutil, que é aquele do enxofre contido no de um fósforo, 3. Pode-se considerar o fogo desse fósforo como o gerador daquele da lenha. O fósforo, 1, ocasiona o fogo da lenha, 2, e o da lenha aquele do aéreo, que é a chama, 3. Vejamos agora sua reintegração e comecemos pelo aéreo dado ao sal. A fumaça, 1, começa a se reintegrar em seu princípio, o ar ou o sal; o fogoso, 2, se reintegra em seu princípio solar, ou enxofre; e, enfim, mercúrio, corpo sólido, fica sobre a superfície terrestre compondo a cinza, 3.
Vemos, por todos esses exemplos, que a matéria tomou forma pela disposição das três essências, e que as formas tiveram vida através do veículo. Da mesma forma ocorre com a ruptura da matriz filosófica, que se fez pela retirada do espírito duplamente forte do Criador, que continha em privação do movimento todas as formas contidas do matriz. Mas, uma vez que ele viu que elas haviam sido formadas pelos espíritos da eixo, e que eles tinham operado segundo o pensamento de seu Pai eterno, esse Verbo do Pai rompeu a barreira que havia colocado em todos os corpos e lhes traça, assim como aos diferentes seres espirituais Divinos que os conduziam, as diferentes operações que deveriam seguir, tanto foram ações espirituais Divinas como leis de curso para os diferentes seres corporificados. Ora, a ruptura da matriz filosófica, ou o que denominamos vulgarmente, o caos, começa a se fazer no lugar que o corpo geral, dirigido nessa atividade pela Sabedoria, vem tomar no centro do círculo universal, o corpo geral devendo ser por sua forma triangular, o ponto central da operação dos diferentes corpos de todo o universo; o que demonstrarei ainda melhor na seqüência quando falarei dos corpos celestes.
Desde que o corpo geral tomou seu lugar, os corpos particulares tomaram os seus, que lhes foi da mesma forma fixado pela Sabedoria Divina do Pai. Veremos ainda o número ternário pelo círculo universal, o corpo geral e os corpos particulares. É da reunião de ação dessas três classes de seres deste universo que toda a vida passiva, e que a lei das formas aparentes subsiste durante seu curso de vegetação, produção e até o momento de sua reintegração; aquilo que se vê com os olhos da forma, que, sem a ação espiritual dos espíritos do eixo fogo central que acionam sem cessar sobre todos os corpos, sobre o veículo eixo central que eles ali tem inserido, sem a reação do astro solar, nada, não tendo vivificação nessa superfície, nada poderia produzir.
Observai bem, meus irmãos, que, desde que o universo teve seu lugar, conforme o Eterno o concebeu em seu pensamento, ele foi apresentado por nosso Divino mestre, que lhe mostrou sua obra realizada, para que ele se dignasse lhe conceder o selo de sua bênção. É esta bênção, ou essa dedicação do templo universal feita ao Eterno, que nos faz conceber o princípio do número quaternário feito de corpos e do número setenário. Farei ver, por tudo o que foi precedido, que o universo, sendo senário por seu duplo ternário de forma aparente e de vida de forma, foi feito sobre o plano como o Eterno havia enviado aos diferentes espíritos do eixo, por seu verbo ternário ao centro do triângulo, porque as três essências são para seu veículo o que o triângulo é para o verbo do Eterno. É esse verbo que Deus concebeu e manifestou, no centro de seu triângulo, aos espíritos do eixo fogo central, que sustenta todo este universo, da mesma forma que o veículo faz a sustentação de todas as formas. O veículo termina em sua reintegração entre os espíritos do eixo que o produziram, no lugar que o verbo do Pai, sendo eterno, subsistirá para sempre no Ser todo poderoso que o emanou, após ele ter reintegrado dentro de si mesmo.
O número quaternário teve seu início na união que o Eterno fez de todo seu universo em lhe dedicando e formando a vivificação de todos os espíritos, de todas as vidas e de todas as formas, e servindo de centro vivificante, vivo e de vida eterna para os seres espirituais Divinos e de vida de produção, vegetação e reintegração, durante o período de duração de todas as formas deste universo.
Deus é tão essencialmente essencial à duração de todo ser deste universo como um grão de areia não pode ter forma senão quando estiver unido a ele. O grão de areia contém as três essências e o veículo, 6. Ora, o próprio veículo não pode ter vida senão quando está vivificado. Ora, a vivificação pertence necessariamente a Deus, que mantém sem cessar todo o universo dos seres, o que forma o número quaternário: as essências, 1: a forma, 2: a vida, 3; e a vivificação, 4. Igualmente, dividindo as três essências, 3, a vida das formas, 3, dá o número senário, 6.
A vivificação não pode ter lugar senão pelo setenário: é o raio dividido seis vezes, que é engendrado pelo centro, e que forma seis triângulos eqüiláteros, para mostrar que a lei do Eterno é universal, uma vez que é impossível descrever um círculo sem partir do centro. O centro está para o círculo assim como o veículo está para todos os corpos. A ignorância dês-se centro torna o círculo inútil para todo homem que quer operar sobre ele, e a retirada do veículo torna toda forma sem movimento, em putrefação, e faz cessar definitivamente sua lei de aparência para sua reintegração.
Façamos melhor sentir a necessidade do número quaternário. O eixo central, 1, produz e mantém todos os corpos deste universo, 2; o sol os vivifica, 3. Ora, como o círculo eixo central está em comunicação direta com os sobreceleste, ele tira a vivificação, que as comunica, da Divindade, 4; o que nos faz ver que, desde o cedro até o hissopo, desde o inseto até ao elefante, desde a baleia até ao icnêumon, tudo subsiste neste universo pelo número formidável quaternário, como sendo aquele da Divindade, e que completa sua quatriple (em francês quatriple, expressão criada por Martinez de Pasqually, significando o quaternário criador que deriva da Trindade Divina) essência indivisível, imutável, infinita e inalterável. Indivisível, porque nada pode subsistir senão por sua união e que, fora dele, tudo deixa de ser, mesmo enquanto vida espiritual Divina, uma vez que ele cai na morte da privação eterna; imutável, porque ele não muda jamais, sua natureza sendo inesgotável; infinito, visto que ele é co-eterno à Divindade, sem princípio nem fim; e inalterável, porque é através dele que a Divindade opera toda emanação, toda criação, toda reintegração. É enfim por ele que toda lei Divina opera, tanto sobre os seres mais perfeitos dos espíritos eternos como sobre os seres mais brutos de forma aparente dessa superfície, visto que nada pode ter forma, movimento e via senão por ele, e que nada pode existir senão por sua união. É, enfim, ele que nos faz ver o Pai, o Filho, o Espírito Santo e o menor.
No discurso seguinte, falaremos das diferentes produções da natureza das diferentes formas deste universo. Pelo presente, observemos, meus irmãos, que tudo o que disse nos discursos precedentes, e que acabei de dizer, nos prova que este universo teve forma e já começa a operar, antes que o homem houvesse saído do seio do criador. Esse assunto será tratado na sexta instrução, onde abordarei, com o amparo do Eterno, de sua emanação.
Amém!
QUINTA INSTRUÇÃO
DAS DIFERENTES PRODUÇÕES DA NATUREZA E DAS DIFERENTES
FORMAS DESTE UNIVERSO
Meus Irmãos,
Este vasto universo, criado pelo pensamento todo-poderoso do Eterno, oferece muitas belezas que se pode contemplar em detalhe. Os três círculos da figura acima são as três principais partes que vivificam a superfície do corpo geral terrestre. O primeiro desses círculos, denominado círculo universal, é composto de um número imenso de espíritos fogosos eixo fogo central, que acionam sem cessar sobretudo o que tem vida neste universo, como contendo um de seus veículos. A ação desses espíritos é tão prodigiosa que ela consumiria logo todos os corpos celestes e terrestres; mas a Sabedoria eterna ali providenciou o segundo círculo que chamamos cristalino, que é composto também de um número prodigioso de espíritos, cuja ação benigna aquática, úmida, acalma o grande fogo dos primeiros. O terceiro círculo é composto por espíritos elementares que nos rodeiam. É através desses três círculos que toda a natureza se mantém.
A prova física do que digo desses círculos se encontra nos três ângulos do triângulo eqüilátero de nossa terra, que nos mostra a ação desses três círculos sobre ela. O ângulo do oeste contém todos os sólidos; é nele que se encontram todas as rochas; corresponde também a mercúrio. A ângulo do sul corresponde ao enxofre; também notamos que esse ângulo da terra está repleto de fogo, todos os vulcões ali parecem reunidos. O ângulo do norte, que corresponde ao sal, reúne todos os gelos que, como todos sabem, não é senão um sal congelado, uma vez que se faz gelo através do sal, etc. A reunião desses três ângulos e desses três círculos nos dá o número senário, que nos faz ver os seis pensamentos do Eterno.
A parte superior alimenta a inferior, da mesma forma que a boca, que não é senão por onde passam os alimentos, nutre o resto do corpo: da mesma forma ocorre com toda a superfície terrestre. Uma prova palpável de que não há ali senão três elementos, a terra, o fogo e a água - e não o ar, que não é senão uma água mais rarefeita, que corresponde aos três reinos: não há seguramente nenhum reino na parte aérea. Tudo o que aqui é nasceu sobre o corpo geral, ou a terra, e ela mesma está contida nesses três reinos. Toda a espécie volátil nasceu sobre a superfície terrestre e não pode mesmo se sustentar sobre o aéreo senão por um movimento contínuo que lhe faz bem sentir, pela fadiga que lhe dá, que ela não é feita para viver no ar, como o peixe, por exemplo, que põe seus ovos e se reproduz na água. Não ocorre o mesmo no aéreo: todos os insetos que aparecem nessa parte começaram a nascer aqui embaixo, e a prova disso está bem clara, porque não existe nenhuma espécie que não se alimentasse dos alimentos que estão sobre essa superfície.
Os diferentes reinos que estão sobre a terra nos provam ainda a virtude do número ternário: o vegetal, o mineral e o animal são considerados cada um em seu particular como particularidades distintas dos outros. Entretanto, que número prodigioso de seres de forma aparente não contém cada um particularidades em seu particular? O que nos dá ainda uma confirmação do que digo nesses discursos precedentes sobre o misto ternário que compõe todos os corpos, mercúrio, enxofre e sal; eles estão, com efeito, em todas as formas do universo como os três reinos estão em todos os corpos da terra. Da mesma forma que esses três reinos encerram uma prodigiosa quantidade de seres de formas diferentes, que vem habitar em cada um desses três reinos, igualmente a modificação prodigiosa de todas as formas universais se acomodar sob o misto ternário de mercúrio, enxofre e sal, como sendo o gerador, o sustentáculo e o alimento de todos os corpos. Assim que eles cessam sua união, não há mais formas; o que se pode ver pela reintegração do enxofre, que se opera sobre o corpo da madeira de uma lareira: logo que a essência sulfurosa reintegrou, não existe ali mais forma; enquanto ela ali estiver, o corpo não está destruído. Como no carvão: existe ali uma forma, mas no momento que o carvão recebeu uma nova ação fogosa que reintegrou o que lhe restava de sua parte sulfurosa, não resta mais forma senão a cinza; se colocamos novamente esta cinza em um grande fogo, ela se reintegra também.
Perguntarei agora: o que dá a forma a essa madeira? Que são as leis essenciais que a compõe? E o que deu o número de sua figura? Responderei que a forma está inteiramente dissipada, uma vez que dela não se tem mais nenhum vestígio; que essas essências estão reintegradas na parte elementar, mas que ali sempre resta o número, e eis como eu o provo. O número é co-eterno, assim como o fiz ver nos discursos precedentes; as formas, por mais que variem, não possuem senão uma pura aparência, os espíritos que as formaram produziram e lhes comunicaram seu número. Eles não podem pois perdê-lo; é absolutamente necessário que ele retorne a eles, tal como eles o deram. Os espíritos do eixo receberam desde sua emanação o número ternário. É preciso que o que se opera porte o número de seus fatores, agentes ou fabricantes, visto que é por esse número de seus fatores, agentes ou fabricantes, visto que é por esse mesmo número que operam sobre todos os corpos que saíram de seu seio. Eles ali operam por seu número ternário: é preciso, pois, que esse mesmo número do corpo qualquer retorne à sua fonte primeira, visto que o número não tem seguramente nem figura nem forma alguma, ainda que nós não possamos concebê-lo sem tal. Mas sentimos bem, por exemplo, que um espírito não tem forma; e o mesmo ocorre com o número. Vemos, pois, por isso, que toda a matéria não subsiste, não tem forma e duração, senão pela operação contínua dos espíritos dos eixo fogo central que produzem, senão através dos espíritos cristalinos que a modificam, e através dos espíritos elementares que lhes dão seu sustento pela parte de influência que lhes comunicam segundo a receberam pela supra-celeste Divindade.
Não é preciso crer que o número prodigioso de espíritos que mantém todos os corpos deste vasto universo, tenham eles próprios necessidade de receber uma matéria real subsistente para mantê-lo. Realmente não. Esses espíritos têm inato em seu seio, desde sua emanação, a faculdade de extrair essências espirituais e de mantê-las, como um pai alimenta seu filho, porque ele tem o que lhe fornecer para comer: o mesmo acontece com os espíritos. Eles têm tudo o que pode manter a produção, a vegetação e a reintegração de todos os corpos deste universo, sem que ele necessite de um veículo de matéria real existente, visto que a matéria não tem realidade senão por sua aparência, e que sua aparência não subsiste senão pela operação desses mesmos espíritos, que é puramente espiritual, distinta desses espíritos puros e simples, em que os espíritos ternários são dotados de toda espécie de faculdade, de movimento e de correspondência para a manutenção de todos os corpos, mas eles não têm a inteligência nem o pensamento que são dados aos espíritos puros, tais como o homem, etc. Eis o que significa a ação espiritual, e pode-se qualificar de movimento, visto que a ação propriamente dita pertence a seres superiores àqueles dos quais falamos e é puramente espiritual, o que se pode conceber pela diferença imensa e incomparável do pensamento como toda espécie de movimento dos corpos. Pode-se fazer muitas vezes a volta no universo através dele em um instante; enquanto que para deslocar o mais pequeno ser da superfície a uma distância qualquer é necessário um tempo sensível, o que não se refere de modo algum ao pensamento, que não tem limite e que não está sujeito ao tempo.
Os corpos não são pois o que as crianças nos fazem ver sobre o vidro onde colocam água e sabão e com um canudinho formam um corpo aparente que tem seu cheio ou seu peso, sua medida ou sua figura, e seu número que é a operação dos agentes das formas. Assopra-se esse corpo aéreo a uma altura acima daquela onde se formou: a reação que ele opera caindo lhe faz romper sua união, ele se reintegra no aéreo, sem que reste dele o menor vestígio aos olhos daqueles que o vêem. O mesmo ocorre em todas as formas: tudo o que tem princípio deve ter um fim. Esse corpo, cuja duração nasceu em um instante, é a imagem real dos corpos sólidos da terra, tais como os diamantes, as pedras, as rochas mais duras. Sua reintegração se dará pelas mesmas leis que as das bolhas de sabão, cada um seguindo a modificação do que a compõe. Também não podemos mais conceber uma matéria real existente que não podemos conceber o uso contínuo de um hábito sem usá-lo. Um hábito forma todos os dias sua reintegração e tem necessidade de ser renovado; o que nos faz ver a duração sucessiva dos diferentes corpos que não subsistem senão pela operação contínua dos diferentes seres que os acionam, que podemos ver no fim contínuo desses mesmos corpos no final deste universo aparente. Apressemo-nos a considerar o instante em que todos os seres não terão mais limites senão aqueles que eles mesmos se derem, pelo uso de seu livre arbítrio que terão conquistado aqui em baixo.
O Ser todo poderoso que preside a tudo e cuja bondade infinita se faz sentir em todos os seres, não contente de ter gravado com características inefáveis as santas leis em nossas almas e em nossos corações, quis ele próprio dar o exemplo daquilo que devíamos seguir para participar da felicidade de seus eleitos. Suas três santas manifestações de glória começam com Adam, 1; são renovadas sob a posteridade de Adão pelo santo homem Enoch, 2; continuam em Noé, 3, à reconciliação da terra; assinalaram enfim sua potência sob Abraão, 4; depois sob Moisés, 5, na libertação do povo eleito. A mesma libertação se fez ver sob Zorobabel, 6, pelo retorno do cativeiro da Babilônia, vindo a formar o centro de suas operações espirituais Divinas; pela regeneração do menor, pelo nascimento de nosso Divino mestre Jesus Cristo, que veio colocar o selo nos menores que se tornaram, se tornam e tornar-se-ão dignos pela 7ª eleição que fez no centro de seu receptáculo, que deveria ser o ponto de reunião de todos os espíritos que uniram sua vontade à sua, participando das promessas do Eterno, do fruto de tantos eleitos, da ação do Espírito Santo, da operação de tantas graças, da destruição da barreira que nos separava da comunicação Divina pelo pecado de nosso primeiro Pai, da operação dos apóstolos, dos profetas e dos patriarcas, dos dons inefáveis do Espírito Santo, e mais que tudo isso, do sangue precioso de Jesus Cristo ofertado ao Eterno para nossa santificação e aspergido sobre o ser espiritual Divino e sobre a forma aparente de cada um de nós que desejamos seguir as santas leis que ele nos traçou durante sua vida.
Unamo-nos todos com um só pensamento, vontade e ação para chegar ao altar de suas compaixões no santo tempo da semana santa, onde o universo inteiro celebra a morte de nosso Divino Salvador; morramos todos com ele ao mundo, a seu orgulho e a suas cobiças, para ressuscitar com ele, com o hábito da santificação, ou com o hábito de uma nova vida toda espiritual Divina, inteiramente devotada a seguir em tudo às santas leis, preceitos e mandamentos do Eterno. Deus nos faça a graça.
Amém!
SEXTA INSTRUÇÃO
DA EMANAÇÃO DO HOMEM
Meus irmãos,
É preciso descrever o quadro da emanação do primeiro homem para traçar o tema de nossa glória ou de nossos remorsos: de nossa glória pelo estado sublime no qual ele foi colocado em seu primeiro princípio, e de nossos remorsos pelo estado de declínio, erros e de trevas onde mergulhou por sua prevaricação? Mas como remontar a esse primeiro estágio se não temos dele uma justa idéia? É entretanto, nosso dever porque todos os nossos trabalhos têm por fim readquirir os conhecimentos que tivemos a infelicidade de perder pela prevaricação de nosso primeiro Pai.
O universo foi criado, todos os seres que o compõe e exerciam as leis de sua emanação, tais como a Divina sabedoria os havia prescrito; todos os corpos ocupavam seus lugares, quando o Eterno emanou o homem, ou Adão, ou homem ruivo: réaux, que significa ser elevado em glória espiritual Divina. Ele o emanou em um corpo de glória, incorruptível, que não estava sujeito a nenhuma influência da parte elementar; ele não tinha necessidade de nenhuma espécie de alimento para a sua forma, que era toda espiritual; o espírito mais puro do eixo do fogo central não tinha mais influência sobre essa forma senão aquele que opera sobre a parte mais grosseira da matéria, uma vez que um corpo de glória não é senão a forma aparente de um espírito puro, que o prende à vontade e que abandona igualmente tornando-se espírito puro e simples. Essa forma era semelhante com a que temos no presente. O triângulo eqüilátero, primeira imagem que apareceu na imaginação pensante do Eterno tinha essa mesma forma; ela não era diferente da que temos, senão na natureza: uma era gloriosa, espiritual e positiva, e a outra tenebrosa, material e passiva.
O Eterno havia criado tudo para esse homem, a quem dá o nome de Homem-Deus da terra. Após lhe ter feito manifestar sua imensa potência sobre todo este universo criado que lhe obedecia com respeito, ele lhe deu sua lei, seu preceito e seu mandamento, para poder operar em relação e contra os primeiros espíritos perversos; ele lhe instruiu sobre a finalidade de sua emanação, que deveria ser de atacar, combater e reduzir na maior privação os primeiros espíritos perversos e operar para a sua reconciliação; ele devia, enfim, fazer em seu favor o que eles sempre fizeram, e que ainda fazem, contra o homem, seduzindo-o e aprisionando-o nas armadilhas do erro e da sedução impura que empregavam contra ele para conduzi-lo ao mal. Adão devia dirigi-los para o bem pelos diferentes trabalhos que devia operar sobre eles. Ele havia recebido do Eterno um verbo da posteridade de Deus semelhante a ele, pelo qual seria visto renascer fazendo descer nas formas gloriosas semelhantes à sua, um ser espiritual Divino que o Eterno teria enviado: Adão teria operado por seu verbo um corpo de glória no qual o Eterno teria feito descer um espírito. Deste modo, a operação de Adão teria sido realizada com o Eterno, e ele se teria visto renascer em uma posteridade de Deus, do qual toda a glória teria feito a admiração dos céus e da terra.
Poderiam, talvez, me perguntar como um verbo pode produzir uma forma. Responderia que o Eterno sendo um espírito puro, sem espaço, sem limites e sem extensão, uma vez que é infinito, não pode emanar seres espirituais Divinos e formas aparentes senão por seu pensamento todo-poderoso. Ora, o espírito que ele emana é certamente verbo, como se pode considerá-lo: o pensamento engendra a vontade, e a vontade o verbo. De modo algum ocorre com a Divindade como no caso dos seres limitados: todo o verbo no Eterno é um espírito, enquanto que entre todos os seres emanados, todo o verbo não é senão uma ação desse mesmo espírito. Nenhum pensamento na Divindade pode ficar sem ação. Ora, todo o ser que ela emana fora dela mesma sendo dotado de sua parte das faculdades necessárias para manifestar sua vontade, tem inato nele um verbo pelo qual deve manifestá-la. Esse verbo está tão intimamente ligado a seu ser que ele é considerado ser ele mesmo; o que eu explicarei em maiores detalhes antes de ir mais adiante.
O Verbo eterno da Divindade, residindo eternamente em união intima com a Divindade de Deus Pai, visto que é a sua ação direta e é dessa forma a própria Divindade, igualmente o Espírito Santo, que é a ação eterna de um e de outro, não deve ser confundido de modo algum com nenhuma espécie de emanação, uma vez que são as essências da Divindade. Mas todo o ser espiritual Divino, sendo emanado da Divindade, é considerado como tendo inato em si o verbo de sua emanação, como tendo vindo da tríplice essência da Divindade. Por sua emanação do Pai Eterno, ele tem inato em si o pensamento; pela emanação do Filho eterno, ou o Verbo, ele tem também seu Verbo; e pelo do Espírito Santo ele tem a sua ação. Esse verbo está tão intimamente inato em si que é ele quem constitui a lei, o preceito e o mandamento que deve seguir; ele contém em si o número que, sendo co-eterno, faz a operação do pensamento do Pai, da vontade do Filho e da ação do Espírito. É o que quer dizer a Escritura quando diz: "Os céus e a terra passarão, mas os meus verbos não passarão jamais"; porque toda a emanação é eterna: 1º - pelo pensamento; 2º - pelo verbo; 3º - pelo número; e, 4º - pela própria essência que a compõe, que, sendo espiritual Divina, encontra-se inata em si quatro faculdades eternas, visto que ela é uma emanação da quatripla essência da Divindade. Um verbo propriamente dito é um espírito, porque a Divindade não manifesta seu pensamento todo-poderoso senão pelos espíritos. Ora, pensamento necessariamente sempre, ele emanou, pois, também necessariamente sem cessar espíritos, aos quais criou virtudes, poderes e propriedades, o que lhe dá o nome de Eterno Criador. Adão havia sido feito depositário, em nome do Eterno, de um de seus verbos de criação de forma gloriosa, na qual o Eterno havia feito descer um espírito Divino semelhante a ele, e ele se teria visto, dessa forma, renascer em uma posteridade de Deus.
Adão tendo manifestado, por ordem e na presença do Eterno, a imensa potência da qual estava revestido, foi deixado só pela Divindade, para operar a força, a virtude e potência de que estava revestido. Adão conhecia perfeitamente a finalidade de sua emanação, e sabia que havia vindo para combater sem cessar os maus demônios, e para operar em seu favor. Adão, deixado só, começou a refletir sobre o imenso poder de que estava revestido, que acreditava ser igual ao da própria Divindade e, nessa perplexidade, queria ler na imensidão Divina, coisa que lhe havia sido proibida pela Divindade, que lhe havia dito expressamente de jamais ler senão com a sua participação ou por sua ordem. (Essa imensidão Divina é incompreensível a todo o ser emanado, uma vez que é preciso ser o próprio Deus para compreendê-la). Essas buscas irrefletidas mergulharam Adão em uma perplexidade, não conseguindo definir o que não lhe havia sido permitido ler. O pensamento que Adão havia lido na imensidão Divina não tardou um instante de ser conhecido pelos primeiros espíritos perversos.
Antes de ir mais adiante, direi que Adão havia sido emanado no centro das seis circunferências espirituais Divinas, da qual era o centro, e que lhe faziam sentir que era feito para comandar a todo este universo. Ele habitava o centro do paraíso terrestre, que não é senão o centro dos céus, visto que um corpo de glória, sendo espiritual, não tem necessidade de base sólida para sustentá-lo. Os diferentes frutos que lhes são atribuídos alegoricamente nesse paraíso não são senão aqueles que o Eterno esperava desse primeiro homem, se ele houvesse seguido o plano de sua emanação. Eles representam ainda que Adão não era suscetível de ser alimentado por nenhum dos frutos imundos dessa matéria, mas que ele era alimentado apenas de frutos puramente espirituais Divinos de sua natureza, porque nenhum espírito puro e simples, tal como era Adão, não bebe, nem come para manter sua forma, visto que ele a deixa e a retoma quando lhe apraz. O paraíso da terra, ou terrestre, não é senão o centro dos céus, que Adão devia habitar com toda a sua posteridade, senão houvesse prevaricado, e os primeiros espíritos perversos houvessem habitado então a parte inferior, ou a terra, onde eles teriam sido enclausurados nas formas de matéria aparente mais ou menos semelhantes àquelas que nós temos. Não há dúvida de que, se Adão tivesse permanecido fiel à lei do Eterno, ele teria sido um mediador de reconciliação em favor desses primeiros espíritos perversos. A primeira loja que surgiu no universo foi aquela do Criador, de seu filho Divino sob o nome de Hely e Adão. Eles a dirigiram para concluir a forma que dariam aos primeiros espíritos perversos. Adão devia, pois, estar consciente de que todo plano dessa lei que deveria aplicar a esses prevaricadores dependia da força com a qual ele os resistiria em seu combate, uma vez que o chefe dos demônios, tendo concebido o pensamento ímpio de atacar a própria Divindade, atacaria sem dúvida os seres emanados que ela emanaria e era, positivamente, sobre esse combate que Adão havia sido dotado, pela Divindade, de um poder imenso para lhe resistir e reprimir.
Adão, sendo um aspecto da Divindade, lia então o pensamento do Eterno; lia também o do espírito perverso, porque de espírito a espírito puro e simples nada há de oculto. O que não ocorre entre os homens, que escondem seus pensamentos e que os mascaram com palavras muitas vezes opostas: diante do espírito, tudo é sem véu, sem nuvem e a descoberto. Eis porque a linguagem do espírito bom é incompreensível aos homens de matéria, porque por sua junção impura com o espírito mau eles receberam sem cessar novos véus que lhes ocultam a verdade. É esse véu de abominação que venda todo o homem que se deixa cobrir por ele, homem do erro, de dúvidas, de obscuridade, e o conduz definitivamente na privação eterna persuadindo-o que ele segue a lei do Eterno, do mesmo modo que o demônio persuadiu Adão. Porque, se o espírito mau demonstrasse ao homem todo o horror de seus pensamentos, ele não teria se deixado seduzir, mas é através de um grande número de prestígios que ele sabia ser suscetível de prazer pela vontade má do ser espiritual que ele ataca, que seduz insensivelmente o sentido de sua matéria, e em seguida o ser Divino.
Suponha um homem que contempla claramente um lugar de delícias, onde todas as belezas reunidas causam um deslumbramento à sua alma; suponha que esse homem tenha recebido ordem de ter sempre os olhos voltados para esse lugar, e que, desde o instante que se deixasse seduzir para olhar alhures, ele cessaria então de ver o lugar de delícias.
Alguém atrás dele o chama, e lhe diz de voltar a cabeça, que há outro lugar mais agradável que o primeiro. Este homem é livre, ele contempla esse lugar e vê claramente que nada pode igualá-lo. Contudo, por sua livre vontade, deixando-se seduzir, volta a cabeça: ao invés de ver um lugar de delícias, vê apenas objetos de horror. Ele deseja voltar seu olhar para seu primeiro objeto, mas foi colocado um muro de dez pés de espessura que lhe impede de vê-lo. Pedi-lhe agora que ele vos dê o plano desse primeiro lugar: isso lhe será bem difícil; ele virá mesmo, pelo distanciamento em que está, a duvidar do que lhe dirão aqueles que o vêem nesse momento.
Adão tinha o seu livre arbítrio, da mesma forma que os primeiros espíritos perversos: uma vez que ele vinha operar sobre eles uma justiça, ele era dotado da mesma natureza, da faculdade pela qual os primeiros espíritos perversos tinham pecado para lhes servir de exemplo, de instrução e de lição viva que teria operado sobre eles uma mudança considerável. Restringindo mais e mais a ação maldosa desses primeiros espíritos e lhes servindo de inteligência boa, ele os teria conduzido insensivelmente a uma mudança de ação, ou a uma regeneração, uma vez que todo o espírito que muda de lei, muda necessariamente de ação.
Porque, se o chefe dos espíritos perversos tivesse mudado, adaptando-se à lei do Eterno, não se trataria mais do mal em toda a extensão deste universo, visto que é árvore da vida e do mal; não que seja o próprio mal: uma vez que, por sua emanação, ele tem inato em si a lei do Eterno, ele não pode senão engendrar o mal, e não criá-lo de alguma espécie de matéria. Toda a criação pertence necessariamente a Deus, Eterno Criador. Os espíritos perversos não podem engendrar senão ações opostas ao bem; o que se faz sempre neles, com uma diminuição considerável de sua ação, uma vez que o soberano bem existindo necessariamente na Divindade e a possibilidade do mal não tendo jamais sido, é absolutamente necessário que todo o ser particular que quer atacar o ser necessário torna-se o mais fraco de todos os seres.
Uma vez agindo por princípios opostos àqueles que estão inatos em si, ele sente no mesmo instante de suas vitórias, os combates no interior de si próprio, que os humilham mais do que suas vitórias podem orgulhá-lo. Esses combates provêm da convicção perfeita de que ele não pode destruir em si, que tudo o que ele fez está oposto à sua própria natureza de ser espiritual Divino, e pela falta de satisfação onde está, que não é senão a divisão daqueles que seguem as leis do ser necessário; o que se pode considerar pela vida dos homens daqui de baixo, que não operam o mal senão com esforço e trabalho, e não encontram senão um vazio horrível após o êxito dos empreendimentos maus, pelos quais se prometem as maiores satisfações. Esse estado infeliz do homem conduziu muitos deles ao desespero, no mesmo instante que seus semelhantes, guiados pelo mesmo erro os julgavam no auge da felicidade. Nada pode destruir, repito, a natureza das leis que o Eterno estabeleceu. Todo o ser que delas se afasta é o mais infeliz dos seres, porque a natureza inteira conspira contra ele, tudo estando baseado no bem.
Ele torna-se, então, o duplo receptáculo do mal e do bem: do mal que opera com esforço, e do bem que faz seu suplício, uma vez que não pode jamais destruí-lo, porque está inato em si. Pode-se constatar, por tudo o que acabo de colocar, que a origem do mal não deve ser considerada como sendo a própria obra de algum espírito que seja o próprio mal; não significa propriamente que a vontade, oposta àquela do ser necessário engendre o mal. É nesse engendramento do mal que faz ver a pouca solidez de todas as buscas dos homens sobre os objetos opostos à sua natureza, uma vez que elas não tendem senão a torná-los os seres mais infelizes da natureza, unindo-os aos professores do mal, o que se vê todos os dias sob nossos olhos pela infeliz conduta dos homens, que, se deixam conduzir pelo que chamamos vulgarmente de paixões e que denominamos o mau intelecto, procuram, entretanto, nessas trevas a luz, e não a encontram jamais, semelhante a esses navios que, na guerra, se acreditam estar, pela falta de sua estima, em pleno mar e que, vendo algumas luzes, as tomam por navios, e, navegando sobre elas a toda vela, não acreditam jamais chegar a tempo, não encontram senão rochedos íngremes, sobre os quais se quebram, e encontram a morte naquilo que acreditavam dever fazer sua felicidade nesta vida. Esta imagem é a de todo homem que se deixa seduzir pelo nosso inimigo comum, cujo trabalho consiste em fazer parecer aos homens suas leis de abominação tão claras quanto as leis espirituais Divinas.
Mas o homem tem poderosas armas a lhe opor. As mais poderosas são as da oração: é através dela que o homem se une mais particularmente à ação infinita do Espírito Santo, que lhe comunica uma força superior a todas àquelas de seus inimigos. Depois da oração, coloco a regularidade da conduta, porque é bastante difícil poder aproximar-se do fogo sem se queimar. A terceira são as boas obras, que estão propriamente naquele que as faz, uma vez que elas lhe proporcionam um fruto inalterável de graças do Eterno; que o conduzem enfim, mesmo desde esta vida, ao abrigo de todos os ataques de seus inimigos. O que rogo ao Eterno de conceder a todos nós. A ele esteja a glória, honra e louvores para todo ser emanado e criado, nos séculos dos séculos.
Amém!
SÉTIMA INSTRUÇÃO
DA PREVARICAÇÃO
Meus irmãos,
Após vos ter traçado o estado glorioso de nosso primeiro Pai, vamos examinar aquele em que ele caiu por sua prevaricação.
Ele havia sido emanado para manifestar a maior glória do Eterno, e desejou manifestar sua potência para sua satisfação particular, em se deixando seduzir por seu inimigo, que lhe comunicou um plano totalmente oposto aquele das leis do Eterno. Adão se revestiu da potência demoníaca para atacar o Eterno e cometeu seu crime na presença dos espíritos perversos e a seu prejuízo, visto que, como já havia dito, ele havia sido emanado para operar em favor desses primeiros espíritos um culto de reconciliação.
Adão, precipitado pela justiça do Eterno do centro das religiões celestes, foi obrigado a ir se revestir nos abismos da terra de uma forma semelhante àquela que temos: ele tornou-se sombrio e tenebroso por seu crime e pela nudez, que se encontrava com a companheira e o objeto de sua desgraça, pelo despojamento que Deus lhe fez de seu corpo de glória, como a Escritura, falando emblematicamente, diz que Deus lhes vestiu. Ora, a vestimenta que Ele lhes deu não foi outra senão a forma aparente que cobriu nosso ser espiritual Divino, ou nossa alma.
Deus os expulsou do paraíso terrestre, ou do céu, para arrastar-se sobre a terra, como o resto dos animais e os sujeitou ao tempo. Foi essa sujeição que fez Adão sentir todo o horror de seu crime, uma vez que, em seu primeiro estágio de glória, sendo ser pensante na Divindade, não conhecia nenhum obstáculo para se comunicar com ela; ao passo que, em seu corpo segundo, de matéria, ele se encontra sujeito aos ataques do intelecto que vem incessantemente atacar sua forma aparente, para atacar logo depois, desde que ali dominou, o ser espiritual que ela encerra. Ora, enquanto a alma faz esse combate, ela não está pensante, mas pensativa. O que de modo algum ocorria com Adão, que, tendo recebido da Divindade um corpo de glória incorruptível recebia comunicação do pensamento do Eterno por um ser superior que Deus lhe enviava sob uma forma aparente e que lhe comunicava sem nenhum véu sua vontade; enquanto que tendo se tornado pensativo pelo trabalho que foi obrigado a fazer sem cessar contra o mau intelecto, ele não pode mais ser pensante senão pelo tempo, pela união íntima com o espírito.
Ora, essa união não é senão a recompensa da força com a qual ele rechaça o intelecto mau, o que satisfaz a justiça do Eterno relativamente ao crime de nosso primeiro Pai, visto que o ser da terra que gozará a maior união do espírito deve necessariamente ser aquele que sentiu a maior privação, pois durante o tempo que travou combate contra os maus, sua alma estava no compartimento da privação e do temor, que é o que chamamos padecimento do espírito: da privação pelo afastamento do espírito bom e a proximidade do mal, e de medo pelo terror de chegar ao estado em que está o homem - presa de seu inimigo.
Ora, é a fidelidade do menor nesta batalha espiritual que fez os apóstolos e os profetas, e é ela ainda que faz os sábios. O ser pensante está diretamente na Divindade, ao passo que o ser pensativo não pode ali ler jamais enquanto está pensativo, uma vez que esta é sua privação. O homem é, pois, agora pensativo e pensante; pensativo pela sujeição onde está de fazer um combate de expiação; e pensante pela recompensa que Deus concede às suas vitórias unindo-o intimamente ao espírito pelo qual lê, então, na Divindade. Se cada um de nós deseja observar o que se passa todos os dias sobre ele, sentirá a certeza do que acabo de dizer.
Essa queda de Adão, tal como está qualificada nas Escrituras, onde está escrito que Deus lhe havia dito de comer todo o fruto do paraíso terrestre à exceção do fruto da árvore da vida, da ciência do bem e do mal. A árvore da vida não é senão o chefe demoníaco, que é a árvore da vida do mal por uma eternidade. Foi, com efeito, por ter comido de seu fruto, ou por haver retido a impressão de seu mau pensamento, visto que, como já disse acima, Adão era um espírito puro que não bebia nem comia nenhum alimento elementar, mas era alimentado de um nutriente todo espiritual Divino de sua natureza. O fruto proibido não era outra coisa senão o pensamento demoníaco que Adão recebeu e que lhe acarretou a morte, colocando-o na privação da comunicação espiritual Divina, e pela qual ataca, com seus partidários, à Divindade.
É esse crime horrível que lhe fez sentir sua nudez, uma vez que logo após ter comido (o fruto proibido) foi despojado de seu corpo de glória e foi banido do céu, ou do paraíso terrestre, e veio arrastar-se sobre a terra como o resto dos animais. Adão sentiu uma perturbação inconcebível em sua forma de matéria. O espírito bom companheiro lhe reapresenta sem cessar o horror de seu crime, oferecendo-lhe sem cessar aquela imagem. Adão concebeu o arrependimento puro mais amargo e começou sua penitência que durou quarenta dias, nos quais não cessou de sofrer com sua companheira por seu crime. Esse primeiro culto de expiação foi inspirado em Adão pelo nosso Divino mestre Jesus-Cristo sob o nome de Hely; que ofereceu ele mesmo a Deus seu Pai, um culto para que o homem, ou o menor, não fosse colocado pela justiça do Eterno na privação Eterna. Sem esse culto do homem Divino, Adão não teria podido fazer penitência de seu crime e teria se tornado o menor dos menores demoníacos, porque a penitência, ou a dor do pecado, não pode vir jamais diretamente daquele que a cometeu, visto que ele está, então, na condição de morto; ela lhe é sempre comunicado pelo Espírito Santo. Ora, é sua união com o Espírito Santo que faz seu mérito, e é por ele que adquire todas as luzes sobre os meios mais eficazes para obter a remissão de suas faltas. Ora, é preciso sempre um mediador entre Deus e o pecador, uma vez que Deus, sendo imutável e tendo condenado todos os pecadores à morte eterna, é necessariamente indispensável que se encontre um justo que tome para si o peso da morte ao qual todos os pecadores são condenados. De onde se pode ver a necessidade da operação de justiça, de misericórdia e de reconciliação que Jesus Cristo, nosso Divino Mestre, veio operar no meio dos tempos em favor de Adão e de sua posteridade que se tornava suscetível como ele, uma vez que Adão, por sua prevaricação, encontrando-se morto em privação eterna não poderia jamais ter podido retornar à vida se Jesus Cristo não houvesse arrebatado de cima desse ser infeliz o peso da justiça do Eterno sobre a qual ele estava, oferecendo a si próprio a Deus, seu Pai, coberto de todo o peso do crime de Adão e de sua posteridade. Sem esta justiça de Jesus Cristo, Adão não teria jamais podido obter perdão de seu crime e não teria jamais podido obter sua reconciliação, uma vez que não teria condições de ter a comunicação do Espírito Santo. Era preciso necessariamente, para que Adão começasse um culto de expiação, que seu Divino mediador, e de sua posteridade fosse desde esse momento oferecido como vítima de expiação desse mesmo crime.
Essa justiça do homem Divino em favor de Adão deve-nos fazer entender qual era o culto que Deus esperava de seu primeiro homem em favor dos primeiros espíritos prevaricadores, uma vez que Cristo disse vindo ao mundo: "Eu sou o verdadeiro Adão." A forma de nosso primeiro Pai, após sua prevaricação, não se alterou; ela era semelhante à forma gloriosa que ele tinha quanto à imagem, relativamente ao triângulo eqüilátero que Deus havia concebido para ser a imagem do chefe deste universo. O culto que Jesus-Cristo ofereceu em favor de Adão o tornou suscetível de operar, mesmo no centro de sua forma de matéria aparente, um culto espiritual temporal que o conduzisse à sua reconciliação perfeita, e que ele transmitiu à sua posteridade para esse mesmo fim. Adão tendo mudado de forma, visto que estava em seu princípio revestido de uma forma gloriosa, totalmente espiritual e que desceu sob uma forma tenebrosa de matéria passiva; mas a imagem é exatamente a mesma, ela continha em suas extremidades o triângulo eqüilátero.
O corpo do homem se dividiu em três partes: a primeira é a cabeça, a segunda é o peito, e a terceira são os ossos. Essas três partes estão unidas por ligamentos cartilaginosos que se podem desunir sem romper os ossos. Vemos ainda aqui o número ternário: os ossos, o sangue e a carne, que, com as três divisões, nos fazem ainda ver o número senário, ou os seis pensamentos que o Eterno empregou para a criação deste universo. Encontra-se ainda o número senário nas três essências que compõe o corpo do homem, e os três ângulos do triângulo eqüilátero, que são seis; adicionando a esses dois números, temos o número 12, ou 3, que nos fazem ver que o corpo do homem é a operação dos espíritos do eixo fogo central, que portam o número ternário e cujo trabalho deve conter o número.
Poderiam, talvez, perguntar-me se as leis que Adão tinha em seu corpo de glória são as mesmas que tem em seu corpo de matéria aparente. Responderei que um ser que muda de ação, muda necessariamente de leis. Em seu primeiro princípio, Adão tinha uma ação toda espiritual Divina, visto que não estava associado a nenhuma espécie de ação temporal. Consequentemente, sua lei era puramente espiritual, ao passo que, em seu corpo de matéria, sua ação tendo sido extremamente limitada e estando sujeita ao temporal, sua lei foi transformada de espiritual pura e simples em espiritual temporal, o que o tornou ser de privação, visto que os corpos, quaisquer, são sempre um caos, ou trevas ao espírito, o que prova demonstrativamente que a forma de matéria da qual Adão se revestiu pelo decreto do Eterno foi feita para lhe servir de prisão, e para lhe fazer sentir todo o tempo de morada naquela forma, o castigo de seu crime. É pelas diferentes divisões que sofreu nessa forma de matéria passiva que satisfez em parte a justiça do Eterno. Aqui se pode ver a necessidade absoluta que se encontra o menor aqui embaixo para suportar o castigo da alma, do corpo e do espírito, e para expiar a falta de nosso primeiro Pai.
Entraremos, na seqüência, mais particularmente no detalhe da prevaricação de Adão. Falarei agora do físico que se opera para a purificação do pecado. Darei por exemplo uma barra de ferro que se tira de uma matriz, ou de uma mina. Não é verdade que ela está repleta de partes grosseiras e sujidade, que lhe impedem de poder servir para algum uso? Que se trabalha nela para poder devolvê-la a um estado de pureza suscetível de conservar as diferentes formas que se deseja lhe dar? Emprega-se o fogo mais violento de um carvão de pedra, cuja chama espessa e suja atrai a ela todas as partes que são de sua natureza, enquanto que um outro carvão de madeira, mais leve espalha uma chama pura, que, por sua ação superior àquela do fogaréu contido no carvão terrestre, separa todas as partes sujas que o outro atrai, uma vez que são de sua natureza. O fogaréu do carvão de madeira tendo movimento muito ativo, à medida que separa as partes sujas, ele se comunica com os veículos inatos no fogo, e lhe dá um movimento considerável, até o ponto de lhe dar seu próprio calor fogoso. Ora, desde que há esse calor, há uma prova certa de que está em comunicação direta com seu superior fogoso. Então, detém-se essa grande ação fogosa pela água, que rende então o fogo à sua pureza natural e próprio a ser empregado aos usos de sua lei.
Vereis nesse corpo bruto o que se passa no corpo do homem mais favorecido pelos dons da natureza, tal como era Adão no momento em que desceu em seu corpo de matéria, que era corpo de pecado pela maldição que havia lançado sobre ele e sobre toda a terra. O corpo de Adão sendo terrestre estava, pois, repleto de partes sujas, grosseiras e de máculas que seu inimigo ali havia feito. O que empregou Deus para purificação de seu homem arrependido, penitente e suplicante? Ele empregou os fogos dos quais já falei na comparação que fiz: um bom, procedente da ação toda-poderosa do Espírito Santo, cuja santidade, pureza e ação operam com sua eficácia sobre a forma desse primeiro homem, separou insensivelmente as manchas imundas estranhas que o espírito de trevas ali havia colocado, enquanto que esse espírito mau que o golpeava sem cessar, atraía a ele o que era de sua natureza.
Quais eram os veículos de sua natureza? A fé, a esperança e a caridade, inatas por ordem do Eterno em Adão. É sobre essas faculdades do homem que o Espírito Santo soprava sem cessar para separá-las da imundice do crime de Adão, enquanto que o mau espírito contra-atacava de seu lado para fazê-lo perseverar em sua falta. Ora, vimos que todo o mérito de Adão foi o de estar unido ao Espírito Santo pela fé. É por ela que separou, pelo fogo do Espírito Santo, todas as imundices que estavam em sua alma e em sua forma, e que alcançou a sua reconciliação, apresentando ao Eterno sua alma e sua forma em seu estado de brancura, de pureza e inocência, tal como sua natureza espiritual Divina o exigia.
Não cessemos, pois, meus irmãos, de trabalhar sobre nós para sermos perseverantes na fé, uma vez que é o único meio de obter a remissão de nossas faltas. Vê-se bem que os maiores atos da humanidade não são nada sem ela (a fé), visto que não são senão esses atos que nos unem ao espírito. É pela fé única em Jesus-Cristo que somos salvos; é por ela somente que fechamos a goela do leão; é por ela que temos a inteligência, a esperança e a caridade, que é o centro de todas as virtudes: sem ela nada temos.
OITAVA INSTRUÇÃO
DO CORPO DO HOMEM E DE SEU PENSAMENTO
Meus irmãos,
Assim que Adão foi perdoado de seu crime, pela pura misericórdia do Eterno, pela bênção que lhe deu, assim como à companheira, Deus lhe disse: "Adão, realiza tua obra e opera com ela uma posteridade de formas particulares, nas quais enviarei um ser espiritual semelhante ao teu." Adão operou, então, em conformidade com Eva, a forma de seu filho Caim, com um desvelo excessivo dos sentidos de sua matéria; o que tornou essa posteridade suscetível de todos os flagelos da justiça eterna. Esse nome que Adão deu a seu primeiro filho, Caim, que significa "filho de minha dor" profetizava a grande dor que esse filho lhe faria experimentar logo depois por sua grande prevaricação. A ordem que Deus deu a Adão, ao separar-se dele, nos faz ver que Deus o havia feito depositário de seu seminal reprodutivo, do qual ele não poderia abusar sem crime, como farei ver.
Dividimos o corpo do homem em três partes, a saber: em sólido, dado a mercúrio, ou aos ossos; em sangue, dado ao enxofre; e, em sal, dado à carne. O ser espiritual Divino encerrado nesse corpo preside não somente os movimentos dessa forma, mas também a preservação das essências que o compõe em sua pureza. O sangue é composto de seis glóbulos linfáticos brancos, que são da mesma natureza que o seminal reprodutivo, com a diferença de que eles são muito mais soltos que aqueles da medula dos ossos e do seminal; onde vemos reaparecer ainda o número ternário: a medula, o seminal e a linfa. Os seis glóbulos conservam sua cor branca, até que tenham formado sua união circular com aquele do centro que, contendo em si um veículo eixo fogo central contido no envoltório do enxofre, comunica, desde o instante de sua união com os seis glóbulos brancos linfáticos, a cor vermelha tal qual a do sangue. Essa cor é, ela própria, um composto de três cores: o branco dado à linha, o amarelo dado ao enxofre, servindo de invólucro ao veículo, e o veículo eixo fogo central, ou fogo incriado, que é da mais bela púrpura.
Observai, rogo-vos, meus irmãos a perfeição desse glóbulo por seu número; como o círculo, ele não tem valor senão por seu centro, que, como o sabeis, se divide em seis raios. Ora, do mesmo modo, essa divisão não pode se fazer senão pelo centro, que é o gerador, o sustentáculo e a vida do círculo, assim como o glóbulo do centro comunica sua cor, o movimento e a vida aos seis outros, dos quais estariam privados sem sua união. Sabemos que Deus não empregou senão seis pensamentos para a criação deste universo, e que consagrou o sétimo. O que teria ocorrido com todo o universo sem a bênção do Eterno? Ele teria permanecido sem vida. Igualmente, os seis glóbulos linfáticos são desprovidos de vida, privados da união de seu setenário que lhes comunica o calor, o movimento e a vida.
Vamos mais longe. Este universo, concebido pelo pensamento do Pai, a vontade do Filho e a ação do Espírito Santo, unamos esse número inefável 3 com os sete pensamentos que Deus empregou para a criação deste universo: teremos o número 10, dado à Divindade. Do mesmo modo, uni o número setenário dos glóbulos compondo um glóbulo sangüíneo com os três princípios, ou cores, o branco dado à linfa, o sangue ao enxofre, formando o envoltório do veículo, e o veículo púrpura. Adicionai esses três números, 3 com o número setenário: tereis o número denário, 10, dado à Divindade. Essas provas, que todo homem que tem olhos pode verificar por si mesmo e que temos mil vezes observado, devem te convencer, oh! homem!, que o Eterno colocou sua imagem nas menores, como nas maiores partes da forma, para que todo homem tivesse sem cessar, diante de seus próprios olhos, de sua forma, a prova convincente da existência de um Deus vingador e remunerador. Não há nenhum ser sob o céu que possa duvidar da existência dessa grande Divindade. O próprio demônio está convencido disso, e não tem o poder de por em dúvida esse fato a qualquer ser que seja.
Todo ser espiritual, seja bom, seja mau, possui o pensamento, que a própria Divindade não lhe pode suprimir. O pensamento é, certamente, sem extensão; ele se desenvolve e aumenta tanto quanto quer; percorre todas as belezas da criação, engendra seres de toda espécie e os faz existir, os faz agir. Ora, as faculdades do pensamento não são outra coisa do que a semelhança inefável da fonte Divina de onde emanam. O Eterno, sendo pensante, e existindo necessariamente por si mesmo, transmitiu a todos seus filhos sua semelhança, pois vemos que o pensamento de cada ser pode engendrar: assim como Deus criou os seres. A Divindade lhes dá a existência dando-lhes leis, e o pensamento lhes dá a existência pelas dimensões que lhes dá; a Divindade os faz agir, o pensamento do mesmo modo faz agir os seres que gerou. A semelhança do pensamento do homem com a Divindade é perfeita. A diferença que existe é que Deus, sendo todo poderoso, não pode ter nenhum pensamento que não tenha sua realização; ao passo que o homem, sendo um ser limitado, não pode realizar senão um pequeno número de seus pensamentos. Mas enquanto ele tiver o pensamento, como qualquer outro ser, terá sempre dentro de si uma prova convincente da existência de um Deus. O ser mais perverso da terra pode, pela insinuação do mau demônio, dizer que de modo algum existe Deus, mas, no mesmo instante que o diz, passa nele um pensamento que lhe prova a existência necessária desse ser Divino, que imprimiu nele mesmo, em sua alma, caracteres indeléveis. Todo mau pensamento do homem pode, pois, se reduzir a dizê-lo, mas não há ninguém neste universo que possa vir a crê-lo, porque seria necessário para tal que pudesse destruir seu pensamento; coisa impossível a todo o ser emanado, uma vez que, destruir o pensamento, é destruir o próprio ser espiritual; ora, nenhum ser eterno de sua natureza pode se destruir. Ele pode tornar-se bom ou mau, mas não destruirá jamais seu pensamento, ou sua faculdade pensante.
É sobre esse pensamento que o Eterno opera e operará sem cessar. Se o pensamento é bom, ele ali manifestará sua glória e, se ele é mau, ali manifestará sua justiça, uma vez que tudo que se afasta de Deus está no sofrimento infinito da privação. Deus sendo a própria luz, nenhum ser qualquer pode participar da luz senão na medida em que se uniu a Ele. Todo o ser torna-se tenebroso no momento em que se afasta dessa luz; visto que essa luz sendo necessária para a felicidade, a vida e a proteção de todo o ser, as trevas não fazem senão a infelicidade, a morte e a destruição das faculdades de todo o ser que teve a infelicidade de se separar dela. Todo ser tem em si um fogo Divino, desde sua emanação suscetível de estabelecer comunicação com essa luz eterna. Esse fogo é a fé, que não é outra coisa senão a união perseverante do pensamento do ser particular com o Ser todo-poderoso. É a resistência desse pensamento bom ao choque contínuo do mau pensamento que forma o que chamamos fé. É por esse fogo Divino que nos unimos à luz eterna, do qual resulta necessariamente a vida de nossa alma e de nosso corpo. Separar-se desse fogo é cair nas trevas que não são senão a desgraça daquele que ali mergulhou, visto que essas trevas não contém em sua essência nenhum princípio de felicidade, de satisfação, nem de realidade física. Elas não são todas senão ilusão, senão erro e mentira, e não produzem senão a infelicidade eterna daquele que se deixou seduzir, porque o verdadeiro bem é Deus. Ora, toda felicidade existindo necessariamente na Divindade, não pode haver ali (nas trevas) senão infelicidade eterna em tudo o que da Divindade se separou.
Como o dia mais belo é o mais claro, igualmente a noite mais escura é aquela que tem a maior privação. Se o homem presta atenção, vendo com os seus olhos, observa durante o dia os objetos da natureza das formas, para a utilidade, a precisão e a necessidade da manutenção de sua forma. Suponhamos agora que este homem extirpe os olhos; como poderia distinguir os objetos da natureza no mais belo dia? Ele estará cego, tropeçará, cairá, morrerá de fome e sede senão tiver ninguém próximo de si. É o mesmo caso de um homem que faz um mau uso das faculdades de sua alma. Ela tem olhos mais clarividentes que aqueles do corpo, que a conduzem na senda da luz. Sua má vontade, o mau uso de seu livre arbítrio, é o que lhe arranca os olhos da alma e a faz correr às cegas atrás dos objetos falsos de ilusão e de mentira, e a precipita definitivamente na morte eterna, que não é senão a separação total da luz.
Qualquer homem sob o céu, por mais estúpido, tenebroso ou mentiroso que seja, não pode duvidar dessas verdades sem dar uma nova prova do que antecipo. É que ele se separou por seus crimes da luz. Tudo o que ali contém será igualmente convencido que Deus, sendo a unidade existente necessariamente por si mesma, contém em si a plenitude de todos os seres; que cada um desses seres tem suas leis que tem uma relação com o ser necessário, uma vez que fora dele nada existe, e, por outro lado, o nada é também impossível, como a não existência do ser. Todo o ser tendo, pois, necessariamente sua relação absoluta com a Divindade, aquele que está mais unido a ela é o mais venturoso. A felicidade existindo necessariamente na Divindade, o ser mais desgraçado é aquele que está mais afastado da Divindade; não que o ser possa algum dia dela se separar, estando sempre sujeito pela lei da sua emanação do Ser necessário, que lhe serve de freio, de sujeição e de barreira intransponível a todas as suas operações nocivas, uma vez que está sempre sob a cadeia da justiça do Eterno se ele for mau, e sob a lei da liberdade se for justo.
Essa liberdade consiste no aumento de suas faculdades por ter feito o bem. Uma vez que seu crescimento é infinito, ele pode, pois, desenvolver toda a liberdade de seu pensamento em um campo tão imenso como as obras do Eterno, sem receio de ser detido, uma vez que eles são infinitos, ao passo que o mau fixa-se na privação, ou no padecimento eterno, uma vez que se ele quer trabalhar sobre qualquer coisa, é preciso que ele trabalhe sobre o nada. Ele não pode, pois, atacar senão as obras do Eterno que são infinitas. Seu padecimento deve, pois, ser infinito, uma vez que não poderá jamais destrui-las nem destruir a si mesmo. Que Deus esteja com vosso pensamento e o nosso, para sempre.
Amém!
Figura dos seis glóbulos do sangue, que tiram o seu movimento do glóbulo do centro, que encerra o veículo do eixo fogo central, ou fogo incriado.
NONA INSTRUÇÃO
DA REINTEGRAÇÃO DAS FORMAS
Meus irmãos,
Tudo o que começou adquiriu princípio, e tudo o que foi criado deve terminar. É um axioma inabalável, geralmente aceito, tanto pelos homens espirituais Divinos, temporais, como pelos homens materiais temporais. Mas, como a averiguação é bem diferente, vou vos falar da reintegração das formas, com o auxílio do Eterno.
Já vimos como o número ternário, 3, é o do corpo, por suas três essências espirituais; o senário, 6, é o de sua divisão, representando aquele dos seis pensamentos que o Criador empregou para a criação universal geral e particular. O número novenário, 9, é o da reintegração. No princípio da produção de um corpo, tal como aquele da formação de uma criança no corpo de sua mãe, esse seminal reprodutivo nos representa no seu primeiro princípio a matéria em sua indiferença, as três essências não tendo ainda nenhuma distinção, e estando em aspecto umas com as outras, sem forma; mas, tão logo elas estejam na matriz, recebem um movimento que parte do grau de fogo que ali se encontra, e que é produzido pela ação dos espíritos do eixo fogo central e dos espíritos elementares que, acionando sobre o veículo da mulher, começam a trabalhar, modificar e distinguir as essências. No momento em que são distinguidas, o embrião toma forma; o que ocorre no fim de 40 dias, por um número de experiências reiteradas, para repetir sempre a toda a posteridade de Adão o pecado de seu primeiro Pai, cometido na quarta hora do dia, para lhe repetir sua penitência de 40 dias, sua reconciliação ao fim de quarenta anos, o que foi repetido por Noé, Abraão, Moisés e definitivamente por nosso Divino Mestre Jesus-Cristo quando jejuou 40 dias sobre a montanha do Tabor. No quadragésimo dia, o espírito menor desce no corpo, ou envoltório, ou na prisão, que acaba de lhe ser feita, e começa, desde este instante, a experimentar um sofrimento, porque a maior pena que um espírito possa sentir é a de estar limitado em sua ação. Consideremos um momento a posição desse ser. Ele tem os dois punhos apoiados sobre os olhos; envolvido no âmnio (a mais interna das membranas que envolvem o feto), nada em um fluído de corrupção, privado do uso de todos os seus sentidos espirituais, Divinos e corporais; ele recebe o alimento pelos abismos de sua forma, submetido a uma tão grande privação que ele não se agarra à vida senão por aquela de um ser quase tão fraco quanto ele; que ele participa de todas as suas penas, seus sofrimentos e seus males. Oh! Crime de nosso primeiro Pai! Eis o justo castigo que tu mereces. A justiça do Eterno submeteu toda a posteridade de Adão a passar pelas mesmas vias.
Consideremos aqui, meus irmãos, que o ser espiritual Divino que está no corpo da mulher está encerrado sob três véus espessos: o primeiro, sua própria forma; o segundo, aquele de sua mãe; e o terceiro, aquele do universo. No momento que sai do corpo de sua mãe, ele não está preso senão a dois véus: aquele de sua forma e o do universo; e, no instante que faz a sua feliz reintegração, não lhe resta mais senão aquele do círculo universal. Eis um belo ternário: o menor, no corpo de sua mãe, 1; o menor neste universo, 2; e o menor reintegrado, 3; o que prova ainda a feitura deste universo, ou os seis pensamentos, pela adição destes três números que dão 6. Em seu primeiro princípio, Adão, revestido de sua forma gloriosa, dominava acima de todo este universo, sem estar subjugado. Por seu crime, mergulhou toda a sua posteridade abaixo da escada que ela ficou obrigada a ascender.
O número novenário, 9, é o da reintegração e da destruição, porque subdivide as três essências que, em seu princípio, não continham senão um número ternário por sua união: mercúrio, enxofre e sal, 3. Mas como na parte mercurial existe um misto, visto que tudo o que tem forma é misto, na parte mercurial se encontram enxofre e sal, 3; na parte sulfurosa se encontram sal e mercúrio, 3; e na parte do sal se encontram enxofre e mercúrio, 3/9. O que os faz denominar mercúrio, enxofre e sal, é que essas três partes dominam em cada um desses mistos; mas, no instante em que o homem alcança, degrau por degrau, a sua formação perfeita, ele organiza e aperfeiçoa o que se pode denominar vegetação; ele começa a sua reintegração, insensível, antes de tudo como tinha sido sua formação, até o momento em que, enfim, começa a sua reintegração inteira pela dissolução ou a divisão das essências.
No primeiro princípio, o germe contendo as três essências dá início à produção da forma. No momento em que o homem nasce, os alimentos das três essências, 3, lhe dão a vida, e todo o tempo de sua duração aqui em baixo. Mas, assim que as três essências cessam a sua produção e a vegetação, elas começam a sua reintegração, 3, subdividindo-se, isto significa que sua união no primeiro princípio determinou sua produção, sua divisão pela parte alimentar originou a sua vegetação, sua subdivisão produziu sua reintegração, porque nenhum corpo dos três reinos, vegetal, mineral e animal, pode subsistir sem estar, todo o tempo que tem forma, em um desses três estados de produção, vegetação e reintegração.
Entrarei agora na demonstração da reintegração. No momento em que o veículo eixo fogo central, que formava a vida da forma, residindo no sangue e tendo a sua fonte no coração (da qual se dará a demonstração anatômica na seqüência), fez a sua reintegração, desde então, a forma começa a sua reintegração pelo que segue:
A forma do homem contém o germe de uma turba de animais répteis ou de insetos que começam o seu crescimento pelo trabalho de reintegração, que se faz pelo úmido grosseiro do cadáver que, por seu movimento, trava combate nos ovários dos animais rastejantes que existem no cadáver. Os espíritos elementares, agentes das formas conjuntamente com o fogo terrestre, ou do corpo geral, batendo seus fogos espirituais, entrechocam os ovários desses répteis, e, por sua reação, descobrem o envoltório ovário que os mantinha contidos. Esses insetos possuindo existência em cada uma das três essências, mercúrio, 1, enxofre, 1, e sal, 1/3, e contendo em si mesmos essas três essências - aqueles que viveram na parte do mercúrio, 3, aqueles que viveram na parte do sangue, 3, aqueles que viveram na parte do sal, 3. A reintegração desses insetos dá a cessação de toda a espécie de aparência da forma do cadáver, o que forma a reintegração perfeita da forma humana. É pouca a diferença de tempo do crescimento, da produção e da reintegração desses insetos que chegam aproximadamente à duração da reintegração da forma humana, o que prova que o número 9, ou novenário, é o da reintegração.
Observemos aqui, meus irmãos, a analogia que o corpo do homem, denominado "pequeno mundo" tem, com razão, com o universo. Como o universo, ele contém 3 partes: o universal, o geral e o particular; a imagem do universal pelo número inumerável de fibras que formam sua parte cartilaginosa e que não é possível calcular, senão enumerando os espíritos do eixo fogo central; o geral, ou a terra, como ela, ele é triangular. Como ela, ele dá a vida a três gêneros de seres de forma, como acabado de demonstrar, o que nos representa os três reinos, vegetal, mineral e animal; como ele, enfim, contém o particular pelo número inumerável de pequenos vasos capilares sangüíneos, não mais sendo possível de enumerar esses pequenos vasos senão enumerando as estrelas que compõe o firmamento.
O corpo do homem contém ainda uma correspondência puramente espiritual com o ser menor que ele contém em privação. É que ele (corpo do homem) representa aos olhos da forma todo o físico espiritual que se opera sobre a alma espiritual Divina eterna. Observando-se bem a um, ver-se-á que é o protótipo do outro: a alma, como o corpo, tem a necessidade de alimento de sua natureza Divina; esse alimento, tomado com moderação, a mantém à vida, como o corpo; o alimento envenenado lhe dá, como ao corpo a morte da privação; ela tem suas doenças como ele, mas não é jamais afetada por aquelas do corpo, que, assim como ela, participou, pelo mau uso de seu livre arbítrio da doença do corpo; por meio do qual podemos nos convencer pelos suplícios que tem sofrido os felizes eleitos do Eterno, cuja alma suplícios que tem sofrido os felizes eleitos do Eterno, cuja alma desfrutava da contemplação do Espírito Santo e, em virtude disso, estava nas delícias, no tempo em que se oprimia a forma por todos os suplícios que a malícia demoníaca pode inventar. A alma desses menores, muito longe de participar das dores do corpo não tinha deles nenhum conhecimento. Aqueles que, tendo cometido qualquer crime, sentindo o justo castigo, não sentem os seus efeitos, ainda que por desígnios bem diferentes em sua alma o suplício do corpo; ao contrário, o suplício que sua alma experimenta é incomparavelmente superior àquele de seu corpo. Nesse estado de justiça, a alma não experimenta senão satisfação, ainda que o corpo sofra e, no estado do justo castigo que segue o crime, a alma sente incomparavelmente dores mais vivas que o corpo; o que faz ver a necessidade do castigo da alma, da pena do corpo e daquela do espírito, para readquirir os conhecimentos que tivemos a infelicidade de perder pelo pecado de nosso primeiro Pai, uma vez que os conhecimentos não são senão a recompensa de nossa resignação de suportar os diferentes sofrimentos aos quais a posteridade de Adão foi muito justamente condenada.
É pela mais santa virtude da paciência que se alcança a feliz reintegração de seu ser espiritual Divino no lugar do repouso, e de sua forma em seu princípio eixo fogo central. Que Deus conceda a todos nós essa graça.
Amém!
DÉCIMA INSTRUÇÃO
DESEJO, PACIÊNCIA E PERSEVERANÇA
Meus irmãos,
O Eterno, todo-poderoso criador, cuja potência infinita se estende sobre o universo dos espíritos e dos corpos, contém em sua imensidade uma multidão inumerável de seres que ele emana quando quer, fora de seu centro. Ele dá a cada um desses seres, leis, preceitos e mandamentos, que são pontos de ligação desses diferentes seres com esta grande Divindade. Essa correspondência de todos os seres com o ser necessário é tão absoluta, que nenhum esforço desses seres pode impedi-la; eles não podem jamais, ainda que se esforcem, sair do círculo onde foram colocados, e cada ponto que percorrem desse círculo, não deixaria de estar, um só instante, sem relação com o seu centro; e, com forte razão, o centro não poderia jamais cessar de estar em junção, comunicação e relação com o centro dos centros.
A relação dos centros particulares com o centro universal é o Espírito Santo; a relação do centro universal com o centro dos centros é o Filho; e o centro dos centros é o Criador todo-poderoso. Deus, o Pai, criou os seres; seu Filho lhes comunicou a vida, e esta vida é o Espírito Santo. Podemos aí ver da demonstração pelo exame das três experiências físicas que vos apresentarei para servir de demonstração do que acabo de dizer.
A unidade, 1, encontra-se nos números 10, 7, 3, 4: ela se encontra em 10, em 7, em 3 e em 4; o que prova que é impossível poder alguma vez desnaturalizar a unidade, pela impossibilidade de encontrar um número onde a unidade não esteja, uma vez que ela é a geração, o sustentáculo e o fim de todos os números; já que após ter percorrido uma quantidade prodigiosa de números, se terminam por 9, não estão completos, pela ausência de sua unidade que os contém. Como em 10.000: se, ao invés dos zeros houvesse 9, esse número estaria incompleto uma vez que demonstraria que pode sofrer uma adição; enquanto a unidade unida aos zeros mostra sempre a emanação, a base e o complemento dos diferentes números: 1.000.000... Pode-se aumentar os zeros até o infinito, mas eles partem todos da unidade, e estão todos contidos pela unidade; o que se pode ver nos exemplos seguintes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.
A unidade é aqui o princípio desses nove números, 1; após ele vem 2, onde há a unidade: 3, onde ela está também; e sucessivamente até 9, onde ela também está contida. Ora, 9 não podendo fazer um número completo, chega a 10, que nos mostra a unidade contendo todos os números, como a figura da página anterior.
Eis a prova física, matemática, do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Sabeis que os números são co-eternos. Deus não criou os números; eles existem de tempos imemoriais nele e é por eles que se fez todos os seus planos de criação dos diferentes seres. Vedes, pois, meus irmãos, que a unidade geradora é a imagem do Pai, 1; a unidade que segue todos os números 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 é a imagem do Filho, e porta seu número: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9/44/8. Sabemos que através de todos os sábios do universo que o número 8 é o número da dupla potência dada ao Cristo, assim como terminastes de ver que ele é a vida de todos os seres que subsistem, tanto dos espíritos como dos corpos, visto que nenhum ser pode subsistir senão por um dos 8 números que acabamos de ver. Igualmente, o complemento de todos os números, que é 10, ou (1), nos mostra a imagem física do Espírito Santo, que contém tudo o que o Pai criou, tudo o que o Filho dirigiu, e forma desse modo a união eterna, inefável e indissolúvel das três unidades que compõe a tríplice essência da Divindade sem princípio nem fim, como podeis observar que a unidade, 1, sendo absoluta e necessária, tem, sem interrupção, emanado e criado seres, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9; que esses seres têm sempre sido dirigidos por sua ação direta, seu verbo Divino, seu Filho querido 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9/44/88, uma vez que ele completa por seu número todas as ações dos diferentes seres; e que eles estavam eternamente contidos pelo Espírito Santo, 10, ou, como a figura acima, como sendo o fim, o sustentáculo e o conservador de todo ser.
Essas grandes verdades, cuja demonstração está escrita em toda a natureza, são os arcobotantes (construção exterior em forma de meio arco, que serve para sustentar uma abóbada, uma parede), que devem sustentar o Homem de Desejo espiritual Divino bom em todas as suas operações espirituais temporais. Infeliz daqueles que se deixam seduzir pelos falsos prestígios dos intelectos demoníacos, para receber diante dos olhos de sua alma, que são o pensamento e a vontade, o véu abominável que lhes oculta essas três santas luzes feitas para serem conhecidas de todo homem! Mas, como a luz dissipa todas as trevas, da mesma forma as trevas, no mesmo instante em que o ser menor permite que elas tomem conta dele, dissipam nele toda a luz e o fazem errar como um cego procurando às cegas algum objeto que possa garanti-lo contra os perigos que o cercam; igualmente, a alma ofuscada pelo mau uso de seu pensamento procura objetos espirituais que possam dissipar o medo terrível que o espírito vingador do crime produz nela. Este terror, esse pavor, o estremecimento que a maior parte dos homens experimentam na obscuridade, constituem uma imagem perfeita do estado de sua alma. Esse medo que eles têm de encontrar nas trevas algum ser destruidor de seu corpo, deve acompanhar a alma daquele que procura nas trevas, pelo temor que ela possui de encontrar algum ser destruidor da pureza do seu ser Divino que a conduz à privação da luz eterna que é Deus.
Se retirarmos uma grande lâmpada de um homem, que o ilumina e lhe faz ver todos os objetos circunvizinhos, ele continuará nas trevas durante o tempo em que se separar dessa lâmpada; sua vista perderá, durante toda a separação, a visualização dos diferentes objetos. O sol, por exemplo que ilumina os olhos do homem, lhe faz ver as diferentes belezas da natureza; através dele ele vê as diferentes belezas das sucessões dos diferentes corpos aparentes; através dele, se instrui dos diferentes objetos que passam sucessivamente diante de seus olhos; e quanto mais ele visualiza, tanto mais será instruído da natureza dos corpos cuja luz mostra as dimensões.
Suponhamos agora que esse homem seja encerrado em um horrendo calabouço que o priva da comunicação do astro solar: o medo diminui conforme o número de dias de sua privação. Quanto mais tempo ficar encerrado nas trevas, privado da luz do sol, mais sua vista enfraquece, e mais a lembrança de sua visão diminui; de modo que, se permanecer um certo número de anos sem ver a luz do sol, é preciso ter um cuidado especial para reconduzi-lo à luz, para evitar que, ao transportá-lo bruscamente à vista do sol de meio dia, as membranas de seus olhos, pouco exercitadas aos movimentos flexíveis que devem ter para estar em comunicação com este astro, e se encontrando em um estado de tensão, de rigidez e de dureza, e recebendo um grande número de raios aos quais não conseguem obedecer, e opondo-se por sua resistência uma nova força a seus raios, eles não dissolvem enfim, o próprio obstáculo, rompendo-se alguns vasos grossos do corpo e matando a forma daquele que desejou muito cedo aproximar-se do princípio da vida.
A aplicação do que acabo de dizer aos objetos espirituais é simples e fácil. Temos, sobre o assunto, um grande número de exemplos na Escritura Santa. Quando Moisés foi procurar a Lei que o Eterno lhe deu sobre a montanha do Sinai, foi preciso dizer ao povo que ninguém se aproximasse do pé da montanha e que, tanto homem, quanto animal, seria fulminado. Não é o mesmo que mostrar à Israel, que ele não tinha mais a visão suficientemente exercitada, suficientemente pura e limpa, para poder ver os objetos que estavam na montanha? Não é ainda mostrar o respeito que devia ter por todos os santos objetos que ali estavam, dos quais ele não devia aproximar-se senão de longe e trêmulo?
É, pois, absolutamente necessário usar da maior circunspecção, moderação e discrição sobre todos os objetos que a Ordem possui e caminhar com a maior consideração no caminho que conduz ao fim; por que cada senda que ali conduz tem espinhos, dificuldades e obstáculos que é preciso dissipar, extirpar, afastar. Ser conduzido ao caminho sem ter desviado esses obstáculos, constitui uma dificuldade ainda maior para superá-los.
Desse modo, a prudência, tão recomendada pelo próprio Jesus-Cristo, deve ser o alicerce de nossos passos. Um grande número de forças dadas a um general pouco experimentado não fazem senão aumentar sua derrota. É necessário, antes de lhe dar um corpo grande, que ele saiba ao menos dominar um corpo pequeno. O mesmo ocorre com nossa alma: é necessário que ela tenha se exercitado por muito tempo nos pequenos combates antes de resistir aos grandes; as maiores forças que se lhe dá aumentam seus combates. Assim, é preciso saber moderar o desejo de avançar, pelo medo de cair. Vimos que o uso dos alimentos, tão necessários à vida do corpo, utilizados em quantidades muito grandes, e sobretudo em convalescença, são freqüentemente mortais aqueles que os empregam. É, pois, indispensavelmente necessário acostumar pouco a pouco o seu estômago às carnes antes de fazer grandes refeições cuja digestão é sempre difícil. As diferentes provas que se deve submeter aos sujeitos para certificar-se de seu desejo, fidelidade e perseverança são desse gênero.
Um sujeito tem hoje um grande desejo e amanhã não tem mais, porque mudou de pensamento. É, pois, necessário dar-lhe mais tempo antes de admiti-lo, para saber se possui um desejo verdadeiro. Se possuir, seu desejo aumenta em razão das dificuldades, e, se não o tem, as dificuldades o aniquilam; o que sempre é um grande bem: 1º, é um homem de desejo superficial: se tivesse entrado na Ordem, teria sido um mau sujeito; é, pois, um grande bem que não entre; 2º seu desejo é verdadeiro, o tempo não faz senão aumentá-lo; 3º, os diferentes obstáculos que lhe são colocados e que supera lhes darão um mérito ainda maior, que tem a sua recompensa.
Desejo, paciência e perseverança. São três virtudes que rogo ao Eterno de nos conceder a todos e de nos manter para sempre sob sua santa guarda.
Amém!
O Rosacrucianismo e o Martinismo: alguns conflitos doutrinários ocultos.
Por Mario Sales,FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Como é de domínio público, a história do Martinismo é complexa.
Tudo indica que é vontade de Deus que esta Ordem permaneça viva e ela tem como a Fênix, a capacidade de desaparecer e ressurgir, de tempos em tempos, independente do passamento sempre súbito e inesperado da maioria de seus líderes (tome-se o exemplo de Pasqually e de Pappus, ou mesmo seu sucessor, Téder).
Numa dessas intrincadas situações históricas do misticismo, uma de suas ramificações tornou-se tutela da Antiga e Mística Ordem Rosacruz, AMORC, a Tradicional Ordem Martinista, que hoje é uma ordem extremamente velada e só permitida à rosacruzes acima do primeiro grau de Templo.
Tal situação gerou uma situação no mínimo curiosa, qual seja a convivência entre a visão do Misticismo como entendido pela Ordem Rosacruz (e principalmente pelos rosacruzes modernos) e a visão do Martinismo, em um só grupo, embora sejam discursos absolutamente distintos.
Se bem que exista um esforço oficioso e oficial para desfazer esta sensação de divergência, com a visão de que a via cardíaca de Saint Martin complementa o trabalho introspectivo de aperfeiçoamento interior dos rosacruzes (a chamada verdadeira alquimia), algumas questões místico-filosóficas não harmônicas saltam aos olhos. Senão vejamos:
1. O Martinismo de Pappus é uma construção feita a partir de três pontos: a Ordem dos Cavaleiros Maçons Sacerdotes Eleitos (Ellus Cohen) do Universo, de Martinez Pasqually, por um lado; o trabalho filosófico de Louis Claude de Saint Martin, e, por último, o trabalho de Jean Baptiste de Willermoz, como terceira ponta deste triângulo inicial.
Até aí, aparentemente nada demais. Só que nestes três pontos já existem conflitos.
Vejamos: o trabalho de Martinez de Pasqually, o Martinezismo como é chamado é altamente Ocultista. E aí devemos parar para estabelecer um critério de comparação.
Existem a meu ver três tipos de características que identificam as ordens secretas. Chamaremos a primeira de Esoterismo; a segunda, Ocultismo, e a terceira característica o Misticismo.
Expliquemos: Esoterismo é a característica mais óbvia das sociedades secretas, a norma de conservar velados, total ou parcialmente, seus ensinamentos;
Ocultismo por sua vez refere-se a práticas de técnicas de magia (para coisas da Terra) ou teurgia (para coisas do Céu).
Tais técnicas tiveram seu período de ouro nos séculos XVII e XVIII, e se compõem de procedimentos verificáveis e reprodutíveis de ação sobre o mundo visível e invisível, área de especialidade de Magos por toda a história do Ocidente e Oriente;
E finalmente o Misticismo, que é a área de mergulho interior em busca do contato com o Mais Sublime em nós, característica de todos aqueles que sinceramente buscam Deus em seus próprios corações, sem intermediários, meta última de todo verdadeiro Iniciado, para a qual todas as outras características são apenas meros acessórios.
Digamos que quaisquer dessas características podem ser classificadas em pouco, medianamente ou muito intensas.
Feita esta pequena digressão podemos dizer que a Maçonaria é uma Ordem pouco esotérica, pouco ocultista e pouco mística.
Que a Rosacruz, AMORC, é, hoje em dia, pouco esotérica, medianamente ocultista e muito mística.
Já o Martinismo é muito esotérico, muito Ocultista, e muito místico.
Ora, dito isto, já vemos algumas diferenças. A importância do Ocultismo para os Rosacruzes é menor do que para os Martinistas.
Nem sempre foi assim, no entanto. No mesmo século XVIII, muitos rosacruzes dedicaram-se ao Ocultismo com afinco e mostraram seus estudos aos maçons como fazê-lo, já que muitos rosacruzes eram também membros da Maçonaria.
Para isso era necessário ter conhecimentos de alquimia, simbólica, cabala e principalmente, ler os grimoire, que em francês quer dizer gramáticas, livros de magia famosos por trazerem as receitas de bolo da magia operativa.
O que aconteceu então? Os rosacruzes literalmente desencantaram-se com o Ocultismo. E por quê? Porque aperfeiçoaram suas técnicas e entenderam que muito, mas muito deste aparato metodológico era desnecessário à sua finalidade primordial, qual seja, a elevação de seus espíritos como seres humanos a um nível de excelência.
Rosacruzes, ontem como hoje, querem ser cada vez melhores como seres humanos, e servir mais intensamente a mesma humanidade da qual fazem parte.
Esta é a verdadeira alquimia: a transformação do ser humano chumbo, homem ou mulher, em ser humano ouro.
A Magia pela Magia, o Ocultismo pelo Ocultismo, entre os Rosacruzes modernos, digamos assim, saiu de moda.
Não posso negar que foi um avanço do ponto de vista psicológico.
As mentes da Rosacruz moderna sabem que nada mais é necessário senão uma mente clara, desejos definidos, e uma visualização nítida e dirigida para conseguir o que desejarem, sem a necessidade de complexos e estranhos rituais e palavras secretas.
E o que há de interessante nisso em relação ao Martinismo?
Pelo que sabemos da história dos martinistas, a evolução descrita nos trabalhos rosacruzes equivale à diferença entre o Martinezismo dos Cavaleiros Ellus Cohen, e o Martinismo, de Louis Claude de Saint Martin, pós martinezista.
Não pode haver nenhuma ilusão: esta é a primeira grande diferença entre o Martinismo Moderno e seus ancestrais dos Ellus Cohen. Daí o relato de testemunhas que sempre repetem a insatisfação de Louis Claude de Saint Martin com a complexidade dos rituais de Martinez de Pasqually nos Ellus Cohen dizendo: “- Será que tudo isto é realmente necessário para se ver Deus?”
Desta forma, o Martinismo não é uma continuação pura e simples do Martinezismo, embora lá tenha suas raízes históricas. Ele é uma guinada na direção do Misticismo mais puro, e é isto que a expressão “Via cardíaca”, representa.
Neste ponto, o Martinezismo se parece mais com as antigas técnicas rosacruzes enquanto o Martinismo está mais de acordo com as posturas modernas da AMORC.
Hoje as escolas esotéricas, como sempre foram, são escolas de aperfeiçoamento humano, mas ao contrário dos tempos passados, não vêem o ensino do Ocultismo como se praticava no século XVIII como fundamental à transformação alquímica do ser humano.
Sabemos hoje onde reside Deus e onde reside o Demônio, onde está o mal e o bem: dentro de nós mesmos.
As batalhas místicas que povoam a imaginação dos não iniciados não ocorrem mais com encantamentos e poções e raios que saem de bastões, porém dentro de cada místico, no silêncio de seu santuário, pertença ele à Ordem que pertencer.
Porque se for uma boa Ordem seu objetivo será levar este indivíduo a se aperfeiçoar e para isto o indivíduo em questão precisa antes de tudo dele mesmo, e de Deus dentro dele para conseguir tal coisa.
Mais nada.
E o Martinismo de Pappus e Stanislas de Guaita? Também centram no homem ou na mulher as energias de transformação?
Não. Os intelectuais esoteristas da Paris dos 20 últimos anos do século XIX e início do século XX davam muito valor à erudição esotérica e o outro nome de erudição esotérica é Ocultismo. Pappus era médico e um incansável escritor e leitor. Guaita lia tudo que podia e procurava ansiosamente por mais informações, pois as que tinha em mãos logo se exauriam.
Eram homens de livros.
O grande volume de informações sobre Cabala presente na Tradicional Ordem Martinista, tutelada pela AMORC, é uma conseqüência disso.
E aí vemos de novo a convivência de duas estratégias completamente opostas na mesma busca pelo contato com Deus.
Uma, o Ocultismo Martinezista, refletido na estrutura interna da Ordem Martinista de Pappus, Péladan, Augustin Chaboseau e Guaita; e outra, o Martinismo estrito, com forte influência de Bohéme e Svendenborg, anterior a eles, mas, a meu ver, mais avançado tecnicamente no que interessa a causa suprema.
Por causa disso alguns rosacruzes estranham os textos martinistas como presentes em seu ritual. Estas duas tendências, não opostas, mas assincrônicas, convivem como se fossem parte de um único corpo de doutrina.
Para os Rosacruzes modernos, o Ocultismo do séc.XVIII é um capítulo de erudição esotérica, não uma técnica necessária à evolução espiritual. Um conhecimento curioso, mas para nós, hoje, na busca de Deus, pouco prático.
E isto causa, de forma indefinível para muitos, desconforto psicológico, embaraço místico, e em silêncio repetem com seus lábios a mesma pergunta de Saint Martin:
“- Será que tudo isto é realmente necessário para ser ver Deus?”
O Viés Maçônico de Willermoz
Por outro lado, ainda existe a considerar o Martinezismo Willermoziano, que foi organizado mais ao modo de Lojas maçônicas e com encontros que lembravam os Ellus Cohen, sem, no entanto a presença magnética de um Ocultista do quilate de Pasqually.
De um grupo centrado em um homem, o Willermozismo distribuiu o conhecimento e em parte o poder de todos que freqüentaram as lojas diferenciadas que construiu, bem como os encontros que promoveu, os conventos.
Leia-se para referência esta passagem retirada do site Hermanubis, no endereço
http://www.hermanubis.com.br/artigos/BR/ARMARTINE005OsDiretOriosEscocesesNaFranCa.htm
onde pode ser acessado na íntegra:
“O Convento De Gaules (Lyon, 1778)
Uma reunião, chamada "O Convento de Gaules", se desenvolveu de novembro a 10 de dezembro de 1778, em Lion, por provocação de Willermoz. Dedicou-se a reformar a "Província Auvergne da Estrita Observância" e foi nesta ocasião que os Templários da França e Alemanha adotaram o nome de CBCS. Na realidade esta Convenção começou a ser gestada em 1776 e sua realização foi marcada para o mês de outubro de 1778.
O sucesso das lojas do Rito Escocês Retificado foi total na França, principalmente porque elas eram
oriundas das tradições templárias e, sobretudo porque seus chefes eram nobres autênticos, príncipes, duques, barões, e as iniciações eram muito seletivas. Nessa mesma época, estava se instalando o Grande Oriente da França, que fez questão de agrupar os Diretórios Escoceses sob sua égide e um tratado foi assinado nesse sentido. Esses diretórios não tinham uma direção central na França e uma união era preconizada por todos. Entretanto as desavenças em vez de diminuírem, aumentaram. O próprio Willermoz escreveu ao Príncipe Charles de Hesse, queixando-se que Weiler não conhecia nada sobre "as coisas essenciais".
O grande superior Ferdinand de Brunswick procurava desesperadamente a doutrina e a coesão que faltava. Os Lyoneses detinham há 11 anos o sistema de Martinez de Pasqually, doutrina que poderia interessar aos Diretórios. Willermoz e Louis Claude de Saint-Martin de maneira muito oculta, prepararam as coisas com cuidado.
Eles conseguiram iniciar Jean de Turkeim e Rodolphe de Salznan na Ordem dos "Ellus Cohen", homens de grande importância no seio da Estrita Observância Templária do Diretório de Estrasburgo. E esses dois homens desempenharam um papel muito importante quando os ocultistas de Lyon apresentaram sua proposta dos conventos que iriam realizar no futuro.
Com os espíritos preparados, segundo a doutrina de Martinez, os Lyoneses convocaram o Convento de Gaules em 1778, em Lyon. As grandes figuras da Estrita Observância Templária estiveram presentes em Lyon, mas preocuparam-se essencialmente com o futuro administrativo da Maçonaria. Willermoz demonstrou, desde logo, que a preocupação deveria nortear-se sobre o verdadeiro objetivo da Maçonaria, suas diretivas de estudos que deveriam orientar-se na busca da Divindade.
No transcurso dos trabalhos, decidiram distinguir as lojas simbólicas das lojas da Ordem Interior e substituir por Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (CBCS) a palavra Templário. Os rituais apresentados pelos Lyoneses foram aprovados, assim como as instruções secretas de Willermoz, tiradas do "Tratado da Reintegração dos Seres Criados"' de Martinez de Pasqually. O objetivo primeiro da Maçonaria seria comunicado somente aos iniciados nos dois últimos graus, aqueles de "Professo" e do "Grande Professo". A denominação de Superior Incógnito, que tinha sido condenada anteriormente, foi ressuscitada no convento, e era designada àqueles portadores de alta doutrina da Ordem. Entretanto, o verdadeiro objetivo da Maçonaria, permanecia desconhecido por todos aqueles que não tinham entrado realmente dentro da iniciação, embora portassem títulos de nobreza e
mesmo os altos graus do "Rito Escocês Retificado".
Além disso, havia várias tendências maçônicas e de outras sociedades espiritualistas que colocavam uma grande confusão nas mentes dos vários grupos maçônicos, oriundos de regiões diferentes. Havia assim, a necessidade da realização de um outro convento.E este seria o Convento de Wilhemsbad.
Convento De Willelmsbad De 1782
Foi assim que quatro anos mais tarde, em 1782, realizou-se outro convento em Willelmsbad na Alemanha, com um número maior de participantes em relação àquele efetivado na cidade de Lyon em 1778. As reuniões duraram 45 dias(?!!) e lá estavam presentes Willermoz e Saint-Martin, bem como representantes dos Filaletes, dos Iluminados da Baviera, etc., todos ligados à Estrita Observância Templária.
A diversidade de idéias e de opiniões, impediu que se chegasse a um denominador comum e que se definisse com precisão a doutrina da Ordem. Desta maneira, acabou-se mantendo as mesmas resoluções do Convento de Lyon, inclusive a doutrina de Martinez. Abandonou-se definitivamente a pretensão da descendência direta dos Templários, evocando-se, entretanto uma filiação espiritual, oriunda do Mundo Invisível.
As classes de Professo e Gran Professo desapareceram oficialmente na Convenção de Wilhemsbad em 1782 e, de lá para cá temos:
Lojas Azuis, ou de São João: 1) Aprendiz; 2) Companheiro; 3) Mestre. Lojas Verdes: 4) Mestre Escocês de Santo André. Ordem Interior: 5) Escudeiro Noviço; 6) CBCS (Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa)
Neste trecho vêem-se duas coisas. A primeira, as gestões feitas em conjunto por Willermoz e Louis Claude de Saint Martin, mostrando que trabalharam juntos na tentativa de manter vivo o Martinezismo, e o tempo que duravam essas reuniões, ou conventos, levando até 45 dias. Por isso as reuniões modernas de hora e meia são chamadas conventículos, pois não passam de pálidas lembranças daqueles períodos longo de deliberações que ocorriam àquela época.
Outra coisa que fica claro é que não existia uma Ordem denominada como Martinista, mas todas as gestões ocorriam dentro de ambiente eminentemente maçônico, com a característica maçônica de discussão entre seus membros e votação de propostas como em qualquer assembléia de homens “livres e de bons costumes”, como os maçons costumam se chamar.
Há um forte caráter administrativo no trabalho, e embora exista grande interesse místico (como mostra o trecho onde se diz “que a preocupação deveria nortear-se sobre o verdadeiro objetivo da Maçonaria, suas diretivas de estudos que deveriam orientar-se na busca da Divindade”) tal objetivo, voltar-se para a busca de Deus em nós, os rosacruzes modernos bem sabem, não é algo a ser discutido como um protocolo coletivo, mas um caminho extremamente solitário, que não é o mesmo para duas pessoas, quanto mais dezenas.
Creio que foi essa percepção, para nós rosacruzes tão sensata quanto verdadeira, que fez Saint Martin optar pela iniciação individual, pessoa a pessoa, no seu ministério que se desenvolveu nos anos seguintes.
Não somos, nós rosacruzes, uma Ordem de debatedores dialéticos como os maçons.
Somos isto sim, uma Ordem de buscadores silenciosos de Deus. Isto os Rosacruzes sempre foram, de várias maneiras, e sempre serão. Este é o foco. O resto é acessório.
Daí estranharmos os templos muito iluminados e claros, cicatrizes do Willermozismo, e de desconfiarmos em silêncio de que isto possa de per si, levar a uma melhor percepção do Todo Poderoso.
Os Martinistas, como ex-maçons, pedem silêncio aos seus membros. Os rosacruzes estranham: eles sempre foram silenciosos. É a sua natureza. É o seu modo de ser.
Tudo posto esta característica organizacional, para maçônica, nem seria problema algum e poderia servir de alargamento de horizontes para os silentes Rosacruzes buscadores da Luz.
Só que, dentro desta estrutura templária surge a questão mais grave, a meu ver, e a mais delicada: a oposição religião versus religiosidade.
Os Rosacruzes são por definição, panteístas. Não situam a Divindade em nenhum lugar ou época, seguindo a risca as três características aceitas para o Todo Poderoso: Onisciente, Onipotente e Onipresente.
O corolário disto é que nenhum Avatar que passou pela Terra, e graças ao Pai, foram muitos, mesmo considerando-se sua raridade, pode ser considerado o único representante desta mesma divindade. Na visão rosacruz aceita, embora raramente discutida, todos nós somos portadores desta mesma divindade, desta filiação divina, sendo apenas uma questão de tê-la mais ou menos manifestada, de sermos mais ou menos conscientes dela. O que, aliás, condiz com um aforismo martinezista que diz em seu Tratado da Reintegração dos seres que diz que “todos aqueles que estão dentro do Eixo Fogo Central Incriado, homens e anjos, até a última centelha de Deus, sairão do Círculo pela evolução juntos em direção à Luz, ou não sairão.”
A Luz Divina, para os Rosacruzes, está em todos nós, em todas as pessoas, em todas as coisas. E o que é um Avatar, um Iluminado? É aquele que atingiu um alto grau de consciência dessa Luz dentro de si e a manifesta de maneira quase plena, muito além do comum dos mortais. Eu digo quase plena porque a manifestação plena impediria que este mesmo indivíduo se manifestasse entre nós em carne, já que seria pura energia, puro espírito, completamente separado deste ciclo de encarnações.
Desta forma, Jesus, o Cristo, está para os Rosacruzes como um desses Avatares, ao lado de muitos outros, e a discussão sobre quem foi o maior entre todos, só serve a fanáticos e religiosos, não aos místicos. Místicos não são religiosos; são seres imbuídos, isto sim, de extrema religiosidade, e sabem em seus corações que o trabalho de purificação interior, como já foi dito, é solitário, uma responsabilidade pessoal e intransferível.
Portanto, a existência destes homens sagrados só nos estimula e serve de exemplo, mas em nada nos diminui a responsabilidade quanto ao nosso próprio destino e evolução.
Não cultuamos estes seres como a única manifestação de Deus, ou a principal manifestação de Deus, ou como o próprio Deus, isoladamente manifesto.
Entre místicos existe um consenso de que Deus é muito, mas muito maior que seus profetas. E por ser Onipresente, não poderia estar, por definição, isoladamente em ninguém em particular, mas sim em toda parte. Se estiver em alguém, homem simples ou santo, estará ali também e não só ali.
E o que nos diz o Martinismo moderno?
- Que se trata de uma ordem cristã. Até aí tudo bem. E que todo seu trabalho visa a Glória do Grande Arquiteto do Universo, antiga fórmula maçônica para evitar conflitos religiosos em suas lojas, personificando neste termo o Ser Supremo.
Por último afirma: “Para o Martinismo, diferentemente da Maçonaria, o Grande Arquiteto do Universo é Jesus, o Cristo, e não um Deus impessoal, já que Jesus é Deus”.
Pausa para reflexão. Isto não condiz com o Panteísmo rosacruz nem com a impessoalidade mística da Divindade Suprema como entendida, senão por todos, pela maioria dos rosacruzes.
E ao contrário das questões anteriores, não há como compatibilizar as duas visões.
Ou Deus é onipresente, está em toda parte e em todos, ou não está e concentrou-se em um único ser: O Cristo, Jesus.
Não é apenas uma questão filosófica, bizantina.
Trata-se da mais importante condição da prática mística que diz que todos nós poderemos um dia atingir a iluminação e tornarmo-nos unos com Deus, e repetir com Jesus; “-Deus e eu somos um”. Se assim não for,não poderemos.
Dentro do Martinismo, pelo menos suponho, não estamos dentro de uma religião, mas de uma Ordem Mística, na acepção da palavra.
Todos os martinistas da TOM, embora tenham aulas sobre Ocultismo, estão mais preocupados em seguir a Via Cardíaca para ampliar seu contato com a Vontade Divina, e tornar-se cedo ou tarde esta mesma vontade, e embora reconheçam a Divindade inegável do Cristo Jesus, seriam incapazes de aprisionar nele a única manifestação da Divindade, de forma que, de um golpe, Deus estaria historicamente datado, distante no Espaço e no Tempo, preso a uma época e a um lugar.
Isto é misticamente inconcebível, inaceitável.
Talvez aí esteja a mais notória discrepância entre o pensamento rosacruz e o pensamento Martinista.
Reverenciamos como místicos rosacruzes todos os Mestres, e não apenas ao Cristo. Reverenciamos a presença de Deus em todos os seres e não apenas a presença de Deus no Cristo. Se formos forçados a isto não poderemos cumprir a diretriz da carta de Stanislas de Guaita aos SI que é lida no Início do Grau, para todos os alunos da classe, a qual diz:
“Não queremos aqui te impor convicções dogmáticas. Pouco importa que te consideres um materialista, espiritualista ou idealista; que professes fé no Cristianismo ou no Budismo; que te proclames um Livre pensador ou que defendas até mesmo o ceticismo absoluto.Não atormentaremos teu coração com problemas que só podes resolver perante tua consciência e no silêncio solene de tuas paixões aquietadas.”
E continua, sempre com brilhantismo:
“Se te sentes envolvido pelo amor verdadeiro de tuas irmãs e irmãos humanos, não procures nunca dissolver os laços de solidariedade que te unem estreitamente ao reino hominal, considerado em sua síntese. Tu fazes parte de uma religião suprema e verdadeiramente universal, pois é ela que se manifesta e que se impõe (de uma forma múltipla, é verdade, mas idêntica em sua essência) sob os véus de todos os cultos exotéricos do ocidente quanto do Oriente.”
Magistral. Um verdadeiro discurso rosacruciano.
Vale ressaltar que ambas as abordagens, em si contraditórias, estão presentes nos textos da mesma Ordem, a TOM.
E isto talvez seja mais uma seqüela maçônica. A TOM é, dentro de si, não uma doutrina mística homogênea, mas uma intersecção de várias linhas de pensamento e de compreensão, um amálgama filosófico, ora moderno, ora démodé, ora religioso e direcionado para uma visão cristã ou eminentemente bíblica do mundo, ora verdadeiramente místico e plural.
Os rosacruzes acostumados a conviver com várias formas de manifestação da verdade, não estranham em seus corações esta diversidade de posturas. O que lhes causa espécie, eu suponho, é a tentativa de fazer deste conjunto heterogêneo de facetas, uma mesma esfera, lisa e regular.
Ainda precisamos pensar o Martinismo a luz do Rosacrucianismo e esta intervenção crítica será provavelmente o primeiro passo da Rosacrucianização do Martinismo moderno, como organizado na TOM.
Agora, depois de achar que já havia encerrado o elenco de noções conflitantes entre as duas correntes de pensamento estudadas, me veio à mente, lendo uma monografia avançada da AMORC, outro problema: o da Unidade versus a ausência de Dualidade.
Embora colocado assim pareça redundante, eu procurarei elaborar o tema.
Sem intenção de violar o segredo o qual jurei guardar sobre todos os textos monográficos algumas considerações me parecem impossíveis de não transcrever. E como estarão fora do contexto, não haverá ruptura do sigilo.
Portanto, ouçamos a voz oficial da AMORC:
“ Um dos conceitos místicos básicos é a convicção da Unidade da Realidade. Trata-se da doutrina de que há um substrato por trás da miríade de manifestações que percebemos na natureza.A despeito da variação dos fenômenos da natureza, seja ela animada ou inanimada, há uma substância integral subjacente que não apresenta diversidade....Isto é comumente chamado de Unidade. Do ponto de vista semântico e filosófico, a palavra “unidade” , porém, quando analisada,não se aplica a essa doutrina.Isto porque Unidade implica a reunião de partes separadas de modo que constituam ou pareçam constituir um só todo. Aquilo que é verdadeiramente uno em si mesmo, portanto, não é uma Unidade, (não integrou partes antes separadas). Por conseguinte, não podemos logicamente afirmar que há uma unidade na diversidade, dado concebermos que a essência ou realidade subjacente não é diversificada ( dual) em sua natureza.” E segue o texto por esta linha de raciocínio.
E quanto ao Martinismo? Como é o nome do Livro base dos conceitos de Martinez de Pasqually? “Tratado da Reintegração dos Seres Criados”. Ora, para se falar em Reintegração, pressupõe-se, obviamente, que houve uma anterior Desintegração, ou melhor, uma separação que será desfeita após determinado processo místico ou teúrgico.
Visões novamente divergentes. Para os Rosacruzes, não há possibilidade de reatar aquilo que nunca foi separado, didaticamente ensinado pelo genial modelo da ligação em série de 7 ou 8 lâmpadas, de forma a demonstrar a presença em todas as lâmpadas da mesma energia elétrica a fluir e integrar a todos, mesmo que acenda uma luz vermelha aqui e outra azul ali. Para o Rosacruz, Deus está dentro dele, sempre esteve e sempre estará. Parado, em seu Sanctum no lar, ele contempla seu próprio reflexo em um espelho, para compreender que é nele mesmo que está aquilo que ele busca. Não há movimento para fora nesta busca. Há apenas expansão da Consciência de uma presença que sempre esteve e estará lá, e que por causa da qual, ele se manifesta neste mundo com a ilusão de autonomia, de independência. Já para o Discurso Martinista, ou pelo menos para parte deste discurso, o contato com Deus é algo a ser alcançado, em direção ao qual devemos nos dirigir. Deus não está em nós, mas no Cristo, Jesus, nosso intermediário. Novamente a distância e a separação. Por isso faz todo sentido falar em Reintegração a alguma coisa da qual supomos e postulamos estarmos distantes e separados.
Pior: reencontro este que pressupõe um terceiro elemento, um intermediário, sem o qual não poderá ser realizado.
O encontro do Graal dentro de nós não é mais possível. Só o Cristo pode encontrá-lo e nós o seguiremos, contemplando o cálice sagrado em suas sagradas mãos, à distância.
Qual a acepção correta: Distância ou proximidade?
Contato direto, ou indireto e intermediado?
Houve realmente uma queda ou apenas um processo normal e voluntário de expansão da consciência cósmica em busca de conhecimento? Pode-se, em sã consciência, chamar tal movimento, legítimo, e provavelmente cíclico do Cósmico, de uma “Involução”, ou é assim que o Todo Poderoso normalmente Evolui, e nós com ele, já que somos, todos nós, Ele mesmo?
São questões a considerar, e que deixam claro que, se existe nobreza na prática Martinista isto em nada modifica o fato de que Martinismo, Martinezismo ou Pappusismo não são Rosacrucianismo.
E isto deve ser claro a todos que são membros de ambas as ordens, até para que possam transitar sem traumas entre elas.
Por Mario Sales
Talvez de todos os conceitos esotéricos elencados no trabalho de Martinez de Pasqually, no seu Tratado da Reintegração dos Seres Criados o que mais desafia a imaginação dos iniciantes é o do Eixo Fogo Central Incriado.
Ainda mais porque o esquema que sustenta esta teoria e tenta esquematizá-la, na verdade cria mais confusão em torno do tema. Com certeza de modo involuntário.
A questão é que quando representamos algo, re-apresentamos a mesma coisa de modo diferente. E neste momento, o que foi utilizado para facilitar a compreensão, pode inadvertidamente dificultá-la, ou mesmo impedi-la. Símbolos não são fatos, são representações dos fatos.Se quisermos os fatos por trás dos símbolos, precisamos ir além do símbolo.
Vejamos um desenho que é reproduzido de maneira regular para tentar dar uma idéia visual dos textos de Martinez de Pasqually no “Tratado”.
Ao que tudo indica, foi Saint Martin quem o fez e eu o reproduzo acima.
Mostra um semi círculo, de convexidade para baixo, como uma bacia, sugerindo que se estende para o alto.
Abaixo dele e tangenciando-o, existe outro círculo, dessa vez completo, e no ponto de tangência, um Sol, representando provavelmente a Luz de Deus.
Uma série de pontos, semelhantes em disposição às sephirots e à Árvore da Vida distribuem-se para baixo envoltas em um terceiro e interno círculo , um pouco mais espesso, denominado Fogo Eixo Central Incriado.
Na parte de baixo, encontramos marcado com o número 12, um triângulo de vértice para baixo, denominado, Mundo da Criação, ou Malkut.
No alto, lemos com algum esforço, em caligrafia cursiva e em francês, a expressão Immensité Sur Célest, em volta e abaixo do Sol. No semi círculo acima lê-se a inscrição Immensité Divine.
O Sol está inscrito em um círculo, no vértice superior de um losango, cujas outras pontas para baixo, tocam outros três círculos dentro dos quais existem outras inscrições e números( 10 para o sol, acima, com um 1 embaixo, 2 para o círculo da esquerda, 3 para o da direita, e na ponta inferior deste losango, um 4.
Pelos ensinamentos de Pasqually, o 4 equivale ao homem, o Homem espiritual, que existe na Imensidade Supra Celeste, tocando o círculo mais espesso embaixo, o Eixo Fogo Central Incriado.
Um segundo losango, e um triangulo depois, abaixo, com vértice para cima, são anteriores àquele último triângulo de vértice para baixo, descrito acima, onde fica o Mundo da Criação.
Este é o esquema.
Confessemos. Não é propriamente uma cartilha esotérica. Sua linguagem não é o francês, mas a língua dos símbolos.
Como interpretá-lo?
Visão espacial no séc XVIII e no séc.XXI
Quando Saint Martin fez este esquema, queria representar as idéias do Mestre. Era seu secretário, e suponho que tenham discutido os conceitos que Martinez ensinava nas reuniões dos Ellus Cohen com muito mais privacidade do que com outros membros da Ordem.
Saint Martin conhecia bem as idéias do Mestre. Visto isto, podemos também supor que seu desenho é a melhor representação possível das Idéias de Martinez.
Porque então nos parecem tão pouco claras?
Comecemos por uma pequena diferença que se manifestou na passagem dos anos. O sistema nervoso dos homens modernos tornou-se mais complexo.
Hoje pensamos tridimensionalmente. No século XVIII o pensamento era bi-dimensional.
Não de outra forma, as representações do mundo eram planas embora já se soubesse que ele não o era.
E por que comento isso? Por que o que temos no esquema de Saint Martin são círculos, mas eles representam dimensões, ou pensando tridimensionalmente, ao modo do século XXI, esferas.
Essas dimensões têm volume, e claro, um interior, um conteúdo.
Mas que importância tem isso? Vendo desta forma o chamado Eixo Fogo Central Incriado deve estar contido e fluindo por dentro desta esfera,penetrando todas as coisas, e não apenas pela periferia de um círculo bidimensional. Isto é compatível com um anexo da página 366*, aonde se lê:
“Anexo: experiência para convencer da verdade do eixo fogo central, que é inato em nós, e que nenhum corpo elementar pode subsistir ou operar sem o seu poderoso concurso.”
Ou seja, o Fogo Central, chama-se Fogo porque gera Calor, ou melhor, é o nome mais apropriado para um século que não tinha o hábito que usar outro termo, para nós quase cotidiano: Energia.
Central, porque flui por todo o interior desta esfera esquemática dimensional, alimentando os seres que estão contidos em seu interior. Eixo por que está no centro das engrenagens da vida, e Incriado por que é da mesma natureza do Criador e por isto foi Emanado e não Criado, como a gota d’água e a massa d’água de onde a gota saiu. Mesma natureza, mas separadas.
A Imagem, agora, fica mais clara.O mundo da Criação, a Immensité Terrestre, e os outros níveis da estrutura acima alimentam-se dessa energia e para representar esta ligação, o triângulo de vértice para baixo encosta no círculo do F.E.C.I. do qual saem alguns cílios, que devem representar chamas ou melhor, a influência desta energia no cadinho de transformação , o Mundo Material.
Alquímico.
Se O E.F.C.I. é uma energia, e essa energia é fundamental a vida e manifestação de tudo o que conhecemos e muito que não conhecemos ainda, também podemos concluir que E.F.C.I. é um outro nome para o que os rosacruzes chamam de Nous, os indianos Prana e os Chineses, Ki.
Perfeito. Tudo parece fazer sentido. Podemos até reconhecer ecos da mesma tradição que conhecemos tão bem e que foi contada de modos diferentes por todas as culturas, preservando sempre a mesma essência.
Mas resta um problema. O Homem. Ele está acima do mundo normal de manifestação, na imensidade supra celeste,com o número 4, mas habita o mundo da Criação, que tem número de 12.
O que um ser quase divino faz em uma região tão distante de seu nível?
Resposta: experiências. O segredo está no seguinte axioma: não somos seres corpóreos , com uma alma, mas almas, experimentando no Mundo da Criação, e para isso, usando um corpo. Um não, vários. Pois nós, homens, somos da mesma natureza de Deus, eternos, mas nossos corpos são produtos da criação, e por isso, temporários. Muitas serão as vestes que usaremos enquanto experimentamos neste mundo as emoções e evoluímos nossa consciência.
O Curioso é que há anos olho para esse esquema Martiniano sem atentar para nenhuma dessas ilações às quais só percebi porque tridimensionalizaei uma figura plana.
Um círculo virou uma esfera e tudo ficou claro.
Por isso repito. Precisamos ir além dos símbolos. E entendê-los dentro do seu contexto histórico, o contexto social dos homens que os produziram, como ensinavam os Hermeneutas alemães, Gadamer e seu discípulo, ainda vivo, Jürgen Habermas.
*Todo o material para este artigo foi retirado do Livro Tratado da Reintegração dos Seres , de Martines de Pasqually, primeira edição autêntica segundo o manuscrito de Louis –Claude de Saint –Martin, 1ª edição em língua portuguesa, abril de 2007, edição autorizada pela Diffusion Rosacrucienne.
A FRATERNIDADE
Suzano, 27/04/2007.
Por MARIO SALES, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
CAPÍTULO I
A PALAVRA
Cada tarde, de 15 em 15 dias, os irmãos e as irmãs se reuniam para elaborar e aprofundar os temas necessários à iluminação de suas mentes e a elevação de suas almas.
Eram sete: as irmãs D1 e D2, e os irmãos D, W1, W2, H e M.
Sentavam-se em círculo, como Artur e seus cavaleiros, e acreditava-se que tinham preservado a tradição mística cristã dos Templários.
Uma cadeira, no entanto, permanecia vazia. Ela era a representação material da presença espiritual de seu mestre.
Embora se reunissem à moda da Távola de Camelot, não havia ali um rei: na fraternidade, todos, homens e mulheres a mesa, eram Cavaleiros de Cristo.
Lembravam sempre as palavras de Paulo em Coríntios, I, 12,12:
“Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também”.
Muitas eram as questões.
A primeira de todas, no entanto, era esclarecer não ao cérebro, mas ao espírito e ao coração, qual a estratégia ocidental e cristã para alcançar a santidade.
O Oriente já havia resolvido a questão com a meditação.
Para um oriental, não fazia sentido reunir-se em um lugar secreto ou esconder-se atrás de palavras de passe e de sinais para alcançar a plenitude.
Bastava sentar-se e esvaziar a mente, e permitir, assim, que o Todo Poderoso entrasse.
Como se, simplesmente, saíssemos da frente para que Deus passasse.
Meditar desse modo, no entanto, não é o jeito do Ocidente.
A mesma palavra (meditação) que para o Oriente significa ausência de pensamento, para nós significa presença de raciocínio e reflexão.
Somos pensadores e oradores.
Perdemos um tempo precioso com textos e com o sentido lógico das coisas.
Como se o coração pudesse ser surpreendido pelo cérebro; como se o pensamento pudesse revelar a face de Deus.
Não, definitivamente nosso caminho não é o silêncio.
Nosso caminho, aqui no poente, ao fim da jornada do Sol, é o Som.
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”.
Assim João começa seu evangelho.
E aí a Fraternidade começa seus debates.
W1: Na palavra está o poder e por isso, na palavra está a força. Achada ou perdida, a palavra é o nosso caminho.
M: Desde que tenhamos conhecimento.
D1: Sim, o conhecimento, aquele conhecimento que faz das letras de uma palavra algo já poderoso.
D2: Refere-se à Cabala, irmã?
D1: Refiro-me a uma parte da Cabala. Aquela que trata das letras sagradas, as letras poderosas do alfabeto hebraico, que já tem poder em si mesmas, quanto mais quando reunidas em uma palavra.
W1: Como sabemos que a irmã é especialista nesta área, poderia nos dar alguma ilustração neste particular.
D1: Com enorme prazer.As letras hebraicas são a base de um conhecimento esotérico antigo e poderoso.
Primeiro, falaremos sobre o conceito de TORÁH, que em hebraico significa Entendimento.
O Dicionário Judaico de Lendas e Tradições, de Alan Unterman, define TORAH como “um dos conceitos centrais do judaísmo, que pode se referir ao ensinamento judaico do Pentateuco, ou da Bíblia Hebraica, ou, em seu sentido mais amplo, a toda a tradição judaica”.
Diz também o mesmo autor, que “o significado interior da TORAH, sua alma, só é acessível àqueles que penetram seu simbolismo místico”.
Um rabino chamado Hilel, “disse a um candidato à conversão ao judaísmo que todo ensinamento da TORÁH era um comentário à idéia de não fazer ao próximo o que era odioso para si mesmo. Segundo esta mesma fonte, para outro rabino, Rabi Akiva, acompanhando Hilel, o versículo “Ama o próximo como a ti mesmo(Levíticos 19:18)” é o princípio mais importante da TORÁH.
Existem 3 níveis de estudo sobre a ANTIGA SABEDORIA DIVINA DA CRIAÇÃO e sobre os PRINCÍPIOS DA LETRA DA LEI(TORÁH):
SITREI-TORÁH - Os segredos ocultos da Sabedoria Divina
TORÁH (A Lei) -A lei divina da criação
TAMMEI-TORÁH - Os princípios básicos e revelados da Sabedoria Divina.
O SITREI-TORÁH fica para cada um de vocês estudar em sua iniciação individual com os Mestres do Conhecimento, no Templo da Sabedoria.
A TORÁH, os cinco primeiros livros do velho testamento, ficam para cada um de vocês estudarem, compreender e alcançar seu nível espiritual dentro da lei.
Estudaremos hoje somente a TAMMEI-TORÁH, o nível revelado da Sabedoria Divina.
Existem 4 níveis de entendimento na TAMMEI-TORÁH, expressa nos livros santos do povo judeu:
PSHAT, que se refere às histórias no seu sentido literal;
REMEZ que corresponde às dicas, alegorias e metáforas dentro e fora delas;
DRASH se refere à interpretação das histórias, a moral, a filosofia e o conhecimento;
E finalmente SOD, que se refere aos segredos da TORAH – a Alma da Sabedoria Divina.
É este nível de entendimento, SOD, que nos outorga um conhecimento inalienável, nesta e em outras encarnações.
A CABALA
Toda cultura tem dois níveis de manifestação: um mais superficial e outro mais profundo.
A TORAH , mesmo a mais profunda, é a parte revelada. A Cabala (que significa “recebida”) é a parte oculta.
Dois são os textos principais da Cabala: o ZOHAR e o SEPHER YETSIRÁ.
No ZOHAR, o Livro do Esplendor, é dito que a Sabedoria Divina, ou Cabala, se divide em quatro categorias gerais:
Cabala Dogmática, Tradicional, Literal (que se divide em Gematria, Notaricon e Temurah) e finalmente, Cabala Prática, o último nível de estudo da Cabala.
A Cabala é uma sabedoria que existe desde a alvorada da existência humana.
O mais antigo livro escrito sobre ela é o Sepher Yetzirah, o Livro da Criação, cuja autoria os cabalistas creditam ao patriarca Abraham. Ele entendeu que há apenas um Deus, dizendo “Existe um só Deus, vivo e verdadeiro”.
No entanto, a história de Abraham esconde uma verdade muito mais profunda. Deus não é um ser sagrado que está no céu e que castiga e recompensa.
O patriarca Abraham revelou a verdadeira natureza de Deus. Quando se vê o Universo como partes individuais, tudo parece desconectado e sem propósito.
Abraham pôde perceber além da visão.
Ele descobriu pensamento, intenção e propósito nas partes individuais e viu que tudo estava misteriosamente interconectado através do tempo, do espaço e do movimento, funcionando como Um.
Assim, toda a sabedoria divina, descrita com todos os detalhes no Sepher Yetzirah, está impressa, conforme a vontade do Criador, no Coração, na Mente e no Corpo do Homem, criado a imagem e semelhança de Deus Todo Poderoso.
É neste homem Divino que fica a FONTE DIVINA DA SABEDORIA DO CRIADOR.
Números e correspondências da Gematria.
O Sepher Yetzirah ( ) começa assim:
Versículo 1.1 - Sefer Yetzirah
E na tradução do Rabi Arieh Kaplan
Com 32 sendas místicas de Sabedoria
gravou YHVH
O Senhor das Hostes
O Deus de Israel
o Deus Vivente
Rei do Universo
El Shaddai
Misericordioso e Cheio de Graça
Mais Alto e Exaltado
Habitando na Eternidade
Cujo nome é Sagrado.
E Ele criou Seu universo
com três livros (Sepharim)
com texto (Sepher)
com número (Sephar)
e com comunicação (Sippur).
Para este final: “E Ele criou Seu universo com três livros (Sepharim) com texto (Sepher) com número (Sephar) e com comunicação (Sippur)” na tradução do místico francês Gerard Encause, Papus, vamos encontrar uma outra versão.
Papus traduz assim:
“Grava Seu nome por três numerações: Sepher, Sephar e Sipur, isto é O Número, O que Numera, e o Numerado. (também traduzido por Escritura, Número e Palavra)”.
Segundo Kaplan, Sephirah são emanações divinas que formam a base da criação no Macro-cosmos e no micro-cosmos homem.
A palavra Sepher de onde deriva Sephirah é traduzida por texto, e Sephar, significa número e é a raiz de Ciphra ou Cifra. Sippur significa contando, ou estória. As três divisões representam: qualidade, quantidade e comunicação ou Universo, Ano e Alma.
(Sepher)
Texto Palavra (Espaço) Forma das Letras
(Sephar) Número Ano (Tempo) Valor Numérico
(Sippur) Comunicação Alma (Espírito) Pronúncia e Nome das Letras
E o Sepher Yetzirah continua na versão de Kaplan:
As dez Sephiroth do Nada e 22 Letras da Fundação: três mães (letras fundamentais ou primeiros elementos), sete duplas (consoantes) e doze elementares (simples) –
O Sephiroth do Nada, no número dos dez dedos, cinco opõe-se a cinco, com uma aliança singular, precisamente no meio, na circuncisão da língua e na circuncisão do membro.
Dez Sephiroth do Nada, dez e não nove dez e não onze, Entenda com Sabedoria, Seja sábio com o Entendimento, Examine com elas e teste com elas, Faça (cada) coisa firmar-se em sua essência, e faça o Criador sentar em Sua base.(ou em seu trono como prefere Papus).O Sephiroth do Nada: Sua essência é dez, os quais não tem fim:
Uma profundidade de começo
Uma profundidade de fim
Uma profundidade de bem
Uma profundidade de mal
Uma profundidade de cima
Uma profundidade de baixo
Uma profundidade do leste
Uma profundidade do oeste
Uma profundidade do norte
Uma profundidade do sul
O Mestre singular Deus Rei fiel, determina sobre todos eles, desde a sua sagrada morada, até a eternidade das eternidades.
Ou em outra tradução de Isidor Kalish:
A década saída do nada tem as dez infinidades seguintes:
01- O COMEÇO infinito
02- O FIM infinito
03- O BEM infinito
04- O MAL infinito
05- O ALTO infinito
06- A PROFUNDEZA infinita
07- O LESTE infinito
08- O OESTE infinito
09- O NORTE infinito
10- O SUL infinito
E o único Senhor Deus, o Rei fiel, reina sobre tudo da Sua Santa morada para todo o sempre.
No Sepher Yetzirah, Abraham escreveu que o Universo inteiro tinha e continha a Luz Unificada do Criador, que se fragmentou em 32 formas especiais, 10 emanações distintas (dez sephirots), e 22 forças primordiais (22 letras hebraicas) para criar todo o Universo conhecido.
Eis aí os 32 caminhos de sabedoria citados pela TAMMEI TORAH.
AS 22 FORÇAS DA CRIAÇÃO
São estas abaixo as letras-forças do alfabeto hebraico:
Estas são as forças mágicas que uma vez manipuladas com sabedoria podem nos dar a habilidade de alterar nossa própria realidade.
Representam ainda as manifestações básicas da vida.
Três são as letras mães: Aleph, Men e Shin.
Sete são letras duplas, porque tem dois tipos de sons, um forte e positivo e outro fraco e negativo.
Por meio de sua forma, som e vibração, uma letra desse alfabeto funciona como uma antena que estimula e acessa a Energia Primordial do Universo; podemos discutir estas coisas em outra oportunidade porque já me estendi por demais.
Cada letra dupla representa um par de contrários.
Existem algumas diferenças de interpretação destas correspondências, no entanto.
Abaixo expomos meu modo de ver e da tradição e aquele de Papus:
W1: Como acabamos de ver na impressionante e erudita exposição da Irmã D1, as letras do alfabeto hebraico têm poder em si, mas mesmo palavras não formadas pela conjugação das letras do alfabeto hebraico devem ser pronunciadas com prudência.
H: A prudência é um dos degraus. Sendo, como somos, humanos, entretanto, como poderemos ser prudentes todo o tempo? O medo nos aflige todo o tempo, como também nos perturba nossa fragilidade física, bem como a fragilidade daqueles que amamos. Como controlar tantas emoções e evitar que se transformem em palavras? E a palavra, uma vez pronunciada, não pode ser apagada. Eu gostaria de ouvir a opinião dos irmãos e irmãs sobre isto.
M: Daí a importância do silêncio. Este caminho da palavra é muito perigoso. Queremos controlar o incontrolável: nossa língua. Aliás, ela e sua mestra: a mente.
Nenhuma das duas pode ser condicionada a não ser com grande esforço. E aí, já pode ser tarde.
O silêncio é mais seguro.
D1: Sim. Não por outra razão os discípulos que entravam na escola de nosso irmão Pitágoras deviam permanecer em silêncio por cinco anos antes de serem devidamente aceitos.
W2: Cinco anos?
D1: Cinco anos. Não conseguimos às vezes, ficar em silêncio por cinco minutos, quanto mais por cinco anos.
H: E a irmã acha que cinco anos de silêncio seria uma técnica adequada aos dias de hoje?
D1: Não acredito. Naquela época, com certeza, poderia funcionar.O tempo corria, então, mais devagar. E mesmo assim era difícil, mas hoje, numa sociedade discursiva e ansiosa como a nossa, não acredito que funcionasse. Acho que seria praticamente impossível oferecer uma alternativa dessas a qualquer pessoa.
M: A meditação, em si, já seria uma técnica moderna e suficiente.
D: Em que sentido meu irmão?
M: A meditação silencia a fonte do distúrbio e não sua conseqüência. O problema está na mente e não na língua. É no tumulto da mente que nasce a agitação da língua. Se controlarmos a mente, controlaremos a língua e a palavra. A mente, portanto, é a chave.
D: E a meditação pode controlá-la?
M: Com certeza. Podemos praticar o silêncio da mente mesmo falando.
Existem dois silêncios: o verdadeiro e o falso silêncio.
O falso silêncio é o silêncio da língua e o verdadeiro silêncio é o silêncio da mente.
Mesmo calados podemos estar em tumulto interior.
A dor do luto geralmente manifesta-se muito mais nas lágrimas do que nas palavras, e neste caso, lágrimas são palavras silenciosas de água e de sal.
Silêncio da língua não quer dizer portanto quietude.
Quando a mente se aquieta, no entanto, estamos livres de nossas ânsias e desejos, de nossos julgamentos e emoções.
Tudo pára a nossa volta, tudo repousa , como nós mesmos repousamos em nosso interior.
D2: Como um espelho ?
M: Sim, como num espelho. O que está fora está dentro.
W: Irmão Trimegistus dizia que o que estava em cima estava embaixo.
M: Hoje podemos complementar dizendo que o que está fora, está dentro de nós. Assim a linha vertical e a linha horizontal se encontram num ponto de manifestação.
H: Como se fossemos projetores?
M :Eu diria criadores, Artesãos da realidade a nossa volta.
W2: Mas então seríamos deuses!
M sorri.
M: Sim, irmão W2.
W1: Isto condiz com os ensinamentos de nossa Ordem.
D2 : Talvez seja o que eu ache mais misterioso em nossos ensinamentos: ser um deus e ao mesmo tempo tão limitado, tão mortal.
H: Sim, é um paradoxo.
W2: Talvez não seja um paradoxo, mas um problema de nível de percepção.
D2: Como assim?
W2: Talvez se trate de uma maior ou menor consciência de nossa divindade. Dizemos sempre que estamos caminhando em direção ao conhecimento, à iluminação, como se a iluminação fosse um lugar e não um estado, e tudo se resumisse a uma questão meramente espacial.
Hoje estou aqui; se andar bastante, amanhã estarei lá, na tal cidade, no tal lugar, chamado Iluminação.
E se, entretanto, não fossemos caminhantes?
E se, por outro lado, tudo fosse como de manhã, ao acordarmos, despertando de um sonho?
Aos poucos vamos nos dando conta do quarto a nossa volta, do nosso corpo deitado, das sensações deste corpo, da pressão que o leito recebe e devolve às pernas e ao tronco.
Lentamente, vamos acordando e em determinado momento, podemos dizer: “– Estou desperto.”
No mesmo local, a cama, muitos níveis de lucidez vão se sucedendo, sem que nos movamos um centímetro de onde estamos.
O mesmo leito, o mesmo corpo, o mesmo quarto, a mesma manhã fria, e vários níveis diferentes de consciência de tudo isto, mudando segundo a segundo, minuto a minuto.
D: Entendo.
W2: Não é um caminho, um espaço que nos separa da santidade. É nossa consciência da presença desta santidade já em nós que se aperfeiçoa lentamente, a cada vida.
D2: Concordo. Somos o que somos, mas não sabemos disto tão claramente porque não nos conhecemos tão bem. Estamos , como o irmão W2 diz, entorpecidos no sono da vida.
W: Isto condiz com os ensinamentos de nossa tradição.
D1: Sim, condiz. Tudo é sonho, massa amorfa onde colocamos nossos dedos, nossa arte.
M: Assim é. Projetamos nossos desejos nesta massa e construímos esta realidade que nos cerca, minuto a minuto. Nada que está ao nosso redor lá estaria se não colocássemos lá.
D2: Assustador.
W2: E verdadeiro.
D1: Sim, verdadeiro.
W:O que concluímos deste primeiro encontro meus irmãos?
D1: Que a palavra é poderosa, mas mais poderosa que a palavra é a mente onde ela nasce.
W2: E que o silêncio verdadeiro deve ser conseguido silenciando a mente e não a língua.
M: Mais: que é na mente que surge o impulso criador e que de lá provém toda a realidade que nos circunda. Esta é a essência do que podemos chamar de Princípio Especular: o que está fora (no mundo chamado real), está dentro (da mente) e vice versa.
W1: Se todos concordam, que estas sejam nossas conclusões deste encontro.
D2:Concordamos.
W2:Concordamos.
H: Sim, concordamos
W1:Que assim seja então.
Os irmãos se levantam para a prece final:
“Nós e Deus somos um;
Nós somos um;
Deus é um.
Assim Seja.
Assim é ”.
E se retiram em silêncio.
CAPÍTULO II
OCULTO, SECRETO, ESCONDIDO.
W1: Hoje, discutiremos a noção de Segredo e se ela auxilia o caminho para a Santidade.
W2: Um tema importante.
W1: Do ponto de vista das Ordens Guardiãs da Tradição, o Segredo é fundamental.
D2: Às vezes eu acho excessivo.
W2: De que modo?
D2: Nós somos apenas guardiões destes ensinamentos, não seus donos. Deveríamos transmiti-lo a um número maior de pessoas, de almas.
H: Vulgarizar o conhecimento excessivamente, mesmo usando o termo vulgarizar num sentido positivo, pode não ser tão fácil.
D2: E porque não? Tantas iniciações, tantas cerimônias, tanto segredo, e às vezes, não conseguimos transmitir tudo o que queremos.Não há uma garantia de que a mensagem foi passada.
H: Explique melhor.
D2: Espera-se que uma pessoa que recebeu todas as iniciações, verdadeiramente transformou-se como indivíduo. Mesmo assim encontramos irmãos e irmãs que estando oficialmente em um nível elevado destas ordens de nobreza indiscutível, ainda se comportam de modo inadequado, preconceituoso, limitado.
H: Entendo.
D2: A severidade excessiva e a intolerância, não são compatíveis com o estágio de evolução presumivelmente elevado.
W2: É verdade, só que este não é o nosso tema hoje, nem a verdadeira razão por trás das iniciações.
A discussão é sobre se o segredo não é apenas um excesso, um cacoete histórico, ou se protege realmente o conhecimento.
D2: Eu sei. É aí que eu quero chegar. Assim como existem pessoas que receberam todas as iniciações e não se comportam de modo compatível, existem outras que se comportam como iniciados antes de o ser.
D1: Estas receberam iniciação do Alto, são casos excepcionais.
D2: Serão tão raras mesmo? Será que se nós retirássemos a maior parte dos véus que cobrem o conhecimento que nós preservamos, não para o homem comum, mas para os homens de ciência, de sentimento nobre, isto não aceleraria o desenvolvimento do diálogo entre os cientistas místicos e não místicos?
H: É uma dúvida interessante.
W1: Mas não é uma questão verdadeiramente nova ou original.Na verdade, a irmã se equivoca ao supor que suas ponderações são revolucionárias ou que não queiramos o mesmo que a Irmã deseja, ou mesmo que já não tenhamos tentado este diálogo.
Correndo o risco de fugir do foco da discussão de hoje, eu queria lembrar duas coisas:
Primeira: este diálogo entre cientistas ou filósofos iniciados e profanos já existe através daqueles que transitam entre estes dois universos. Newton, Leibniz, Lavoisier, Pitágoras, para citar os que podem ser citados sem prejuízo de sua privacidade, por causa da distância histórica, são exemplos de iniciados que levaram parte de sua visão mística e integrativa para este mundo dividido e desconectado.
Não esqueçamos, no entanto, que mesmo entre os não iniciados, existem diferenças de percepção, e que o meio humano não se sente obrigado, por nenhuma norma iniciática, a ter a mesma tolerância com a diferença que nós nos obrigamos a ter, dentro de nossas Ordens.
Segundo: gostaria de demonstrar como esse debate é antigo dentro das ordens iniciáticas, citando um de nossos mestres. Ouçamos suas palavras:
“Podemos convir, desde já, que a infelicidade atual do homem não é ignorar que existe uma Verdade, mas equivocar-se quanto à natureza desta Verdade”.
Aqui, o problema é de concordância de perspectiva e não de termos em mãos, nós membros de ambos os grupos, informações completas ou parciais.
O que as escolas esotéricas ocultam hoje, o que chamamos de esotérico, não é sinônimo de escondido.
Apenas, dada a diferença de perspectiva entre os diferentes grupos de buscadores da Verdade (filósofos e cientistas, místicos ou não), nem sempre há interesse em usar estas informações.
Os dados que os esoteristas têm só serão valorizados por outros esoteristas ou por não esoteristas que tenham sido tocados pelo Altíssimo.
As suas preocupações, irmã D2 são válidas, porém não temos uma resposta pronta para suas perguntas.
Curioso é que elas encontram eco em nosso próprio mestre quando ele fala dos “Dos Dogmas Misteriosos”:
“Sei que por caminhos sábios e fora do âmbito do vulgar, os chefes e ministros de quase todas as religiões enunciaram seus dogmas com prudência e, sobretudo com uma reserva que não se pode louvar demais; indubitavelmente conscientes da sublimidade de suas funções, eles sentiram o quanto a multidão deveria ficar distanciada delas, e certamente foi por isso, que sendo depositários da chave da Ciência, preferiram levar os Povos a ter por ela uma veneração tenebrosa à exporem os segredos à profanação.
Se for verdade que esses foram seus motivos, não posso censurá-los. A sombra e o silêncio são os asilos preferidos pela Verdade; e os que a possuem não podem tomar precauções demais para conservá-la em sua pureza; mas (será que) não seria justo eu lhes dizer que eles também deveriam ter receado impedir sua expansão, que foram encarregados de fazê-la frutificar, de velar por sua defesa e não sepultá-la (sublinhado por mim); enfim, que confiná-la com excesso de zelo, é talvez impedi-la de cumprir seu propósito, que é o de se expandir e triunfar?(o grifo é meu)
Eu acreditaria então que eles teriam agido com muita sabedoria se tivessem aprofundado mais a palavra Mistério (o grifo é do Mestre), da qual fizeram um baluarte para suas Religiões. Eles poderiam estender um véu sobre os pontos importantes anunciando o desenvolvimento como o preço do trabalho e da constância, e com isso testar seus prosélitos, exercendo ao mesmo tempo sua inteligência e seu zelo; mas não deviam (ser) estas descobertas tão impraticáveis que o Universo desanimasse delas; não deviam tornar inúteis as mais belas faculdades do Ser pensante, que, tendo nascido na morada da luz, já é bastante infeliz por não mais morar junto dela sem que também lhe tirem a esperança de percebê-la neste plano; em suma, no lugar deles eu teria anunciado um Mistério como uma verdade velada e não como uma verdade impenetrável, e tenho a felicidade de ter a prova de que essa definição teria sido melhor”(o sublinhado é meu).
D2: Essas palavras em muito me emocionaram.
W1: Eu fiz questão de ler este trecho para que a irmã sentisse a afinidade que seu pensamento tem com o pensamento do mestre.
E veja que este texto é de 1775, 212 anos atrás.
D2: E a questão persiste.
W1: Sim, persiste. As duas percepções de estratégia quanto à divulgação do conhecimento chamado esotérico dialogam entre si sem chegar a uma conclusão.
M: Talvez não cheguem nunca.
H: Em que sentido?
M: No sentido de que as organizações iniciáticas são apenas o aspecto exterior das instituições.
O segredo nestas organizações é um reflexo do segredo dos corações daqueles que as constituem.
H: De que forma?
M: Da forma que diz que os homens não são iguais.
Aliás, das três coisas que são consideradas fundamentais por uma nobre ordem irmã, a Fraternidade, a Liberdade e a Igualdade, só a Fraternidade é possível e factível.
As outras duas são absolutamente impraticáveis.
W1: Gostaríamos que o irmão aprofundasse o tema.
M: Pois não. Vejamos por que a Liberdade e a Igualdade são impossíveis de se conseguir e só a Fraternidade nos sustenta
Quando conspiramos para implantação da república francesa e destruição do Absolutismo obsoleto e injusto, demos aos nossos seguidores um lema para seguir:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Com o passar dos anos, terminadas as ilusões e tendo percebido que não a REVOLUÇÃO ,mas só a EVOLUÇAO pode melhorar o homem, vimos a limitação de nosso lema.
Kant , pensador alemão pergunta:Liberdade para que? Esta é a questão.
Para que queremos ser livres?
Do que buscamos nos libertar?
Naquela época,trezentos anos atrás,falava-se em liberdade do jugo do Rei.
Depois , com a República, veio o jugo da Lei.
Em última análise, já que somos homens livres e de bons costumes, temos que prestar contas a nossa consciência..
Somos,pergunto, verdadeira e totalmente livres?
Seria bom que fosse assim?
Igualdade
Já quanto a igualdade, também não passa de uma falácia.
Parafraseando a irmã D1, Deus não faz cópias. Nivelar todos os homens a um mesmo plano é impossível.
Igualdade de direitos sim, igualdade de pessoas não.
Só o que o Universo consagra são as Diferenças: uns são altos outros baixos, uns tem mais habilidade, outros menos habilidade; uns conhecem a face de Deus, outros sentem náusea ao ouvir falar de seu nome.
Assim são as coisas.Não há sinais de que possam mudar.
Vivemos mergulhados na heterogeneidade. E , cá entre nós, é bom que assim seja.
Fraternidade
É possível, no entanto vivermos como irmãos.
Respeitando as diferenças e conscientes da limitação de nossos atos que a consciência do homem e da mulher que são dignos, impõe.
Esta não é outra senão a mais importante função das Ordens Esotéricas: fazer com que cada um de nós aprenda a harmonia dinâmica da convivência fraterna.
H: Mas e o segredo? Deve ser abandonado?
M: Mesmo que o fizéssemos, é minha opinião, pouco mudaria. A intransponível diferença entre os seres manteria alguns na ignorância enquanto outros mergulhariam na revelação.
H: Entendo seu ponto. Gostaria de acrescentar outro aspecto.
W1: Diga.
H: O esforço para penetrar em ordens esotéricas, feito por um indivíduo desejoso de conhecer seus mistérios, mostra sua determinação. E sua determinação em atravessar graus iniciáticos sucessivos mostra sua sinceridade.
D2: São peneiras.
H: Sim, são peneiras , filtros que selecionam silenciosa e discretamente aqueles que deverão atingir graus mais altos.
W1: O que concluímos desta discussão meus irmãos?
W2: Que o oculto não está oculto senão nos corações.
H: E que as ordens cumprem seu papel de filtrar aqueles que tem a sinceridade e a determinação necessária para atingir este conhecimento.
M: Vimos também que as diferenças fazem parte da Expressão Natural do Mundo, e que qualquer escola que obrigue os seus membros a ter um pensamento homogêneo é falsa e sem dúvida representante do mal.
W1: Os irmãos e as irmãs querem acrescentar alguma coisa?
D1: Eu quero.
W1: Então diga, irmã.
D1: Oro pelo dia em que este conhecimento, no momento oculto, esotérico para grande parte da sociedade, possa ser realmente compartilhado, não pela simples publicação dos textos, mas pelo fenômeno natural de ascensão da consciência de toda a Humanidade, tornando-a apta a compreender o que está registrado nestes antigos pergaminhos da tradição.
Assim seja.
Todos respondem: assim seja.
W1: Vamos então para a oração final.
Todos se levantam.
Deus e eu somos um.
Deus e eu somos um.
Deus e eu somos um.
Assim seja e assim é.
E saem em silêncio.
CAPÍTULO III
O BEM E O MAL
W1: Hoje nosso tema é complexo, polêmico, e já rendeu literatura suficiente para encher toda uma biblioteca, sem que se chegue a um pensamento síntese.
Gostaria de ouvir a opinião dos irmãos sobre o Bem e o “Mal”.
W2: Sendo místicos e ocultistas nosso diálogo será menos especulativo.
H: Talvez não. É quase impossível com um tema tão difícil, não entrarmos no terreno da especulação.
W1: Acho que, entretanto, deveríamos fazer um esforço.
W2: Pelo menos para garantir certa produtividade ao encontro.
D1: Concordo.
W1: Então comecemos discutindo a existência de ambos.
W2: Muito bem.Sobre isto temos, como místicos, posturas diferentes. A primeira e mais conhecida é: sim, existe o “Mal”, e devemos conviver com ele, de forma resignada, por que não podemos evitá-lo totalmente. Este “Mal” manifestar-se-ia por todas as coisas que chamamos dissabores: doenças, miséria, ignorância, etc. Ou pelo sofrimento moral, a dor espiritual, uma desilusão, a perda de um ente querido, pela separação física ou morte.
Por outro lado, existe a postura de que o mal não poderia ter existência real já que tudo que nos cerca é parte de Deus, ou mesmo o próprio Deus manifesto, que é todo bem.
Como perguntam os defensores desta escola, poderia haver o “Mal” dentro do Bem?
Filosoficamente, esta postura é impecável, mas esbarra em si mesma, ou seja, ela é impecável apenas filosoficamente.
Como contextualizar como um Bem os três grandes sofrimentos, qual sejam, a Pobreza, a Doença e a Morte? Como entendê-las como Bem se nenhum bem aparentemente tiramos destas três experiências?
D2: Existe uma terceira possibilidade, que é a visão budista. “Existe a dor; a dor é causada pelo apego; desfazendo-se o apego desfaz-se a dor”.
Apego ao que? A tudo que possamos ter a idéia de possuir, mas que como coisas materiais estão fadadas a desaparecer: saúde, riqueza, reputação, etc.
Sofremos, segundo o Buda, mais pelo apego a uma situação agradável do que por medo de uma situação desagradável.
Trata-se do exemplo do sapato novo, desconfortável, por alguns dias, por que é novo, enquanto o velho e carcomido já estava adequado aos nossos pés e por isso nos causa grande saudade.
Temos apego àquilo que é confortável, agradável, prazeroso.
Um sapato velho não é algo bom, mas estamos habituados a ele e o hábito gera conforto.
Sendo confortável, o sapato é bom? Não: a água entra nos pés, o aspecto externo é deprimente e desleixado, demonstrando baixa auto-estima daquele que o usa.
Portanto, coisas ruins para nossa saúde podem ser prazerosas para nosso sistema nervoso.
Isto quer dizer que coisas ruins podem, em certas circunstâncias, serem agradáveis por força do grande prazer do contato inicial, ou do hábito, como no exemplo do sapato. Confortáveis por serem conhecidas.
O conhecido é confortável porque nos dá uma falsa sensação de segurança e bem estar.
O homem nômade era menos apegado por que sua casa era todo o planeta.
Com o sedentarismo agrário foi possível o desenvolvimento da civilização, mas em troca perdemos a capacidade de nos sentir a vontade em quaisquer ambientes do nosso mundo ou sob quaisquer circunstâncias, mesmo instáveis e mutantes, porque deixamos de exercitar a capacidade de adaptação.
Na verdade, estabilidade é uma ilusão.
Mesmo na vida em sociedade, as condições de existência mudam a cada instante, mas esta ilusão de estabilidade e perenidade foi instaurada de modo tão forte e irreversível pela cultura e pela educação, que tirou dos seres humanos a possibilidade do conviver em alegria com o novo e com o inesperado.
O novo é olhado com desconfiança e o inesperado, o acaso, é olhado como um transtorno.
Isto é triste porque, como diz o ditado, “o homem planeja e Deus ri”. Deus, aliás, é o Acaso.
Esta é a raiz de todo o mal.
Perdemos o contato com Deus quando resolvemos que devíamos nos estabelecer e viver de maneira sedentária.
Nossas cidades têm cercas que a natureza não pode penetrar. Vivemos em espaços estanques, onde mantemos uma ilusão de limpeza tecnológica, enquanto despejamos o lixo no mundo a nossa volta.
E o que aconteceu? Nos habituamos a esta aparência de limpeza e ao conforto que ela nos trouxe.
Como vimos, o hábito gera o apego.
E o apego, já sabemos, causa dor.
A dor é o “Mal”.
Que podemos concluir? Que o que chamamos “Mal” é apenas um efeito colateral de um erro estratégico, de um equívoco na administração de nosso espaço, e claro, do nosso tempo.
Sofremos, não porque podemos perder ou perdemos algo realmente bom.
Sofremos por que podemos perder ou perdemos algo a que estávamos habituados, e por isso, apegados.
Sofremos por nosso apego a coisas ruins que achamos que são boas, como o conforto e artificialismo.
Não temos apego a coisas boas que nos parecem ruins como as mudanças e a instabilidade da vida, características de uma vida que tem fluxo e que não pára de evoluir.
H: Suas considerações nos levam a uma outra conclusão óbvia. “Mal” e Bem são conceitos relativos e não absolutos.
D2: Sim. Nosso erro é o apego. E além deste erro, lidamos ainda com a relatividade do “Mal” e do Bem.
Pelo que vimos nem sabemos bem aquilo que realmente poder-se-ia chamar de mal.
A doença nos obriga a parar e refletir sobre nossas vidas. A pobreza nos obriga a refletir sobre a existência de valores que transcendem os bens materiais. A morte nos mostra nossa fragilidade e a tolice do orgulho e do apego às coisas materiais.
Tudo nos diz: “Homem, teu nome é fluxo”.
Só nos resta aprender a lição e nos deixar arrastar.
Não existe o “Mal”.
Existe a dor.
O apego gera a dor.
O “Mal”, portanto, é o apego.
D1: Então, após este iluminado comentário de D2, ficamos com três hipóteses:
1. Existe o “Mal”.
2. Não existe o “Mal”, ele é inviável já que Deus é onipresente e Deus é todo Bondade.
3. Existe a Dor, filha do Apego, que entendemos como uma manifestação do “Mal”. Além disto, Bem e “Mal” são conceitos relativos e não absolutos.
W1: Consideremos as três hipóteses.
H: Minha impressão é que estas três opções podem coexistir como verdadeiras em um mundo onde as pessoas são diferentes e têm por isso diferentes modos de percepção do real. Aliás, esta é a verdadeira chave de resolução deste problema: a percepção particular de cada um dos fenômenos à sua volta.
Dada a relatividade das percepções, as cores com que o mundo é pintado também vão variar.
Muitos são os óculos com lentes coloridas.
Muitos são os tipos de mundo vistos através destas lentes.
A realidade, provavelmente é amorfa e incolor, recebendo a forma e a cor que cada um queira lhe emprestar.
A mente, com suas lentes coloridas, é que vai determinar esta cor.
Se o indivíduo não for um iniciado e não souber o poder da mente para criar realidades ficará desorientado pela sua “realidade” particular, acreditando-se vítima do destino ou da má sorte ou perseguido por demônios fantasiosos.
Em suma, todos nós, cada um a seu modo e de acordo com sua compreensão, terá um tipo de vida do Bem ou do “Mal” em conseqüência de suas próprias crenças.
D1: Crenças, disse-o bem. A Verdadeira Compreensão desfaz o medo. O Medo ,como a Culpa, alimentam a crença no “Mal”, criam o “Mal”, e o fortalecem.
Se o “Mal” existe, ele necessita do Medo e da Culpa para continuar a existir.
H: Sim, é verdade. Medo e Culpa são manifestações da Crença. Convicções são Crenças.
Da mesma maneira, se temos convicção de que o “Mal” não existe, mas apenas a vida com seus desdobramentos naturais, e se temos convicção, como no salmo 91, da presença e da bênção de Deus zelando por nós, o Medo se desfaz e a Confiança o substitui, de forma que pode-se olhar o Universo com outra cor, sem sombras, sem tragédias.
M: Na cultura mística, o ato de contemplar o mundo sem atribuir-lhe um valor é chamado de Divina Indiferença. Quem consegue chegar a este estado pode-se ser considerado um Iluminado verdadeiro.
Eu queria , no entanto,me dedicar a outra questão dentro deste contexto.
W1: Diga meu irmão.
M: É sobre o papel da matéria e sua relação conceitual com o “Mal”, como fonte ou moradia do “Mal”.
É comum dizer-se que o “Mal” está intimamente ligado à matéria e que quem quiser alcançar a luz deve transcender a matéria, lembrando o que diz Paulo, o apóstolo, em Gálatas 5:17 “Porque a carne luta contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes se opõem um ao outro, para que não façais o que quereis”.
Nada mais aristotélico, não fosse o próprio Paulo, grego.
Esta simples frase foi a base de enormes sofrimentos posteriores para muitas pessoas, que caíram nas mãos de inquisidores religiosos hipócritas e preconceituosos.
Muitos foram presos por sua beleza e sensualidade.
A alegria e a festa em si foram consideradas uma ofensa à religião e à fé.
A tristeza e o sofrimento do corpo foram alçados a condição de virtudes, e a Dor Física cultuada como meio de purificação.
Isto no cristianismo pós Paulo.
Não só o cristianismo, mas outras tradições espirituais renderam-se a este equívoco.
Os yogues, místicos hindus, fazem distinção entre yogues sábios e faquires. Estes últimos são conhecidos por suas práticas de auto mortificação, com as quais afirmam estar aumentando sua espiritualidade.
Queria externar meu ponto de vista.
Nem a carne milita contra o espírito nem o espírito milita contra a carne; só a ignorância milita contra ambos.
Dor gera apenas mais Dor, e revolta, e sofrimento.
Está na hora de redescobrirmos, não a fé no prazer, mas o prazer na fé. Uma religiosidade triste é uma triste religiosidade. E um corpo em sofrimento é apenas um corpo que sofre, não um espírito que desperta.
A ignorância é uma espécie de loucura.
Estamos no século XXI. O passado ficou para trás.
Já é hora de esquecermos no passado toda esta insanidade.
W1: A preocupação dos legisladores era dar às massas uma orientação geral sobre a importância da espiritualidade. Neste sentido, considerando o nível intelectual das pessoas que ouviam estas orientações e a época em que estavam, acredito que fizeram o melhor que podiam.
M:Concordo.O que me incomoda é este efeito inercial em nossa sociedade,que permite que esta visão arcaica e descabida penetre a civilização atual de forma a existirem pessoas,(e não apenas pessoas de formação intelectual primária, também as eruditas)que defendam que a origem do“Mal”esteja na carne e não no espírito imaturo que usa a carne de modo inábil,da mesma maneira que não faz sentido culparmos o carro pelo acidente e não o motorista bêbado que está ao volante.
O corpo é um instrumento maravilhoso para que possamos experimentar este mundo de sensações. Não se trata o seu instrumento de forma descuidada. Não se expõe o seu instrumento de trabalho ao risco de destruição. É nossa obrigação de usuários deste instrumento mantê-lo limpo e em boas condições de conservação para que seu desempenho seja satisfatório.
O corpo é uma das bênçãos do Grande Arquiteto do Universo para aumentarmos nosso conhecimento e sabedoria neste plano. Precisamos tratá-lo com mais carinho e respeito e jamais responsabilizá-lo por aquilo que é responsabilidade nossa.
O corpo não é a fonte do “Mal”.
O carro não é culpado pelo acidente.
O motorista é.
D2: Concordo.
M: A medida de nossos atos , a guardiã de nossa santidade é a nossa consciência, e não a moral social.
A esta consciência deveremos prestar contas de todos os nossos atos, e a mais ninguém.
W1: Queria dizer uma coisa. Na minha opinião é preciso cuidado quando dissermos a alguém de compreensão mais limitada que a medida do erro é a sua consciência.
Muitas pessoas precisam de um protocolo de comportamento para se apegar. Se não o tivessem, ver-se-iam completamente desorientadas.
M: O irmão não acha que esta desorientação já se instalou? Não lhe parece que as muralhas de Jericó da Certeza já desabaram ao simples som das trombetas da modernidade?
Como místicos iniciados, e não religiosos , nossa obrigação é fortalecer corações e mentes com um discurso equilibrado e que liberte as pessoas dos grilhões da ignorância e do preconceito.
A nova humanidade pede um Deus de misericórdia, mas também de felicidade, e não mais o Deus aterrorizante do Velho Testamento. O Terror leva a Culpa, a Culpa gera a Revolta e o Desespero, e ambos podem levar ao Ódio.
Não pode haver felicidade se o corpo não está satisfeito.
Não, o apóstolo estava errado.
Precisamos resgatar as pessoas deste erro conceitual.
H: Concordo que o corpo não pode ser fonte do pecado já que o corpo é apenas o veículo através do qual mergulhamos neste mundo.
W1: Após a “Queda”, no entanto, o homem perdeu a noção de quanto é divino e se não se concentrar na espiritualidade pode ser que nunca consiga sua reintegração ao Altíssimo, distraído pelo apelo da vida material.
M: Nisto o irmão me perdoe, mas na palavra Queda eu vejo apenas Culpa e Medo, que como vimos antes são os alimentos do “Mal”. Medo da felicidade e do prazer, e de que este prazer aumente o apego às coisas materiais.
E Culpa, porque sob o verniz do intelecto ainda nos comportamos como os Hebreus no Deserto, que rasgam as roupas e jogam terra sobre suas cabeças nos enterros, como se o corpo que está sendo enterrado fosse a pessoa que estava nele.
Não, meu amado irmão, nós não somos o povo do deserto que vaidosamente considerava-se o povo eleito; somos os filhos e as filhas da Nova Aliança, preconizada por Jesus Cristo, que jamais escreveu que devêssemos ser tristes ou que devíamos olhar com desconfiança a felicidade.
Mais: não houve nenhuma “Queda”, nós sabemos disto. Na verdade mergulhamos voluntariamente na carne para podermos explorar este plano mais denso de manifestação.
Viemos aqui por que assim Deus o quis.
Como se estivéssemos em um barco em alto mar, no meio do Oceano, e precisássemos pesquisar tesouros em regiões abissais.
O que faríamos? Vestiríamos nossos escafandros e mergulharíamos, graças a esta vestimenta desajeitada, pesada, mas que exatamente por causa do peso nos garante chegar às profundezas do mar sem sermos esmagados pela pressão.
Os escafandros, como os irmãos sabem, mantinham uma ligação com o navio mãe através de um cabo e um tubo que garantiriam a segurança (o cabo) e o fornecimento de ar (o tubo).
Neste corpo não temos um tubo aparente, mas temos o cordão de prata, saindo de nosso umbigo e nos ligando a fonte de toda a vida.
Embora o escafandrista esteja nas profundezas, seu contato com o navio em nenhum momento pode ser interrompido, pois sua vida depende disso.
Acredito que, também nós não podemos perder e não perdemos o contato com Deus, enquanto no corpo, pois senão não estaríamos respirando.
“Vivemos todos os dias pela graça de Deus” dizia Aristóteles e eu creio que é dessa forma.
Sem que o todo poderoso nos alimente com seu influxo divino, que vem pela respiração, não poderíamos fazer absolutamente nada.
O escafandro é um ótimo instrumento para mergulhar, apenas isto. Por ignorância e preconceito demos demasiada importância ao corpo, ao instrumento, e tudo o que combatemos se destaca e intensifica.
De dentro do corpo, eu, que sou o verdadeiro ser, comando seus atos.
Por causa do meio em que estou mergulhado e das condições da roupa de mergulho, meus movimentos e intenções são limitadas às capacidades da tecnologia de minhas vestes, mas nunca, mesmo assim, me passaria pela cabeça amaldiçoar meu escafandro, já que ele é a única tecnologia que tenho para vislumbrar e investigar as maravilhas do fundo deste oceano de carne.
Como amaldiçoar este corpo se é através dele que posso experimentar coisas como o amor, a paixão, a vergonha, o medo, a honra, a tristeza, e a alegria?
Não será amaldiçoando meu escafandro que aperfeiçoarei minhas habilidades de mergulho.
Da mesma maneira não amaldiçoarei meu corpo, mas cuidarei dele para conseguir sua plena manifestação neste plano.
Os judeus chasídicos dizem que ao finalizar o relato da criação Deus disse que nos criou para retificar, isto é, Deus nos deu a missão de finalizar sua criação, e assim, por Sua Vontade, devemos aumentar nossa preparação para receber e revelar a Luz Divina.
É nossa obrigação como místicos, ensinar aos que iniciarmos que o corpo não é o “Mal”, nem o espírito é o Bem, mas sim que o mergulhador não é o escafandro, está no escafandro, usa o escafandro como nós usamos o corpo, mas não somos o corpo.
Compreendido isto, não haveria nem apego nem desapego ao corpo, mas sim o entendimento de que nós, apenas nós, e não o corpo, somos responsáveis pelo rumo de nossas vidas e por nossas escolhas.
H: Eu queria fazer um último comentário. Queria dar uma nova ênfase ao assunto que já discutimos.
E se a grande mentira do demônio não fosse fingir que ele não existe, para esconder que ele existe, mas sim fingir que ele está oculto em alguma parte para parecer que tem uma existência real, quando na verdade não está em parte alguma?
Este é o perigo de antropomorfizar o “Mal”. É assim que se cria uma forma pensamento.
Medo e Culpa disse nosso irmão.
Ao criar uma forma pensamento criamos uma vida que precisa se alimentar. E será alimentada sempre que falarmos do “Mal” , como uma entidade, separada de nós.
Não se trata, portanto de discutir um “Mal” ou um Bem absolutos, mas sim seu aspecto relativo.
Existe “O Mal” ou existem coisas e situações, que em determinada circunstância nos parecem extremamente ruins?
Existe o Bem ou existem coisas que são extremamente boas para nós em determinado contexto?
Portanto, concluo que não existe “O Mal”, antropomorfizado ou não, mas apenas circunstâncias, mais ou menos agradáveis, que, eventualmente atingem a todos nós.
W1: Que concluímos de nossa reunião hoje meus irmãos?
H: Que não existe “Mal” ou Bem, mas apenas situações agradáveis ou desagradáveis, de acordo com a compreensão de cada um.
D1: Que o conceito de “Mal”, se alimenta de nossas convicções acerca de sua existência, tanto quanto de nosso Medo, Culpa e Ignorância.
M: Que a carne , enfim, não milita contra o espírito nem o espírito contra a carne, mas a Ignorância, esta sim, milita contra ambos.
W1: Que seja. Mesmo assim, continuo achando , como Boheme, que houve uma queda, e que aqui, neste plano, estão os anjos caídos.
Eles são, pelo menos para mim, o “Mal”, e nós, guardiãos da luz, devemos combatê-los sem trégua.
M: Pois que seja. A cada um de nós sua percepção do “Mal”. Nenhum de nós estará errado.
W1: Assim Seja.
Todos: Assim Seja.
E saem em silêncio.
IV CAPÍTULO
OS DONS
W1: Sobre o que discutiremos hoje, meus irmãos?
H: Eu proponho que discutamos sobre Os Dons, seu uso no cotidiano e seu significado na evolução.
D1: De acordo.
D2: Comecemos então debatendo sua importância na vida prática.
W2: Muito bem. Eu queria começar falando da importância do uso do dom da Intuição par todos os tipos de interação social.
Como na vida profana eu sou um comerciante sou testemunha da utilidade que a intuição tem em meu trabalho, seja na negociação com fornecedores ou mesmo com compradores.
Graças a ela sinto-me mais seguro ao fazer um negócio, pois sei, apenas ao tocar a mão de um interlocutor, se suas intenções são positivas ou não, se estou diante de alguém digno de confiança e se aquele negócio será benéfico para mim e para minha empresa.
D1: Alguma vez o irmão sentiu inibição ética em usar este dom.
W2: Não, e nem sei porque sentiria. Ter desenvolvido esta habilidade equivale a desenvolver um conhecimento qualquer a partir da prática e do empenho pessoal. Poderia ser habilidade para números, para a oratória, para o pensamento lógico, para falar uma língua, o mandarim, por exemplo, já que hoje a China tem cada vez mais importância comercial. Aí eu pergunto? Alguém ficaria eticamente inibido em falar mandarim? Não. Por que? Por que esforçou-se para desenvolver esta habilidade e isto o autoriza a utilizar esta conquista de seu esforço e dedicação unida aos talentos que Deus tenha colocado em suas mãos, para que sua vida possa se expressar de modo mais completo.
Não, usar a Intuição como maneira de descobrir e antecipar problemas e assim poder evitá-los é absolutamente legítimo, já que Deus não faz cópias e assim dotou cada um de nós com defeitos e qualidade, qualidades estas pelas quais temos que nos esforçar muito, e uma vez alcançadas farão parte de nossa bagagem para participar da difícil lida do dia a dia pela vida profana.
D1: Disse bem o irmão. E eu fiz esta pequena provocação por que escutei isto de um irmão novato em nossa ordem. Disse ele que não usaria tal dom embora o tivesse conquistado por que não achava justo.
Isto me deixou tão perplexa quanto confusa.
Pensei: “-Para que meu Deus este indivíduo buscou o convívio de nossa nobre Ordem se não tem intenção de usar aquilo que recebe em seus ensinamentos secretos no dia a dia?Para que serve uma capacidade desenvolvida senão para ser empregada na melhoria de suas condições físicas, espirituais e emocionais?”
Só que essa foi uma digressão. O que eu queria mesmo comentar é que se W2 usou e usa o dom da Intuição para seus negócios, eu o tenho usado de forma muito produtiva em meu trabalho intelectual.
Um livro como o Sepher Yetzirah sempre é um desafio ao intelecto a tal ponto que todos concordam que sua completa compreensão será para sempre impossível se usarmos apenas o intelecto. Podemos no entanto extrair dele algum sentido se unido aos nossos conhecimentos usarmos a inspiração intuitiva que preenche os vazios deixados pela razão.
Determinada noite, enquanto lia suas páginas pela enésima vez, fui sacudida pela compreensão de um trecho que antes tinha me passado despercebido.
Foi uma compreensão imagística, clara e indubitável, preenchendo os requisitos de um fenômeno intuitivo.
Assim a Intuição também ajuda na compreensão dos textos sagrados.
D2: Já quanto a mim mesma, um dom que tem me ajudado em muito é o da projeção astral. Com ele, tenho podido acompanhar minha filha que se encontra fora do país, estudando, e isto em muito me preocupa, já que vivemos numa época tumultuosa, num mundo em transformação. Sei que é uma manifestação de apego, mas não sou tão evoluída assim.
A projeção também me ajuda a auxiliar parentes distantes, ou saber notícias deles quando pressinto, intuitivamente, que precisem de auxílio.
H: Nem todos, no entanto, desenvolveram suas habilidades pessoais com tanta proficiência.
D2: Sim, é verdade. Sou muita grata ao Cósmico e a Ordem por ter me oferecido os meios e as técnicas para desenvolver este dom que em mim encontraram terreno fértil. O que aliás é a combinação necessária para o dom: técnica e talento. Como ter habilidade para o desenho ou para a escultura. Uns tem, outros não. Mesmo se ensinarmos estes que não tem talento para a escultura ou a pintura, a esculpir e pintar, os resultados não serão tão animadores quanto naqueles que foram tocados para estas coisas. Penso, como Platão que temos uma physys, uma natureza que nos é própria, e que cabe a nós descobrirmos esta natureza e pô-la ao nosso serviço bem como a serviço da humanidade.
Assim também os dons não foram dados a todos em igual intensidade, mas a uns foram dadas certas habilidades e a outros, outras.
D: Quanto a mim, tenho me beneficiado dos sonhos proféticos ou não, através dos quais tenho antecipado problemas financeiros e de saúde, além de dúvidas pessoais, impasses que no período de vigília nem sempre consigo equacionar.
W1: E você, irmão M, qual seu depoimento sobre os Dons?
M: Que são úteis, quanto a isto não resta a menor dúvida.
W1: E com qual dom o Universo o abençoou?
M: Por enquanto com nenhum, meu irmão. Não possuo clarividência, nem tenho sonhos místicos, não vejo auras nem consigo voluntariamente uma projeção astral decente. Talvez eu possa dizer que minha intuição é aguçada mas a interferência do meu intelecto sempre dificulta a certeza. Confesso que quando eu tinha menos informação era mais fácil distinguir alertas da Intuição com aqueles que vem de meu próprio cérebro. Tenho praticado, nestes trinta e poucos anos de ordem, e hoje esta diferença está mais clara. Como bem disse a irmã, os fenômenos intuitivos têm caráter imagístico, são claros e indubitáveis.
Para não passar como um desterrado, recentemente desenvolvi habilidade em Visualização Criativa e tenho materializado meus desejos com muito maior facilidade do que antes.
W1: Bem, gostaria agora de ouvir os irmãos sobre a importância dos dons no desenvolvimento e na evolução de cada um.
D1: Na minha opinião não houve nenhuma influência, Irmão W1.
D2: Concordo com a Irmã.
H: Não apenas concordo como gostaria de acrescentar que estes dons não são causa mas conseqüência de nossa espiritualização.
D2: Quase como um efeito colateral.
H: Sim. Como um efeito colateral.
M: Este consenso é importante, já que entre profanos é difundida a opinião de que o desenvolvimento destes dons é o objetivo principal de nosso trabalho, enquanto esoteristas.
W1: Existe mesmo esta impressão.
M: Talvez suponham que se nos reunimos em segredo iniciáticos é para esconder nossos enormes poderes (risos). Ao contrário, melhor seria que toda a humanidade soubesse o que sabemos, mas isto só poderá acontecer quando a própria humanidade estiver pronta e isto, só ela pode dizer quando será.
Estamos na verdade aqui, nesta reunião forçosamente secreta, porque sabemos da importância da tradição que recebemos para preservar e transmitir.
Dons como estes não são prerrogativas nossas ou de qualquer iniciado e na verdade muitos não iniciados os desenvolveram de forma espontânea, pela vontade do Todo Poderoso.
A diferença é que o Dom sem a Iniciação é um poder fora de contexto, enquanto que junto com a Iniciação ele ganha sua dimensão correta, perdendo sua aparência de fenômeno sobre natural e transformando-se apenas numa mera ferramenta de trabalho a mais.
Como ferramenta, apenas, não tem, portanto, nenhum efeito aperfeiçoador de caráter, nem torna aquele que o desenvolveu, um indivíduo iluminado. Aliás, já conheci patifes que podiam ler mentes.
W2: Sim, só a Iniciação consegue desfazer a inocência e as ilusões da mente e do espírito do indivíduo que a recebe , como se amadurecêssemos 5 anos de vida em cada cerimônia iniciática.
W1: Que concluímos de nossas discussões hoje, meus irmãos?
H: Que os dons, embora úteis, não nos tornam seres humanos melhores. Apenas nos auxiliam no dia a dia de forma a melhorarmos nosso desempenho pessoal e profissional e torná-lo mais gratificante.
D1: Esta é uma fala sintética e definitiva. Nada mais a meu ver deve ser acrescentado.
D2: Concordo.
D: Concordo.
W1: Que assim seja. Oremos.
Todos se levantam.
“Deus de muitas faces,
Deus de muitas feições,
Abençoa-nos para que tenhamos em nossos corações Confiança e não apenas Fé,
Certezas e não apenas Esperança,
Senso de Justiça, e não apenas Caridade.
Assim Seja”.
Todos respondem: “Assim Seja”.
E saem em silêncio.
V CAPÍTULO
O ZOHAR
W1: O que discutiremos hoje, meus irmãos?
D1: Eu proponho discutir o Zohar, o livro do esplendor.
W2: E qual, dentro do Zohar, seria o tema?
D1: As Bênçãos de Jacó.
M: Bom tema.
W1: O que diz o livro sobre isso?
D1: Assim fala o Zohar:
“Foram muitas as bênçãos recebidas por Jacó, em diversas ocasiões. Primeiro, lançando mão da astúcia, conseguiu a bênção de seu pai; (depois) ao retornar de Labão, recebeu a bênção da Divina Presença, como está escrito: ‘Deus (Elohim) abençoou Jacó (Gênesis 35,9)’. Por outro lado, o próprio Anjo da Guarda de Esaú o abençoou, e novamente seu pai o abençoou quando partiu para Padam-Avan, dizendo: ‘-E Deus, todo poderoso te abençoe...(Gênesis 28,3).’
Ao ver que possuía tantas bênçãos, Jacó ponderou:
‘-Qual dentre todas estas bênçãos usarei primeiro?’
Decidiu então usar a última que era a menos importante dentre todas. Embora soubesse do valor que continha em si mesma, ainda assim a encarava como a menos poderosa nas suas probabilidades de dominar o mundo. Por isto Jacó disse:
‘Usarei esta bênção imediatamente e guardarei as outras para usá-las quando eu ou meus descendentes tivermos necessidade, ou seja, quando todas as nações se reunirem para varrer minha posteridade da face da Terra.’ ”
W2: Que trecho intrigante.
D1: Assim é. Comecemos a conversar falando sobre a Bênção.
Em Hebraico, as bênçãos litúrgicas começam pela fórmula: “-Abençoado sejas tu, ó senhor nosso Deus,Rei do Universo.”
Os mais importantes tipos de bênção são aquelas ligadas a comida e a bebida, onde se reconhece em Deus a fonte de sustento do Homem, as proferidas antes de se cumprir uma Mitsvá (boa ação) para indicar a natureza ritual do ato, e as que compõem parte da LITURGIA dos serviços da sinagoga.
No caso do Zohar, a bênção é entendida como um poder, uma energia, um pacto com Deus, Todo Poderoso, que dá ao abençoado a possibilidade de usar esta força em um momento de necessidade para si ou para os seus.
Tal poder teúrgico, cabalista, deve ser entendido não apenas em seu significado simbólico, mas sim como uma manifestação factual.
O Poder, dado a Jacó apenas pela Palavra, era real, palpável, capaz de modificar o contexto da realidade.
Deus, naqueles tempos como agora, não era apenas uma crença, mas algo sólido o suficiente para ser percebido como real. E aqueles que D’ele necessitavam poderiam receber através das bênçãos de seus pais sua força de modo direto, e administrá-la, como se administra um estoque de mantimentos.
H: Minha irmã, você disse que “...naquela época como agora...”, a força de Deus era palpável. O que impede que eu manifeste esta bênção, esta energia em minha vida? Porque não consigo sentir esta presença divina em meu cotidiano?
D1: Meu Irmão, tudo se resume a uma questão: a intensidade da sua certeza desta presença.
Dizemos: “-Quando o discípulo está pronto o Mestre aparece.”
Na verdade, quando o crente está pronto, Deus mostra a sua face.
Pois para contemplar Sua Divina Face é preciso que estejamos prontos, já que tal proximidade do Altíssimo pode ser tão benéfica quanto mortal. Dizem que Moisés era grande porque viu a face de Deus e não morreu.
H: Pelo que entendi, meu ego e minha falta de confiança é que impedem o Pai de se manifestar em mim e por mim.
D1: É verdade.
H: E como desfazer este quadro, tanto no meu caso como no caso de outros irmãos?
D1: Por dois métodos: a oração e a meditação ao estilo oriental.
A oração porque esta é a forma de aproximação por excelência do estado de harmonização com Deus.
Toda oração é um poderoso meio teúrgico de estabelecer um vínculo entre nós e este imensurável poder que chamamos Deus.
E a meditação ao estilo oriental porque com ela desfazemos as ilusões da mente e do Ego, saindo da frente para que a energia de Deus possa passar.
H: Entendo. Procurarei orar e meditar mais a moda oriental, não pensando sobre Deus, mas procurando esvaziar a minha mente de quaisquer resquícios do ego.
D1: Muito bem. Eu queria completar meu pensamento.
W1: Diga Irmã.
D1: Neste trecho do Zohar é dito que “ quando chegar o momento estas bênçãos começarão a operar e o mundo ficará em harmonia” como se a energia , além de estar voltada a proteção do abençoado, agisse também de forma autônoma, revelando sua natureza de emissária como os anjos, da vontade de Deus.
Tais forças só podem ser controladas, paradoxalmente, por aqueles que se renderem e se curvarem a estas forças e com elas se harmonizarem.
As bênçãos ou “berachots”, não são apenas palavras soltas no espaço. São comandos mágicos daquele que abençoa para que as forças do universo protejam aquele que é abençoado.
As bênçãos são ditas através de palavras. E as palavras são mágicas, tanto mais fortes em poder quanto maior a consciência daquele que abençoa e daquele que recebe a bênção, mas não se trata de um efeito meramente psicológico.
Existe uma força intrínseca nas palavras de uma bênçaõ e esta força vai repousar no Akasha, até o momento de ser convocada pelo karma a agir, como um programa de computador que tem uma hora certa para começar.
Por isso meus irmãos, não devemos de forma alguma olhar com desdém palavras ditas em voz alta ou não, principalmente as bênçãos.
No Sepher Yetzirah diz-se que:
“ As sete portas do homem são: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e uma boca”.
E destas portas, a boca é a única por onde sai o som.
As outras portas são receptoras; a boca é geradora.
Cuidemos, pois, todos, de nossas bocas.
W1: Mais algum irmão quer se manifestar?
W2: Não, meu irmão.
M: Não, meu irmão.
Encerremos, pois com uma prece:
“Deus de nossa compreensão
Deus de nosso coração
Dai-nos a prudência do Silêncio.
Dai-nos a palavra correta
E Protege-nos.Assim Seja”
Todos respondem: “-Assim Seja.”
E saem em Silêncio.
VI CAPÍTULO
O MERGULHO
W1: Boa noite, meus irmãos. Hoje é o dia de nosso seminário e o irmão M vai nos apresentar um trabalho cujo tema é “O Mergulho”.
Objeto de discussão entre místicos e religiosos, a expressão “A Queda” sempre foi vista como uma definição adequada para o que aconteceu com a Humanidade na origem de nossa existência material.
Segundo o ponto de vista do irmão M, esta é uma posição equivocada e agora ele vai defender sua posição.
Irmão M, por favor, comece:
M: Obrigado irmão W1. O trabalho que trago esta noite tenta modificar a perspectiva tradicional sobre a estada neste ambiente interessantíssimo que é a existência terrena.
Peço a tolerância de meus irmãos pelo tempo de minha exposição. Relembremos o que falei duas reuniões atrás.
Imaginemos todos que sejamos mergulhadores de águas profundas dos tempos anteriores ao aqualung, a roupa de neoprene, com bujões de oxigênio às costas, idealizada por Jacques Cousteau.
Naqueles tempos, era comum o uso de uma roupa pesada, semelhante aos trajes de astronautas, grande, desconfortável, chamada de escafandro.
Pensemos então que não tenhamos caído dentro do oceano que vamos investigar, mas que tenhamos mergulhado voluntariamente neste ambiente em busca de informações e evolução.
Este é o tema de meu ensaio , em duas partes, cuja primeira parte chamei de “O Mergulho” e a segunda parte de “ A Segunda Pele”.
O MERGULHO
Início do outono no hemisfério sul
“E tu também, que buscas o conhecimento, és apenas uma senda e uma pegada da minha vontade; em verdade a minha vontade de poder caminha com os pés da tua vontade de conhecer a verdade!”
F.Nietzsche,
“Do superar de si mesmo”
em “Assim Falou Zaratustra”,
Tradução de Mario da Silva,
Círculo do Livro,1977
Primeiras palavras
Porque criticar tão insistentemente o tema e o termo “Queda”?
Por que o termo em si me incomoda e aborrece.
Não só por sua imprecisão, mas por faltar a verdade dos fatos.
Pior que um termo ruim só um símbolo ruim.
Os valores que guiam os seres humanos são representados por estes símbolos presentes na nossa tradição.
Se não nos esforçarmos por melhorar sua clareza estaremos condenando os nossos descendentes a um esforço de exegese desnecessário já que todos concordamos que as coisas não se passaram bem assim.
O outro aspecto é psicológico.Jamais me satisfiz com a simbologia, interessante, mas primária do gênesis hebreu, mesmo ressaltando a sua beleza imagética.
Antes de qualquer coisa, tal arranjo simbólico está carregado de culpa e dor em vez de mostrar, mesmo que simbolicamente, a maravilhosa dinâmica interna do Universo.
E é isto que move o místico: decifrar entre símbolos herméticos os princípios que podem representar um incremento no seu conhecimento e em seu poder sobre a criação.
Não há culpa no místico, mas sim curiosidade.Ele é o cientista do Eterno.
O místico não é um religioso, embora esteja imerso na religiosidade. Não lhe interessam histórias sobre demônios e infernos e ranger de dentes. O universo para o místico é límpido, poderoso, mas benigno, e seu Deus não lhe é hostil nem aterrador, mas sim um eterno Companheiro de Viajem, esta viajem que todos experimentamos e que eu gosto de chamar de mergulho na carne .
Por isso precisamos avançar as formas de simbolizar e de descrever nosso passado, de forma que, mesmo metaforicamente, expressões como corrupção, queda ou pecado original sejam banidas da nomenclatura mística por completa inadequação à compreensão atual que temos da criação e da nossa relação com o nosso Criador.
Introdução
“Eis a cena. Ela se passa em um instante (que mais tarde os exegetas dividirão em cinco partes). Marcos e João nada dizem sobre ele.Mateus o menciona de passagem. É Lucas quem o descreve em doze versos.Uma menina sozinha.Um anjo aparece e lhe diz algo assustador. Ela duvida,pergunta. O anjo explica. Ela aceita. O anjo parte”.
Poucos instantes são iguais a esse. É o instante em que nasce um novo monoteísmo; em que o velho testamento chega ao fim; que anuncia, com nove meses de antecedência, uma nova era; em que, teologicamente,o eterno penetra na história; em que uma virgem se torna mãe.
O dia 25 de março, equinócio da primavera no calendário Juliano. Daí em diante, no hemisfério norte os dias serão mais longos do que as noites. Haverá mais luz que escuridão. Segundo uma tradição retomada pelo maior teólogo do século VI Bernardo de Claraval, Nazaré, o nome da cidade em que se deu a cena, significa flor. Num jogo místico, São Bernardo escreve que a flor divina quis nascer de uma flor, no ventre de uma flor, na época das flores.
Na cena há dois personagens e um animal: a menina, o anjo e a pomba. É a antítese da Queda, em que também há dois personagens e um animal: Adão, Eva e a serpente. A serpente é um animal telúrico, do fundo da terra, que sobe enroscando-se numa árvore, ressentida por não poder chegar ao céu. Sua mensagem sobe do chão. Traz veneno. A pomba é um animal celeste. Sua mensagem desce do alto e traz graça.
Na Queda há uma árvore entre Adão e Eva. Ela divide o masculino do feminino. E a natureza selvagem, a produção anárquica do mundo vegetal, o instinto ainda não disciplinado pela razão. Na iconografia clássica da Anunciação há uma coluna entre Maria e o Anjo. Ela divide o divino do humano. É expressão da Ordem alcançada pelo uso da Razão, o rigor geométrico da arquitetura humana.
Santo Tomás de Aquino escreveu um opúsculo sobre Maria como a anti-Eva: com Eva , o pecado; com Maria, no momento da Anunciação, o contrário da maçã, a destruição da maçã. Ao entrar, o Anjo Gabriel saúda Maria com as palavras que, mais tarde, serão repetidas pelos fiéis: “Ave Maria, Gracia plena. Dominus tecum...O hino medieval “Ave Maria Stella” nos diz: “Ao ser pronunciado este Ave /pelos lábios de Gabriel/foi nos dado a paz/ao ser trocado o nome de Eva.”
Ave, a primeira palavra do Anjo, inverte Eva, como viram os antigos.
Desfaz o mal.”
Trecho de um ensaio de João Moreira Salles para o Estado de São Paulo,26 de março de 2006, sobre o quadro a Virgem Anunciada de Antonello de Messina, em exposição no Museu Metropolitan de Nova York.
A herança do Gênesis
As doutrinas místicas são tributárias do simbolismo bíblico.
É lá, no livro santo, que vamos encontrar as primeiras referências à queda do homem e a transição de um estado superior, angélico, sem pecado, para um estado de dor e sofrimento.
O Gênesis hebreu poderia ser, em certas passagens, O Livro do Medo.
Causa medo o Deus que cobra de Adão a promessa de não comer da árvore do bem e do mal. Causa medo o Querubim de espada flamejante que expulsa o casal primordial do chamado paraíso.
Tudo é culpa e erro.
Nesta visão, homem e mulher são arquitetos da infâmia diante de um Deus Benigno e Onisciente e, no entanto, estranhamente incapaz de antecipar a serpente.
A simbologia moisaica, embora interessante, já há muito dá sinais de senilidade.
Evoluímos, de certo que não muito, como povo e como cultura; uns mais que outros.
Mesmo assim, em função desta evolução, é hora de revisar e de proceder a uma atualização mística das imagens e dos símbolos que guiaram outrora um povo nômade e bárbaro, num período primitivo, para um novo tipo de momento histórico diferenciado, de elaborada compreensão intelectual e sócio-científica.
E talvez devamos começar pelo conceito de “Queda”.
A mudança de paradigma
Só a sincronicidade de Jung pode explicar. Eu já tinha terminado este ensaio quando me caiu nas mãos o texto de João Moreira Salles sobre um quadro de Antonello de Messina (na qual , aliás , a Virgem Maria faz um gesto semelhante àquele que alguns místicos fazem ao pedir permissão para falar durante uma reunião, mão esquerda no coração e a palma da mão direita estendida para cima e voltada para a frente), em sua maravilhosa introdução, descreve como a Anunciação de Maria desfez em nós o mal ao inverter, pela boca do anjo, o nome da primeira mulher - EVA- na saudação a Maria ,mãe do redentor – AVE.
Diz mais: no momento da Anunciação, dá-se também o fim do Velho Testamento, dos velhos símbolos.
É o início de uma nova e eterna aliança. Não mais falar em Queda.Agora vamos discutir a Ascensão.
Discussão crítica do conceito de Queda
Perguntemos inicialmente: o que fez o ser, onipotente, onisciente, criar um universo em camadas, com uma parte que podemos chamar divina e outra que podemos chamar humana, separadas aparentemente?
A resposta mística seria a necessidade de criar tensão.
Entre um e outro pólo da criação, entre as colunas de Jaquim e Boaz, o ser e a criação flutuam, suspensos entre os contrários e na energia criada entre estes pólos opostos.
A realidade é dual em estrutura e trina em manifestação, relata o breviário de eminente ordem esotérica.
Assim, pela vontade de Deus, tudo que foi criado apóia-se em duas colunas essenciais, fundamentos de tudo que existe.
É pela existência destes dois pilares que se criam as condições para a manifestação da vida, não só entre o que está em cima e o que está embaixo, mas, de forma mais marcante, pelas condições criadas naquela região entre a esquerda e a direita da criação.
O terceiro ponto, nós mesmos, seres humanos, só existe se instalado neste território dual e instável, aparentemente estável, que chamamos REALIDADE.
Estabilidade para a qual contribuímos com nossa consciência, contribuição que é mais intensa quanto maior é o nosso grau de discernimento do papel que temos nesta interação de forças.
Ali, nesta região onde o fluxo de prótons, nêutrons, elétrons e de fótons é mais rico e denso, existimos.
Ali, naquela região instável e movediça, evoluímos.
E, ao evoluirmos , cumprimos nossa maior missão como seres vivos que somos: servir como sensores do Todo Poderoso em seu próprio corpo, a Criação.
Sim, Deus se apalpa conosco, para se conhecer melhor.
Deus se toca, para perceber seus contornos e avaliar suas dimensões.
Nós somos os dedos das mãos do Todo Poderoso num exercício quase narcisista de autoreconhecimento.
É pela vontade Dele que Seus “dedos” atravessam o vazio e vem tocar a Sua pele sagrada.
É pela Divina Vontade que entramos nestes corpos de carne para experimentar as sensações de estar entre colunas.
É, portanto por Sua Sagrada vontade, que estamos neste plano de investigação, deleitando-nos com a colheita de todas as informações que pudermos conseguir para nosso Criador, sobre ele mesmo.
Não estamos neste mundo por acidente, mas voluntariamente.
Não somos seres deserdados por seu Pai, mas Luzes em missão, soldados obedecendo as ordens de seu comandante.
O que nos aconteceu, “...foi somente uma expansão do campo de operação necessária para englobar o desenvolvimento das faculdades do homem , que buscavam avidamente novas experiências de crescimento...”
Não caímos neste mundo, fomos lançados nele e, portanto, não estamos neste estado por que perdemos outro melhor, mas por que mergulhamos nele, de bom grado.
Nossa glória não está no espírito, mas na carne.
Nela conheceremos, através dela evoluiremos, e conosco, o Deus que nos enviou.
De forma alguma, esta é uma afirmação materialista.
Se pensarmos bem a própria noção de matéria é, em si, fantasiosa.
Supomos que existe um local idílico onde éramos só espírito, e este aqui, onde estamos, cheio de dor e sofrimento, onde somos só matéria.
Tais concepções são apenas um trauma aristotélico.
O mundo não é feito em pedaços.
O mundo é um só.
A criação é unidade.
Não existe separação entre o mundo dos anjos e o nosso senão aquela que nosso grau de consciência da Unidade estabelece.
Estamos em um “...estado fictício de exílio ...”.
O que é em cima é embaixo, disse Trimegistus.
E eu completo que o que está em cima está embaixo.
Deus está entre nós.
Nós somos Deus manifesto.
Olhar nos olhos do outro é olhar nos olhos de Deus; mais que isso: se Deus também está em mim, quando olho para outra pessoa, Deus olha para Si mesmo.
Cabe ao místico superar o que os Yogues e o Sankya chamavam de Maya, a ilusão da separação, a ilusão de sermos algo diferente D’ele.
Só quando o homem percebe em si a mesma divindade que o criou pode-se falar em iluminação.
Estamos num oceano de Consciência e energia em constante tensão e movimento, no meio das colunas.
Somos, todos nós e tudo que existe, o terceiro ponto.
E aqui chegamos como conseqüência da Vontade de Deus, portanto da nossa própria vontade, não por acidente, mas por necessidade.
A primeira condição para restabelecermos nossa consciência de Deus em nós é percebermos que nunca estivemos fora dele, que não há necessidade de regeneração já que não há degeneração, mas cumprimento de uma vontade de auto-conhecimento do Todo Poderoso ao mergulhar-nos neste estado rico e variado, este vasto laboratório de conhecimento chamado mundo material.
A expressão mais adequada é “aumento da conscientização de estarmos nele como ele está em nós”, numa palavra, Unidade.
S, 25 de março de 2006
M
VII CAPÍTULO
IIa Parte: A SEGUNDA PELE
Noite, 22 horas, 10 de abril de 2007
M: Toda vez que discutimos a Queda como conceito místico pressupomos filosoficamente algumas coisas. E eu diria que o Diabo mora nos pressupostos.
E quais são eles?
Primeiro se houve uma queda, estávamos em algum patamar mais alto que este em que estamos. Até aí, nada demais: houve uma mudança de nível de atuação. Só que junto com esta conclusão segue um primeiro pressuposto: estar em um nível elevado é melhor do que estar em um nível mais abaixo. Aristotelicamente, pois foi ele, Aristóteles, o primeiro a convencionar que o que está em cima é melhor e mais nobre do que está em baixo, concluímos só por falar em Queda que “ perdemos alguma coisa de bom , e caímos em algo ruim” seja lá o que for este plano de manifestação.
Este é o primeiro pressuposto: esta Queda foi algo ruim.
Logo me veio a mente a imagem de alguém que esteja se preparando para dar um mergulho em uma piscina em um dia quente de verão: o indivíduo está parado em frente a água pensando no impacto térmico da água e no enorme prazer que desfrutará com esta experiência.
Não passa em sua cabeça nenhum tipo de mal estar ou náusea ao pensar neste mergulho, mas sim, podemos dizer, ele anseia por mergulhar, pois está quente e o mergulho só poderá lhe causar bem estar e diversão além de um decisivo estímulo a sua circulação.
Foi aí que eu comecei a pensar sobre não usar a palavra Queda, mas o termo Mergulho para definir a entrada do espírito na carne em busca de conhecimento e evolução neste mundo de experiências tão interessantes e ricas para um imortal.
Havia, por decorrência natural, outro tema a tratar, e este era a matéria como fonte do mal.
Ora, se viemos de um nível melhor para este nível que está abaixo e que, por isso, é pior, a nossa manifestação aqui deve ser cheia de defeitos, e é assim que parece ser.
O corpo e tudo a sua volta, é mortal. Degenera com o passar do tempo, adoece, está sujeito a paixões, necessidades e nunca, nunca consegue satisfazê-las totalmente.
Daí a conclusão óbvia de que como este corpo não é perfeito, nem indestrutível, nem somos seres luminosos sem quaisquer limitações, devemos estar realmente em um estado de punição permanente, sofrendo algum tipo de castigo atávico e por isso, nosso arrependimento deve ser expresso de forma indelével, recusando a vida no corpo como importante e tratando de voltar nossos olhos para dentro de nós e para tudo que seja espiritual por que estas coisas intocáveis e evanescentes são, por isso mesmo, eternas, e por serem eternas, são boas.
Conclusão: a matéria em que estamos é a fonte de nosso sofrimento e ela é a fonte do mal. Fora da matéria somos deuses; dentro dela, estamos amaldiçoados.
Ora, isto também me levou a considerar duas hipóteses: uma, que dizia respeito às coisas não duráveis e àquelas eternas e outra relativa ao papel da matéria em nossas vidas.Imaginei estas hipóteses representada por duas imagens: a primeira imagem era a de uma folha de papel.
Escrevendo aqui no computador, ainda assim sou forçado a olhar para a tela e ver, antes de começar, uma folha em branco, como uma folha de papel onde eu estivesse escrevendo com um lápis ou com uma caneta.
Muitas vezes, foi sobre essa folha de papel que eu derramei poesia e pensamentos, minhas melhores e mais importantes reflexões.
Em nenhum momento, considerei estes escritos de menor importância pra mim. Para outros, para pessoas que não me conhecem e que não sabem das minhas angústias filosófico místicas ou não comungam nos mesmos ideais, tudo isto pode parecer tolice e devaneio sem sentido, mas para mim é puro ouro.
Aqui, nesta folha que, aliás, nem é papel de verdade, mas um conjunto de bytes absolutamente frágeis e não perenes, em hipótese alguma eternos, eu lanço as minhas vivências como homem e recolho para meu Deus e para minha consciência um sem número de considerações que alimentarão a mente universal na sua insaciável sede de saber, pois é isto que somos, como eu disse acima, dedos de Deus que se apalpa a si mesmo através de nós, conhecendo-se, reconhecendo-se.
Portanto, embora seja algo passageiro, e que desaparecerá com uma simples Queda da Energia, estes bytes têm para mim de grande significado e, à sua maneira, sagrada importância.Se as idéias de um homem não forem sagradas para ele, este homem não vive, vegeta.
E os pensamentos? O que dizer desses frágeis pensamentos, às vezes não escritos, que se perdem, seja desaparecendo no esquecimento, seja pelo passar do tempo? São frágeis, não eternos, e nem por isso são menos importantes.
Concluí então, que de forma alguma coisas não duráveis são menos úteis ou menos sagradas que coisas eternas. Este foi um dos equívocos platônicos mais graves, denunciado por Nietzsche 23 séculos depois.
O pensamento grego é platônico e aristotélico.
Qualquer grego que fosse escrever usaria categorias de um ou de outro para elaborar suas idéias. Daí Paulo , o apóstolo , que era grego , usar os conceitos gregos de coisas acima e abaixo, como sinônimos de coisas boas e más , respectivamente. Surgem então adjetivos consagrados como “pensamentos elevados”, “baixas intenções”, “idéias rasteiras”, etc, que correlacionam altitude e dignidade.
Formas de falar são formas de pensar.
Por isso, mesmo que um mergulhador caia de um trampolim com enorme satisfação em uma piscina deliciosa, não aceitamos facilmente que nem todas as quedas são ruins ou acidentais e que nem todas as vezes que passamos de um nível mais alto para um mais baixo estamos piorando como pessoas ou perdendo dignidade.
O pensamento é feito de hábitos conceituais que com o tempo tornam-se verdadeiros vícios de interpretação, deformadores de nossa percepção do real.
Como já falei, antigamente, antes que Jacques Cousteau, o famoso oceanólogo inventasse o aqualung,( a roupa de neoprene dos mergulhadores) para mergulhos de qualquer espécie usava-se o Escafandro, uma roupa pesada e desajeitada, que tinha pés de chumbo para ajudar o mergulhador a descer ao fundo mais rápido, já que era isso que ele, biólogo, oceanólogo ou que o geólogo queria: ir o mais fundo possível no Oceano para fazer a sua pesquisa. Descer era seu objetivo e para isso ele vestia esta segunda pele para poder chegar até lá e suportar as mudanças de pressão da profundidade que poriam em risco sua sobrevivência se não usasse essa roupa estranha e desengonçada, cheia de defeitos, limitadora e que transformava seus movimentos em algo cômico, ridículo mesmo, em comparação com a graça e leveza dos habitantes do fundo do mar.
É que o meio ambiente do mergulhador não era nem é o mesmo dos seres abissais que ele visita.
O escafandro era uma estratégia, um instrumento para chegar até eles e conhecê-los , para aprender mais com eles e sobre eles.
O escafandro não era um mal, mas apenas uma ferramenta, e muito útil, na época considerado um monumento ao gênio científico humano.
Lembro que a imagem do escafandro me pareceu estranhamente simbólica por que era comum que ele mantivesse, mesmo no fundo do mar, uma ligação com o navio mãe, lá na superfície.
Um tubo de ar e um cabo amarrado no escafandro eram sua ligação permanente com o meio de onde ele tinha se originado.
Romper este cabo era a morte do escafandrista e por isso ele tomava muito cuidado com os movimentos, necessariamente lentos, durante sua pesquisa.
Também nós, em nossos corpos, somos escafandristas, permanentemente ligados a nossa fonte por nossos cordões de prata.
Esta segunda pele que usamos, nossos corpos, belíssimas criações do gênio de Deus, não podem ser chamados de fonte do mal a não ser por ignorância ou má fé.
A consciência interna é que nos diz o que fazer com nosso instrumento. Embora nosso corpo seja tão limitado e aparentemente tão frágil e delicado como o escafandro, é através dele que temos a chance de estudar este plano e aprender nele tudo o que precisamos pra aumentar nosso conhecimento.
Mais uma vez, o que é frágil e passageiro, perecível, como o escafandro, é, ao mesmo tempo, extremamente útil no cotidiano e no avanço do conhecimento.
De que me adiantam conceitos eternos como o Bem Absoluto o a Verdade se o que eu quero é olhar de perto um espécime de peixe extremamente raro, que só é encontrado no fundo do oceano?
Prova de que nem tudo que é eterno é sempre útil.
Com essas duas imagens , a do papel digital e o escafandro, encerro meus argumentos contra estes tolos e inaceitáveis preconceitos contra as coisas passageiras.
A vida mesma, tão preciosa, é passageira, e em hipótese alguma, em sã consciência, ninguém poderia dizer que é inútil e que por ser passageira deve ser desprezada.
Há uma frase célebre sobre o tema do filósofo Albert Camus: "O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder à uma pergunta fundamental da filosofia"
É bom que aqueles que se chamam místicos, buscadores do mistério de Deus, nosso criador e fonte de nossa Vida nesta Terra, pensem profundamente sobre essas palavras antes de chamar a vida material ou o corpo humano de fonte de todo o mal.
VIII CAPÍTULO
O CARRO E O MOTORISTA
W: Interessante este discurso sobre o mergulho e o escafandro, nossa segunda pele.
H: Sim, mas gostaria de aprofundar e explorar mais a questão.
D1: E como, irmão, gostaria de fazê-lo?
H: Discutindo o problema da culpa. Preocupa-me o fato de que, baseado no discurso do Irmão M, a maioria de nossos Erros, senão todos, estão ligados a nossa limitação material. Alguns ou todos mesmo poderiam ser considerados inevitáveis.
Ora, algo que tem nos dado um senso de direção moral é a culpa e o remorso. É baseado nisso, no desconforto intenso que a culpa gera em nosso espírito, que evitamos repetir determinados procedimentos.
Se, no entanto, estamos sujeitos ao Erro por causa de nossa limitação material, sensorial e perceptiva, da mesma maneira que o homem no escafandro não pode andar na velocidade que deseja, nem ver tudo a sua volta, pois está limitado à largura de seu estreito visor de vidro, não poderemos mais falar em culpa ou remorso por nossos erros já que tudo está dentro do contexto desta limitação material.
Ora, não havendo mais a culpa, também não precisa haver mais remorso, responsabilidade ou reflexão sobre o erro.
Isto, a meu ver, seria um grave problema na formação do caráter e na educação espiritual.
M: Em parte.
H: Como, em parte?
M: Devemos aí fazer a distinção entre culpa e consciência, entre erros inevitáveis e erros evitáveis.
H: E como faríamos tal distinção?
M: Penso que o tema que você propõe, irmão H, é de suma importância para a nossa saúde mental e espiritual. Afinal, toda a nossa formação moral desde os tempos bíblicos, é baseada no princípio de punição e recompensa, um mecanismo de condicionamento primário, mas eficaz para desenvolver nas pessoas certos aspectos positivos do caráter. Até hoje é assim que educamos nossas crianças.
Tal método, embora eficiente, é privado de um refinamento metodológico e psicológico: o sistema de punição e recompensa nos leva a evitar o que gera a punição, mas não a trabalhar e refletir sobre o erro em si.
Pelo sistema de punição e recompensa, não existe importância no Erro, mas sim no Acerto, no que é considerado correto. A este aspecto, bom e belo, é que devemos prestar atenção, restando ao Erro ser execrado e esquecido.
Quanto à reflexão, se houver, supõe-se que será automática, provocada pelo prazer de fazer o que é certo, e assim o indivíduo chegará as conclusões que moldarão o seu caráter de forma positiva. Esta concepção, entretanto, é no mínimo ingênua, pois ninguém elabora reflexões em um período de grande bem estar.
Recompensa é deleite, prazer, Bem Estar, e corrija-me se eu estiver errado,o Bem Estar é desfrutado e não objeto de reflexão. Em estado de bem estar todo o meu ser relaxa, mente e corpo, e, entorpecido pela felicidade, o ser pára de pensar.
Não existe ameaça, não existe risco. Por que eu dedicaria algum instante à reflexão? Não seria lógico.
Já em uma situação de punição e sofrimento, o instinto de auto preservação entra em ação e obriga o cérebro e a alma a discutir a questão e estabelecer protocolos que impeçam a repetição daquele desconforto ou daquela ameaça no futuro.
Este fenômeno primário, portanto, tem duas partes: Erro e reflexão.
O problema é quando este mecanismo bio-psicológico simples ganha contornos espirituais e filosóficos, tornando-se fundamento para estruturar discursos religiosos.
Punição e recompensa, Erro e reflexão, passam a ser elementos fundamentais da Intolerância.
H: Intolerância?
M: Sim, intolerância. Contra outras pessoas ou aspectos da vida, mas, essencialmente, intolerância do indivíduo contra ele mesmo.
H: Não compreendo sua última colocação. Como um mecanismo educacional que nos ajudou a sair da barbárie e nos deu a base de nossa civilização pode ser o germe da intolerância?
M: Eu explico. A idéia é (e me perdoe a redundância): já que errar é errado, não devemos e nem podemos errar. Aí está para mim, a auto-intolerância.
Qual a primeira conseqüência do mecanismo de punição e recompensa que discutimos há pouco? A louvação do certo e a execração do Erro.
Tudo o que é bom deve ser exaltado e tudo que é Erro deve ser execrado e maldito e relegado ao fogo e à destruição.
Só que , como vimos, é o Erro que gera reflexão e evolução, e não o Acerto.
Desfrutamos o prazer do Acerto, mas pensamos com o Erro e sobre o Erro. É o Erro, então, que nos faz crescer moral e espiritualmente.
Portanto, Erro e Falha são fundamentais ao aperfeiçoamento e não obstáculos ao crescimento.
É compreensível, pois, que a Dor seja associada ao crescimento, já que a Dor, moral ou física, caminha junto com o Erro.
Esta mentira se fundamenta na percepção de que sim, o Erro, acompanhado da Dor, gera reflexão sobre suas causas.
Se entendermos, entretanto, a importância didática do Erro, veremos que o que nos faz crescer é a reflexão sobre o Erro, e não a dor implícita em um evento desagradável.
Dor e erro não são sinônimos. Pode-se errar sem sofrer.
H: Como isso seria possível?
M: Tanto é possível que estamos aqui discutindo o Erro, refletindo sobre ele sem que isto nos cause qualquer dor. É a reflexão que diminui a dor no erro; mais do que isso: é a consciência espiritual oriunda da reflexão que elimina a dor.
Quanto maior a consciência espiritual de um indivíduo, menor será seu sofrimento.
Vejamos, por exemplo, o matemático que comete um erro de cálculo ao longo de seu trabalho, trocando elementos de uma equação por distração. Mais à frente, a incongruência dos resultados o faz retornar aos cálculos anteriores para identificar onde estaria a falha de encadeamento que encontrada é desfeita e o balanço da equação é reencontrado.
Trata-se de um trabalho intelectual, destituído de culpa ou remorso. O erro não só é comum em contas complexas como esperado. O mais importante, no entanto, é a atitude psicológica do matemático. Não deve ter chorado pelo fato de ter errado. Não deve ter batido em seu peito ou rasgado suas roupas pelo seu erro.
Apenas percebeu-o e começou a busca para encontrá-lo e corrigi-lo, cônscio de que, embora tivesse responsabilidade pelo erro, não sentia qualquer culpa por tê-lo cometido.
H: A imagem é interessante, mas refere-se a questões menos graves. Ninguém perdeu a vida por causa do erro do matemático, ninguém esteve, por engano, dez anos em uma masmorra, de forma injusta, por causa disso.
Ou seja, só os números foram objeto de erro, não pessoas.
M: Sim, é verdade, mas meu objetivo era usar esta metáfora para demonstrar minha idéia de atitude psicológica ideal quanto ao erro.
O fato de todos aqui serem iniciados tem um preço: não poderemos mais raciocinar, aqui ou na vida profana, como se não fossemos iniciados.
Lembremos Paulo apóstolo, em Coríntios 1, cap.13, v.11:
“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino”.
O que sei é o que todo iniciado sabe: aquilo que nos traz sofrimento, como dizia o Buda, é o Apego, e nada mais.
Apego ao que é passageiro, Apego ao que inevitavelmente será tragado pelo tempo e pelas circunstâncias e é por isso que sofremos.
“Existe a dor, a dor é causada pelo Apego, desfazendo-se o Apego desfaz-se a dor”, dizia ele.
Portanto, não é o Erro a fonte da Dor, mas o Apego às coisas que ele, Erro, nos faz abandonar ou perder.
Então, de novo, a pergunta que se impõe é esta: precisamos sofrer para aprender ou podemos aprender sem sofrimento?
Estamos aqui, juntos, nesta noite, aprendendo, sem sofrimento. Optamos por deixar nossos lares, o conforto de nossa família, para virmos aqui, nesta noite, discutir estes temas aparentemente tão abstratos, por amor ao conhecimento, em busca de uma maior consciência espiritual. Aprendemos e estudamos pelo prazer de melhorar, não por que a Dor nos obrigue a isto.
O que existe de diferente em nós?
Ultrapassamos, todos os que estão nesta sala, o nível da consciência onde deixamos de ser guiados apenas pelas necessidades materiais e passamos a ser guiados pelo mestre interior.
Até aqui nos guiaram as necessidades; daqui em diante, seremos guiados por nossa consciência.
E uma das conseqüências desta ascensão espiritual que experimentamos é uma significativa mudança de olhar sobre o mundo.
Vemos, no nível que nos encontramos, uma realidade bem menos estática, bem menos fixa, sujeita a mudanças de acordo com as mudanças de nossa percepção deste real.
Lembre-se meu irmão: como o que está em cima está embaixo, o que está dentro está fora.
Assim, os sofrimentos aos quais você se referiu, a morte, a desonra, o infortúnio, tudo que você possa imaginar, será produto de nossa atitude mental e não de uma realidade hostil a nós.
Tudo a nossa volta, é Maya.
H: Sim, eu conheço o conceito, mas seja por motivos psicológicos, seja por motivos físicos, as pessoas comuns não vão encarar este Maya como ilusório. A morte de um filho ou de um pai, a amputação de um membro, uma doença grave ou uma desilusão amorosa causam grande dor àqueles que passam por estes acontecimentos.
M: Concordo. E continuará a ser assim para eles até que separem o Real do Ilusório, o Apego do Desapego, a responsabilidade da culpa.
Sem Consciência estamos fadados a permanecer no Caos dos acontecimentos sem sentido, escravos do Acaso e do Destino.
Sem Consciência, não é possível termos o Domínio da vida.
Consciência é Responsabilidade sem Dor.
Culpa é Responsabilidade com Dor e sofrimento, mas sem Consciência.
E o queremos desta vida é consciência, não culpa.
Lembre-se da maldição que eu citei há pouco: já que errar é errado, não devemos e nem podemos errar.
Sentimo-nos culpados por errar e, segundo a religião, devemos nos sentir culpados até por estarmos vivos, neste corpo.
Somos ensinados desde muito cedo, a olhar para nosso corpo e nossa corporeidade com vergonha e tristeza, e somos lembrados que nossa existência neste mundo se deve ao pecado e não à vontade de Deus.
Isto é absurdo, anacrônico e antimístico.
Pois não é o misticismo que nos ensina que nem um fósforo é acesso neste mundo se não for pela vontade do Todo Poderoso?
Portanto, se estamos neste mundo, e se somos fadados a errar, não deve ser por nossa vontade, mas pela vontade daquele que é Onisciente, Onipresente e Onipotente.
O Erro é parte de nossas vidas e nos ajuda a fazer as correções de rumo necessárias ao aperfeiçoamento de nossa existência.
A Dor não é conseqüência do Erro, mas um efeito colateral da ignorância espiritual, da falta de consciência.
Não admira que em um mundo com tão pouca consciência espiritual exista tanta dor.
Pois uma e outra são inversamente proporcionais.
Se aumentarmos nossa Consciência e compreensão, aumentaremos nossa felicidade e não olharemos mais com intolerância para nossos Erros e nem para nós mesmos por termos errado.
Por que teremos a capacidade de nos perdoar de um pecado que não cometemos: o de sermos seres humanos, limitados por nossa condição material.
É o Erro que é o normal e o comum e não o Acerto. Devemos prestar atenção ao Erro e não ao acerto, para que possamos aprender com o Erro e não amaldiçoá-lo e amaldiçoarmos-nos por errar.
Devemos valorizar o Erro não por ser Erro, mas por ser fonte de reflexão.
Devemos também praticar o desapego à matéria e fazer uma distinção clara entre o mergulhador e seu traje de mergulho, entre o motorista e o carro que ele dirige, embora às vezes um e outro se confundam em sua missão nesta realidade espaço temporal.
Krishna guiando o carro de Arjuna
Com isto, a Culpa seja pelo que for, com sua carga de sofrimento e remorso que tanto mal faz a saúde mental dos seres humanos, vai desaparecendo como equívoco que é, para dar lugar a verdadeira noção de responsabilidade sem culpa, a Consciência.
H: Entendo. Concordo que se pudéssemos evitar sofrer por errar, erraríamos até com mais tolerância para conosco, sem que isto se transformasse em permissividade.
M: Correto.
H: Não haveria prejuízo moral.
M: Não. Aliás, seria até uma estratégia de economia de energia emocional. Toda a energia que a culpa nos toma seria redirecionada na reflexão sobre o Erro e na busca de uma solução para o impasse que ele nos apresenta, transformando-nos de Pecadores em Investigadores da Verdade.
Errar erramos todos. Procuramos errar menos, mas com certeza erraremos de novo. Que sejam Erros novos e não antigos é o que pedimos a Deus.
Só existe karma por Erros repetidos, não por Erros novos.
Os Erros antigos, por serem antigos, transformam-se pela reflexão em base de nossa conduta e de nossa estratégia na vida, como bóias de navegação, que orientam o navio na busca segura do porto.
Bóias de navegação e não pecados, nem crimes.
Apenas bóias, sem o peso adicional do remorso.
W: Meus irmãos encerremos nossa reunião de hoje, com uma prece.
Deus do nosso coração
Deus da nossa compreensão
Livra-nos da culpa e do remorso
Transforma nossos erros em uma maior consciência.
E que tenhamos conosco a mesma tolerância que devemos ter com todos os seres vivos e com todas as coisas.
Assim Seja
Todos respondem: Assim seja.
E saem em silêncio.
IX CAPÍTULO
A SANTIDADE
W1: Boa noite meus irmãos. Hoje eu gostaria de oferecer a todos um tema para discussão.
D1: Diga, então.
W1: Proponho que reservemos estes momentos para discutir a busca da Santidade, ou melhor , que coloquemos em avaliação a razão pela qual nos reunimos todas as noites nesta pequena sala e elaboramos estes temas tão profundos e esotéricos.
Deixa-me curioso exatamente aquilo que parece óbvio: porque pessoas adultas, com vidas humanas comuns e atarefadas , saem de suas casas e encontram-se em segredo para discutir coisas tão sutis e místicas. Gostaria de ouvir os irmãos sobre isso.
H: É verdade. Acho que estamos diante da questão fundamental. O que nos move, nós, membros da Fraternidade?
Nosso trabalho é secreto por isto nunca teremos reconhecimento público. Nosso trabalho é altruísta por isso nunca teremos qualquer pagamento pelo que fazemos ou lucro financeiro em fazê-lo. Nosso trabalho, enfim, é voluntário, e mesmo que respeitemos, como respeitamos, algum grau de hierarquia, nada a não ser nossa consciência nos obriga a fazê-lo.
M: Resta a pergunta : este tipo de atividade gera prazer em nós? Saímos destas reuniões melhores do que entramos?
D: Nem sempre, acredito eu. Às vezes as discussões me levam a considerações sobre a minha vida pessoal nem sempre muito agradáveis, como quando discutimos sobre o poder da mente de cada um de criar sua própria realidade.
É o tipo de conceito difícil de aceitar já que sempre fomos treinados em nossa cultura para ver fora de nós as causas de nossa dor ou de nossa alegria.
Sempre fomos estimulados a acreditar que parte do que nos acontece é por causa do acaso ou de forças superiores a nossa vontade. E depois disso, de discutirmos sobre esses aspectos, sobre o poder de nossas próprias mentes de criar universos como cria a Mente de Deus à semelhança de quem fomos feitos segundo o Pentateuco, não nos resta senão aceitar a responsabilidade de tudo que nos acontece e de procurar entender os mecanismos pelos quais nos sabotamos, nos prejudicamos, nos destruímos, nos adoecemos, nos assaltamos, nos matamos , etc. Este é um conhecimento extremamente difícil.
Então, em momentos como estes, não saio daqui envolta numa aura de prazer e deleite, mas, para usar uma palavra antiga e propícia neste caso, eu diria que saio circunspecta da reunião.
M: Esta circunspecção, então, é desconfortável?
D: Não desconfortável, incômoda, pois me traz uma responsabilidade a mais que eu nunca imaginei ter.
A iniciação verdadeira deve ser assim, eu acho.
M: E este incômodo parece mais com um peso ou com um problema intelectual que nos desafia?
D: Parece mais um problema intelectual e vivencial a ser resolvido.
M: Portanto , nestas reuniões, só temos duas alternativas: ou aprendemos ou nos divertimos, como dizia Richard Bach em Ilusões.
O que buscamos aqui é o conhecimento para alcançar a sabedoria, posto que uma e outra coisa não são iguais.
E se buscamos sabedoria, é porque sabemos que perto dela mora a santidade, a santidade sem milagres, aquela do altruísmo, da bondade de coração, da prudência e da temperança. No meio religioso, santos são pessoas distantes do mundo real, absorvidos no contato com Deus e com um comportamento romanceado a ponto de não sabermos como acompanhá-los.
D: É verdade. Os santos que conhecemos são pessoas, mas são revelados através de seus atos santos e não a partir de suas peculiaridades cotidianas.
H: Dizem que Sócrates tinha um casamento muito ruim, e uma piada filosófica antiga é que após uma discussão acalorada com Xantipa, ele embaixo e ela no alto do mezanino, lhe atira o conteúdo de um coletor de urina cheio na cabeça, em resposta ao que ele comenta, sereno:
“Eu sabia que após os trovões viria a tempestade.”
D2: Sim, as pessoas são pessoas antes de qualquer coisa. Não santos ou pecadores, mas iniciados em processo permanente de iluminação, de santificação. Estamos todos aqui nesta sala, primeiro pela curiosidade e depois porque comungamos na busca deste estado de santidade que alguns conseguiram antes de nós.
H: Ajudaria, portanto, se a história daqueles que nos antecederam não fosse tão romantizada, ajudaria mais ainda se o próprio Deus todo poderoso não fosse afastado de nós como algo inatingível, e junto com eles todos os Avatares que estiveram neste mundo. Não precisaríamos ouvir coisas como: “Eu não posso fazer todo o bem que desejo porque não sou o Cristo, sou apenas um homem ou uma mulher comum.”
W1: A pergunta é: estamos aqui para aprender mais sobre como nos tornar mais santos em espírito?
Ou temos apenas uma curiosidade acerca de coisas profundas consideradas esotéricas?
M: Ambos.Só que todos os iniciados sabem que seu conhecimento místico não pode ser validado sem ser submetido ao teste da vida.
Sua missão é na vida se bem que seu estudo é templário.
Ouvi algo muito bonito em um discurso recente.
Podemos ser ou estar como membros da Fraternidade.
Estamos membros quando entramos na Fraternidade, e somos membros quando a Fraternidade entra em nós.
Da mesma maneira procuramos a santidade quanto entramos no templo e somos santos quando o templo entra em nós.
H: Já ouvi muitas pessoas dizerem que seria uma ofensa ou mesmo um sacrilégio julgar-se santo. Pareceu-me que com isso fugiam a responsabilidade de tornarem-se santos.
Como Santo Agostinho que orava “- Deus, dai-me a Santidade, mas não agora.”, cônscio das ligações que ainda tinha com o mundo material.
M: Sim, o apego, o maldito apego que nos faz hesitar e temer. Este é o nosso verdadeiro inferno enquanto buscadores da santidade.
W2: Talvez o Buda estivesse correto em deixar o filho pequeno, uma jovem e linda esposa, o conforto de um palácio e embrenhar-se na floresta em busca de uma consciência maior do mundo. Realmente, o apego interfere com nosso raciocínio e discernimento. E o convívio com as coisas nos faz acreditar que elas estarão sempre conosco.
Isto nos afeta e muito.
M: É verdade. Muito.
W1: E o que concluímos?
H: Que antes de tudo somos tocados por uma característica comum, todos nós aqui, com nossas peculiaridades, com nossas idiossincrasias.
Todos nós aqui queremos a Santidade. E sabemos no fundo que ela não é inalcançável. E que Santidade não é igual a abandonar o Mundo, mas sim a mergulhar no mundo com uma nova perspectiva do que seja a realidade, procurando nos livrar do apego em relação a este mundo.
M: Acho que a melhor definição é que todos queremos encontrar a Virtude em nossas vidas, como lembra Masaharu Taniguchi.
“– Esta vida não foi feita para o prazer nem para o sofrimento. O prazer e o sofrimento não passam de “subprodutos” (conseqüências) do modo de viver da pessoa. Tanto o hedonismo como o estoicismo são modos de vida incorretos, pois o primeiro considera o prazer a principal finalidade da vida e o segundo enaltece a resignação diante das adversidades. O objetivo do ser humano nesta vida é manifestar a Virtude . Neste contexto, Virtude significa Natureza Divina do ser humano, a sua essência, que é a expressão do próprio Deus. O Amor de Deus, alojando-se no ser humano, constitui a Virtude ,o amor ao próximo e o poder de salvar as pessoas.
Por isso, quem manifesta o amor e consegue salvar os outros, sente a alegria da auto-realização. Essa alegria não é efêmera como o prazer dos sentidos. Ela perdura para sempre como exultação da alma. Essa alegria sublime não pode ser vivenciada por aqueles que buscam somente o próprio prazer e não se empenham em fazer o bem aos outros.”
É isto. Estamos em busca de Bem Estar aqui, todos nós, mas o Bem Estar proveniente da Virtude e não aquele oriundo dos sentidos ou da vaidade.
O fato de nos reunirmos em segredo mostra que, na Fraternidade, sabemos o perigo da exposição, tanto dos nossos conhecimentos quanto de nós mesmos.
O Ego não precisa ser destruído, mas deve ser mantido sob controle do espírito, para que seja instrumento e não senhor de nossa existência.
E a busca do contentamento na Virtude implica no altruísmo discreto, silencioso, para que, quando façamos o bem, “a mão direita não saiba o que faz a mão esquerda”.
Isto impede que confundamos o autor da obra, achando que o que quer que façamos de bom seja de autoria exclusivamente nossa e não manifestação da Vontade do Todo Poderoso em manifestar a Virtude.
Aqui, nesta sala, em silêncio, fazemos o Bem.
Daqui, vibrando pensamentos e ondas de Amor, fazemos o Bem.
Quando saímos a rua, carregando dentro de nós o Templo, discretamente, fazemos o Bem.
E só de fazer o Bem, já somos imediatamente recompensados pelo Bem Estar que isto nos faz.
Não há necessidade de recompensa para o iniciado verdadeiro.
A única satisfação de sua vida deve ser a alegria de servir bem a toda a Humanidade.
W1: E então irmãos, que concluímos de tudo?
H: Que estamos aqui, primeiro porque fomos chamados pelo alto; segundo, porque buscamos a Virtude, a natureza divina, dentro de nós; e terceiro, porque é isto que nos dá satisfação e bem estar, servir a quem precisa, sem que ninguém saiba disto, porque sabemos que “ o alarde não faz bem, e o Bem, não faz alarde.”
W1:Assim é. Vamos nos despedir.
Todos se levantam.
“Deus do nosso coração.
Deus da nossa compreensão.
Dai-nos a quem auxiliar.
Dai-nos a quem servir.
Para que nosso deleite aumente mais e mais
E o nosso bem estar seja infinito, na execução e retificação da Tua Obra.
Assim seja.”
Todos respondem:
“-Assim seja.”
E saem em silêncio.
O Pessimismo Martinista
Por Mario Sales, FRC,M.:M.:, SI
Quando avaliamos o tom emocional das falas do Martinismo, encontramos vários tipos de posturas, nem sempre complementares logicamente, e às vezes com um corte absolutamente diferente, do ponto de vista de valores.
É o caso de Stanislas de Guaita e Louis Claude de Saint Martin, ambos pessoas- chave da tradição dita Martinista, mas, na verdade, com enfoques diferentes sobre como vivenciar o Esotérico, o Oculto e o Místico.
Existe em Guaita um amor ao intelecto e uma paixão pelo conhecimento que não contemplamos nos escritos de Louis Claude de Saint Martin.
Aliás, Saint Martin é desprovido de qualquer paixão. Seu tom constante é, para dizer de maneira delicada, desanimado.
Na intenção de demonstrar um senso de espiritualidade, ele parece, à exemplo de alguns espiritualistas orientais, lamentar pela vida terrena e desejar a morte como real momento de reencontro com o Todo Poderoso.
Se a frase acima parece forte, detenhamo-nos em declarações do próprio Saint Martin, livres de interpretação.
Por exemplo: "O único mérito que existe nas riquezas e alegrias deste mundo é que elas não podem nos impedir de morrer."
Provavelmente o homem que se chamava “O Filósofo Desconhecido”, queria com isso evidenciar a importância que dava a vida espiritual, mas é impossível negar uma presença forte do aspecto de Tanatos, a pulsão de morte, para citar uma categoria psicanalítica. Ou em outro exemplo: "A única diferença que existe entre os homens é que uns estão no outro mundo sabendo disso, enquanto que outros estão nele sem saber." Aqui, também provavelmente, Louis Claude quer evidenciar, até com um tom irônico, a ausência de consciência de alguns, semelhante a uma morte em vida.
O toque de leve sarcasmo é interessante e alentador: o humor, o bom humor, é um sinal de amor a vida, de manifestação de Eros, a pulsão de Vida, num contraponto a Tanatos. Mas a imagem remete ainda a uma tristeza pelo estado de vida material.
Existe uma ânsia de descolar-se da vida no corpo como se, sem isso, fosse impossível ascender espiritualmente.
Quanto a isso, sejamos justos, Saint Martin não está só. Seu jeito austero e com uma forte negação do valor da vida material não foi inaugurado por ele, mas por outros antes dele, muito mais famosos e conhecidos.
Talvez o mais prestigiado, se bem que não o primeiro da Lista, é Paulo , Apóstolo.
Lemos, portanto, em Gálatas, capítulo 5; Versículo 17: Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.
Não há dúvida que, para Paulo, o pecado está na carne, não no espírito.
Todo o mal estava no corpo, e não na mente, idéia tão forte como apêlo que persiste em mentes menos elaboradas até hoje e qualque tentativa de retirar da vida material e biológica este peso e esta culpa é entendido como perverso e mal intencionado.
Lembro-me de uma frase de Harvey Spencer lewis que até hoje me impressiona.
Falava sobre os instintos humanos e citava o fato de que eles eram uma programação natural do corpo, algo que fazia parte de nossa própria natureza biológica, e concluía que, se estavam lá, haviam sido postos pelo criador em pessoa.
Ora, concluía ele, algo colocado por Deus em nosso corpo ou mesmo nosso corpo, criado por Deus, não poderia ser objeto de pecado. Pois tudo que Deus havia criado era santo.
A beleza e a obviedade dessas palavras me fascinaram e fascinam até hoje. H. Lewis era um homem a frente de seu tempo e esta ausência de repúdio a existência física, esta vontade de mostrar o sagrado em todas as coisas e não apenas naquelas que são invisíveis, sem dúvida era um avanço, já que em sua época, o preconceito contras as coisas do corpo era bem mais intenso do que hoje.
A vida biológica para Lewis, nunca foi contrária a vida do espírito. O desejo carnal, a fome, a ambição pelo progresso material, a semelhança de Calvino, tudo nele enfim, mostrava respeito pelo humano, pelo ser como um todo.
Ao contrário das religiões que repartiram o homem em dois e consagraram uma como de Deus e a outra entregaram ao Demônio e à fogueira das inquisições, o pensamento luminoso e científico de Lewis mostrou seu extremo respeito a vida, em todas as suas manifestações.
O Discurso martinista é calcado em estudos bíblicos e do Cristianismo. E claro, como tal, recebe forte influência do pensamento de Paulo, apóstolo, principalmente do ponto de vista moral.
Saint Martin, de formação era ligado ao Direito e a vida militar, de forte componente Hierárquico. Havia nele, além de uma concepção religiosa baseada no discurso da negação do corpo, um senso de justiça baseada na culpa e no castigo, ou no mérito e na recompensa, categorias judiciais, transportadas para a prática espiritualista.
Diga-se de passagem, culpa, punição, justiça por retribuição, são conceitos frequentes ao Velho Testamento.
Vejamos nos exemplos abaixo:
Samuel 22:48 O Deus que me dá inteira vingança, e sujeita os povos debaixo de mim.
Salmos 18:47 É Deus que me vinga inteiramente, e sujeita os povos debaixo de mim;
Salmos 79:10 Porque diriam os gentios: Onde está o seu Deus? Seja ele conhecido entre os gentios, à nossa vista, pela vingança do sangue dos teus servos, que foi derramado.
Salmos 94:1 O SENHOR Deus, a quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente.
E por aí vai. A visão judicial e de culpa, a noção de que não existe erro, como falaria um pensador Rosacruz, Renée Descartes, mas pecado, como os moralistas bíblicos da Torah.
Outro aspecto: o discurso de Martinez de Pasqually, que Louis Claude de Saint Martin ecoa, parte de três premissas básicas: a vida no corpo é abominável, e o corpo de carne é uma prisão; a experiência nessa existência é um castigo conseqüente a uma desobediência (como condenados que são encarcerados por conta de seu crime); e por último, mas não menos importante, só existem coisas realmente boas e puras fora desta existência, para além da barreira do Eixo Fogo Central Incriado.
Convenhamos, não são declarações de amor à vida e à existência em sociedade. Mas compreende-se este pessimismo, presente ainda, séculos depois, no pensamento de um filósofo, este conhecido, Schopenhauer.
O seu contexto era outro. Sua tristeza com a vida e com o mundo se baseava na Europa que ele contemplava, destruída pela época pós napoleônica.
Saint Martin tinha ao seu redor a era pós revolução francesa, muitos de seus conhecidos foram perseguidos e mortos, havia perigo de morte iminente, real e imediato, não era algo fantasioso.
Não havia alegria na vida, só medo e desolação com as execuções do Terror do Diretório, na guilhotina.
Como entender esta época como um reflexo da razão que se propunha libertadora? Impossível.
A conclusão óbvia é que este mundo era mau. Os homens eram maus, a vida no corpo os tinha feito assim, embora fossem todos criações imortais em espírito de Deus, que é todo Bondade.
E qual a saída filosófica para explicar este contrasenso lógico? A mesma de Santo Agostinho no séc. IV: o Livre Arbítrio.
Os homens são maus porque são livres, porque podem escolher entre uma e outra opção de ação. Deus não os fez maus, mas eles, por serem homens, e limitados em percepção, escolhem mal suas opções.
Vejam só: por um lado somos limitados em percepção, estamos em um corpo que é uma prisão, que nos fez esquecer nossa herança divina, e nos aprisiona. Nossa sabedoria está embotada, neste mundo de Ilusões.
Por outro lado, mesmo manietados, cegos e surdos ao Espírito Grandioso que está em nós e além de nós, temos obrigação de escolher de maneira acertada, quando diante de duas opções, ou seja, ver sem enxergar, escutar sendo surdos, e ter liberdade quando somos prisioneiros.
Os argumentos de Saint Martin ou de Pasqually, bem como de Santo Agostinho, quanto ao livre arbítrio, são simplórios e indefensáveis.
Não posso esperar de alguém que como alguém de muita idade que enxerga mal, ouvi com dificuldade e caminha com dificuldade que não esbarre em cadeiras e mesas ou não quebre os copos e os pratos que tenta segurar. Não há pecado nisso mas erro, a única coisa além da morte que é certa na existência.
O erro dos nossos três analisados não foi proposital, mas reflete duas coisas: intolerância com as limitações humanas e o hábito de generalizar.
Primeiro: eram épocas difíceis , como todas foram. Mas mesmo assim, em algum lugar, naquele momento, existiam pessoas que estavam felizes, que não lamentavam a existência, que não sentiam culpa em viver e desfrutar esta existência curta e ilusória mas extremamente abençoada que Deus nos proporciona com o intuito de nosso aperfeiçoamento.
Hoje, quando ainda existem regiões do planeta aparentemente abandonadas pela Providência divina, nenhum místico em sã consciência amaldiçoará sua vida e a dos seus em sã consciência.
Pessoas equilibradas não generalizam. Não concluem que por que ao seu redor existem situações que podemos considerar humanamente inaceitáveis, o planeta e a humanidade como um todo sofre também.
A dor é algo extremamente pessoal e cada um lida com suas limitações do jeito que melhor lhe parece, uns sentindo-se derrotados e outros motivados e desafiados pelos problemas.
Basta que olhemos a paixão do Cristo. Quem passou pela agonia que ele passou não deveria amara a Vida e as pessoas.
E este não é seu discurso. Seu discurso é de amor, não de punição. Ele vem ao mundo para renovar a antiga aliança que existia entre Deus e Moisés. Para transmutar um Deus de Vingança em um Deus de Amor.
E este era o Cristo, o profeta que gerou um dos maiores e mais importantes movimentos religiosos de todos os tempos: o Cristianismo.
Só que é importante lembrar, existe uma diferença entre o Cristo e o Cristianismo, entre o homem e sua mensagem e a religião institucionalizada em seu nome, que recebeu um contorno e uma forma depois do concurso de vários pensadores ao longo dos séculos.
O tipo de pessimismo espiritualista presente em Saint Martin ou em Martinez de Pasqually, e que eles defendem ser produto de uma visão “Cristã” de vida , nada tem a ver com o homem que ia pregar na casa do Cobrador de Impostos, que freqüentava casamentos, que abençoava prostitutas e cujo primeiro grande milagre foi transformar água em vinho.
Não. Este é o Cristianismo da Igreja Católica, a mesma que se diz representante do amor e do pensamento de Jesus, mas que perseguiu e matou milhares de homens e mulheres em nome deste mesmo “amor”.
É preciso separar portanto, as bases de um comportamento em seus componentes essenciais para compreender porque pessoas até esclarecidas mas ingênuas do ponto de vista filosófico tomam como verdadeiro o que é falso, ou seja , que a Igreja representa de maneira correta o que o Cristo pregou.
A tristeza de Saint Martin com a vida é eco direto do discurso que exalta a miséria e a pobreza e nega o direito ao prazer e à felicidade tão presente nos discursos de padres e papas daquele período.
Nós místicos, sabemos o preço que tivemos que pagar por esta tirania psicológica que ao longo de séculos combateu a Inteligência a Arte e a Liberdade de Pensamento e perseguiu de forma implacável e sanguinária todos os que dela discordaram.
Graças a Deus os tempos são outros. A Instituição Igreja ainda está presente em nossos dias, mas hoje é uma pálida lembrança de seus tempos de poder e discriminação.
Os papas já não dizem o que devemos ler, os filmes que devemos assistir ou como devemos pensar. Mas os homens de Bem precisam estar vigilantes todo o tempo pois o Obscurantismo está à espreita, sejam em território Cristão ou Muçulmano.
E talvez seu legado mais maléfico tenha sido o de fazer milhões de pessoas de , até nossos dias, sentirem-se culpadas em ser felizes e achar que se tudo vai bem e se prosperam, algo está errado, porque isto não deve ser a coisa certa.
Lutemos internamente contra este trauma que nos foi imputado por séculos de lavagem cerebral e entendamos que entre nós e a felicidade existe uma cortina, a visão religiosa conservadora, e que como místicos, mentalmente saudáveis, temos por obrigação rasgar este véu, para perceber que este Deus de Vingança desenhado nesta cortina esconde a verdadeira face do Deus Misericordioso e Amoroso que o Cristo pregou.