Hoje, excepcionalmente, trago a atenção dos leitores um artigo que me chegou às mãos por intermédio do Frater José Marcelo Sobral, de Pernambuco, um novo velho amigo, no momento responsável pela classe de Artesãos. O ensaio chama-se "O Corpo Glorioso", e pelo caráter instigante das reflexões senti vontade de dividi-lo com meus frateres da Rosacruz e irmãos de Martinismo e Maçonaria. Com expressa autorização do autor, que me chegou agora a pouco por email, pelo que agradeço, republico este texto que trata de um trecho interessantíssimo da missão do Cristo na Terra e sobre a qual encontramos poucas reflexões com este grau de sensibilidade. O frater chama-se Marco Antonio Coutinho e é morador da minha cidade, Rio de Janeiro, aonde é sócio da Editora Gnosis (www.gnosis-ed.com.br) e tem um blog http://eporfalarnisto.blogspot.com. Abaixo segue o artigo e deixo que voces avaliem o significado mistico do mesmo.
A imortalidade da alma é uma das questões fundamentais da família humana, em suas reflexões sobre a vida e a morte. Mas a simples idéia da síntese imortal entre o espírito e a matéria pode lançar uma luz perturbadora sobre esta busca essencial, e levar-nos a descobertas surpreendentes em nossas relações com o Divino. Quando Jesus foi visto pela primeira vez por um discípulo, após os episódios da crucificação e da ressurreição, apareceu a uma mulher. Pelo menos isto é o que nos narra o Evangelho de João (20:11). Essa mulher era ninguém menos que Maria Madalena, e o diálogo que foi travado entre os dois é um dos mais intrigantes do Novo Testamento. Segundo João, Madalena procurava o corpo de Jesus, que havia desaparecido de seu túmulo. Encontrou-se pouco depois com o Nazareno, mas não o reconheceu, e chegou a conversar com ele, supondo falar com o jardineiro. Em certo momento, porém, Jesus chamou-a pelo primeiro nome, e Madalena, reconhecendo-o, exclamou: -Mestre! Percebendo, no entanto, que a discípula tentava abraçá-lo, ele disse, enigmático: -Não me toques, porque ainda não subí ao Pai...
Pouco tempo depois, o Mestre surpreendeu novamente os seus discípulos. Eles estavam reunidos secretamente, numa casa de portas e janelas trancadas, para enganar a repressão. Apesar de toda essa segurança, Jesus surgiu no meio deles, para dar continuidade a seu trabalho. A única explicação concebida pelos próprios discípulos, era a de que o Mestre estaria alí presente “em espírito”. Entretanto, o Nazareno demonstrou rapidamente que eles estavam enganados. Mostrou-lhes as marcas de seu suplício, argumentou que espíritos não eram feitos de carne e osso como ele, e ainda comeu peixe assado à vista de todos.
Considerados milagres, e debitados à condição de Filho de Deus pelos cristãos de todas as tendências, esses episódios foram sempre aceitos sem discussão. No entanto, tudo isso pode levantar questões muito importantes, que merecem ser examinadas com cuidado. Por exemplo: por que Jesus, normalmente tão terno e amoroso, não deixou que Madalena o tocasse? O que seria subir ao Pai? E, finalmente, o que aconteceria com Madalena (ou com o próprio Jesus) se ela, apesar de tudo, insistisse e abraçasse o Mestre? Além disso, como teria Jesus entrado na reunião clandestina de seus apóstolos, se tudo estava hermeticamente fechado e bem trancado?
Um corpo físico, como o conhecemos, não pode atravessar paredes. E, por outro lado, nunca se ouviu falar de um espírito que pudesse literalmente comer um bom naco de peixe, ou de qualquer outro alimento.
Algumas correntes tradicionais e esotéricas, no entanto, não deixariam sem respostas todas essas perguntas. Segundo elas, Jesus estaria manifestando aquilo que ficou tradicionalmente conhecido como o corpo glorioso ou corpo de ressurreição: uma demonstração da unidade de todas as coisas, a superação da dicotomia espírito-matéria e a coroação final da imortalidade.
Embora um grande número de pessoas e filosofias esteja sempre pronto a defender a imortalidade da alma, a diferença de opiniões a respeito dessa imortalidade em si mesma é imensa. Entre as principais versões, algumas correntes sustentam que a imortalidade resume-se a uma absorção da consciência individual na consciência de Deus e, conseqüentemente, na perda da individualidade. Outras, argumentam que a personalidade não é jamais aniquilada, e que cada um de nós viveria para sempre, reencarnando-se sucessivamente, ou vivendo numa espécie de céu ou paraíso, em perpétua bem-aventurança.
As Bodas Alquímicas
A hipótese do corpo glorioso é revolucionária este respeito. Segundo ela, esse fenômeno seria uma síntese dialética entre o todo e o individual, na qual o Adepto é a própria Divindade manifestando-se como indivíduo, e um homem que se torna um deus. De acordo com os alquimistas, a aquisição do corpo glorioso — ou, poderíamos dizer, a sua manifestação — seria a consecução das “bodas alquímicas”, o sagrado matrimônio entre o espírito e a matéria, como testemunho da unidade. E, assim sendo, o Adepto tanto poderia viver as delícias do céu, como agir concretamente na terra dos homens.
Esse fenômeno não se restringe a Jesus, e existem muitas referências a fatos semelhantes ao longo da História. O desaparecimento do lendário, porém histórico, Apolônio de Tiana, diante do imperador romano e do povo, num tribunal, é um dos mais significativos. Mas existem outros mais recentes. Um deles diz respeito à misteriosa figura do Mestre K., tão caro aos budistas, teosofistas e rosacrucianos. Segundo a tradição oral, ele teria se apresentado a povos diversos, ao longo das eras, sob diferentes nomes. Em séculos mais recentes, teria exercido grande influência sobre certos ramos do budismo, e Andrew Tomas diz-nos que, até relativamente pouco tempo, havia no Tibete e no Sikkim uma seita budista cujo nome derivava do nomen do Mestre. Isto, porém, não significa que o Mestre K. só tenha se manifestado em pontos inacessíveis do Extremo Oriente. Por volta dos anos 30, o Dr. H. Spencer Lewis - Imperator de um dos mais importantes ramos da tradição rosacruciana - teria tido um encontro com o Mestre. Lewis havia voltado à França, depois de um extenuante trabalho para reavivar e desenvolver uma seção da fraternidade nas Américas. Ele havia recebido esta missão dos Veneráveis Mestres R+C da França, e retornara àquele país, para participar de um conclave secreto e prestar contas a seus superiores. A certa altura, contudo, um fato insólito aconteceu.
Durante a preleção de um dos delegados presentes, uma estranha névoa começou a se formar, como se surgisse do nada. Embora estivesse de costas para o fenômeno, o conferencista sentiu que algo estava acontecendo atrás de si. Virou-se para a névoa, agora mais densa, inclinou-se em sinal de respeito, e sentou-se junto aos outros. A nuvem já começava a tomar uma forma vagamente humana, até que foi se concentrando e se definindo mais. Logo, não havia mais qualquer sinal de névoa, mas a presença concreta de um homem, que a assembléia reconheceu como sendo o Mestre K. Ele mirou demoradamente a todos e começou a transmitir as suas próprias instruções aos membros do conclave.
Os segredos do corpo astral
Como os apóstolos de Jesus, poderíamos argumentar que o fenômeno presenciado por Spencer Lewis e seus colegas não foi mais do que aquilo que conhecemos modernamente como experiência fora do corpo, ou “projeção astral”, realizada de maneira estranhamente nítida. A história registra casos bastante incomuns de projeção, mas sempre com uma distinção muito clara entre o que seria o “corpo astral”, manifesto num determinado local, e o corpo físico, repousando num ponto distante, adormecido ou em êxtase. Nenhum desses relatos, diz nada a respeito da transformação de um corpo sutil num corpo físico - ou vice-versa - que é o que parece acontecer nos episódios ligados à manifestação do corpo glorioso.
Entretanto, os indícios apontam para algo realmente muito aparentado com os elementos da projeção da consciência, ou “astral”. Segundo as tradições mais antigas, tanto do oriente como do ocidente, aquilo que chamamos de corpo astral seria uma espécie de corpo intermediário entre as dimensões física e espiritual do ser. Inclusive, discute-se muito a respeito da imortalidade ou mortalidade do chamado corpo astral.
Há correntes de pensamento que postulam pela mortalidade desse corpo. Após a morte do corpo físico, o ser vagaria durante alguns dias terrestres, ainda revestido por seu invólucro astral. Durante esse tempo, ele poderia visitar os entes queridos ainda vivos, acompanhar o enterro de seu próprio corpo físico e presenciar certas cerimônias em sua homenagem ou em sua intenção, como a missa de sétimo dia, por exemplo. Seria nesse estado que alguns recém-falecidos transmitiriam mensagens de urgência aos vivos, ou mesmo, em alguns casos, viveriam uma espécie de “vida ilusória”, na qual ainda se acreditam encarnados. Depois de um certo tempo, então, haveria uma “segunda morte”, e o falecido se livraria de seu corpo astral, ascendendo aos níveis superiores, onde seria absorvido pela Mente Divina. A partir daí, o cadáver astral dissolver-se-ia aos poucos no “éter”, caso contrário, permaneceria vagando por mais algum tempo, já aí sem qualquer vida ou consciência, assombrando cemitérios e catedrais sombrias.
Outra hipótese parte do princípio de que não existiria um corpo astral propriamente dito. O que nós interpretamos como tal, seria apenas uma manifestação específica da consciência encarnada, uma espécie de ressonância entre a “alma” e o corpo físico. Assim, com a morte do veículo material, esse segundo corpo não deixaria propriamente de existir, mas sim de manifestar-se daquela forma definida. Após o falecimento, portanto, o corpo astral assumiria vibrações cada vez mais altas, até não ser mais “percebido”, e passar às esferas superiores do espírito. De certa forma, portanto, ele seria eterno e imortal, porque permaneceria em potencial na memória da alma, manifestando-se novamente a cada encarnação.
A imortalidade conquistada
Essas duas hipóteses têm causado muita discussão e polêmica, mas não são necessariamente antogônicas entre si. Existe inclusive uma terceira hipótese que parece sintetizá-las. Um dos expoentes mais prestigiados desta hipótese foi o enigmático místico Gurdjieff. Segundo ele nós dá a entender, a consciência poderia ou não sobrevir à morte. Para Gurdjieff, a imortalidade da alma é realmente possível, mas não é um direito do homem, e deve ser conquistada por ele. Os exercícios propostos a seus discípulos enfatizavam sempre a atenção constante, a vivência contínua e ininterrupta de cada momento e de cada nuance ou detalhe desses momentos. Aparentemente, o mestre russo buscava favorecer a criação de uma entidade efetiva no interior de cada discípulo.
Outro defensor da imortalidade conquistada era o próprio H. Spencer Lewis. Em seu clássico As Doutrinas Secretas de Jesus, Lewis aceita a idéia cristã de um Jesus salvador da humanidade. Mas levanta uma questão inquietante: “o que Jesus veio salvar?” A seguir, ele procura demonstrar que Jesus não veio salvar o homem físico, pelo fato de o corpo material não ter nenhuma responsabilidade por seus atos e, portanto, não precisar de salvação. Ao mesmo tempo, Lewis argumenta que a alma humana é parte da Alma Universal, desde sempre pura e intocável, e que também não precisa ser salva. Como conseqüência, o escritor conclui que o objetivo de Jesus era salvar uma personalidade que a alma desenvolve através de sucessivas encarnações.
Na visão de Lewis, se, após um determinado ciclo de encarnações, essa “personalidade da alma” não tivesse alcançado um mínimo necessário de desenvolvimento e autoconsciência, seria reabsorvida pela “Alma Universal”. Segundo essa hipótese, a idéia do tão temido “fogo do inferno” e da aniquilação final dos “pecadores”, teria nascido da noção do “fogo cósmico”, o solvente universal, agente da dissolução de consciências que, por assim dizer, não deram certo. A salvação da alma prometida pelo Mestre, portanto, seria a criação de uma identidade própria, com a qual se poderia sobreviver à morte. Este seria o principal ponto da missão de Jesus, na verdade o seu maior milagre: trazer a todos — não apenas a iniciados e sacerdotes, mas a cada homem e a cada mulher — as chaves para se vencer a morte. Afinal de contas, por mais maravilhosos que fossem seus milagres mais conhecidos - curar, ressuscitar mortos, andar sobre as águas, expulsar demônios, etc - outros já os haviam realizado antes dele. Pitágoras, por exemplo, seis séculos antes, ou mesmo Apolônio de Tiana, mais ou menos no mesmo período que Cristo.
A preocupação de Jesus, no entanto, não era algo novo, mas já vinha de muito antes. Na antiga Grécia, por exemplo, havia uma grande preocupação com a imortalidade da alma. O maior castigo que um grego poderia conceber, era o de deixar de existir algum dia. Para que isso não viesse a acontecer, ele deveria ser possuidor de grandes virtudes e um eleito dos deuses. Se obtivesse sucesso, transformar-se-ia, depois da morte, num daimon, um demônio, não no sentido cristão, mas no de um ser imortal, divinizado e intermediário entre os homens e os deuses. O próprio Pitágoras era considerado um daimon encarnado. É aí que reside a originalidade do milagre de Jesus. Ele como que democratizou essa démarche, centrando-a no dia a dia dos homens, não por meio de virtudes inatingíveis, mas por meio do carisma fundamental, que é o Amor.
Isto pode conduzir-nos a algumas reflexões bastante produtivas sobre um dos fenômenos religiosos mais importantes do Ocidente: o da devoção à Virgem Maria. Embora essa tradição costume ser vista por muitos como pura e simples idolatria, não podemos deixar de lembrar a devoção marial por parte dos cavaleiros medievais, em particular os Templários, inclusive em seu círculo mais íntimo de iniciados. O próprio Grão-Mestre Jacques de Molay pediu para morrer voltado para a catedral de Notre Dame de Paris — consagrada à Virgem — pouco antes de ser imolado na fogueira da Inquisição. O simbolismo esotérico cristão — repleto de traços da antiga magia dos caldeus, persas, egípcios e gregos — vê na Virgem a substância mediadora por meio da qual Deus realiza a sua criação, em todos os domínios. Uma substância passiva, que produz pela sua fertilidade. Maria estaria presente entre o espírito e a matéria, realizando e celebrando a unidade, como o Azoth dos antigos magos. Por meio dela é que seria criado o corpo astral. E sob seu patronato aconteceria um processo de corporificação do espírito e de espiritualização da matéria, a cristificação. Neste sentido, ela seria a Mãe de Deus, como a chamam os católicos, porque dá nascimento ao Cristo, que é a realização de Deus no homem. Mas, mais do que a Mãe de Deus, ela seria a Mãe em Deus, Sua infinita misericórdia e doação, criando e mantendo vida, por meio da harmonização dos contrários. O olhar materno, incomensuravelmente tolerante, que sempre perdoa e dá uma nova oportunidade. O rosto feminino de Deus, que roga por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte.
Ao levar-nos a tais considerações, é possível que Lewis esteja nos fornecendo uma pista importante para o que seria o processo que leva à construção — ou, repetimos, à manifestação — do corpo glorioso. Segundo suas hipóteses, é exatamente no corpo astral que se desenvolve a personalidade da alma. Lewis afirma que, através de sucessivas encarnações, o corpo astral desenvolveria inclusive uma aparência cada vez mais definida.
Se raciocinarmos à luz de suas idéias, poderíamos concluir que existe algo como um “ser final” e individual, para o qual cada um de nós tenderia, através de nossas existências terrenas. Juntemos a isto a informação tradicional de que os nomes adotados pelos mestres não seriam nomes históricos, pura e simplesmente, mas nomes místicos, assumidos em virtude de um estado e de uma função adquiridos, e estamos caminhando bem. Se a arena central de todo esse despertar é exatamente o corpo astral, como quer Lewis, então a projeção da consciência estaria mais intimamente ligada à criação do corpo glorioso do que podemos imaginar.
Um exame mais atento da tradição alquímica chinesa, por exemplo, poderia lançar mais luz às nossas investigações. Como se sabe, a grande busca dos sábios taoístas é a imortalidade. Este conceito é muito mal compreendido pela maioria dos ocidentais mas, por incrível que pareça, é na própria China que a confusão é mais consistente. Mesmo em algumas áreas externas do Taoísmo, vigora a idéia de que os monges buscam a imortalidade física. Os imortais riem-se dessas crenças, e alguns deles falam na opção entre a desintegração da personalidade , algum tempo após a morte, e a criação de uma nova entidade, ou de uma entidade renovada, com a qual possam mergulhar no Grande Vazio. A criação dessa entidade é fruto de exercícios muito secretos, por meio dos quais o monge como que fica “grávido”de um espírito-criança, ou seja, de uma imortalidade potencial, que deverá ser realizada durante o seu tempo terreno de vida. Por meio de tais exercícios, os taoístas adquirem o poder de “viajar à distância”, enquanto seu corpo mortal permanece em casa. É possível que esta capacidade seja apenas uma simples conseqüência do aprendizado, dentre tantas outras. Por outro lado, não devemos descartar a possibilidade de que — mais do que pura e simples conseqüência — a habilidade de se “viajar à distância” seja, em si mesma, um exercício importante para aquilo que se poderia chamar aquisição da imortalidade.
Projeção e imortalidade
Certos praticantes veteranos da projeção já declararam que, durante suas “viagens”, perceberam os corpos astrais de algumas pessoas adormecidas. Em geral, essas pessoas não tinham consciência de seu estado fora do corpo, e seu astral apresentava-se freqüentemente num estado sonambúlico, às vezes sem forma definida. Os praticantes contumazes de projeção costumam interpretar esse estado indefinido como resultado de uma consciência atrofiada ou pouco desenvolvida.
Paralelamente, à medida que praticam mais e mais a arte de projetar-se, os experimentadores percebem que seus próprios corpos astrais tornam-se cada vez mais definidos e luminosos. Tudo se dá como se esse corpo adquirisse mais efetividade, e passasse a ser cada vez mais real. A diferença entre a consciência atrofiada e o ápice da “efetivação” do corpo astral desperto e real, tem muito a ver com a diferença entre a mortalidade e a imortalidade dos taoístas. Gurdjieff e Spencer Lewis sentir-se-iam em casa, entre os velhos monges!
De todo modo, as próprias experiências “comuns” de projeção — se é que se pode falar assim — apresentam curiosos incidentes que dão muito o que pensar. O pesquisador Robert Monroe conta, em seu famoso livro Viagens Fora do Corpo, que conseguiu provocar inequívocos efeitos físicos, enquanto projetado em seu corpo astral. Monroe “viajou”de sua residência até a casa de praia de uma amiga e, por meio de suas mãos astrais, beliscou a mulher, surpreendendo-se com o grito de dor que se seguiu ao toque. No dia seguinte, foi fisicamente até o local de trabalho da amiga, e ela lhe mostrou um hematoma à altura da cintura, exatamente onde Monroe a havia beliscado, enquanto fora do corpo. Há também casos de pessoas projetadas que derrubam pequenos objetos em casas de amigos, no intuito de confirmar os fatos posteriormente. Tudo isto leva-nos a raciocinar que existe uma tendência material no chamado corpo astral ou psíquico. Alguns teóricos chegam mesmo a sustentar que ele é um corpo mais material do que espiritual. Como já foi dito aqui, tudo indica que ele não é nem uma coisa nem outra. É preciso lembrar que, se por um lado, o
corpo astral apresenta características de materialidade, por outro, possui aspectos bastante aparentados com a espiritualidade.
Criar a própria imortalidade ?
Um outro ponto que parece apoiar as hipóteses levantadas aqui, é a capacidade inerente ao ser humano de criar outras vidas, ao menos aparentemente. A conhecida escritora e exploradora Alexandra David-Neel fala-nos de determinadas técnicas praticadas no Tibete, por meio das quais o experimentador cria figuras tridimensionais, de certo modo dotadas de vida e inteligência autônomas. A própria escritora obteve êxito nessas experiências. Ela criou a figura de um monge graduado, um alto lama, que surgia do nada, sempre que ela assim o desejasse. Ao contrário do que se possa imaginar, a Sra. David-Neel não era a única a perceber a presença do “lama”, como seria o caso de uma ilusão auto-induzida. Outras pessas também viam o tal “lama”, tão claramente, que não era incomum que ele fosse tomado por um ser humano real. Segundo David-Neel, essas figuras criadas não possuem solidez, mas podem ter substância, de modo que, se as tocarmos, produzem em nossas mãos uma leve descarga elétrica, não de todo desagradável. E em alguns casos, como no do monge por ela criado, parecem adquirir uma vontade própria e resistem à dissolução, que deve ser realizada pelo adepto, como parte do experimento. É possível que o mesmo processo criativo, usado conscientemente pelos magos e xamãs tibetanos, seja deflagrado de maneira inconsciente pela maioria das pessoas. Isto explicaria, até certo ponto, a existência das chamadas “larvas astrais” — os mâsikim da Alta Cabala — assim como dos íncubos e súcubos, tão íntimos dos adolescentes e de certos tipos de solitários. Assim sendo, resta-nos perguntar: se o homem pode criar tantas “criaturas” estranhas, querendo ou não, por que não poderia criar a si próprio, como uma entidade espiritualizada e imortal?
Juntando as carecterísticas receptivas e intermediárias do chamado corpo astral, aos poderes criativos inerentes ao próprio homem, temos um ponto importante a ser considerado. Se tomarmos a natureza divina do ser humano — que quase nenhuma escola ou religião negaria — temos um segundo ponto. Fica faltando o terceiro ponto, para se constituir a manifestação perfeita. A conclusão é rápida e uma pergunta torna-se inevitável: “o que fazer, para se realizar a obra?”
Em busca das técnicas secretas
Evidentemente, apesar de todo o propalado “abertismo” de hoje em dia, as escolas tradicionais ainda detêm muitas técnicas altamente secretas. Nesse caso, a projeção astral — atualmente bastante conhecida fora dos cenáculos tradicionais e esotéricos — poderia ser apenas uma das muitas técnicas utilizadas. Mas tudo leva a crer que não se trata tanto de o que fazer, mas também de como fazer. Afinal de contas, muitos toxicômanos e doentes mentais projetam-se com uma certa freqüência, e não são mais felizes por causa disto. É preciso não apenas usar as técnicas corretas, mas também saber como combiná-las entre si. Talvez seja necessário também conhecer e adotar uma atitude correta. Pode ser que o conjunto de práticas seja muito mais simples e direto do que se possa imaginar. Talvez o segredo seja simplesmente viver. Não nos esqueçamos das técnicas propostas por Gurdijeff a seus discípulos. Lembremo-nos também que um dos mais importantes cabalistas da renascença - o frade dominicano Giordano Bruno - aliava a alta espiritualidade a uma alegria de viver considerada profana demais para a época.
Não importa. Independentemente da técnica utilizada, a hipótese do corpo glorioso continua a fascinar gerações de buscadores. É possível que muitos duvidem de sua real possibilidade. Mas o fato é que a simples idéia da síntese imortal entre espírito e corpo pode ser um sinal. Pode ser a descoberta de um Deus disposto a partilhar com seus filhos o seu próprio poder e glória. Talvez por seu amor e infinita bondade. Ou talvez por aquilo que sugeriu um mestre sufi do passado, quando disse: eu preciso de Deus, mas Deus também precisa de mim.
A N E X O
Um dos mais consistentes mitos de nosso tempo é talvez a sombria mas fascinante figura do Conde Drácula. Francis Ford Coppola retratou-o num filme primoroso, magnificamente produzido, e bastante fiel ao romance Dracula, de Bram Stoker.
Mais do que um livro de terror e uma obra-prima da literatura gótica, o romance de Stoker é uma potente abordagem de traços fundamentais ao inconsciente coletivo da humanidade. Sexualidade, amor, abnegação e heroísmo são alguns dos pontos mais visíveis nesse trabalho. Mas o conjunto destes e outros tópicos aponta para o grande sonho que assombra a humanidade desde a noite dos tempos: a imortalidade. Drácula é um imortal, um homem de poder que superou a contradição entre a matéria e o espírito, entre a vida e a morte. Mas com um pequeno detalhe: ele é a própria antítese da luz, uma espécie de imortal taoísta às avessas.
É importante lembrar que o romance de Bram Stoker é uma obra de ficção, tirada da imaginação do autor. Mas foi inspirada num personagem da vida real, o príncipe Vlad Dracul. Vlad foi um herói nacional da Romênia, um unificador de seu país, que combateu valentemente os invasores muçulmanos turcos. Dracul (“Dragão”) não era exatamente um nome, mas um título de família. O príncipe vinha de uma linhagem de cavaleiros, e todo membro de uma ordem de cavalaria sempre foi — como é ainda hoje — chamado de “dragão”. Além disso, ele era membro de uma ordem que, ela própria, tinha o nome de Ordem do Dragão, e se assemelhava às ordens cavaleirescas da Europa Ocidental e do Oriente Médio. No entanto, apesar de sua estatura de herói nacional e de cavaleiro cristão, Drácula foi um homem extremamente cruel em sua vida pessoal.
Ao criar o personagem para o seu romance, Bram Stoker colheu muito do imaginário popular da Europa Central, repleto de vampiros, nosferatus e bruxos. Assim, embora ficcional, o livro traz muito da mais autêntica tradição, deformada pelo medo e filtrada pela criatividade popular.
Não é de surpreender, portanto, que o personagem Drácula traga em si muito da figura do iniciado, inclusive a noção do corpo glorioso. É claro que o termo “glorioso” não tem nada a ver com o perfil sombrio e mórbido do conde. Poderíamos então dizer que o que ele conquistou foi — na falta de melhor nome — o corpo vergonhoso: um ápice baseado não na purificação luminosa da consciência, mas na prática consciente e irrestrita do mal. Como no caso dos adeptos do corpo glorioso, Drácula tanto é material , como imaterial. No romance, quando ele vem de navio até Londres, por exemplo, é visto durante a viagem por um marujo, que tenta esfaqueá-lo. A faca, porém, golpeia o nada, como se Drácula estivesse presente no tombadilho apenas em sua forma astral. Ao mesmo tempo, ele se manifesta fisicamente, com uma força muscular brutal o suficiente para amedrontar qualquer homem, a ponto de ninguém ousar enfrentá-lo num combate com as mãos limpas. Ainda assim, durante suas lutas físicas, ele pode transformar-se em névoa, ou esgueirar-se por uma simples fresta de porta e desaparecer completamente, da mesma forma que os mestres, segundo se conta, entram e saem fisicamente de ambientes totalmente fechados.
O Drácula histórico não era apenas um homem cruel. Segundo se conta, era um praticante dedicado da alquimia e de outras artes mágicas. O personagem inspirado nele, entretanto, era um indivíduo triste e solitário, apesar de toda a sua ferocidade. E, no íntimo do seu ser, aspirava à libertação de sua própria alma. Simbolicamente, ele significa o protótipo do fracasso iniciático, que se esconde por detrás das ilusões de sucesso que o mundo puramente psíquico costuma engendrar. Como a própria figura do diabo — que embora conheça alguns truques ótimos, será sempre o macaco de Deus — Drácula representa a contra-iniciação. E nos lembra que qualquer “magia” é perfeitamente dispensável, tola e mesmo perigosa, se não for humilde o suficiente para ser uma simples ferramenta a serviço da verdadeira espiritualidade.
Copyright 1993 – Marco Antonio Coutinho
Reproduzido com autorização expressa do autor
Marco Antonio Coutinho
CORPO GLORIOSO
Em busca da imortalidade
Frater Marco Antonio Coutinho
A todos os que questionam...
Somos deuses, e nos esquecemos disto.
(Blavatsky)
A imortalidade da alma é uma das questões fundamentais da família humana, em suas reflexões sobre a vida e a morte. Mas a simples idéia da síntese imortal entre o espírito e a matéria pode lançar uma luz perturbadora sobre esta busca essencial, e levar-nos a descobertas surpreendentes em nossas relações com o Divino. Quando Jesus foi visto pela primeira vez por um discípulo, após os episódios da crucificação e da ressurreição, apareceu a uma mulher. Pelo menos isto é o que nos narra o Evangelho de João (20:11). Essa mulher era ninguém menos que Maria Madalena, e o diálogo que foi travado entre os dois é um dos mais intrigantes do Novo Testamento. Segundo João, Madalena procurava o corpo de Jesus, que havia desaparecido de seu túmulo. Encontrou-se pouco depois com o Nazareno, mas não o reconheceu, e chegou a conversar com ele, supondo falar com o jardineiro. Em certo momento, porém, Jesus chamou-a pelo primeiro nome, e Madalena, reconhecendo-o, exclamou: -Mestre! Percebendo, no entanto, que a discípula tentava abraçá-lo, ele disse, enigmático: -Não me toques, porque ainda não subí ao Pai...
Pouco tempo depois, o Mestre surpreendeu novamente os seus discípulos. Eles estavam reunidos secretamente, numa casa de portas e janelas trancadas, para enganar a repressão. Apesar de toda essa segurança, Jesus surgiu no meio deles, para dar continuidade a seu trabalho. A única explicação concebida pelos próprios discípulos, era a de que o Mestre estaria alí presente “em espírito”. Entretanto, o Nazareno demonstrou rapidamente que eles estavam enganados. Mostrou-lhes as marcas de seu suplício, argumentou que espíritos não eram feitos de carne e osso como ele, e ainda comeu peixe assado à vista de todos.
Considerados milagres, e debitados à condição de Filho de Deus pelos cristãos de todas as tendências, esses episódios foram sempre aceitos sem discussão. No entanto, tudo isso pode levantar questões muito importantes, que merecem ser examinadas com cuidado. Por exemplo: por que Jesus, normalmente tão terno e amoroso, não deixou que Madalena o tocasse? O que seria subir ao Pai? E, finalmente, o que aconteceria com Madalena (ou com o próprio Jesus) se ela, apesar de tudo, insistisse e abraçasse o Mestre? Além disso, como teria Jesus entrado na reunião clandestina de seus apóstolos, se tudo estava hermeticamente fechado e bem trancado?
Um corpo físico, como o conhecemos, não pode atravessar paredes. E, por outro lado, nunca se ouviu falar de um espírito que pudesse literalmente comer um bom naco de peixe, ou de qualquer outro alimento.
Algumas correntes tradicionais e esotéricas, no entanto, não deixariam sem respostas todas essas perguntas. Segundo elas, Jesus estaria manifestando aquilo que ficou tradicionalmente conhecido como o corpo glorioso ou corpo de ressurreição: uma demonstração da unidade de todas as coisas, a superação da dicotomia espírito-matéria e a coroação final da imortalidade.
Embora um grande número de pessoas e filosofias esteja sempre pronto a defender a imortalidade da alma, a diferença de opiniões a respeito dessa imortalidade em si mesma é imensa. Entre as principais versões, algumas correntes sustentam que a imortalidade resume-se a uma absorção da consciência individual na consciência de Deus e, conseqüentemente, na perda da individualidade. Outras, argumentam que a personalidade não é jamais aniquilada, e que cada um de nós viveria para sempre, reencarnando-se sucessivamente, ou vivendo numa espécie de céu ou paraíso, em perpétua bem-aventurança.
As Bodas Alquímicas
A hipótese do corpo glorioso é revolucionária este respeito. Segundo ela, esse fenômeno seria uma síntese dialética entre o todo e o individual, na qual o Adepto é a própria Divindade manifestando-se como indivíduo, e um homem que se torna um deus. De acordo com os alquimistas, a aquisição do corpo glorioso — ou, poderíamos dizer, a sua manifestação — seria a consecução das “bodas alquímicas”, o sagrado matrimônio entre o espírito e a matéria, como testemunho da unidade. E, assim sendo, o Adepto tanto poderia viver as delícias do céu, como agir concretamente na terra dos homens.
Esse fenômeno não se restringe a Jesus, e existem muitas referências a fatos semelhantes ao longo da História. O desaparecimento do lendário, porém histórico, Apolônio de Tiana, diante do imperador romano e do povo, num tribunal, é um dos mais significativos. Mas existem outros mais recentes. Um deles diz respeito à misteriosa figura do Mestre K., tão caro aos budistas, teosofistas e rosacrucianos. Segundo a tradição oral, ele teria se apresentado a povos diversos, ao longo das eras, sob diferentes nomes. Em séculos mais recentes, teria exercido grande influência sobre certos ramos do budismo, e Andrew Tomas diz-nos que, até relativamente pouco tempo, havia no Tibete e no Sikkim uma seita budista cujo nome derivava do nomen do Mestre. Isto, porém, não significa que o Mestre K. só tenha se manifestado em pontos inacessíveis do Extremo Oriente. Por volta dos anos 30, o Dr. H. Spencer Lewis - Imperator de um dos mais importantes ramos da tradição rosacruciana - teria tido um encontro com o Mestre. Lewis havia voltado à França, depois de um extenuante trabalho para reavivar e desenvolver uma seção da fraternidade nas Américas. Ele havia recebido esta missão dos Veneráveis Mestres R+C da França, e retornara àquele país, para participar de um conclave secreto e prestar contas a seus superiores. A certa altura, contudo, um fato insólito aconteceu.
Durante a preleção de um dos delegados presentes, uma estranha névoa começou a se formar, como se surgisse do nada. Embora estivesse de costas para o fenômeno, o conferencista sentiu que algo estava acontecendo atrás de si. Virou-se para a névoa, agora mais densa, inclinou-se em sinal de respeito, e sentou-se junto aos outros. A nuvem já começava a tomar uma forma vagamente humana, até que foi se concentrando e se definindo mais. Logo, não havia mais qualquer sinal de névoa, mas a presença concreta de um homem, que a assembléia reconheceu como sendo o Mestre K. Ele mirou demoradamente a todos e começou a transmitir as suas próprias instruções aos membros do conclave.
Os segredos do corpo astral
Como os apóstolos de Jesus, poderíamos argumentar que o fenômeno presenciado por Spencer Lewis e seus colegas não foi mais do que aquilo que conhecemos modernamente como experiência fora do corpo, ou “projeção astral”, realizada de maneira estranhamente nítida. A história registra casos bastante incomuns de projeção, mas sempre com uma distinção muito clara entre o que seria o “corpo astral”, manifesto num determinado local, e o corpo físico, repousando num ponto distante, adormecido ou em êxtase. Nenhum desses relatos, diz nada a respeito da transformação de um corpo sutil num corpo físico - ou vice-versa - que é o que parece acontecer nos episódios ligados à manifestação do corpo glorioso.
Entretanto, os indícios apontam para algo realmente muito aparentado com os elementos da projeção da consciência, ou “astral”. Segundo as tradições mais antigas, tanto do oriente como do ocidente, aquilo que chamamos de corpo astral seria uma espécie de corpo intermediário entre as dimensões física e espiritual do ser. Inclusive, discute-se muito a respeito da imortalidade ou mortalidade do chamado corpo astral.
Há correntes de pensamento que postulam pela mortalidade desse corpo. Após a morte do corpo físico, o ser vagaria durante alguns dias terrestres, ainda revestido por seu invólucro astral. Durante esse tempo, ele poderia visitar os entes queridos ainda vivos, acompanhar o enterro de seu próprio corpo físico e presenciar certas cerimônias em sua homenagem ou em sua intenção, como a missa de sétimo dia, por exemplo. Seria nesse estado que alguns recém-falecidos transmitiriam mensagens de urgência aos vivos, ou mesmo, em alguns casos, viveriam uma espécie de “vida ilusória”, na qual ainda se acreditam encarnados. Depois de um certo tempo, então, haveria uma “segunda morte”, e o falecido se livraria de seu corpo astral, ascendendo aos níveis superiores, onde seria absorvido pela Mente Divina. A partir daí, o cadáver astral dissolver-se-ia aos poucos no “éter”, caso contrário, permaneceria vagando por mais algum tempo, já aí sem qualquer vida ou consciência, assombrando cemitérios e catedrais sombrias.
Outra hipótese parte do princípio de que não existiria um corpo astral propriamente dito. O que nós interpretamos como tal, seria apenas uma manifestação específica da consciência encarnada, uma espécie de ressonância entre a “alma” e o corpo físico. Assim, com a morte do veículo material, esse segundo corpo não deixaria propriamente de existir, mas sim de manifestar-se daquela forma definida. Após o falecimento, portanto, o corpo astral assumiria vibrações cada vez mais altas, até não ser mais “percebido”, e passar às esferas superiores do espírito. De certa forma, portanto, ele seria eterno e imortal, porque permaneceria em potencial na memória da alma, manifestando-se novamente a cada encarnação.
A imortalidade conquistada
Essas duas hipóteses têm causado muita discussão e polêmica, mas não são necessariamente antogônicas entre si. Existe inclusive uma terceira hipótese que parece sintetizá-las. Um dos expoentes mais prestigiados desta hipótese foi o enigmático místico Gurdjieff. Segundo ele nós dá a entender, a consciência poderia ou não sobrevir à morte. Para Gurdjieff, a imortalidade da alma é realmente possível, mas não é um direito do homem, e deve ser conquistada por ele. Os exercícios propostos a seus discípulos enfatizavam sempre a atenção constante, a vivência contínua e ininterrupta de cada momento e de cada nuance ou detalhe desses momentos. Aparentemente, o mestre russo buscava favorecer a criação de uma entidade efetiva no interior de cada discípulo.
Outro defensor da imortalidade conquistada era o próprio H. Spencer Lewis. Em seu clássico As Doutrinas Secretas de Jesus, Lewis aceita a idéia cristã de um Jesus salvador da humanidade. Mas levanta uma questão inquietante: “o que Jesus veio salvar?” A seguir, ele procura demonstrar que Jesus não veio salvar o homem físico, pelo fato de o corpo material não ter nenhuma responsabilidade por seus atos e, portanto, não precisar de salvação. Ao mesmo tempo, Lewis argumenta que a alma humana é parte da Alma Universal, desde sempre pura e intocável, e que também não precisa ser salva. Como conseqüência, o escritor conclui que o objetivo de Jesus era salvar uma personalidade que a alma desenvolve através de sucessivas encarnações.
Na visão de Lewis, se, após um determinado ciclo de encarnações, essa “personalidade da alma” não tivesse alcançado um mínimo necessário de desenvolvimento e autoconsciência, seria reabsorvida pela “Alma Universal”. Segundo essa hipótese, a idéia do tão temido “fogo do inferno” e da aniquilação final dos “pecadores”, teria nascido da noção do “fogo cósmico”, o solvente universal, agente da dissolução de consciências que, por assim dizer, não deram certo. A salvação da alma prometida pelo Mestre, portanto, seria a criação de uma identidade própria, com a qual se poderia sobreviver à morte. Este seria o principal ponto da missão de Jesus, na verdade o seu maior milagre: trazer a todos — não apenas a iniciados e sacerdotes, mas a cada homem e a cada mulher — as chaves para se vencer a morte. Afinal de contas, por mais maravilhosos que fossem seus milagres mais conhecidos - curar, ressuscitar mortos, andar sobre as águas, expulsar demônios, etc - outros já os haviam realizado antes dele. Pitágoras, por exemplo, seis séculos antes, ou mesmo Apolônio de Tiana, mais ou menos no mesmo período que Cristo.
A preocupação de Jesus, no entanto, não era algo novo, mas já vinha de muito antes. Na antiga Grécia, por exemplo, havia uma grande preocupação com a imortalidade da alma. O maior castigo que um grego poderia conceber, era o de deixar de existir algum dia. Para que isso não viesse a acontecer, ele deveria ser possuidor de grandes virtudes e um eleito dos deuses. Se obtivesse sucesso, transformar-se-ia, depois da morte, num daimon, um demônio, não no sentido cristão, mas no de um ser imortal, divinizado e intermediário entre os homens e os deuses. O próprio Pitágoras era considerado um daimon encarnado. É aí que reside a originalidade do milagre de Jesus. Ele como que democratizou essa démarche, centrando-a no dia a dia dos homens, não por meio de virtudes inatingíveis, mas por meio do carisma fundamental, que é o Amor.
Isto pode conduzir-nos a algumas reflexões bastante produtivas sobre um dos fenômenos religiosos mais importantes do Ocidente: o da devoção à Virgem Maria. Embora essa tradição costume ser vista por muitos como pura e simples idolatria, não podemos deixar de lembrar a devoção marial por parte dos cavaleiros medievais, em particular os Templários, inclusive em seu círculo mais íntimo de iniciados. O próprio Grão-Mestre Jacques de Molay pediu para morrer voltado para a catedral de Notre Dame de Paris — consagrada à Virgem — pouco antes de ser imolado na fogueira da Inquisição. O simbolismo esotérico cristão — repleto de traços da antiga magia dos caldeus, persas, egípcios e gregos — vê na Virgem a substância mediadora por meio da qual Deus realiza a sua criação, em todos os domínios. Uma substância passiva, que produz pela sua fertilidade. Maria estaria presente entre o espírito e a matéria, realizando e celebrando a unidade, como o Azoth dos antigos magos. Por meio dela é que seria criado o corpo astral. E sob seu patronato aconteceria um processo de corporificação do espírito e de espiritualização da matéria, a cristificação. Neste sentido, ela seria a Mãe de Deus, como a chamam os católicos, porque dá nascimento ao Cristo, que é a realização de Deus no homem. Mas, mais do que a Mãe de Deus, ela seria a Mãe em Deus, Sua infinita misericórdia e doação, criando e mantendo vida, por meio da harmonização dos contrários. O olhar materno, incomensuravelmente tolerante, que sempre perdoa e dá uma nova oportunidade. O rosto feminino de Deus, que roga por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte.
Ao levar-nos a tais considerações, é possível que Lewis esteja nos fornecendo uma pista importante para o que seria o processo que leva à construção — ou, repetimos, à manifestação — do corpo glorioso. Segundo suas hipóteses, é exatamente no corpo astral que se desenvolve a personalidade da alma. Lewis afirma que, através de sucessivas encarnações, o corpo astral desenvolveria inclusive uma aparência cada vez mais definida.
Se raciocinarmos à luz de suas idéias, poderíamos concluir que existe algo como um “ser final” e individual, para o qual cada um de nós tenderia, através de nossas existências terrenas. Juntemos a isto a informação tradicional de que os nomes adotados pelos mestres não seriam nomes históricos, pura e simplesmente, mas nomes místicos, assumidos em virtude de um estado e de uma função adquiridos, e estamos caminhando bem. Se a arena central de todo esse despertar é exatamente o corpo astral, como quer Lewis, então a projeção da consciência estaria mais intimamente ligada à criação do corpo glorioso do que podemos imaginar.
Um exame mais atento da tradição alquímica chinesa, por exemplo, poderia lançar mais luz às nossas investigações. Como se sabe, a grande busca dos sábios taoístas é a imortalidade. Este conceito é muito mal compreendido pela maioria dos ocidentais mas, por incrível que pareça, é na própria China que a confusão é mais consistente. Mesmo em algumas áreas externas do Taoísmo, vigora a idéia de que os monges buscam a imortalidade física. Os imortais riem-se dessas crenças, e alguns deles falam na opção entre a desintegração da personalidade , algum tempo após a morte, e a criação de uma nova entidade, ou de uma entidade renovada, com a qual possam mergulhar no Grande Vazio. A criação dessa entidade é fruto de exercícios muito secretos, por meio dos quais o monge como que fica “grávido”de um espírito-criança, ou seja, de uma imortalidade potencial, que deverá ser realizada durante o seu tempo terreno de vida. Por meio de tais exercícios, os taoístas adquirem o poder de “viajar à distância”, enquanto seu corpo mortal permanece em casa. É possível que esta capacidade seja apenas uma simples conseqüência do aprendizado, dentre tantas outras. Por outro lado, não devemos descartar a possibilidade de que — mais do que pura e simples conseqüência — a habilidade de se “viajar à distância” seja, em si mesma, um exercício importante para aquilo que se poderia chamar aquisição da imortalidade.
Projeção e imortalidade
Certos praticantes veteranos da projeção já declararam que, durante suas “viagens”, perceberam os corpos astrais de algumas pessoas adormecidas. Em geral, essas pessoas não tinham consciência de seu estado fora do corpo, e seu astral apresentava-se freqüentemente num estado sonambúlico, às vezes sem forma definida. Os praticantes contumazes de projeção costumam interpretar esse estado indefinido como resultado de uma consciência atrofiada ou pouco desenvolvida.
Paralelamente, à medida que praticam mais e mais a arte de projetar-se, os experimentadores percebem que seus próprios corpos astrais tornam-se cada vez mais definidos e luminosos. Tudo se dá como se esse corpo adquirisse mais efetividade, e passasse a ser cada vez mais real. A diferença entre a consciência atrofiada e o ápice da “efetivação” do corpo astral desperto e real, tem muito a ver com a diferença entre a mortalidade e a imortalidade dos taoístas. Gurdjieff e Spencer Lewis sentir-se-iam em casa, entre os velhos monges!
De todo modo, as próprias experiências “comuns” de projeção — se é que se pode falar assim — apresentam curiosos incidentes que dão muito o que pensar. O pesquisador Robert Monroe conta, em seu famoso livro Viagens Fora do Corpo, que conseguiu provocar inequívocos efeitos físicos, enquanto projetado em seu corpo astral. Monroe “viajou”de sua residência até a casa de praia de uma amiga e, por meio de suas mãos astrais, beliscou a mulher, surpreendendo-se com o grito de dor que se seguiu ao toque. No dia seguinte, foi fisicamente até o local de trabalho da amiga, e ela lhe mostrou um hematoma à altura da cintura, exatamente onde Monroe a havia beliscado, enquanto fora do corpo. Há também casos de pessoas projetadas que derrubam pequenos objetos em casas de amigos, no intuito de confirmar os fatos posteriormente. Tudo isto leva-nos a raciocinar que existe uma tendência material no chamado corpo astral ou psíquico. Alguns teóricos chegam mesmo a sustentar que ele é um corpo mais material do que espiritual. Como já foi dito aqui, tudo indica que ele não é nem uma coisa nem outra. É preciso lembrar que, se por um lado, o
corpo astral apresenta características de materialidade, por outro, possui aspectos bastante aparentados com a espiritualidade.
Criar a própria imortalidade ?
Um outro ponto que parece apoiar as hipóteses levantadas aqui, é a capacidade inerente ao ser humano de criar outras vidas, ao menos aparentemente. A conhecida escritora e exploradora Alexandra David-Neel fala-nos de determinadas técnicas praticadas no Tibete, por meio das quais o experimentador cria figuras tridimensionais, de certo modo dotadas de vida e inteligência autônomas. A própria escritora obteve êxito nessas experiências. Ela criou a figura de um monge graduado, um alto lama, que surgia do nada, sempre que ela assim o desejasse. Ao contrário do que se possa imaginar, a Sra. David-Neel não era a única a perceber a presença do “lama”, como seria o caso de uma ilusão auto-induzida. Outras pessas também viam o tal “lama”, tão claramente, que não era incomum que ele fosse tomado por um ser humano real. Segundo David-Neel, essas figuras criadas não possuem solidez, mas podem ter substância, de modo que, se as tocarmos, produzem em nossas mãos uma leve descarga elétrica, não de todo desagradável. E em alguns casos, como no do monge por ela criado, parecem adquirir uma vontade própria e resistem à dissolução, que deve ser realizada pelo adepto, como parte do experimento. É possível que o mesmo processo criativo, usado conscientemente pelos magos e xamãs tibetanos, seja deflagrado de maneira inconsciente pela maioria das pessoas. Isto explicaria, até certo ponto, a existência das chamadas “larvas astrais” — os mâsikim da Alta Cabala — assim como dos íncubos e súcubos, tão íntimos dos adolescentes e de certos tipos de solitários. Assim sendo, resta-nos perguntar: se o homem pode criar tantas “criaturas” estranhas, querendo ou não, por que não poderia criar a si próprio, como uma entidade espiritualizada e imortal?
Juntando as carecterísticas receptivas e intermediárias do chamado corpo astral, aos poderes criativos inerentes ao próprio homem, temos um ponto importante a ser considerado. Se tomarmos a natureza divina do ser humano — que quase nenhuma escola ou religião negaria — temos um segundo ponto. Fica faltando o terceiro ponto, para se constituir a manifestação perfeita. A conclusão é rápida e uma pergunta torna-se inevitável: “o que fazer, para se realizar a obra?”
Em busca das técnicas secretas
Evidentemente, apesar de todo o propalado “abertismo” de hoje em dia, as escolas tradicionais ainda detêm muitas técnicas altamente secretas. Nesse caso, a projeção astral — atualmente bastante conhecida fora dos cenáculos tradicionais e esotéricos — poderia ser apenas uma das muitas técnicas utilizadas. Mas tudo leva a crer que não se trata tanto de o que fazer, mas também de como fazer. Afinal de contas, muitos toxicômanos e doentes mentais projetam-se com uma certa freqüência, e não são mais felizes por causa disto. É preciso não apenas usar as técnicas corretas, mas também saber como combiná-las entre si. Talvez seja necessário também conhecer e adotar uma atitude correta. Pode ser que o conjunto de práticas seja muito mais simples e direto do que se possa imaginar. Talvez o segredo seja simplesmente viver. Não nos esqueçamos das técnicas propostas por Gurdijeff a seus discípulos. Lembremo-nos também que um dos mais importantes cabalistas da renascença - o frade dominicano Giordano Bruno - aliava a alta espiritualidade a uma alegria de viver considerada profana demais para a época.
Não importa. Independentemente da técnica utilizada, a hipótese do corpo glorioso continua a fascinar gerações de buscadores. É possível que muitos duvidem de sua real possibilidade. Mas o fato é que a simples idéia da síntese imortal entre espírito e corpo pode ser um sinal. Pode ser a descoberta de um Deus disposto a partilhar com seus filhos o seu próprio poder e glória. Talvez por seu amor e infinita bondade. Ou talvez por aquilo que sugeriu um mestre sufi do passado, quando disse: eu preciso de Deus, mas Deus também precisa de mim.
A N E X O
O MITO DE DRÁCULA:
Vlad Tepes Dracul, o Drácula histórico
ícone de uma busca perdida
Um dos mais consistentes mitos de nosso tempo é talvez a sombria mas fascinante figura do Conde Drácula. Francis Ford Coppola retratou-o num filme primoroso, magnificamente produzido, e bastante fiel ao romance Dracula, de Bram Stoker.
Mais do que um livro de terror e uma obra-prima da literatura gótica, o romance de Stoker é uma potente abordagem de traços fundamentais ao inconsciente coletivo da humanidade. Sexualidade, amor, abnegação e heroísmo são alguns dos pontos mais visíveis nesse trabalho. Mas o conjunto destes e outros tópicos aponta para o grande sonho que assombra a humanidade desde a noite dos tempos: a imortalidade. Drácula é um imortal, um homem de poder que superou a contradição entre a matéria e o espírito, entre a vida e a morte. Mas com um pequeno detalhe: ele é a própria antítese da luz, uma espécie de imortal taoísta às avessas.
É importante lembrar que o romance de Bram Stoker é uma obra de ficção, tirada da imaginação do autor. Mas foi inspirada num personagem da vida real, o príncipe Vlad Dracul. Vlad foi um herói nacional da Romênia, um unificador de seu país, que combateu valentemente os invasores muçulmanos turcos. Dracul (“Dragão”) não era exatamente um nome, mas um título de família. O príncipe vinha de uma linhagem de cavaleiros, e todo membro de uma ordem de cavalaria sempre foi — como é ainda hoje — chamado de “dragão”. Além disso, ele era membro de uma ordem que, ela própria, tinha o nome de Ordem do Dragão, e se assemelhava às ordens cavaleirescas da Europa Ocidental e do Oriente Médio. No entanto, apesar de sua estatura de herói nacional e de cavaleiro cristão, Drácula foi um homem extremamente cruel em sua vida pessoal.
Ao criar o personagem para o seu romance, Bram Stoker colheu muito do imaginário popular da Europa Central, repleto de vampiros, nosferatus e bruxos. Assim, embora ficcional, o livro traz muito da mais autêntica tradição, deformada pelo medo e filtrada pela criatividade popular.
Não é de surpreender, portanto, que o personagem Drácula traga em si muito da figura do iniciado, inclusive a noção do corpo glorioso. É claro que o termo “glorioso” não tem nada a ver com o perfil sombrio e mórbido do conde. Poderíamos então dizer que o que ele conquistou foi — na falta de melhor nome — o corpo vergonhoso: um ápice baseado não na purificação luminosa da consciência, mas na prática consciente e irrestrita do mal. Como no caso dos adeptos do corpo glorioso, Drácula tanto é material , como imaterial. No romance, quando ele vem de navio até Londres, por exemplo, é visto durante a viagem por um marujo, que tenta esfaqueá-lo. A faca, porém, golpeia o nada, como se Drácula estivesse presente no tombadilho apenas em sua forma astral. Ao mesmo tempo, ele se manifesta fisicamente, com uma força muscular brutal o suficiente para amedrontar qualquer homem, a ponto de ninguém ousar enfrentá-lo num combate com as mãos limpas. Ainda assim, durante suas lutas físicas, ele pode transformar-se em névoa, ou esgueirar-se por uma simples fresta de porta e desaparecer completamente, da mesma forma que os mestres, segundo se conta, entram e saem fisicamente de ambientes totalmente fechados.
O Drácula histórico não era apenas um homem cruel. Segundo se conta, era um praticante dedicado da alquimia e de outras artes mágicas. O personagem inspirado nele, entretanto, era um indivíduo triste e solitário, apesar de toda a sua ferocidade. E, no íntimo do seu ser, aspirava à libertação de sua própria alma. Simbolicamente, ele significa o protótipo do fracasso iniciático, que se esconde por detrás das ilusões de sucesso que o mundo puramente psíquico costuma engendrar. Como a própria figura do diabo — que embora conheça alguns truques ótimos, será sempre o macaco de Deus — Drácula representa a contra-iniciação. E nos lembra que qualquer “magia” é perfeitamente dispensável, tola e mesmo perigosa, se não for humilde o suficiente para ser uma simples ferramenta a serviço da verdadeira espiritualidade.
Copyright 1993 – Marco Antonio Coutinho
Reproduzido com autorização expressa do autor
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirmuito interessante as abordagens e considerações.
obrigada por partilhar.
Um abraço
PP
Muito interessante, Frater. Pratiquemos então para cumprir com nossa missão Cósmica. Paz Profunda!
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