Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A CAMINHO DE PORTUGAL ( "A "TÁBULA ÁUREA" DE LARMENIUS, OU CARTA DE TRANSMISSÃO DOS TEMPLÁRIOS)

por Mario Sales, FRC,SI,CRC



Estamos Eu e Sol embarcando em algumas horas pra Lisboa, aonde chego amanhã de manhã, de onde, se der, continuarei a publicar, pelo menos fotos. Não vou levar o notebook, e por isso não tenho certeza se conseguirei produzir conteúdo.
Se eu sumir por duas semanas é porque estou incapacitado pela falta de recursos de publicação.
Flavio e Roseli, sua esposa, estiveram aqui em casa. Vieram ambos gentilmente me trazer conselhos e orientações sobre a viagem.
Portugal, aliás, é o terceiro país entre os leitores do blog, mês que vem.
Flavio conhece bem o país, turista profissional que é, além de ser a terra natal de sua esposa e muitos de seus parentes.
Falou-me das armadilhas da língua, o nome da pimenta por lá (piri-piri), a importância de conhecer certos locais, principalmente na Leiria; os melhores meios de transporte em Lisboa e Porto além de cálculos de distância entre Porto e Santiago de Compostela, se bem que nosso especialista em Compostela, como de resto em toda a Espanha em si, é o Ir.: Felipe.
Nunca estive em Portugal.
Exatamente por isso vejo esta viagem com muito entusiasmo e uma boa expectativa.
A quase ausência de barreira linguística promete uma estadia interessante. Não sei se conseguirei visitar os castelos construídos para os cavaleiros templários pelos maçons portugueses, mas espero que consiga, pelo significado histórico que possuem.
E é sobre isso que andei refletindo. É curioso que pessoas sensatas confundam o fato de, só por que esses castelos terem sido construídos por maçons e por que seus contratantes fossem da Ordem dos Cavaleiros de Cristo, nome adotado pelos templários depois que tiveram que fugir da França, haja uma relacionamento esotérico e não apenas profissional, entre ambas as organizações.
Maçons viviam de construir castelos e igrejas. Templários, mesmo desterrados, ainda tinhas reservas financeiras suficientes para contratar a construção de seus castelos.
Nada mais natural que requisitassem os especialistas daquela época para fazê-lo. E fim da história. O resto, na minha opinião, é pura especulação, claro, regada com uma dose generosa de criatividade e oratória do Cavaleiro de Ramsay, o criador desta idéia, no dia 21 de março de 1737.
Várias empresas profanas de construção tem o hábito de marcar suas obras com seus logotipos para deixar registrado seu papel naquele empreendimento. Existem mesmo aquelas que marcam com seus símbolos e o próprio nome os produtos que saem de suas fábricas, postes de iluminação, manilhas para esgoto, fios elétricos etc. Faz parte da tradição industrial a identificação da procedência do produto ou do responsável pela obra. Mas até aí, é um procedimento de mercado, talvez o primeiro merchandising.
Não significa portanto, para desespero dos mais românticos, que a presença de símbolos maçônicos em castelos portugueses sabidamente de Templários implique em que um e outro eram esotericamente relacionados.
Aliás, esta pseudo união é defendida até em textos rosacruzes mas por alguma razão não me convence.
A origem dos maçons, embora humilde, é digna o suficiente. Talvez não o suficiente para os nobres que o Cavaleiro de Ransay queria impressionar com seu discurso, ele que se dizia também um Templário Escocês.
Aliás, quanto aos templários, guardamos em manuscritos rosacruzes informações que mostram a cadeia de sucessão após, e mesmo um pouco antes da morte de Jacques de Molay. Realmente a Ordem em si não foi extinta com a perseguição de Felipe , o Belo, e continuou firme por muitos séculos.
Um documento chamado "Tabula Áurea" emitido pelo sucessor de Molay, Larmenius,(John Marcus[Mark] Larmenius, inglês] contém assinaturas de todos os seus sucessores  até o ano de 1804 e está preservado em Londres.
Esta "Tábula Áurea" foi , durante este período a Carta Patente Constitutiva do Líder da Ordem dos Templários por todo este período.
Transcrevo o documento, para efeito de referencia aos maçons que possam se interessar:

"Eu, Frater Johannes Marcus Larmenius de Jerusalém, pela graça de Deus e por meio do manifesto secreto do Mui Venerável e Santo Mártir o Mestre (Supremo) dos Cavaleiros do Templo (a eles toda honra e glória!) o mesmo confirmado pelo Conselho Geral do Templo, e honrado por este como o Alto e Supremo Mestre, apresento estes decretos para serem observados por todos e por cada um. Salutem! Salutem! Salutem!
Saibam todos do presente e do futuro, considerando o enfraquecimento de minhas energias devido à velhice e sofrendo a carga da falta de descanso e saúde  devido às contínuas responsabilidades de meu cargo, para a maior Glória de Deus e a direção e proteção da Ordem e seus Fratres e sua constituição, que eu, o acima declarado humilde Mestre da Milícia do Templo, decidi transmitir a mãos mais eficientes o cargo e os poderes de Mestre Supremo.
Portanto, se Deus aprovar e o Conselho Supremo dos Cavaleiros consentir, por unanimidade, transfiro o cargo de Mestre Supremo da Ordem do Templo e a autoridade e poderes em mim investidos ao eminente Comendador, meu amado Frater Franciscus Thomas Theobaldus de Alexandria, etc,etc,etc.
Eu portanto, por decreto do Conselho Supremo, e com a Suprema Autoridade em mim investida, afirmo, declaro e pronuncio os Templários da Escócia desertores da Ordem, marcados pelo anátema, tanto esses como os fratres de São João de Jerusalém, os saqueadores dos domínios da Milícia, etc, etc...
Ademais decretei novos sinais que não sejam compreendidos por nenhum falso frater, sinais esses a serem passados aos Companheiros unicamente pela palavra falada, e de acordo com as regras que possam ser decretadas pelo Conselho Supremo como adequada para sua transmissaõ.
Entretanto, tais sinais só serão revelados após a renovada tomada dos votos e consagração de cavaleiro, segundo a Constituição, Rituais e práticas dos Companheiros do Templo, transmitidas por mim ao acima citado comendador, idênticos aos que foram recebidos por mim do Mui Venerável e Martirizado Mestre (a quem rendo Honra e Glória!)
Será feito como eu disse, Fiat, Amen!"
Esse documento é muito interessante, principalmente por declarar, já na época em que foi escrito, a ruptura com a linhagem templária escocesa, de onde séculos mais tarde, o Cavaleiro de Ransay afirma proceder ou representar.
A sequência em ordem cronológica descrita pelos historiadores rosacruzes e por Robert Gould, em sua História da Franco Maçonaria é :
Jacques de Molay (Jacques de Molay [Pronúncia: ( ʒak də molɛ ) Jak Demolé] (Vitrey - Sur- Mance, 1244 — Paris, 18 de março, 1314)
Johannes Marcus Larmenius recebe o cargo antes da morte de Molay, este sabedor da inevitabilidade de seu destino e permanece Grande Mestre até ser sucedido por
Franciscus Thomas Theobaldus de Alexandria, sucedido por
Bertrand de Guesclin, 1357 a 1380
Robert Lenocourt 1478 a 1497 (há um intervalo aqui, mas o documento que transcrevo não elucida isso)
Phillipe Chabot (1516-1543)
Henrique, ilustre duque da casa de Montmorency,(1574-1614)
Jaime Henrique Duras, final do século XVII
Philipe II, Duque de Orleans (1705- ?) que convocou uma Convenção Geral de Templários em Versailles, França.
Três príncipes da casa de Bourbon:
Luiz Augusto, Duque de Maine
Luiz Henrique Bourbon, conde
Luiz Francisco Bourbon, conde (nessa ordem, entre 1724-1770)
Luiz Herculano Timoleon , Duque de Brissac (1776 até o início da Revolução francesa)
Bernard Raymond (inglaterra, ano ?)
Almirante Sir Willian Sidney Smith, Grande Mestre até 1840 quando faleceu)
Sob o Grão Mestrado de Sir Smith, foi Grande Prior da Inglaterra o Duqye de Sussex; Grande Prior da Irlanda, o Duque de Leinster; Grande Prior da Escócia, o Conde de Durhan; e Grande Prior da Índia , General George Wright.
Embora este documento, a "Tábula Áurea" de Larmenius, seja contestado, já que não existe um original preservado mas apenas cópias, é parte integrante do esforço de historiadores maçons e rosacruzes na tentativa de estabelecer o rumo que a Ordem dos Templários tomou após a morte de Jacques de Molay, em 1314.
"A existência do documento foi revelada publicamente em 1803-1804 pelo então Grão-Mestre, Dr. Bernard Raymond Fabre-Palaprat, um médico francês intimo da corte de  Napoleão, bem depois da Revolução Francesa. Palaprat revelou também a história do documento. Desde então, o documento foi preservado em vidro hermeticamente fechado em Mark Masons Hall, em Londres"[1]
Há mesmo quem afirme que ele foi fabricado a posteriori.
A lista completa de sucessão vai abaixo como levantei no site já citado:
1313-1324 John-Marc Larmenius
1324-1340 Thomas Theobald of Alexandria
1340-1349 Arnaud de Braque
1349-1357 Jean de Claremont
1357-1381 Bertrand du Guesclin
1381-1392 Bernard Arminiacus
1419-1451 Jean Arminiacus
1451-1472 Jean de Croy
1472-1478 Bernard Imbault
1478-1497 Robert Leononcourt
1497-1516 Galeatius de Salazar
1516-1544 Phillippe Chabot
1544-1574 Gaspard de Galtiaco Tavanensis
1574-1615 Henri de Montmorency
1615-1651 Charles de Valois
1651-1681 Jacques Ruxellius de Granceio
1681-1705 Jacques Henri Duc de Duras
1705-1724 Phillippe, Duc d’Orleans
1724-1737 Louis Augustus Bourbon
1737-1741 Louis Henri Bourbon Conde
1741-1776 Louis-Francois Boubon Conti
1776-1792 Louis-Hercule Timoleon, Duc de Cosse Brissac
1792-1804 Claude-Mathieu Radix de Chavillon
1804-1838 Bernard Raymond Fabre Palaprat[2]
Bom, é isso.
Volto de Portugal em 15 dias.
Se não der pra publicar, até lá.



[1] http://www.theknightstemplar.org/larmenius-charter/
[2] http://www.theknightstemplar.org/larmenius-charter/

sábado, 15 de fevereiro de 2014

MÁGOAS

por Mario Sales, FRC,SI,CRC

Um velho monge e um jovem monge estavam andando por uma estrada quando chegaram a um rio que corria veloz. O rio não era nem muito largo nem muito fundo, e os dois estavam prestes a atravessá-lo quando uma bela jovem, que esperava na margem, aproximou-se deles. A moça estava vestida com muita elegância, abanava o leque e piscava muito, sorrindo com olhos muito grandes.
– Oh – disse ela –, a correnteza é tão forte, a água é tão fria, e a seda do meu quimono vai se estragar se eu o molhar. Será que vocês poderiam me carregar até o outro lado do rio?
E ela se insinuou sedutora para o lado do monge mais jovem.
O jovem monge não gostou do comportamento daquela moça mimada e despudorada. Achou que ela merecia uma lição. Além do mais, monges não devem se envolver com mulheres. Então ele a ignorou e atravessou o rio. Mas o monge mais velho deu de ombros, ergueu a moça e a carregou nas costas até o outro lado do rio. Depois os dois monges continuaram pela estrada.
Embora andassem em silêncio, o monge mais novo estava furioso. Achava que o companheiro tinha cometido um erro ao ceder aos caprichos daquela moça mimada. E, pior ainda, ao tocá-la tinha desobedecido às regras dos monges. O jovem reclamava e vociferava mentalmente, enquanto eles caminhavam subindo montanhas e atravessando campos. Finalmente, ele não agüentou. Aos gritos, começou a repreender o companheiro por ter atravessado o rio carregando a moça. Estava fora de si, com o rosto vermelho de tanta raiva.
– Ora, ora –, disse o velho monge. - Você ainda está carregando aquela mulher? Eu já a pus no chão há uma hora.
E, dando de ombros, continuou a caminhar.

Este conto, intitulado Trabalho Inútil, faz parte do lindo livro de coletânea Contos Budistas, recontados por Sherab Chödzin e Alexandra Kohn, ilustrados por Marie Cameron, editado no Brasil
pela Editora Martins Fontes, tradução de Monica Stahel, São Paulo, 2003



Existem várias histórias sobre a importância psicológica e física de superar mágoas de qualquer espécie, e superando-as, tirá-las de dentro de nós.
Trata-se de um processo em tudo e por tudo terapêutico.
Perfeição será quando nem tivermos que retirar de nós qualquer coisa indesejada, ou quando não formos capazes de receber a energia ruim que vem de outros fora de nós ou de dentro de nós mesmos, e atinge com força nossa mente.
Se falamos em abandonar mágoas é porque estas mesmas mágoas já estão em nós, o que pressupõe que, mesmo temporariamente, nos deixamos atingir por seus malefícios, outorgamos a pensamentos íntimos produto de uma educação pregressa, preconceitos enfim, ou a outras pessoas, a capacidade e a possibilidade de roubar nossa serenidade.
Mesmo que a recobremos depois, fracassamos.
Em nós ainda existe Ego a ser ferido, orgulho a ser dissipado.
E isto não é o ideal, mas faz parte do caminho do ser humano.
Sejamos tolerantes conosco como com os outros a nossa volta.
Nosso tempo de serenidade perfeita vai chegar.
Já estamos a caminho.
Basta que continuemos a andar, sem pressa, dentro do nosso próprio ritmo.
E o destino luminoso será inevitavelmente alcançado.
Paciência.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

CIÊNCIA MÍSTICA X CIÊNCIA ORTODOXA


por Mario Sales, FRC,SI,CRC




"...Quanto a sua indagação em relação a ciência, vejo que as ordens estão cada vez menos atrativas, tentando desesperadamente ampliar seu quadro associativo para movimentar um volume financeiro que não sabemos a finalidade. No caso da AMORC eu compreendo o motivo pelo qual ela não se aproxima da ciência, ou não constrói as pontes que você citou. Para mim, os motivos principais são:
Esse conhecimento ainda é o atrativo da ordem (vantagem competitiva);
A Ordem não possui o interesse em atestar, comprovar e compartilhar o seu conhecimento;
A Ordem não colocará a sua reputação em jogo com o meio acadêmico e científico para comprovar suas teorias;
A Ordem não tem preparo para uma suposta gestão de crise caso os ensinamentos dela sejam comprovados como errados, falsos ou inexistentes pela comunidade acadêmica ou científica.
Me diga frater, você com 37 anos de ordem, como se sentiria se a comunidade científica comprovasse que os ensinamentos de um grau inteiro da Ordem não se comprovam? Como a ordem lidaria com isso? O que seria ensinado nesse grau dali em diante? Será que os líderes de nosso movimento teriam sabedoria para lidar com isso?
Sobram dúvidas, faltam respostas."

De um comentário ao post "Pontes", de 25 de abril de 2013, anônimo, no blog.

Talvez a maioria das pessoas tenham uma idéia fantasiosa da ciência exatamente porque não fazem ciência. Embora eu também não faça, trabalho na porta ao lado e como somos vizinhos, testemunho frequentemente os problemas dos cientistas ou aqueles que estão no meio.
A ciência não tem nada em especial contra o misticismo. 
A única preocupação da ciência é com a falta de fundamentação empírica ou matemática. 
É isso que a ciência, por ser ciência, não pode deixar de considerar. 
Ciência é a busca sistemática do entendimento do funcionamento íntimo da Natureza, em princípio, na intenção de melhoria da qualidade de vida de toda a raça humana.
Ocorrem desvios desta missão, mas paciência.
Um cientista combate a superstição, não o conhecimento em si. Portanto, qualquer fenômeno, que se sustente do ponto de vista teórico, matematicamente, ou qualquer evento demonstrável empiricamente, desde que a experiência siga os procedimentos mínimos de confiabilidade, controlando variáveis e expondo publicamente seus resultados, de modo que a comunidade científica possa repetir o experimento e comprovar os resultados, se essas condições forem preenchidas, aquele conhecimento será cientificamente embasado e entrará no conjunto de eventos que comporão o próximo consenso daquela área.
Consensos são mais flexíveis à mudança. Não são dogmas irrevogáveis, mas protocolos passíveis de modificação no momento em que algum dos cientistas participantes deste consenso tiver acesso a algum dado novo e também cientificamente fundamentado que modifique em parte ou totalmente o consenso e o paradigma anterior.
São movimentos lentos de acumulo de informações e sedimentação de convicções, sempre em meio a crítica metodológica, ao debate de alto nível entre correntes de pensamento diferentes.
Isto é, intelectualmente, estimulante.
Mesmo conhecimentos que nortearam por séculos o pensamento humano e a humanidade, como o geocentrismo de Ptolomeu ou a mecânica gravitacional Newtoniana, foram rejeitados como infundados no momento em que novas evidências, trazidas ou não por novas tecnologias de investigação, demonstraram suas falhas e incorreções.
Os místicos, mesmo os rosacruzes de AMORC, nas conversas do cafezinho dos corpos afiliados, gostam de comentar a "imutabilidade das leis eternas", expressão que é usada de modo despreocupado e, do ponto de vista científico, leviano.
E uso o termo leviano porque na maioria das vêzes existe nesta afirmação, de modo explícito ou implícito, a extrapolação de que , não só as leis espirituais são imutáveis, mas as leis do funcionamento material universal também são.
E aí estamos misturando alhos com bugalhos.
Quando nos referimos ao Karma, a Reencarnação, a dualidade da natureza da existência, estamos falando das Leis ou Princípios Espirituais Universais e, quanto a isso, cremos estar sim, falando, de um Modus Operandi invariável.
Mas quando falamos do Universo Material não podemos ter a mesma certeza e segurança já que nossa ignorância sobre a Natureza do Universo Material ainda é imensa e assim continuará, salvo engano.
Ou seja, não são as Leis Científicas que mudam mas o nosso conhecimento que se expande e isto sim implica em mudanças nos nossos paradigmas acerca da criação.
Independente do que a Ciência creia hoje sobre a Natureza do Universo, está pronta para revisar suas posições no momento em que novas evidências levem a tal revisão.
O conhecimento técnico rosacruz (telecinese, projeção astral, telepatia, cura através de abordagens energéticas, domínio da intuição) não atraem o interesse da comunidade científica ortodoxa.
E isto se deve ao fato de que as experiências neste campo jamais se deixaram sujeitar totalmente ao método científico, foram sempre guardadas como coisas sigilosas, esotéricas, mesmo quando veio à luz o interesse russo por este campo.
E quando eu digo "sujeitar-se ao método científico" digo expor ao público científico aquilo que ensinamos de modo oculto, e permitir que a comunidade científica livremente critique e analise os métodos de experimentação, procure reproduzir as técnicas, em suma, investigue a confiabilidade das técnicas demonstradas e sua reprodutibilidade, independente de qualquer aspecto subjetivo.
Para isso, nós, esoteristas, precisaríamos ter projetos de pesquisa internos, direcionados para a mensuração destes fenômenos, documentando-os em áudio e vídeo, e publicando-os regularmente com detalhamento do experimento, seguindo o modelo do antigo Laboratório da Universidade Rose Croix da Grande Loja de Língua Inglesa, com o professor Georges Buletza, hoje abandonado.
Nossa compreensão sobre esses fenômenos, tenho certeza, se modificaria e poderíamos entender melhor a razão pela qual algumas pessoas tem o dom de ver auras ou levitar objetos e outras não, sem a suposição de que isso seja a "vontade de Deus" e que nada possamos fazer para ampliar e facilitar para mais pessoas a capacitação e o desenvolvimento dessas habilidades.
Ressalto que rosacrucianismo não é parapsicologia e não se resume a desenvolver estas habilidades, mas visa a busca do Sagrado dentro de nós , de forma que essas habilidades poderiam ser até uma distração no caminho em direção ao Altíssimo.
Se a ciência ortodoxa, nas palavras de um pesquisador, "prescinde do conceito teórico de um Deus", na ciência rosacruciana isto é impensável, já que Deus, para o rosacruz, é tudo menos um mero conceito intelectual.
Só que isto não impede que façamos ciência de boa qualidade, já que ciência e rosacrucianismo não são conceitos excludentes.
Mesmo a prática esotérico-ocultista mudou e evoluiu ao longo do tempo.
Nós rosacruzes vivenciamos períodos de investigação magista, teúrgica, de John Dee, antes de Bacon, até Papus, no final do século XIX; hoje estas práticas estão praticamente abandonadas pela entrada em vigor de um conceito de ocultismo mental, e não ritualístico, que jogou nos armários cajados, mantos e chapéus cônicos como marcas de um período já superado e obsoleto (vejam a transição do Martinezismo para o Martinismo, ou do trabalho de Hyeronimus na França para o de Spencer Lewis na América do Norte)
A única coisa que não se modificou foi a abordagem mística, a busca interior do sagrado, que continua como antes cada vez mais forte em todos os rosacruzes.
Se, como comenta o frater, a ciência, eventualmente, mostre "que os ensinamentos (da AMORC)  sejam (comprovadamente) errados, falsos ou inexistentes pela comunidade acadêmica ou científica ..." ela poderia fazê-lo em relação ao aspecto temporal destes ensinamentos e não em relação aqueles que são atemporais e realmente fundamentais. E no melhor cenário, AMORC deveria agradecer a ciência por estas revelações, desde que a refutação fosse bem fundamentada e embasada experimentalmente.
Quanto a mim, com "40 anos de ordem (entrei na rosacruz aos 17 anos, em 1975, e hoje tenho 57), me sentiria sereno caso "a comunidade científica comprovasse que os ensinamentos de um grau inteiro da Ordem não se (sustentam)" , pelos motivos acima expostos. "Como a ordem lidaria com isso" não sei, caso estas questão se refira aos seus líderes. Quanto aos rosacruzes, estes, tenho certeza,  ficariam muito atentos e curiosos e procurariam adaptar-se aos novos tempos, da mesma maneira que abandonaram mantos e cajados em troca dos poderes mentais, a astrologia pela astronomia e a alquimia em troca da química e da física.
Na verdade, tenho uma enorme confiança na qualidade mental da maioria dos rosacruzes. Espero não ser uma confiança ingênua e tenho lutado, convicto de que não é, para sugerir, daqui desse espaço ou pessoalmente, que assim permaneça, que jamais um rosacruz seja um indivíduo pusilânime e supersticioso, e que tenha dignidade intelectual, como recomenda a carta aos SI do Marquês Stanislas de Guaita, uma das peças de retórica mais rosacrucianas que eu já escutei, juntamente com "Nuvem sobre o Santuário" de Erkasthausen.
Dignidade intelectual é ter discernimento e prudência, é usar e crer no método científico, é não ser arrogante achando-se dono da verdade sobre a realidade temporal, mas estar aberto a rever suas posições desde que novas evidências assim o recomendem, e tudo isso, sem perder o amor a Deus e aos seus desígnios, jamais esquecendo que se temos alguma luz em nós é pela presença da Luz maior que nos dá existência neste mundo de ilusões impermanente.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

DEUS ME PROTEJA


Chico Cesar
(discernimento)
Deus me proteja de mim 
e da maldade de gente boa.
Da bondade da pessoa ruim
Deus me governe e guarde 

ilumine e zele assim

(Ciência)
Caminho se conhece andando
Então vez em quando é bom se perder
Perdido fica perguntando
Vai só procurando
E acha sem saber 

(Fé Cega)

Perigo é se encontrar perdido
Deixar sem ter sido
Não olhar, não ver
Bom mesmo é ter sexto sentido


domingo, 9 de fevereiro de 2014

A HERANÇA DE COMENIUS

por Mario Sales, FRC, SI, gr.: 18 CRC



A palavra "grade" ou sua correlata "degree", em inglês, refere-se a noção de grau, degrau, categoria, etc. "Grade" tem mais a ver com notas escolares enquanto "degree"com situação social, gradação ou diploma.
Lendo uma monografia da Ordem, do décimo segundo grau, a de número 227, na sua página 2, deparei-me perplexo com o seguinte trecho:
"É devido a essa lei que estou agora tentando escrever esta monografia sobre minha compreensão e minhas experiências ao longo da "senda mística", tal como descrita nas instruções no décimo primeiro e no décimo segundo graus, de nossa Amada Ordem. As instruções ali contidas são "A Busca do Santo Graal". A palavra Graal ([pronunciada] "grail", em inglês) significa gradual; isto é por estágios ou graus, e este é o verdadeiro caminho rosacruz."
O curioso é que esta monografia, informa-se no preâmbulo, reflete o ponto de vista e foi escrita por uma sóror canadense, ou seja, alguém nativa de língua inglesa, provavelmente muito mais a par da semântica anglosaxã do que nós sul americanos.
E eis a razão de minha perplexidade: Graal é parte de uma expressão que completa é Holy Graal, usada nos Contos Arturianos, a Lenda do Rei Artur e da Távola Redonda, e que surge, pela primeira vez, em um conto inacabado chamado "Perceval de Galois", um romance de Crétien de Troyes, "( 1135– 1191) um poeta e trovador francês do final do século XII. Foi um dos primeiros autores de romances de cavalaria, sendo também considerado o primeiro grande novelista em língua francesa. Suas obras inspiraram a literatura em toda a Europa Ocidental durante a Idade Média."[1]
Holy Graal, neste conto, representa um Cálice Sagrado, aonde residiria a essência da Cristandade, o Sangue de Cristo, simbolizando a Iluminação para quem o encontra.
Graal, no sentido de cálice, nada tem a ver com grau, "degree" ou "grade", e isto deve ser mais claro para um canadense do que para um brasileiro, ainda mais uma mística canadense rosacruciana.
Sei que pode parecer bizantino e exagerado atentar para este detalhe, mas considerando que este texto está em uma monografia da AMORC isto me causa algum constrangimento e embaraço.
Em cursos na Morada sempre ressaltei a meus fratres e sorores que tenham uma atitude mental crítica e investigativa, que uma Ordem como a nossa, que tem no seu histórico filósofos como Descartes, criador do Ceticismo Metodológico, ou Leibniz, é uma Ordem de curiosos e perspicazes investigadores do homem e de seus poderes latentes, seja através da meditação e da oração, seja através da razão apoiada na espiritualidade.
Para minha tristeza, alguns argumentaram que não se sentiam aptos a isto, que não eram pessoas intelectualizadas, que não haviam recebido treinamento mental para tal coisa e não se sentiam capazes de, em um momento tão reservado e espiritualizado como a prática do Sanctum no Lar, criticarem e analisarem os textos que estivessem lendo.
Ora, o que difere o estudante rosacruz, na minha modesta opinião, de outros estudantes, é a sua sagacidade e serenidade. Sagaz não é aquele que acumula títulos acadêmicos, mas aquele que estuda e conhece a natureza humana e por isso, olha com cuidado e atenção tudo que é trazido diante de seus olhos e mente.
Lembro-me de ter lido uma vez, em uma monografia, que a "Concordância", aquele pequeno trecho da contracapa de todas as nossas monografias, estimularam muitos estudantes rosacruzes a se aprofundarem nos textos de filósofos e cientistas, a se interessarem por temas aparentemente distantes de seu cotidiano, ampliando assim seu conhecimento e discernimento do mundo ao seu redor.
Entregar-se a Deus no serviço devocional e da humanidade não implica a perda do senso crítico, pelo contrário, requer discernimento, em sânscrito Viveka, uma das virtudes exigidas do Yogue na tradição hinduísta.
Por isso devemos sim pensar sobre o que lemos nas monografias, nem que seja para honrar o terceiro degrau da Escada de Rá, a prudência, e estranhar textos sem sentido, ainda mais considerando o contexto em que foram redigidos.
O que chama a atenção além do erro da sóror canadense, é o fato de o texto ter passado batido e sem, aparentemente, nenhuma análise prévia, ter sido impresso, traduzido e enviado para todas as partes do mundo rosacruz como uma peça de qualidade, quando muitos dos artigos de autores brasileiros, ao contrário, sequer chegam ao mundo anglosaxônico ou mesmo são traduzidos para o francês, hoje a língua do nosso atual Imperator, como se a produção intelectual dos rosacruzes sul americanos não fosse relevante para o resto do planeta.  
Esta é uma Ordem Mundial e complexa, da qual me orgulho de ser membro, e mais ainda, de ter como companheiros de Ordem algumas das melhores mentes, do ponto de vista humano, mas também do ponto de vista intelectual.
Em função disso, defendo um maior cuidado com nossos textos, principalmente os que são para o sanctum no lar.
Nossos membros devem entender que são capazes sim de analisar os textos esotéricos que lêem pois têm dentro de si a mesma centelha divina que aqueles que escreveram estes textos.
O fato de os textos serem americanos, franceses ou canadenses não os tornam automaticamente peças de excelência ou documentos irrefutáveis.
São produzidos por seres humanos, fratres e sorores como nós, passíveis de erro, e se forem, como acredito que sejam, pessoas dignas, desejarão ser corrigidos nestes erros, uma vez detectados, de forma a aperfeiçoarem seus próprios conhecimentos.
Todos os rosacruzes devem ser capazes de pensar com suas próprias cabeças. Pertencem a uma Escola Esotérica e não à uma religião. A AMORC não produz dogmas nem pensadores dogmáticos, mas busca construir espíritos fortes e autônomos, pessoas melhores e mais auto confiantes, não seres acovardados e envergonhados por um inexplicável complexo de inferioridade.
Não é isto que eu, como artesão, quero para meus Irmãos. Não é isso que Comenius, grande educador e rosacruz, queria. Sonhamos, nós que estamos mais velhos, que os jovens e os que chegaram recentemente aos portais de nossa Ordem usem sua afiliação para crescer espiritual e mentalmente e se libertem da impressão fantasiosa de que o Deus em seus corações e mentes seja menos divino do que em qualquer outro rosacruz ou ser humano em qualquer local do planeta.
Esta é a herança de Comenius e outros, que deveremos honrar durante a nossa afiliação.

PS: leia também: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/02/antidoto-contra-pseudociencias



[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Chr%C3%A9tien_de_Troyes

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A NATUREZA DO QUE CHAMAMOS MAL

por Mario Sales, FRC,SI,CRC



Imaginem alguém com AIDS.
Frequentemente, isto incorre em uma diminuição de imunidade ou, em outras palavras, das defesas naturais do corpo contra infecções, como o próprio nome da doença (síndrome de imunodeficiência adquirida) diz.
A partir desta situação, fungos absolutamente inofensivos, bactérias de baixa agressividade e vírus de todas as espécies se sentem autorizados a provocar infecções de toda ordem, aproveitando esta oportunidade em que as defesas estão diminuídas. São chamadas, exatamente por isso, de infecções oportunísticas.
O que antes era fraco, no equilíbrio delicado da natureza, torna-se agressivo e forte. Não porque ficou mais forte em si, mas porque seu antagonista está ou debilitado, ou mesmo ausente.
Agora comparemos esta situação com a de pessoas enfraquecidas moralmente por problemas psicológicos, sejam as doenças psiquiátricas típicas ou depressões leves, seja pelo envolvimento com hábitos pouco saudáveis, que destruam seu sistema nervoso, como a dependência do álcool ou das drogas.
O que resulta desta situação é a perda da força de vontade, da capacidade de reação aos problemas, da vontade de viver. Os pensamentos refletem este estado físico debilitado e pouco a pouco a mente torna-se sombria e obcecada por questões medíocres.
Nasce o chamado problema emocional, ou espiritual, se preferirem.
Este raciocínio me vem a mente quando considero situações em que certas pessoas se sentem vítimas de magia negra, digamos assim, ou são presas de estados mentais atribuídos a terceiros de modo intencionalmente ruim.
Partindo do princípio de que não vivemos em ambientes sociais homogêneos, e que involuntariamente quaisquer pessoas podem invejar ou ser invejadas, desprezar ou ser desprezadas, pensar algo malévolo sobre outra pessoa ou ser objeto de tal tipo de pensamento, estaríamos em uma situação de caos permanente onde todos nós adoeceríamos vítimas das pragas ou maldições lançados, voluntária ou involuntariamente por terceiros.
E não é assim. Pessoas de bom padrão intelectual e financeiro, com beleza física ou espiritual, independente da inveja, repito, às vezes involuntária de que sejam alvo, podem conseguir vidas equilibradas, serenas e calmas, dentro do possível para a vida nesta Terra.
O que as protege? Serão dotadas de poderes especiais que desconhecemos? Serão místicos avançados disfarçados de pessoas comuns, embora socialmente destacadas?
O mais provável é que nenhuma dessas opções seja a resposta e estejamos diante de pessoas além de física, mentalmente equilibradas, às vêzes até por causa do equilíbrio físico. 
Nem sempre são pessoas do ponto de vista físico totalmente hígidas, como é o caso daquelas em corpos não muito saudáveis, mas que iluminam o mundo com seus exemplos e práticas. Falo de frágeis freiras como Irmã Dulce ou Tereza de Calcutá; de líderes religiosos como o Dalai Lama; de físicos como Stephen Hawking. Um corpo saudável ajuda a manter a mente saudável, mas uma mente saudável, na maioria das vêzes, bem focada, com objetivos bem definidos, pode sustentar um corpo frágil e desafiar prognósticos médicos os mais sombrios.
A mente é poderosa, para o Bem e para o Mal. 
E principalmente para o nosso próprio Bem ou Mal. 
Lá nascem saúde ou doença, felicidade e tristeza.
Mais poderosa do que as maldições ou pragas que possam nos lançar é a nossa fragilidade psicológica, filha da superstição e do medo.
Estas condições nos tornam seres com grave deficiência imunológica mental, tornando-nos vítimas fáceis de quaisquer pensamentos ou emoções de baixa qualidade que passem perto de nós.
Não são as pessoas que nos lançam pensamentos ruins, mas nossa própria fraqueza psicológica, e por que não dizer, mística, que nos torna reféns de eventos desta natureza.
O curioso é que nenhum de nós é, verdadeiramente, frágil. Cada um de nós carrega em si uma centelha de Deus discreta em manifestação, mas poderosa o suficiente para destruir e construir universos. Sempre esteve em nós, em todos nós, e sempre estará, já que nossa própria existência depende desta centelha. Não existiríamos sem ela, nada seríamos sem ela. Não é algo que conquistemos ao longo da existência, mas a condição si ne qua non para que esta existência do Eu possa ocorrer.
E não nos damos conta disso.
Deus está em nós, somos o próprio Deus manifesto, mas nos comportamos como se Ele estivesse distante.
Oramos a Ele, clamamos por Ele como se estivesse longe de nós, alguns, às vezes, aos gritos.
Não faz sentido. Não gritamos para falar com alguém ao nosso lado, falamos baixo e com calma, na certeza de que seremos ouvidos. Quanto mais se esta pessoa estivesse dentro de nós mesmos.
Este equívoco em supor um Deus, não interno, mas externo e distante, perturba a nossa percepção de sua presença em nós. E daí a origem desta síndrome de imunodeficiência espiritual, pode-se dizer, adquirida pela educação e pela pregação das religiões que convenceram milhões de seres humanos que Deus estava longe deles e que só poderia ser alcançado através de intermediários, invisíveis ou visíveis, geralmente os sacerdotes destas religiões, que se transformavam, dessa maneira, em despachantes da fé.
A força de cada um de nós, para o trabalho, para a vida social e sexual, vem de Deus.
A inspiração para a criação artística, seja na música ou na literatura, vem de Deus.
O fato é que esta conexão que nos alimenta e sustenta não chega até nós através do vazio, mas emerge de nosso íntimo até nossa mente, a qual, se for saudável e equilibrada, será transparente a sua luz e à sua manifestação.
Quanto menos atrapalharmos a livre manifestação da força de Deus em nós mais luz , não a nossa Luz, mas a Luz do próprio Deus, manifestaremos no cotidiano.
O Mal, portanto, está na crença nesta aparente e fantasiosa dissociação, nesta separação mental entre nós e o Deus de nosso coração que está lá mesmo, em nosso coração e em nenhum outro lugar a não ser lá. Esta Shekinah, esta Presença Divina em nós, é santa e nos santifica. E quem está santificado automaticamente fica imune aos problemas mentais e espirituais decorrentes da instabilidade emocional.
A Presença Divina não é uma crença, mas uma constatação, uma experiência direta, e é por isso que, mesmo aqueles que não crêem, são beneficiados por Ela. Sentir Sua força é manifestar plenamente, principalmente em nossa mente, a luz da inspiração, seja em seu reflexo menos intenso mais conhecido, a razão, seja em sua intensidade mais poderosa, a consciência crística.
Que coisas maravilhosas poderíamos ser e fazer apenas se nos livrássemos da embaraçosa ilusão do Ego e nos permitíssemos mergulhar neste Oceano de Luz que nos permeia.
Para isso, entretanto, necessitamos de muito desapego, não de força, mas de enfraquecimento de concepções errôneas sobre o que somos e o que não somos. Só pelo desenvolvimento de uma ausência programada poderíamos abrir a porta para a Luz em nosso coração e permitir que ela escape por nossos olhos e transformem tudo ao nosso redor, da mesma maneira que a luz do Farol mergulha no mar escuro à noite e orienta navios em direção ao porto.
Permitamos-nos ter esta saúde da auto negação e da afirmação da Shekinah em nós. Este é,sem dúvida, o caminho da bem aventurança.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

EQUÍVOCOS

por Mario Sales, FRC,SI,CRC



"O estudante que alcançou o estágio de Iluminação vê-se em "verdes pastos". Para o místico este estágio é semelhante ao de outros dedicados às suas igrejas e à sua Bíblia, e tem suas armadilhas. Para essa boa gente, tudo o que acontece é da "Vontade de Deus". Num filme intitulado "A Cidadela", um jovem médico está assistindo uma paciente em um parto e o bebê é natimorto. O método usual (palmadas) não provoca a respiração no pequeno corpo. O médico então, passa a usar métodos científicos. A velha avó que está observando diz: "- Deixe estar. É a "Vontade de Deus". Quando o médico finalmente soprou nas narinas do bebê e ele chorou, a velha acreditou que acontecera um milagre. O estudante também tende a deixar tudo nas mãos do "Deus Interior" e mergulhar numa segurança perniciosa que impede o progresso. É por isso que os exercícios rosacruzes enfatizam(...)o uso e o teste dos princípios e leis na vida diária."

Monografia de AMORC 228, 12° grau de Templo, página 3




Preparando o ensaio sobre "As Três Cabalas" me deparei com uma passagem curiosa na biografia de Éliphas Levy, ou Alphonse Louis Constant.
"Em 1847, sua esposa (de Eliphas Levy) deu à luz uma menina, que faleceu em 1854, para desespero de seu pai, que a adorava. Era uma criança muito doente e esteve várias vezes à morte."(Em uma dessas vêzes)", diz o Mestre, "trouxeram-me essa pobre criança agonizante, porque não ouso dizer morta, por uma estúpida mulher que Noémi, incapaz de ser mãe, tinha admitido como ama-de-leite. A criança estava fria; o coração e o pulso não batiam mais. Noémi, que não soube cuidar dela como devia, estava furiosa, dizendo que mataria o filho da ama-de-leite (que mulher eu tinha, grande Deus!). Para apaziguá-la, jurei-lhe que a menina não estava morta. Transportei o pobre corpo para a cama e coloquei-o sobre meu peito; assoprei ao mesmo tempo em sua boca e em suas narinas; senti que ela começava a se contorcer. Peguei em seguida um pouco de água morna e bradei: Maria! Si quid est in baptismate catholico regenerationis et vitae, vive christi-ana! Ego enim te baptizo en nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti.( Maria! Se há no batismo católico poder de regeneração e de vida, vive de maneira cristã! Pois eu te batizo: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.) Meu amigo, não vos conto um sonho: a criança abriu imediatamente seus grandes olhos azuis espantados e sorriu... Levantei-me precipitadamente com um grande grito de alegria e conduzi-a aos braços de sua mãe, que não podia acreditar no que estava vendo".[1]
Em medicina conhecemos bem este episódio, que chamamos de "rolha de catarro", quando secreção pulmonar se aloja na traquéia ou no nariz de crianças muito pequenas e as sufocam,por parada respiratória, que se for curta pode ser revertida facilmente caso alguém "assopre ao mesmo tempo em sua boca e em suas narinas"  o que mobiliza a rolha e pode permitir a respiração.
O que Eliphas Levy descreve como um ato mágico, na verdade foi um ato médico, e medicina não é magia, é técnica, um tipo de educação.
Penso em quantos atos meramente médicos não foram no passado descritos como supostamente mágicos por mentes mais simples de eras menos elaboradas.
A própria indução hipnótica chamada de sugestão, usada largamente pelos rosacruzes em técnicas de cura e ensinada como um segredo por séculos é conhecida de qualquer psicólogo mediano em nossa época, nada tendo de incomum, a não ser o fato de que continuará sendo um mistério e um segredo para mentes menos educadas.
Já fiz várias vezes distinção entre Magia e Pensamento Mágico aqui no Blog. 
Nem sempre com muito sucesso.
A falta de um preparo educacional que possibilite discernimento às pessoas se faz sentir no dia a dia e no ato de lidar inclusive com os chamados conhecimentos esotéricos.
Ainda hoje, como no passado, nos deparamos com equívocos interpretativos os mais variados baseados na superstição e na ignorância, ou melhor, na falta de prudência e de discernimento, já que ignorantes todos somos, em maior ou menor grau, mas ignorantes imprudentes, nem todos, graças a Deus.
E ser um ignorante imprudente é não ter noção de sua própria ignorância, é lidar com os fatos sem cuidado, sem a abordagem do que Frater Descartes chamou de ceticismo metodológico.
Por exemplo: não se deve confundir eruditos com iluminados ou seres avançados espiritualmente.
Eu, por exemplo, sou um erudito do esoterismo. Leio há dezenas de anos sobre o assunto e continuo estudando ainda hoje. No entanto, como ser humano, sou o mais comum dos seres, não atravesso paredes, não leio mentes, não ressuscito os mortos, não transformo água em vinho. Além disto sou portador de todos os defeitos de caráter comuns à maioria dos seres humanos.
Parece tolice afirmar estas coisas aparentemente óbvias. Só que este blog é lido por dezenas de pessoas e, entre estas, mentes não muito amadurecidas, que poderiam facilmente confundir alhos com bugalhos.
Se há algum mérito em mim como escritor e esoterista é ser um ignorante prudente, conhecer minhas limitações, tanto porque estou hoje mais culto do que era anos atrás, quanto por estar mais velho e, por isso, mais aperfeiçoado. Segundo meu xará, o professor Mario Sergio Cortela, as pessoas não nascem prontas e por isso não envelhecem , mas se aperfeiçoam. Quem nasce pronto é fogão, geladeira, automóvel, e por isso estes objetos apenas envelhecem. Seres humanos não nascem prontos e por isso apenas se aperfeiçoam.
Gosto desta visão. E sigo este pensamento.
Considerando pois que sou mais velho e por isso, como disse , mais aperfeiçoado, sei, como lembrava Sócrates, que nada sei, e acrescento, como Fernando Pessoa, que "não sou nada, e nunca serei nada". E como eu, muitos antes de mim, que perceberam, uma vez livres da ilusão da vaidade, que eram apenas pessoas comuns.
Só que sempre haverão os equívocos e as pessoas equivocadas dispostas a cometê-los, e que em vez de perceberem e aceitarem que alguém realmente não é nada de especial, quando este afirma isto respondem com a proverbial frase:      "-Que nada, modéstia sua."
É como se houvesse algo mais grandioso ou melhor do que estar simplesmente vivo neste corpo e desfrutar da experiência da vida comum. Na verdade não há, mas a fantasia e a mente iludida quer o romance, a glória e as lendas e histórias de cavalaria como pano de fundo para suas existências que consideram medíocres por serem simples e comuns.
Olha-se a vida pelos óculos coloridos de Maya, e aí, como na lenda chinesa de Chuang-Tzu, não se sabe se somos seres humanos sonhando ser borboletas ou borboletas que sonham ser seres humanos.
Primeiro, é preciso olhar para nós mesmos com discernimento. E reconhecer a beleza de ser um ser humano comum, sim, sem nenhum dom especial. Que isto já é uma bênção. Esta visão equilibrada só a educação garante. Não importa se é uma educação formal ou não, mas a educação é fundamental.
E repetindo, educação não é acúmulo de informações e dados, mas desenvolvimento da sensibilidade. A dança, a contemplação da arte, pinturas ou esculturas, a música, são tão ou mais fundamentais à nossa formação educacional quanto a matemática e a física.
É na arte que desenvolvemos sensibilidade.
E para sentirmos Deus é preciso treinar através da oração mas também da arte, desenvolvendo nossa sensibilidade à Sabedoria, a Força e à Beleza, para podermos depois sermos adequadamente sensíveis à Deus.
Não podemos confundir, pois, erudição (acúmulo de informações e dados) e evolução espiritual, uma coisa nada ou quase nada tem a ver com a outra. E os muitos autores do esoterismo literário devem receber de nós a atenção que merecem, como seres humanos que foram e são, cheios de problemas pessoais como nós também temos, ao contrário da devoção que é devida apenas e tão somente ao Deus de nossos corações, ao Deus de nossa compreensão.
Qualquer outra atitude em relação aos muitos autores esotéricos do passado e do presente, caracteriza apenas um grande equívoco.




[1] http://www.culturabrasil.pro.br/eliphas_levi.htm

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

AS TRÊS CABALAS

por Mario Sales, FRC, SI,CRC




Todos que me conhecem sabem que separo, para finalidades didáticas, as práticas herméticas em três partes: esotérica, ocultista e mística. Nesta perspectiva, misticismo, seja em que tradição se fundamente, refere-se a busca do divino e a tentativa através de orações, preces e êxtases conseguidos pela meditação de fundir-se ao Todo Poderoso; Ocultismo ao conjunto de práticas chamadas mágicas ( coisas da terra) ou teúrgicas (coisas do céu, leia-se Anjos), cuja finalidade é a intervenção na realidade modificando-a de forma a atender a nossa vontade e intenções; e por último, o Esoterismo, que se dedica ao estudo de textos sagrados e herméticos, narrando aspectos de culturas e civilizações as mais variadas geralmente do passado distante, estudo dos símbolos propositadamente velados dos tempos do iluminismo, ou seja uma atividade sigilosa e intelectual, caracterizada pelo segredo.
Nesta ótica, mesmo que um grupo possua dentro de sua estrutura estes três aspectos, é fácil entender que existam algumas Ordens que sejam mais místicas, outras mais Ocultistas e outras, essencialmente, Esotéricas.
Como exemplo, dizemos que a Ordem Maçônica é moderadamente Esotérica, pouco Ocultista e nada Mística; o Martinismo de Papus muito esotérico, com pretensões Ocultista e moderadamente Místico; o Martinezismo dos Ellus Cohen muito Ocultista, muito Esotérico e , a meu ver, moderadamente Místico; e a Rosa Cruz, muito Mística, e, em um período do séculos XIV ao XVIII muito Ocultista e Esotérica; já no período pós Spencer Lewis, ainda altamente Mística, mas já moderadamente Esotérica e quase nada Ocultista.
Portanto, dessa forma, desfazendo a aparente sinonímia entre estes três termos, caracterizamos melhor a prática esotérica e podemos por exemplo entender as mudanças históricas deste saber, o Esoterismo, que corre nas veias da humanidade, entre Religião e Ciência, resistindo à passagem das épocas e das eras no imaginário humano.
A tradição hebraica, a Cabalá, com tônica na última sílaba, também pode se beneficiar dos efeitos didáticos desta classificação. Ela tem um período protocabalístico, o misticismo Merkabah, a carruagem de Deus, como na visão de Ezequiel, (cap 1 - vers.1,28) que foi interpretada como uma viagem, indo e voltando através de sete palácios (hekhalot) de plenitude, sendo o sétimo o mais elevado em realização e que permitiria o contato direto com Deus. Ainda seguindo minha postulação acima, esta tradição é essencialmente Mística, algo Esotérica e em nada Ocultista, pois não visa controle da realidade, mas o seu próprio abandono ao mergulhar o praticante em um estado de êxtase, primeiro parcial e depois definitivo.
Esta tradição dura entre os dois últimos séculos AC até o século III DC, quando o Sepher Yetzirah vem a luz, já representando um esforço de codificação das práticas místicas e iniciando a fase literária, esotérica e interpretativa, da Cabalá. Nesta época, lembramos, a palavra Cabalá ainda não era usada, sendo datada de um período em torno do século XII, graças a enunciação de Isaac, o Cego.[1]
De toda forma, o surgimento de um texto , o Sepher Yetzirah, em alguma data entre o séc. II e o séc.VI da era cristã, marca o início de um misticismo baseado em um material escrito, entre os judeus, o que eu costumo chamar esoterismo literário.
Como todos já sabem, a história da Cabalá avança com a publicação, em torno do século XII, do Sepher Bahir, o livro da Iluminação, atribuído a Isaac, o Cego, e , em seguida, do Sepher Zohar, no século XIII, uma extensa narrativa das andanças do Rabi Shimon Bar Yochai, no século II, publicada e provavelmente compilada por Moshe (Moisés) de León (Moshe bem Shen-Tov). Digo compilada porque o Zohar não é um livro, mas, a exemplo da própria Bíblia, um conjunto de livros.
Isto não significa que a história da Cabalá seja linear. Estes três livros são fundamentais para estudar Cabalá mas o conjunto de conhecimento deste saber ainda não é totalmente mapeado, estando disperso em manuscritos espalhados por bibliotecas, em Tel Aviv e nos EUA.
Como todo saber, embora como teóricos nos sentiríamos mais acomodados com uma história monodirecionada, capaz de ser açambarcada por um único título, Cabalá é um conjunto de temas e práticas que poderia se dizer, tem um núcleo duro, seus textos de referência, e uma periferia mais instável, que são estes manuscritos ainda não traduzidos e de trabalhosa consulta.
Temos, juntamente com os Sepher Yetzirah, Bhair e Zohar, entre os textos do chamado núcleo duro, o Sepher Raza Rabba, ou "Livro do Grande Mistério", comentado brevemente entre martinistas modernos, mas não estudado, nem disponível em português, aonde estão descritos estudos de angelologia e demonologia, conhecimentos ligados a Teurgia.
Vemos, assim, que a Unidade tão preconizada em todos os textos místicos, jamais é encontrada no dia a dia. Ela é mais uma ligação aparente, mas invisível, entre um sem número de elementos diferentes. Assim acontece com o Cabalá. Cada momento que produz um texto (seja o Yetzirah, seja o Bahir, seja uma compilação extensa como o Zohar) remete a um período da história e a um contexto geográfico diferente.
É oportuno lembrar que tanto quanto a cultura rosacruciana que começa no Egito Antigo, mas se enriquece ao longo dos séculos com a contribuição de tradições de diferentes partes do planeta, a cultura judaica e suas chamadas tradições são também um somatório de conceitos e idéias colhidas ao longo de seu movimento como nação nômade ou escravizada por diferentes povos. É da Babilônia que vem o conceito de Anjos, mensageiros de Deus; é do Egito que vem o conceito de Shekinah, a "Presença Divina", cultuada em templos rosacruzes, mas também descrita no Sepher Ha Bahir, do século XII, o segundo livro da bibliografia básica cabalista.
Portanto, falar de uma tradição eminentemente judaica quanto ao Cabala é uma impropriedade, como aliás também para qualquer tradição mística ou religiosa.
A visão destas contribuições e a forma que elas recebem, essa sim é genuinamente judaica e adaptada a realidade do povo judeu.
O que quero dizer é que dentro da evolução do pensamento cabalístico, (desde os movimentos místicos da Tradição Mercabah, da Carruagem, até Isaac Luria, morto precocemente aos 38 anos, conhecido como o Leão, em Safed, formulador da moderna concepção do Cabalá, e seu compilador, Hayim Vital, que escreve o "Ets Hayim", ou "Árvore da Vida" , transformando em um texto todos os ensinamentos apenas orais de Luria) muitos movimentos internos ocorreram e muitas leituras foram feitas da mesma tradição.
E estas leituras, essas escolas, não foram necessariamente conflitantes, porém cumulativas e geraram o que hoje se chama de o Corpo Teórico da tradição Calística.
Dessa forma entendemos que o que hoje chamamos de Cabalá não é um sistema que nasceu pronto, mas que foi construído ao longo de séculos, compilando e concentrando contribuições de diversas culturas e tecendo as vestes de um conhecimento atualmente entendido como originalmente judaico.
Considerando isso, não passou de um equívoco absurdo supor que impunemente, alguém de outra tradição, a tradição cristã, como Pico Della Mirandola, pudesse tentar fazer uma síntese entre o pensamento cabalístico e a religião de Roma. Por vários motivos.
Primeiro: uma síntese é a fusão de duas partes definidas. A Cabalá da época de Pico ainda era um processo em andamento. As maravilhosas contribuições conceituais de Luria, retratadas nos textos de Hayyim ben Joseph Vital, não tinham sido publicadas. Pico Della Mirandola morre aos 31 anos, em 1494. Luria nasce em Jerusalém em 1534, de forma que Pico não teve acesso a suas contribuições.
É Luria com sua genialidade de síntese conceitual que enriquece e define contornos internacionalmente palatáveis para a Cabalá. Antes dele, a Cabalá era muito mais obscura e esotérica e tudo que é muito esotérico permite interpretações equivocadas e imprecisas.
Criar uma nova visão da Cabalá, de cunho cristão, é não só um contrasenso teórico, mas, antes de qualquer coisa, uma perversão do sentido primitivo desta tradição.
Pois a Cabalá, embora contenha em suas reflexões a mesma ânsia pelo divino presente em místicos Hindus, Egípcios e mesmo Árabes, tem uma assinatura própria da história de sofrimento e êxodo que só o povo judaico conheceu. E para o judeu, em função desta perseguição, das muitas ameaças de extermínio que conheceu, manter-se como nação foi uma forma de preservar a própria sanidade, e para tal a contribuição da tradição religiosa e mística foram fundamentais.
Pico tinha outras intenções com sua segunda versão da Cabalá, travestida em um conjunto de valores do cristianismo. Se para o judeu, a Tradição existia para fortalecer o Judaísmo, para Pico, Cabalá seria uma forma de enfraquecê-lo e mostrar o quanto o cristianismo era superior.
E isto em si é um absurdo. O que explica que, embora fosse cultuado como homem culto e letrado, na verdade carecia de discernimento intelectual e era muito mais levado por um intelectualismo engajado a favor de um catolicismo cristão do que uma visão capaz de perceber as profundas implicações histórico culturais da prática e da teoria da Cabalá.
Sua força vem do fato de ser um autor profícuo. Na maioria das vêzes, quem escreve muito, não importa sobre o que ou a qualidade de seu argumento, é respeitado como grande erudito. As letras eram prerrogativas de poucos naquela época e a erudição de muito menos gente ainda. O tamanho de seu trabalho, embora amálgama imperfeito, combinando em um mesmo bloco o ferro, o zinco e o ouro, digamos assim, influenciou o pensamento de muitos. Seu mestre, Marsilio Ficino, (operoso tradutor, que trouxe, em um esforço intelectual meritório, a luz do Latim, que era o inglês daquela época, textos que muitos não poderiam ler em outras circunstancias), tem a seu favor o fato de que jamais fez qualquer  juízo de valor sobre os textos que popularizava.
Já Pico della Mirandola, num arroubo de vaidade, supôs que poderia usar uma tradição como o Cabalá para finalidades político religiosas. Por isto este saco de gatos, esta salada teórica que tudo aceita e tudo distorce, a chamada Cabala Cristã, a segunda cabala, digamos assim, que não contribui para o entendimento dos conceitos teóricos mais importantes do cabalismo.
Embora exista um aspecto da Cabalá Judaica que é prático, operacional, e encerra técnicas de invocação e ação teúrgica sobre a realidade, a Cabala Cristã tem desde o nascedouro um forte cunho essencialmente magista. Ao cabalista cristão interessa o poder, não o saber. Ele considera a Magia uma forma de alcançar este poder e um poder em si. E assim esta compreensão prevalecerá e durará por séculos, ganhando força inusitada no século XVIII e só desaparecendo sob a contracorrente do pensamento positivista de Conte no final do século XIX.
A Magia é também uma ferramenta de intervenção no real e na ausência de tecnologia, ela assume este papel com mérito. Uma afirmação de Cornelius Agrippa o papel da Magia como substituta naquela época do que hoje chamamos ciência:

"...aliás ensina a natureza das coisas que estão no mundo, explorando e investigando suas causas, efeitos, tempos, lugares,maneiras,eventos, o todo e as partes, e também: o número e a natureza dessas coisas chamadas elementos; o que o Fogo, a Terra e o Ar geram ; de onde se originaram os firmamentos; de onde vem a maré, de onde vem o arco íris vestido de cores alegres; o que faz as nuvens reunidas ficarem negras para enviar relâmpagos e produzir trovões; o que gera as chamas da noite e cria os cometas; o que faz a Terra tão firme e , de repente, tão trêmula; qual é a semente dos metais e do ouro; que virtudes, riquezas, se guardam no cofre da natureza."[2]

Alguns alegarão que nada há de errado em buscar-se poder sobre as coisas sempre tão instáveis da natureza, ou seja, conseguir alguma previsibilidade sobre nosso destino e sobre os acontecimentos que atingem os seres humanos individualmente e a sociedade humana como um todo.
Não é isso que a Ciência contemporânea faz? Ela não nos dá algum grau de previsibilidade e até elementos de defesa contra as intercorrências naturais? Ela não nos auxilia nas variações do clima, no saciar da fome e na luta contra as doenças?
Sim, é fato, mas é preciso lembrar que ao se tornar Cabalista, um judeu jamais separava o conhecimento que conseguia da necessária busca do divino em sua vida pessoal e na vida da comunidade. Ao contrário, a Magia como ferramenta de intervenção, tornaria o Mago senhor da criação, rivalizando até, para mentes menos evoluídas, com o próprio Deus.
Cabala, para o Judeu era um mergulho no Divino; Cabala Cristão era um mergulho no Ocultismo e trazia consigo os riscos do orgulho e da vaidade. O mesmo risco que traz a Ciência Contemporânea aos seus praticantes, em princípio uma área que segundo alguns prescinde da hipótese de um Deus, como se Deus fosse apenas isto, uma hipótese intelectual. Cabalistas Judeus são místicos; cabalistas cristãos, são ocultistas e esoteristas, com todas as implicações e diferenças sobre as quais já teci considerações em ensaio anterior.
A segunda Cabala, portanto, é a Cabala anti judaica, a que tem como princípio mostrar a superioridade do Cristianismo sobre quaisquer outras compreensões de Deus. É a Cabala da busca do poder sobre o Céu e a Terra, mas não necessariamente na busca de uma autocompreensão maior, mas sim de uma capacidade de intervenção maior nesta mesma realidade. Aqui já se vêem o surgimento da atitude típica do Ocidente sobre a Natureza, da busca do controle sobre Tudo o que Existe e não da harmonia com este mesmo Todo. Seguem o pensamento de Pico della Mirandola , Johannes Reuchlin, Paolo Ricius, Baltashar Walter, Athanasius Kircherus, Raimundo Lúlio, Guilherme Postel, Christian Knorr Von Rosenroth, Johan Kemper, Heirich Cornelius Agrippa, Johanes Valentin Andrea, Giordano Bruno, Robert Flud, e outros.
Esta segunda Cabala já foi também chamada de Cabala da Renascença e como a renascença foi a época da redescoberta do Homem como foco da Criação, como uma reação à Contra Reforma e à Inquisição e ao totalitarismo do pensamento de Roma, entende-se também porque esta ênfase em trazer para as mãos do homem o fogo dos céus, numa manifestação da Síndrome de Prometeu.
O avanço dos anos faz com que o Ocultismo também ampliasse sua influência, sempre no sentido de ocupar um lugar que hoje seria o da Ciência Ortodoxa.
Em vez de Astronomia, Astrologia; em vez de química, Alquimia; em vez de Medicina, herbologia e emplastros, sangrias e sangue sugas. Sim, desde os quinhentos a razão avança, paripasso com a superstição, com Descartes, Galileu, Copérnico e Newton. Mas é importante dizer que não de forma antagônica, mas de mãos dadas pois Ocultismo era "O Conhecimento" naquela época e andava de mãos dadas com o conhecimento científico, de tal forma que aqueles que se dedicassem a um poderiam ser encontrados dedicando-se ao outro, como é o caso do próprio Isaac Newton, matemático, físico e rosacruz. Por isso, embora estas práticas ocultistas pareçam ecos de um passado bárbaro, são apenas os primeiros passos de um diálogo com a natureza que ainda buscava a linguagem adequada. No seio de um conhecimento supersticioso e mágico, já crescia a semente do empirismo e da prática científica. A árvore mesma só seria visível bem mais tarde.
Antes, haveria um último suspiro destes exercícios mágicos que caracterizaram estes quatro séculos, do XV ao XIX. O pensamento empirista e positivista já se aproximava quando, ao final do século XIX começaram a surgir obras que buscava a síntese definitiva da Magia e do Cabala. Por essa época não existia mais nenhuma intenção de doutrinar o povo judeu, a igreja já tinha perdido sua antiga força militar, e assim, o poder político havia sido pulverizado entre dezenas de nações.
É em 1810 que vem ao mundo o maior esoterista do século XIX, Alphonse Louis Constant, mais conhecido pelo codinome de Eliphas Levy. Como Pico della Mirandola foi o criador da segunda Cabala, aqui temos o criador da terceira Cabala, a Cabala Hermética.
É em seus muitos livros que Eliphas vai construir a estrutura e o esqueleto de sua linha de interpretação dos mistérios cabalísticos. Ex seminarista, culto, filólogo, Eliphas usa sua erudição para produzir vasta bibliografia. Dogma e Ritual da Alta Magia, História da Magia, A Chave dos Grandes Mistérios, A Ciência dos Espíritos, As Origens da Cabala, Os Mistérios da Cabala, Curso de Filosofia Oculta, Fábulas e Símbolos, O Livro dos Sábios , O Grande Arcano, Os paradoxos da Sabedoria Oculta, O Livro das Lágrimas ou Cristo Consolador.
Obras que alimentaram o pensamento e o imaginário de muitos e importantes intelectuais franceses como ele; França, que na sua época era a biblioteca do mundo. Foram admiradores e seguidores de Eliphas Levy, Papus e Stanislas de Guaita, dois dos mais importantes e influentes esoteristas franceses do início do século. Também Saint-Yves de Alveydre.
Sua intenção sempre foi a investigação das possíveis conexões entre a Magia Judaica e a Magia proveniente de outras tradições, a Babilonica, a Egípcia, a rosacruciana. Foi amigo e colaborador de Bulwer Litton, autor de "Zanoni". Embora estivesse envolvido com magia e hermetismo, não tinha ambições pessoais, mas sim culturais. Era um homem tocado verdadeiramente pela sensibilidade religiosa mas, embora formado em ambiente ortodoxo católico, o paganismo estava nele de modo intenso, e as tradições do druidas, as invocações medievais e em latim, a espada cerimonial (que depois seria herança material de Papus) eram artefatos que o acompanhavam. Estudar Cabala, conhecida como Magia Judaica, era inevitável. E ele o fez. Talvez mais do que Pico della Mirandola tenha entendido a ligação entre esoterismo, ocultismo e misticismo. É dele a vinculação entre as letras hebraicas e letras hebraicas, consideradas símbolos poderosos de Magia. Como filólogo, viu relações entre a tradição dos 22 Arcanos Maiores(exatamente como são 22 as letras hebraicas) e Menores (que são 10 com quatro naipes, da mesma forma que são 10 sephirot e quatro os mundos ao longo da Árvore da Vida), descrevendo esta relação pela primeira vez em Dogma e Ritual da Alta Magia.
E foi a partir disso que estabeleceu-se que tal relação era real e sólida, quando na verdade é produto de suas elaborações pessoais e inspiração solitária. Ele era o mestre, ele era a Luz Maior do movimento, ele era o iniciador. Pelo menos, era tanto um Ocultista quanto um Místico. E pode-se dizer que, embora gentio e não judeu, conseguiu recuperar o caráter de busca do divino e desta intimidade mágica entre o ocultista judeu e Deus, agora em uma versão não judaica.
Justiça seja feita, nem todos os seguidores da segunda cabala foram ortodoxos e leais a visão de Pico della Mirandola. Raimund Andrea, praticante de Cabala Cristã, era rosacruz e um dos autores do Fama Fraternitatis. Era também membro do movimento protestante e profundamente religioso. É claro que esta formação temente a Deus e austera deve ter tido alguma influência sobre seus estudos de Cabala, e deve, da mesma maneira ter sido um critério a mais na absorção deste conhecimento. Antes dos movimentos existem os homens que deles participam.
E se nem todos os judeus Cabalistas pensavam da mesma forma, e mesmo dentro da comunidade judaica os Cabalistas eram e são considerados seres diferenciados espiritualmente, da mesma forma entre estudiosos de cabala cristã encontraremos homens justos e serenos, que antes de Eliphas Levy, buscaram a experiência Mística e divina no Ocultismo e no Esoterismo.
A terceira Cabala não vai falar de Tzin Tzum ou de Tikun Olam, conceitos caros aos Cabalistas Lurianos, mas vai falar da força das letras hebraicas e das sephirot, os 32 caminhos que já tinham sido descritos no início do Sepher Yetzirah, pouco depois do século II da era cristã. Nesse sentido, guardadas as devidas proporções, as Cabalas não judaicas, tanto a segunda como a terceira, devem ser encaradas também como formas de popularizar mundialmente este conhecimento maravilhoso, tal qual o Yoga Indiano que hoje é parte do cotidiano de muitos ocidentais não hinduístas, ou mesmo as práticas mântricas tibetanas.
São conhecimentos que somam e enriquecem os seres com alternativas e estilos diferentes de busca do divino, abrindo portas e alargando os horizontes espirituais não só de judeus, mas de toda a humanidade.


[1] Rabino Yitzhak Saggi Nehor רַבִּי יִצְחַק סַגִּי נְהוֹר, também conhecido como Isaac o Cego (c. 1160 - 1235, Posquére, França) era um famoso autor sobre Cabala (misticismo judaico). Historiadores suspeitam que Isaac o Cego seja o autor do livro Bahir, um texto antigo de cabala.
[2] Henrique Conelio Agrippa, "Três Livros de Filosofia Oculta", pág. 80, ed Madras.