Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 30 de agosto de 2020

O SANCTUM

 

Por Mario Sales








Domingo pela manhã.

Estou saindo do sanctum, ainda encharcado de emoções e vivências que só com o tempo poderei elaborar.

Não há o que descrever pois as imagens são as mesmas de todas as vezes que medito com o auxílio do exercício guiado de ascensão pela escada de Rá ao Sanctum Celestial. O que muda são os sentimentos, o grau de enlevo, traduzido no corpo por arrepios constantes que percorrem todo o corpo e acredito representam a percepção da intensificação do Nous que circula em nós, nestes momentos de êxtase.

Praticar o sanctum semanal é como quebrar a rigidez de nossa aura, refinando-a, tornando-nos mais flexíveis e psicologicamente mais equilibrados.

Em uma palavra, a prática do sanctum tem um papel terapêutico, trata nossas angústias físicas e espirituais e nos mobiliza positivamente em direção a um estado de bem estar, que os rosacruzes chamam de paz profunda.

Como a ginástica fortalece os músculos, a prática do sanctum gradualmente fortalece nosso ser psíquico, fortalecendo nossas ligações com o Eterno, refinando esta conexão.

Pensei em descrever esse estado neste texto, mas não consigo.

Qualquer palavra que use, qualquer imagem, é demasiadamente rude e grosseira para poder transmitir o que acabei de sentir.

Trata-se de vivências tão pessoais, tão profundas que não podem ser compartilhadas, não porque não desejemos, mas porque não conseguimos meios para isso, ou mesmo metáforas que nos ajudem.

Resta agradecer ao Deus de meu coração pela graça dessas experiências e voltar ao mundo objetivo atento a forma como o que acabei de receber manifestar-se-á, seja como inspiração para mim mesmo, seja como inspiração para terceiros.

Nada mais pode ser dito.


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

O PAPEL DO LEITOR

 Por Mario Sales

 

“Por si só, um texto não é nada, como uma viagem não é nada em si mesma. É preciso uma alma que reúna os valores desta e as frases daquele, fazendo-os brilhar ao contato dessa luz misteriosa que se chama verdade ou que leva o nome de beleza.”

Padre Antonin-Dalmace Sertilanges, prefácio de “A Vida Intelectual”, editora Kírion, 2019







Toda criação artística ou intelectual tem pelo menos dois polos humanos: aquele que a produz e aquele que a consome como alimento do espírito.
O primeiro é estímulo; o segundo é reação, reação que se transforma em novo estímulo que contagia outros além dele.
Todo ato de criação é coletivo, não pertence ao pintor, ao escultor ou ao escritor, mas molda-se ao longo de eras, pela contribuição ativa dos que serão inspirados por suas cores, formas ou palavras, e que repercutindo suas emoções contemplativas espalharão a boa nova da beleza em milhares de almas, por centenas de anos.
Como uma corda que só emite som quando tangida pelo músico, para que ouçamos anos a fio o som de uma obra prima é preciso que não só o autor, mas outros que tenham sido encantados por sua beleza continuem a ferir a mesma corda ou cordas, no mesmo tom, para preservar a sua propagação, a sua existência.
Como a música não é possível apenas com um instrumento, sem um musico que o toque, um quadro ou um texto dependem não só de suas cores e conceitos, mas de quem se maravilhe e emocione com o que vê ou com o que lê.
Esse é o papel do contemplador, do leitor, que com suas experiencias no contato com a obra, e suas reações aos afetos que extrai desta vivência, multiplica-a muitas e muitas vezes e amplia o significado antes simples e único em interpretações complexas e múltiplas.
Como os quadros precisam de quem os contemple, os textos dependem daqueles que os lêem e com eles se encantam. O escritor, por mais isolado que pareça em seu ofício, busca o contato com todos os seres, denuncia sua ânsia de compartilhar apenas pelo simples gesto de escrever e descrever sentimentos, imagens, ideias.
Você que me lê, não me lê apenas, mas com minha permissão, entra no meu mundo intelectual e participa por algumas horas, das minhas visões de mundo e dos meus anseios os mais íntimos, mesmo que eu os expresse de forma velada e metafórica.
Existe em todo autor uma expectativa muda, intensa, acerca de cada encontro de seus textos com um novo par de olhos, um novo coração. Talvez entre todos, os poetas sejam os mais explicitamente engajados em provocar respostas afetivas aos seus jogos de letras e expressões; entretanto, independente do estilo, quem escreve sempre espera ser lido e mais que isso, compreendido, aceito, amado por quem o lê, dada sua imensa necessidade de carinho e atenção.
Cada texto é um convite para uma dança espiritual que, espera-se, seja aceito com alegria, para que mais alguém reconheça tanto a existência do dançarino como a beleza de dançar.
Escrever ou ler é como dançar, em um ritmo específico, onde um guia e o outro acompanha.
Nesta dança compartilhamos instantes, carinho e arte.
E a essência da arte é compartilhar beleza e inspiração.
Oxalá meus textos dancem com alegria por anos, independente de minha presença.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O LEGADO DE CARL SAGAN

 Por Mario Sales



Certo dia, nas minhas andanças de internauta, encontrei um dos mais maravilhosos vídeos de Carl Sagan que assisti em toda a minha vida.

Sempre o admirei e tive como modelo de educador, de homem de ciência, preocupado que era em universalizar os conhecimentos da física e retirar a pecha de esoterismo que ainda recobre a prática cientifica como um todo.

As nuances matemáticas e os meandros de raciocínios de pesquisadores em campos de alta complexidade são de fato, inalcançáveis a não ser para profissionais da área. Só que os conceitos, as ideias chave de determinado campo, além de suas questões fundamentais investigadas através deste mecanismos e raciocínios experimentais e matemáticos, estas podem sim ser explicadas e compartilhadas com uma enorme população de seres humanos leigos aos quais estas descobertas interessam sobremaneira, já que alterarão para sempre seu modo de ver o universo e a existência.

E era isso que Sagan fazia: explicava conceitos, traduzia de maneira compreensível ideias e procedimentos que trouxeram a ciência e a humanidade até o ponto em que chegou.

No caso do vídeo em questão, (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=OQAMTt1LbYE)

Sagan explica didaticamente o conceito de dimensões e a relação entre as três conhecidas e uma quarta possível.

Em alguns minutos, ele desfez equívocos, fantasias e ilusões que se espalham como erva daninha e prejudicam a linguagem e a comunicação.

Sua didática foi uma homenagem ao pensamento de Comenius[1], educador da Moravia, rosacruz e pai da chamada moderna arte da educação.

Aliás, em um de seus livros publicados após a morte de Sagan, o professor brasileiro Marcelo Gleiser escreve na introdução que “quanto a Sagan, a falta que fará é indiscutível”.

Estamos cercados de eruditos.

Estamos cercados de sábios e especialistas, que insistem em querer dizer a nós, pobres leigos, como o mundo deve ser compreendido. O problema é que antes de nos dizer como o mundo deve ser, deveriam deixar claro como ele é. Falar em linguagem acessível sobre os postulados do conhecimento, traduzindo conceitos, fora do jargão acadêmico, jargão esse criado para facilitar a vida de quem trabalha naquele campo e ao mesmo tempo afastar dali quem não trabalha.

Precisamos de mais pontes, não de mais ilhas, passagens de um ponto a outro que possam estabelecer uma troca mais rica entre todas as áreas e enriqueçam-nas, mutuamente.

Só existirá interdisciplinariedade, termo tão usado hoje em dia quanto vago, quando houver uma linguagem comum e ampla compreensão das partes envolvidas dos pressupostos da outra parte. Para isso precisamos de pessoas que façam a tradução dos diversos dialetos da ciência em uma linguagem única e compartilhada, sem a qual esta conversa será sempre impossível.

Sagan tinha essa capacidade. Não tratava seus interlocutores como idiotas, não usava de diminutivos em relação aos conceitos que explicava, uma maneira disfarçada de chamar os outros de infantis, apresentava as ideias sem trair sua essência, sem abusar de metáforas que pudessem antes de auxiliar, obliterar ainda mais a visão clara do conceito.

Era direto na apresentação dos fatos, como diretos e objetivos devem ser as pessoas honestas.

Aquele erudito que recorre a linguagem demasiado rebuscada mostra que não tem interesse em ser compreendido, mas sim em ser elogiado por todos aqueles que confundem erudição com falta de clareza.

Existe um ditado falso e preconceituoso entre os médicos de que “quem sabe, faz, e quem não sabe explica”.

O fato é quem sabe realmente explicar, faz melhor. E quem faz bem o que faz, sabe descrever com precisão e arte, cada passo que dá na direção do objetivo.

Todos os conceitos e técnicas, creio eu, podem e devem ser traduzidos em linguagem acessível, desde que exista competência em quem o faz, além de um interesse genuíno em compartilhar aquele conhecimento.

São essas as duas colunas do compartilhamento: vontade e competência.

Competência sem vontade é uma condescendência esnobe com os menos favorecidos intelectualmente; Vontade sem competência didática, é inútil, mas já é melhor do que a hipótese anterior.

Sagan tinha o melhor das duas qualidades.

E usava-as sem medo, alheio as críticas de puristas vaidosos que achavam sua cruzada de esclarecimento da ciência inadequada e desnecessária.

Dominar informações que outros não dominam é poder. Poucos querem renunciar a isso.

Afinal, um linguajar rebuscado serve também para esconder a mediocridade do espírito, e antes de tudo ocultar a atitude covarde de não expor sua própria falta de talento. Por isso muitas pessoas usam a seguinte frase para fugir a perguntas que não sabem responder: “Mais pra frente você entenderá”, aliás uma frase comum entre maçons, tanto quanto entre intelectuais medíocres.

Quem compartilha sem medo está seguro do que sabe e do que não sabe, não tem medo de ensinar como não tem medo de ignorar ou de dizer: não sei.

Aliás, a meu ver, não existe nenhum problema em tornar real um saber interdisciplinar, a não ser o medo dos envolvidos de perder seu poder na relação inversa do crescimento do conhecimento de todos.

O ocultar sempre foi uma forma de esconder, não de revelar.

Este período acabou.

Mãos a obra.


[1] Comenius nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uhersky Brod (ou Nivnitz), na Morávia, região da Europa Central que pertencia ao antigo  Reino da Boêmia e que hoje corresponde à parte oriental da República Checa. Viveu e estudou na Alemanha e na Polonia. Foi o último bispo da Igreja Hussita e tornou-se um refugiado religioso. Foi um inovador e um dos primeiros defensores da universalidade da educação, conceito que defende em seu livro “Didactica Magna”. Considerado o pai da educação moderna, aplicou um método de ensino mais efetivo, a partir dos conceitos mais simples para chegar aos mais abrangentes. Aconselhava o aprendizado contínuo, por toda a vida, e o desenvolvimento do pensamento lógico, em vez da simples memorização.

 

TRES CRENÇAS FUNDAMENTAIS

Por Mario Sales

 


No ensaio anterior eu discuti os aspectos operacionais do rosacrucianismo, os quais tornam o trabalho de AMORC mais próximo da ciência, por ser mais pragmático do que do esoterismo clássico, eminentemente intelectual e não prático.

Talvez quem tenha lido possa imaginar, já que estamos no século do equívoco, que isso significa que não creio em coisas não manifestas, coisas digamos assim demasiadamente sutis.

Em primeiro lugar isso nos leva, de novo, ao terreno das crenças, e como disse antes, embora não possamos viver sem crenças, mesmo que não demonstráveis, o que eu alegava é que estas não serviam para a construção de um conhecimento solido.

Como citei textos considerados sagrados, o fiz no interesse de mostrar que nós, em última análise, construímos nossa vida moral e às vezes intelectual, muitas das vezes em função de coisas que lemos ou ouvimos e nos tocam o coração, e não em fatos que presenciamos ou em vivencias nas quais a vida nos envolve.

Esta é uma das questões mais antigas da filosofia e em resumo, reflete a luta entre duas escolas de pensamento. 

Uma delas afirma que valores morais e certas compreensões estão em nós antes da experiência, a priori

A outra afirma que somos o resultado de nossas experiências, coisas que ocorrem conosco no convívio social e existencial, ou seja, uma estrutura mental e moral construída a posteriori.

Que ambas as influencias nos moldam, (valores íntimos, identificações quase imediatas com percepções de mundo, sem quaisquer necessidade de demonstração e, ao mesmo tempo, ocorrências externas a nós que nos atingem e determinam um forte impacto emocional em nossas posições pessoais), quanto a isso não existe dúvida.

A questão, cujo último sistema filosófico a trabalhar a questão foi o sartreano, não está em negar um destes dois aspectos, mas estabelecer qual prepondera sobre qual, quem é causa e quem é consequência.

Os defensores do aspecto da consciência falam que temos uma bagagem sim, que nos prepara para a vida fazendo que nos comportemos desta ou daquela forma diante das vicissitudes da existência. 

Os defensores do ponto de vista existencial, pensam que esses valores são resultantes dos eventos, e não seus intérpretes.

Místicos e esoteristas costumam alegar que esta discussão jamais terá solução enquanto trabalharmos com o pressuposto de que só se vive uma vez.

Sem o elemento reencarnacionista não chegaremos nunca a entender como podemos ter experiências inatas, que fazem alguns terem mais discernimento que outros, mais tolerância, mais, para usar uma palavra da moda, resiliência com os problemas do dia a dia, enquanto outros são tomados facilmente pela revolta, pelo ódio, e saem, como resposta ao sofrimento, imediatamente em busca de culpados, de outras pessoas que possam ser responsabilizadas pela dor que o atinge.

Homens esclarecidos intelectualmente sempre temem, de modo compreensível, que aceitar que a dor tem uma razão educativa e didática é render-se à um estado passivo, que resultará na inação, ou no estado pré iluminista de supor que a causa de todas as coisas não está em nós e em nossas escolhas, mas na graça divina, e que portanto, nada podemos fazer para evitar a ocorrência, permanência ou mesmo repetição dos problemas

É, entretanto, possível, aceitar as duas posições, ser capaz de compreender a inevitabilidade de certas ocorrências desagradáveis e saber que podemos fazer algo para melhorar nossa qualidade de vida.

Para isso, temos que trabalhar com conceitos não demonstráveis, com convicções íntimas, que se baseiam na evolução espiritual de cada um, e não em experiências testemunhadas ou vivenciadas, nesta vida.

E o principal desses pressupostos, destes conceitos não demonstráveis, é o reencarnacionismo. Sem saber, intimamente e não porque alguém nos disse, que tivemos e teremos outras vidas apara aprender e corrigir condutas, nada parecerá fazer sentido.

A dor, o fracasso, a morte, nos parecerão sempre injustas e tristes. Principalmente aquelas que sigam o padrão do Livro de Jó, que discute exatamente porque pessoas boas sofrem, e muito.

A religião às vezes não ajudará, principalmente aquelas que não consideram o reencarnacionismo como uma doutrina aceita.

A razão, cega para a realidade espiritual, dirá que essas ideias são absurdas e improváveis.

Aceito que são improváveis, porém continuam sendo reais, da mesma forma que muitas outras coisas são improváveis, ou de difícil demonstração, mas existem.

Estão nesta categoria fenômenos como a matéria e a energia escura, matematicamente prováveis, mas ainda não demonstráveis, ou subpartículas atômicas, cuja existência em aceleradores de partículas, são atestadas apenas por traços em filmes, cujo percurso é interpretado por especialistas em interpretar estas manchas no filme, cuja opinião é aceita pela comunidade científica.

Alguns físicos inclusive se queixam, entre eles nosso conhecido Marcelo Gleiser, que certas áreas, principalmente de astrofísica, trabalham com conceitos que não podem, pelo menos no momento, ser testados, e que, portanto, a priori, não são científicos.



Traços e rastros de partículas subatômicas pós colisão de átomos em aceleradores de partículas esperando ser interpretados pelos especialistas


No outro ensaio eu falava da noção junguiana de inconsciente coletivo, largamente aceita nos meios psicológicos ligados a esta escola, mas que obviamente, não foi e tão cedo poderá ser demonstrada, o que faz dela uma hipótese e apenas isso, mesmo que brilhantemente descrita e aparentemente pertinente.

Reencarnação, portanto, é uma condição si ne qua non para o mistico e o esoterista, independente de sua estirpe e tradição, trabalharem com a realidade. As outras duas condições são a crença na existência de Deus e do karma, a lei de ação e reação. Estes três são alguns pressupostos esotéricos e místicos que não podem ser demonstrados, e que portanto, não são científicos. Mesmo assim, repito, são fundamentais para a perspectiva mística do universo e podem sim conviver com uma atitude cética e prudente diante dos fenômenos considerados prováveis e evidentes.

É possível, pois, conciliar duas posturas diferentes, como crer e duvidar, sem que haja conflito interno.

Alguns cientistas que pensam dessa forma, quando questionados, respondem que crer em coisas improváveis e trabalhar baseado em provas não são atitudes necessariamente excludentes e que reservam dentro de si espaços para cada uma destas posições.

Quando crêem, crêem; quando duvidam, testam.

Talvez o que não tenha sido explicitado é que existe um grau de crença que não afeta a possibilidade de praticar o ceticismo científico, crenças que não interferem com o procedimento racional.

As três crenças que citei, a crença em Deus, na reencarnação e no karma, trazem conforto espiritual e psicológico e fortalecem nosso mundo interior.

O problema com as crenças não é o crer, em si, mas no que se crê, e acima de tudo, em deixar que a crença sobrepuje os fatos da existência. Aí mora o perigo, a semente do fanatismo e do obscurantismo.

Ao contrário de radicais da racionalidade, e eles existem, podemos sim trabalhar, enquanto pessoas racionais, com um certo grau de fé em valores não demonstráveis.

E aqueles que tem fé não devem arrogantemente supor que a ciência é sua inimiga e que o bom senso e o ceticismo devem ser banidos do trabalho de investigação da vida. Isto seria um retrocesso imperdoável e inútil, que só traria caos e sofrimento.

De parte a parte, existem excessos a serem contidos.

Devemos ser prudentes, orar e vigiar, principalmente vigiar a nós mesmos.

sábado, 22 de agosto de 2020

POR UM ESOTERISMO PRAGMÁTICO

 

Por Mario Sales




Nós, esoteristas, gostamos (como todos aliás, gostam) de usar expressões como “nossas afirmações são cientificamente apoiadas” ou “existem evidências de que a ciência concorda com nossas afirmações” etc., etc.

Tudo bobagem.

Deus sabe e nós também, que esoterismo é uma prática que vive de crenças. Crenças alimentadas por narrativas, a maioria das vezes, não apoiadas por evidências, pelo menos não evidências externas, perceptíveis aos sentidos.

O discurso oficial, inclusive, reforça essa situação, alegando que são fenômenos tão incomuns que não poderiam ser demonstrados sem que algo sagrado fosse profanado.

Por outro lado, sempre ouvi a frase “não podemos expor esses fatos ao público”. Confesso que até hoje não entendo essa expressão. Quais fatos?

É claro que também não creio que expor em um programa de auditório ou para jornalistas céticos demonstrações dos efeitos práticos dos conhecimentos esotéricos trouxesse algum lucro a causa.

Pelo contrário, talvez levasse a problemas pessoais para quem fizesse tal demonstração, com acusações de fraude levando a um desinteresse ainda maior do que o que ja existe.

Compartilhar, entretanto, com o meio acadêmico, informações ou experimentos, para um grupo de cientistas objetivos, poderia dar um status de mais respeito aquilo que sabemos. A pergunta é: o que compartilhar experimentalmente? O que temos de palpável a oferecer?

Ciência é uma área de conhecimento que se assemelha a construção de uma casa. Para se construir, com segurança e firmeza, precisamos de solidas fundações. Sem essas pilastras de sustentação, toda a construção desabaria com seu próprio peso.

Esoterismo, ao contrário, não se fundamenta em fatos, mas em ideias e conceitos.

Constitui-se de uma intensa atividade intelectual, de leituras e mais leituras, anos e anos de interpretações de textos os mais obscuros, sem que ao final disso possamos fazer uma simples pena de pássaro flutuar com a força do nosso pensamento. O mais estranho é que os membros deste grupo não se importam com a falta de resultados práticos em seus esforços, contentando-se com afirmações tipo “estes estudos me tornaram um ser humano melhor” ou algo parecido.

Esoteristas sempre argumentam que “mesmo sem provas palpáveis, no fundo, bem lá no fundo”, sabem que os ensinamentos esotéricos são verdadeiros.

Esse argumento que se apoia no pensamento humanista de Jean Jaques Rousseau, não é de todo falho, ao alegar a importância da percepção interna na avaliação dos fatos.

Só que não é científico. Pelo menos, até o momento, a percepção interna ainda não é considerada uma evidência que comprove um conceito.

Percepções internas fortes são o que chamamos de convicções, algo que por enquanto está no nível da psicologia, do subjetivismo, e não na área de psicologia experimental.

Cientistas também têm suas convicções, mas, ao contrário dos, as vezes insuportavelmente arrogantes esoteristas, submetem-se humildemente aos testes de verificação para comprovar essas mesmas convicções. Ou rejeitá-las, caso os fatos assim o demonstrem.

Sabem, como homens de ciência, que o que não pode ser demonstrado, não tem importância científica.

Talvez as únicas áreas em que este axioma de demonstrabilidade não vigore seja naquelas ligadas ou derivadas da psicoterapia psicanalítica, as quais trabalham com conceitos também indemonstráveis de “inconsciente”, sub consciente, Ego, id, etc. Jung, com o conceito de “inconsciente coletivo”, convenceu uma grande área de especialistas a considerarem esta noção como possível e aceitável, mesmo que seja apenas uma hipótese pessoal a partir de observações de alguns pacientes. Independente de discutir se suas crenças, as crenças junguianas são ou não reais, devemos concordar sem conflito que são, em princípio, apenas crenças, sustentadas pelas belíssimas explicações e argumentações de Jung em seus textos, ou seja, em suas narrativas. Convicções psicoterápicas, como as esotéricas, sustentam-se de hipóteses dentro de boas narrativas.

Convicções esotéricas, do mesmo modo, não são testáveis. Para alguns até nem devem ser testadas, o que demonstraria “falta de fé”. E é aí que a coisa fica ainda menos cientifica.

Famosa é a passagem do novo testamento em que o Cristo, já no período pós ressureição, apresenta-se a Tomé, que questionara a veracidade de seu retorno, e pede-lhe que toque com seus dedos em suas chagas para que comprove que ele está ali em carne e osso.

Na verdade, de modo disfarçado, essa passagem ataca o método científico e o verificacionismo, e elogia a fé cega, sem fundamentação, na defesa dos pressupostos da Igreja de Roma. Se o Cristo realmente censurou o ceticismo de Tomé ou não, nunca saberemos ao certo, pois o que temos é apenas um texto, uma narrativa, na qual somos ensinados a crer, independentemente de sua veracidade.

É difícil, muito difícil para crentes discutirem sem paixão acerca de suas crenças. Se, entretanto, pudéssemos discutir essas coisas de forma racional, sem entrar no mérito da crença, sem afirmar ou negar sua realidade, primeiro deveríamos admitir que os textos sagrados são, antes de qualquer coisa, textos. Portanto, de novo, sem qualquer juízo de valor sobre a veracidade ou não do que está escrito ali, é lícito concluir que o Jesus do novo testamento é, antes de qualquer coisa, um personagem literário, como o Sócrates dos diálogos de Platão. Não se discute a existência histórica de Sócrates, na Grécia Antiga, da mesma forma que existem evidências arqueológicas de um Jesus histórico, nem que seja pelos registros romanos de execuções, que relatam sua agonia e morte. Já quanto as suas declarações, ainda em uma leitura desapaixonada, existem apenas e tão somente os relatos dos testamentos, escritos alguns até cem anos após sua morte e atribuídos a este ou aquele apostolo. Se não fossem o problema da autoria discutível, existem estas questões cronológicas, que por exemplo, tornam, como está documentado pela Igreja, dois de seus apóstolos redatores, pessoas que nunca o viram pessoalmente, como Paulo e Lucas.

Essas considerações não podem ser feitas a luz da fé, mas da razão. Não existe, pois, como falarmos em evangelhos testemunhais nestes dois casos, mas em relatos apoiados sobre relatos de terceiros.

Estes relatos foram transformados em textos, textos estes que são objeto de reverencia, como se fossem expressões indiscutíveis da verdade, mas que se sustentam às custas da fé daqueles que os lêem.

Isso, repito, não vale apenas para textos sagrados.

Vale para quaisquer textos históricos. Temos relatos biográficos de personagens, políticos, filósofos, artistas, com alguma fidedignidade, até o século 12 ou 13.

À medida que vamos indo para trás, o papel dos arqueólogos torna-se cada vez mais importante. Pensem nos fragmentos dos filósofos jônicos, de 600 AC.

Quando falo “fragmentos” refiro-me exatamente a isso, pedaços rasgados e envelhecidos de papel, que resistiram por milagre as agressões do tempo.

Esse cenário acontece em todos as culturas que se apoiam em textos antigos para criar valores, reflexões filosóficas ou religiões. Portanto, palavras escritas em um pedaço de papiro, ou em algum material que pudesse ser usado para escrever e registrar, já que papel como conhecemos hoje, era inexistente.

 

Creiamos ou não no que está escrito, textos são e serão sempre apenas textos.

Podemos crer nesses textos ou não, estuda-los, traduzi-los, mas se não se tratar de textos técnicos, como os trabalhos de Arquimedes ou Da Vinci, que nos permitam reproduzir os experimentos e aparelhos ali descritos, em nossa época, jamais saberemos se o que se afirma ali é ou não verdadeiro, mesmo que tenha verossimilhança, ou seja, mesmo que pareça ser verdadeiro. E se não forem textos técnicos, mas narrativas de acontecimentos e conversas, a confiabilidade na veracidade da descrição diminui ainda mais, já que todos que já brincaram na infância de repassar a palavra, em um circulo de apenas 10 pessoas, em alguns minutos, sabe como o que é dito aqui muda ao chegar ali.

 

 

Ciência não se faz à base de hipóteses, de narrativas ou mesmo de convicções. Hipóteses e convicções são importantes na ciência, mas apenas como primeiros passos de uma investigação. Além disso, as convicções, mesmo elas, geralmente se apoiam em fatos comprovados experimentalmente ou produto de cálculos matemáticos. Não são impressões vagas, apenas.

Após as hipóteses virão os testes que mostrarão a realidade do que se supunha ser verdade.

Existem mesmo cientistas que se especializam em criar experimentos para verificar teorias e hipóteses.

O trabalho deles é fundamental e sustenta toda a nossa tecnologia, do relógio de pulso que marca as horas, mas que também atende ligações telefônicas, até este computador em que você me lê.

Um outro aspecto do trabalho científico é o intercâmbio de informações. Tudo que se pensa ou se descobre é publicado. Todos da comunidade ligados a esta ou aquela área de interesse, lêem estas publicações e verificam minuciosamente as informações.

E fazem esta verificação reproduzindo os experimentos descritos para ver se os achados são semelhantes.

Lentamente, os resultados, se forem positivos, criarão um consenso sobre aquele tema que será replicado para todos que se interessem.

Em esoterismo, infelizmente, não é assim. Só recentemente superamos o trauma das perseguições religiosas e tornamos nossas informações mais conhecidas.

Ouvimos falar e lemos sobre telepatia. Dificilmente conheceremos alguém que domine esta técnica a ponto de nos mostrar, de fato, como funciona.

Ouvimos falar e lemos sobre telecinesia. Quem, entretanto, faz um simples lápis levitar? Quem ao menos conhece alguém que o faça? E eu falo de pessoas de dentro das Ordens Esotéricas que propagam essas afirmações.

Vivemos de narrativas, apenas narrativas, não de fatos. E quando, eventualmente, algo de aparentemente mágico acontece é como se todas as dúvidas imediatamente desaparecessem, pois estamos programados para crer, não para saber.

O problema é que estes são outros tempos.

O segredo de antes, hoje, não se sustenta, a não ser para atrair novos membros, novas mentes perdoem o termo, infantis o suficiente para se fascinarem pela ideia do oculto.

Ao contrário dos jovens, estamos impacientes, nós, velhos esoteristas, por ver em funcionamento os conhecimentos e técnicas propostas nos textos que estudamos.

Lemos textos demais, ouvimos palestras demais, mas fatos, principalmente aqueles que possam ser transformados em ferramentas para o cotidiano, ou que possam ser compartilhados com outras pessoas céticas, são poucos.

Este ano completei quarenta e sete anos de filiação a AMORC. Aprendi várias técnicas que me ajudaram na minha vida pessoal. E esse foi o apelo que esta afiliação teve no meu caso particular.

Conhecimento aplicável, verificável, essa era a promessa de Lewis a nós que entravamos para a rosacruz na década de setenta. Ele falava do segredo, mas também prometia que seriamos apresentados a técnicas, era assim que ele chamava, que nos ajudaria, a melhorar nossa qualidade de vida.

Ralph ainda estava ativo e referendava os ideais do pai, de tornar o esoterismo algo parecido com a ciência, produzindo conhecimento prático e eficaz no cotidiano, um diferencial que facilitaria o dia a dia sempre atribulado de qualquer encarnação. Por isso em nenhum momento modifiquei a minha posição de que a AMORC é a Ordem correta para meu perfil psicológico, prática, efetiva, com impacto perceptível na minha qualidade de vida.

Esta é, talvez, a principal característica que a torna única entre as muitas ordens esotéricas legitimas existentes no mundo.

É nosso maior trunfo. E quanto mais investirmos nesse aspecto operacional, de técnicas verificáveis e reprodutíveis, mas fidelizaremos aqueles que nos derem a honra de se tornarem nossos irmãos e irmãs de Ordem. Não serão nossos textos e discursos que fortalecerão as convicções desses membros, mas os efeitos práticos em suas vidas dos ensinamentos colhidos na sua afiliação.

Não devemos descuidar deste legado.

Aí estão as nossas fundações, nas quais nos apoiamos para construir nossa Ordem.

Porque afinal, é assim que nossa Ordem prossegue, e nossos membros devem poder dizer o mesmo que um de nossos mais importantes membros, Sir Isaac Newton, disse, quando elogiado pelo brilhantismo de suas teorias gravitacionais: “Se vi mais longe, foi por que estava no ombro de gigantes.” É isso que faz o conhecimento científico prosperar, a produção paulatina, cumulativa e coletiva de um saber pragmático e fundamentado.

O esoterismo pode ser assim também.

Como demonstrou Spencer Lewis, é só questão de querer e trabalhar para isso.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

INFLUÊNCIAS

Por Mario Sales

 

É estranho como atribuímos risco e importância na formação de nosso caráter às leituras e aos filósofos que nos acompanham, pensadores que como tal organizam nossos pensamentos e sentimentos.

Ao não iniciado isso parece absolutamente plausível: sou o que minha formação educacional e minha vida intelectual me torna. Sem o concurso de uma experiencia reflexiva direcionada, jamais chegaríamos a pensar deste ou daquele modo.

Repito, para não iniciados.

Aqueles que conhecem a complexidade das influencias que nos atravessam, originarias desta existência em que nos encontramos e de outras do passado, sabe que os textos e os livros buscam nosso espirito como nós os buscamos, num movimento de magnetismo afetivo inverso, onde os polos iguais se atraem, ao contrário dos metais.

Não é, para o iniciado, o que ele lê que o constrói, mas sim aquilo que ele já é o leva a confirmar suas tendências com autores afins.

Muitos são nietzschianos antes de ler Nietzsche, outros são platônicos antes de conhecer Platão.

As leituras apenas dão conteúdo linguístico aos nossos afetos e tendências, mas não os formam, como julgam psicólogos e sociólogos.

Ainda no berço, temos em nós uma vasta bagagem de vivencias pregressas às quais acrescentaremos aquelas desta vida atual.

Teresa Dávila ou São João da Cruz não nos tornam contemplativos e com tendências monásticas, mas aqueles entre nós com afinidade pelo isolamento e pela oração procurarão incansavelmente por autores com os quais dialogar, o chamado diálogo dos solitários, o diálogo com os distantes e com os mortos, que no entanto se fazem presentes por seus textos, por suas formas de expressão que guiam as nossas e nos enchem de palavras e conceitos, através dos quais expressaremos aquilo que já trazemos em nós.

Mudanças acontecerão, sim, mas não de forma tão total e intensa como supõem aqueles que acham que tudo que somos resulta do que experimentamos na convivência com a sociedade ou com nossos órgãos e hormônios.

Existem outras informações a considerar, e estas, como aliás todas, são difíceis de identificar.

Só que mesmo invisíveis, incipientes e inodoras estão lá, como a água que não estamos bebendo agora está lá, nos rios, onde sempre esteve, e onde estará, independente de sabermos sua localização ou não.

Já tivemos sede antes.

Estas, com certeza, não são as primeiras águas que bebemos.