Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

terça-feira, 31 de outubro de 2023

 

ARREPENDIMENTO

07/05/2008

Ressinto-me das minhas hesitações

Dos meus senões.

Nada mais.

 

Meus erros são meus companheiros e mestres

Não me são hostis, nem me ameaçam.

Não me temem e eu não os temo

Temos, eu e meus erros,

um relacionamento amável

 

Só me arrependo do que não fiz

Por medo de falhar

Por insegurança ou timidez

 

Estes são meus pecados

Minhas omissões indesculpáveis

Meus silêncios injustificáveis

Minhas inoportunas crises de consciência

Que bloquearam os meus gestos

E me roubaram momentos

 

Que me roubaram meu tempo, minha vida.

 

EU NÃO ACORDO QUANDO ABRO OS OLHOS

 

12/12/2007


I

Eu não acordo quando abro os olhos

Só acordo debaixo do chuveiro

Depois de tomar café

e ler, inteiro,

o jornal.

 

Este é meu normal.

 

Leio jornal dormindo

Tomo café dormindo

Olhos abertos, dormindo,

Pensando, mas dormindo.

 

Assim a manhã vai seguindo.

 

Olhos abertos não são

Uma cabal demonstração

De que alguém está desperto.

 

É certo.

 

Vejo pessoas do carro,

nas ruas e nas casas,

passando por mim,

nas calçadas,

algumas paradas.

 

Olhos nas placas, apáticas.

 

Estarão despertas?

Ou são apenas corpos que se deslocam?

Só corpos?

Será que sonham enquanto andam?

 

Caminharão dentro de seus sonhos?

 

II

 

Eu não acordo quando abro os olhos

Só acordo no batismo do banheiro

Ritual com odor de sabonete.

 

O sabonete é meu incenso, cheiro,

No ar,

Na iniciação do dia incipiente,

Com água fria e café quente.

 

antes do banho e do despertar.

 

Quando vejo as pessoas apáticas

no mundo, nas calçadas,

percebo que muitas não foram tocadas

Pelo despertar/batismo das águas.

 

A maioria apenas se desloca

E se esbarra,

distraída

Em seu sono particular.

 


Acho difícil alguém, assim, acordar.

 


sábado, 21 de outubro de 2023

 

TEMPO

Por Mario Sales

 


Quanto tempo faz que não escrevo.

O tempo não tem densidade, mas ocupa espaço, em nossas mentes, em nossas vidas.

E na criação artística também, como o hiato entre o último trabalho e o atual, aquele que estamos realizando, que está acontecendo letra após letra, no meu caso específico, palavras que escorrem pelos dedos como a areia da ampulheta, transformando-se em passado no mesmo momento em que surgem na minha frente.

E se não forem revistas, corrigidas, editadas, permanecerão no passado, aparentemente pétreo e congelado como todas as obras humanas terminadas, acabadas, e que em seguida envelhecerão, ao longo dos anos, séculos, submetidas a inclemente ação da entropia, que tudo desgasta e, finalmente, apaga.

Assim, o tempo, conceito inefável, porém perceptível, nos atravessa, modifica, transforma. Nele o invisível prova sua presença ostensiva no visível, afetando o que se toca ou que se tocava e, hoje, não conseguimos mais.

Mesmo assim, sinto-me igual ao que era anos atrás, sem me dar conta de quem é essa pessoa que surge diante de mim, no espelho, de manhã.

Aqui dentro de mim tudo está igual, e a memória resgata instantes, eternizando-os, mesmo que envoltos na imaginação que inventa e disfarça o passado a tal ponto que julgamos fato aquilo que está apenas em nossas crenças do que foi, que julgamos ter sido de um modo e que, de modo algum, corresponde ao que realmente aconteceu.

Já foi dito que a memória nos ilude, trapaceia com nossas recordações e inventa passados.

Às vezes passados que gostaríamos que tivessem acontecido. Outras vezes passados que escondemos, por não poder suportar, e que retiramos de nossas vidas, alterando encontros, falas, sensações.

Ao lado, nos observando em silencio, o Tempo testemunha nossas artimanhas, estratégias de defesa do ego e da sanidade. Só ele, por vezes, permanece, incólume, intocado, silencioso e vital como o sangue que da mesma forma, de modo imperceptível, flui por nossas artérias e nos mantém vivos sem que nos apercebamos disso.

Muitas coisas fundamentais são discretas em nossa existência, como se um pudor as proibisse de mostrar-se e atrapalhar a ilusão de estarmos livres de quaisquer condições garantidoras da existências, como se existir fosse um direito inalienável de todos nós que, mesmo alimentando essa crença, caminhamos inexoravelmente para o esquecimento e para a morte física.

Sem considerar aspectos místicos e espirituais, a eternidade só é garantida pela lembrança, pela memória que nossos amigos e companheiros de existência guardam de nossa passagem por esse mundo, este percurso breve que supomos absolutamente demorado, mas que, eventualmente, desaparece sob nossos pés, lembrando-nos de modo, para alguns, súbito, da frase do filósofo que diz “tudo que é sólido desmancha no ar”.

E o Tempo, testemunha e responsável por tudo isso, apenas nos observa, passando por nós e fazendo com que passemos por ele.

Tudo o que nos resta é devolver ao Tempo seu olhar, como se o encarássemos desafiadores em nossa inocência, em nossa impotência, diante de sua inexorabilidade.

Pelo menos ao contemplá-lo nos damos conta de sua presença, quem sabe até compreendamos que antes de nos ser hostil, ele, Tempo, também é um prisioneiro de um modo de ser que mesmo que desejasse não conseguiria mudar.

Talvez até ele, se sonhasse, desejasse uma interrupção no seu próprio movimento, um descanso entre eras que se sucedem, intermináveis.

Isso, no entanto, está proibido para ele, Sísifo universal, escravo de sua própria natureza, de sua função na história da Criação.

Confesso que, pensando assim, o Tempo não suscita temor ou angustia, mas até inspira uma certa ternura de nossa parte, porque tanto quanto nós que ele teima em envelhecer e levar a aparente morte, ele não pode morrer. Jamais terá repouso ou mesmo consciência de seu esforço.

Como um zumbi, continuará seu trabalho, de fluir e fluir, indefinidamente, sem esperança de um dia ter o necessário repouso.

A eternidade, vista dessa perspectiva, é o inferno do Tempo.

Sinto uma sincera misericórdia por ele.

Ao que parece, o carcereiro está tão aprisionado quanto o prisioneiro.

 

 

 

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A COMPLETA ACEITAÇÃO

 

Por Mario Sales



Existem algumas reflexões, que por serem óbvias não se tornam mais fáceis de serem aceitas como verdadeiras.

Uma delas é sobre a Criação.

Acompanhem meu raciocínio: se Deus é tudo que existe, e está na Sua obra, como cada artista se faz presente em sua arte por completo, não existe uma parte do Universo manifesto que não seja manifestação do Altíssimo.

De forma que o corpo, a sexualidade, as vicissitudes da existência são manifestações do Divino, e por isso, igualmente divinas.

Atribuir o adjetivo de impuro a qualquer ato sob os céus, céus que foram criados pelo mesmo Deus, é achar que existe algo na Criação, ou seja, algo em Deus, que não é digno.

Dito de outra forma, para essas pessoas, uma parte de Deus é ruim e não é digna.

Um absurdo lógico, uma contradição, que só é possível em mentes limitadas pelo preconceito e pela ignorância.

E tudo parte da incompreensão do papel de Maya. Chamar o mundo invisível de puro e Maya de impuro; caracterizar a vida fora do corpo como real, e aquela dentro do corpo como uma “perigosa ilusão”, beira as raias do ridículo.

Supor que esta dimensão de existência é menos importante do que as outras segue a linha de pensamento que vê Deus como algo distante espacialmente falando, e não uma presença imanente e permanente. Supor que o local onde se dá a formação das almas, sua educação, seus exercícios no campo da misericórdia e do serviço é o mais baixo dos planos da Criação, é um equívoco atávico em textos esotéricos de várias épocas.

Correndo o risco de ser redundante, repito que Maya é uma área tão real como todas as outras dimensões de manifestação, pois a noção de realidade evoluiu com a evolução do pensamento esotérico.

Real não é aquilo que é palpável, nem para o Ocultismo e nem para a ciência. Real é aquilo do que temos consciência de existir, que percebemos como tal, não importa se é uma simulação de computador ou se estamos em meio a natureza.

Os estudos de neurofisiologia funcional demonstram que para nosso cérebro, a imagem de uma maçã e a maçã em si causam o mesmo impacto e desencadeiam as mesmas respostas orgânicas.

É real o que é real para nós. Portanto, tudo aquilo de que temos consciência é real para nós e tem a mesma densidade comparativamente de uma pedra, pedra esta que já foi antigamente um referencial de solidez e realidade.

Ou aceitamos a criação como ela é, inteira, e a consideramos como a única realidade que nos importa, enquanto nela estivermos, ou não usufruiremos de nosso direito de habitar este Universo e extrair das experiencias aqui vividas toda a gama de aprendizado que formos capazes de absorver.

Maya não é o problema. Confundir-se com Maya, sim.

Assistir um filme de cinema não é o problema, mas supor que os personagens fictícios do filme são reais, sim.

Não é por sabermos que a fantasia é uma ficção que não podemos nos divertir e aprender com ela.

Não é porque achamos certas coisas melhores e mais dignas do que outras que elas automaticamente assim serão. Nossa percepção modifica a realidade que testemunhamos, como o molho muda o sabor do macarrão.

Sem ausência de preconceitos, a completa aceitação do que é será sempre uma impossibilidade. Sem aceitar uma parte de Deus, nunca aceitaremos Sua presença em nós de forma completa.

sábado, 13 de novembro de 2021

QUANDO É NECESSÁRIO SER ESOTÉRICO


Por Mario Sales

 





“A Suprema Personalidade de Deus disse: Ao falar palavras cultas, você está lamentando pelo que não é digno de pesar. Sábios são aqueles que não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos. Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses reis; e no futuro nenhum de nós deixará de existir. Assim como a alma encarnada passa seguidamente, neste corpo, da infância à juventude e à velhice, da mesma maneira, a alma passa para um outro corpo após a morte. Uma pessoa sóbria não se confunde com tal mudança. Ó filho de Kuntī, o aparecimento temporário da felicidade e da aflição, e o seu desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e verão. Eles surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e precisa-se aprender a tolerá-los sem se perturbar. Ó melhor entre os homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificada para a liberação. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que não há continuidade para o inexistente [o corpo material] e que não há interrupção para o existente [a alma]. Eles concluíram isto estudando a natureza de ambos. Saiba que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é capaz de destruir a alma imperecível. O corpo material da entidade viva indestrutível, imensurável e eterna decerto chegará ao fim; portanto, lute, ó descendente de Bharata. Aquele que pensa que a entidade viva é o matador e aquele que pensa que ela é morta não estão em conhecimento, pois o eu não mata nem é morto. Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre.”

Bhagavad Gita, capítulo 2, versículos de 11 a 20

 

 

A questão foi ventilada na reunião de ontem. Imagine que um individuo mentalmente desiquilibrado e impressionável lesse este trecho do Gita e entendesse que alguém que seja baleado, esfaqueado ou degolado, na verdade continua vivo, já que a alma é imortal.

Tal pessoa poderia supor que estaria autorizada por um livro sagrado a matar quem quer que fosse já que, segundo Krishna, ninguém morre.

Na India, Kali, energia companheira de Shiva, geralmente é representada como tendo vários braços, símbolo padrão da multiplicidade de poderes da deusa. Em um deles, ela segura uma adaga e no outro, a cabeça de um homem. Para o simbolista, a cabeça significa o orgulho, o ego, e “cortar a cabeça” refere-se a aumentar a humildade dos homens.

Mesmo assim, uma seita terrorista instalou-se no final da dominação inglesa, com o nome de filhos de Kali, que tinham por hábito cortar a cabeça de soldados ingleses como maneira de tornar real o era apenas simbólico.

Interpretações equivocadas, literais, seja por ignorância ou má fé, sempre aconteceram a partir dos textos sagrados ou profanos.

Profanos sim. Basta lembrar o uso dos textos de Nietzsche pelos nazistas como se o filosofo apoiasse suas insanidades.

Conhecer a verdade espiritual não implica “ler” sobre ela, mas compreendê-la com o coração.

Para isso é preciso, além de evolução moral e nobreza ética, maturidade psicológica e saúde mental.

Certos assuntos e temas, por fazerem abordagens delicadas, pertinentes a visão espiritualista, porém de interpretação peculiar e diferenciada, devem ser evitados pela grande maioria dos seres humanos.

Para eles, tais temas devem permanecer em segredo e só grupos de pessoas diferenciadas pelas virtudes acima citadas podem discuti-los.

Aí sim o esoterismo se impõe, esoterismo baseado na peculiaridade do ensinamento e não em uma informação especifica que precisa ser ocultada.

Um exemplo didático vem da filosofia.

Na Republica Platão ataca a Democracia, como uma forma equivocada de organizar o poder. A ideia de cada homem ter um voto nunca lhe pareceu sensata.

E ele explica que se em um navio precisamos de um capitão competente, não vamos consegui-lo fazendo uma eleição entre os marinheiros, absolutamente incapazes de julgar a competência técnica de um capitão. Se colocarmos o tema em discussão neste ambiente o eleito será o mais simpático aos interesses do grupo, o menos exigente talvez, mas não o mais tarimbado para o metier.

Para saber quem deve ser o melhor capitão, só outros capitães podem decidir entre um grupo de possíveis e habilitados candidatos.

A democracia é, portanto, terreno para demagogos, aqueles que discursam para a turba e que usam da retorica, a técnica de falar bem, para manipulá-la.

Para os manipuladores, não há interesse em que o mais preparado seja escolhido. Seu objetivo é apenas o poder.

Se considerarmos o que acontece hoje em nossos países, democráticos, vemos que o filosofo não estava enganado.

A partir desta constatação, que atitude devemos tomar? Acabar com o modelo de governo baseado em eleições? Banir a democracia de nossas vidas por causa de suas evidentes imperfeições?

As opções não são tão fáceis.

Além disso, precisamos decidir sobre o que colocaremos no lugar do sistema político que descartaremos.

Esta é a grande questão.

Como na parábola da assembleia dos ratos, sabemos que precisamos colocar um sino no pescoço do gato só que não temos ninguém que tenha coragem ou habilidade para fazê-lo.

Impasses metodológicos como estes são bem mais comuns do que parece.

Quando Krishna diz a Arjuna que Aquele que pensa que a entidade viva é o matador e aquele que pensa que ela é morta não estão em conhecimento, pois o Eu não mata nem é morto, ele parece autorizar qualquer desequilibrado a matar quem quer que seja já que ninguém pode ser realmente morto.

Estes assuntos devem ser tratados com pudor e prudência. Só os prudentes devem discuti-los para que ilações indevidas não brotem de uma leitura inadequada e de uma interpretação mais inadequada ainda.

Este é o drama da linguagem. Ler é um processo de dois movimentos: entender e interpretar.

É no segundo passo que mora o perigo.

A luta, como lembra o Dalai Lama, nunca foi entre o Bem e o Mal, mas sim entre o conhecimento e a ignorância.

Oremos, vigiemos, e guardemos sigilo das coisas que devem ser mantidas entre poucos.

domingo, 7 de novembro de 2021

QUANDO O ESOTERISMO É EXCESSIVAMENTE ESOTÉRICO

Por Mario Sales

A TÁBUA DE ESMERALDA,

 

Confesso que hesitei um pouco antes de escrever esse texto porque certas reflexões causam desconforto a algumas pessoas.

Só que quando discutimos assuntos que julgamos extremamente particulares, e compartilhamos nossas perplexidades, via de regra encontramos um sem-número de outras pessoas perplexas com as mesmas questões sem a capacidade de expressar o que sentem.

A palavra é o colchão aonde deitamos nossas ânsias de expressão, nosso mal-estar indefinido em relação a nossa vida e a vida de todos que nos acompanham nessa existência. Falar de nossos problemas, dar nomes ao que antes era um fantasma que rondava nossa cama a noite nos assustando, é desfazer uma assombração.

Nomear é esclarecer. Clarear é dar luz a algo que estava nas trevas. A luz do dia, todos os fantasmas desaparecem. Com a luz do sol, tudo fica mais claro e as incertezas se dissipam.

Não por outra, como está em Marcos, capítulo 5, versículo 9, ao praticar o exorcismo do rapaz possuído, o cristo antes de qualquer coisa pergunta ao demônio dentro dele qual é o seu nome. Ao que o demônio responde:

“Legião é o meu nome, porque somos muitos.”

Penso que escrever é como exorcizar demônios, extrair o nome das coisas que nos atormentam e como vampiros, trazendo-as a luz, vê-las queimar e se desfazerem.

Como vampiros, sim, porque o que não é dito, suga em silencio nossas energias, anemiando nossa alma, nosso espírito.

Este enorme preambulo antecipa uma discussão sobre a importância de uma das áreas mais incensadas do esoterismo, com a qual nunca tive afinidade, mas da qual fui obrigado a falar e a qual fui levado a estudar por questões de ofício.

Muitos acham que o esoterismo é como um curso universitário, com disciplinas variadas, todas fundamentais à formação profissional e que serão estudadas separadamente, para que ao final nossa formação esteja completa. E que o correto é que ele estude todas essas disciplinas, independente de suas predileções pessoais.

Isso é verdade, em parte.

Primeiro porque o Esoterismo não é uma área de saber em um campo, mas o próprio campo, muito, muito vasto e dedicar-se toda uma vida ao seu estudo é insuficiente. Talvez a única razão pela qual a mortalidade física seja inadequada seja a ruptura de continuidade em nossos estudos pessoais e por mais que se diga que o essencial passa com a alma peregrina de uma encarnação a outra, a clareza cumulativa das informações, a elaboração dos conceitos, o conhecimento linguístico, são sim interrompidos por décadas para serem reiniciados já em outro conjunto de circunstâncias, em outra época, em outro corpo e cérebro.



Então, se é interessante que conheçamos pelo menos superficialmente todas as áreas de interesse do esoterismo, desde a simbólica, nas religiões e nas tradições iniciáticas, até os detalhes da meditação Zen, ou aspectos do Hinduísmo, nem tudo vai nos atrair da mesma forma ou nos fascinar do mesmo modo.

Existirão, com certeza, preferencias, áreas que estudaremos com mais prazer e que nos parecerão mais claras do que outras, bem como algumas nos parecerão entediantes e demasiadamente confusas para que possam gratificar nosso intelecto.

Acreditem ou não, uma frustração dessa ordem me invade quando leio sobre Alquimia.

Não conheço área menos clara, menos linear, e que não resiste nem mesmo àquele argumento comum, mas já gasto de que “o significado dos seus símbolos não está claro porque foi ocultado de proposito dos olhos de profanos”.

Tolice.

Se alguém se dedicar a estudar o método alquímico verá que provavelmente nem os próprios alquimistas tinham claro em suas mentes se estavam ou não fazendo o que deveriam.E muitos, muitos se dedicaram a este estudo pré-científico com seriedade, supondo que se envolviam em um caminho legitimo de ascensão espiritual ou cultural.Talvez, se não fosse pelo ensaio que estou traduzindo de um nobre e respeitado Frater alemão, o médico Franz Hartmann, não teria animo para escrever sobre esse assunto.Em um ensaio chamado “As Ordens Rosacruzes”, diz ele, comentando as reações na Europa aos manifestos Fama Fraternitatis e Confessio Fraternitatis:

“A crença na existência de uma organização secreta real de Rosacruzes, possuidores dos segredos de como fazer ouro de chumbo e ferro, e de prolongar a vida por meio da ingestão de algum fluido na forma de um medicamento, era universal; e charlatães e trapaceiros de todos os tipos vagavam pelo país e ajudavam a espalhar as superstições, muitas vezes vendendo compostos inúteis por preços fabulosos como sendo o "Elixir da Vida"; enquanto outros desperdiçaram suas fortunas e tornaram-se pobres, fazendo esforços inúteis para transmutar metais. Uma enxurrada de escritos apareceu, alguns conquistando e outros defendendo a Sociedade Rosacruz, que supostamente existia, mas da qual ninguém sabia de nada. Algumas pessoas, mesmo algumas bem-informadas, acreditavam na existência de tal sociedade; outros, negavam. Mas nem uma classe nem outra poderiam trazer quaisquer provas positivas de suas crenças. As pessoas estão sempre dispostas a acreditar no que desejam que seja verdade…”

Já suspeitava que estava diante de um dos grandes equívocos esotéricos de todos os tempos quando li e estudei “O Casamento Alquímico de Cristian Rosencreuzt”, obra inacabada, atribuída ao Círculo de Tübingen e a Johan Valentim Andrea, texto que mais parece uma colcha de retalhos esotérica do que uma narrativa em si. O autor tinha esta intenção e redigiu um texto que necessita da imaginação e participação ativa do leitor para ganhar algum sentido e corpo.O que obviamente, afasta o leitor apressado e pouco cuidadoso, mas também conduz ao equívoco.Equívoco, pasmem, que era desejado pela maioria dos escritores alquimistas, alegando que com isso, afastariam os não iniciados dos mistérios de sua “ciência”. Só que nunca houve ciência alguma.


O chamado método alquímico era absurdamente lento e complexo, ou extremamente rápido e perigoso, na maioria das vezes, de eficácia zero.Imaginem que você tenha um balão de vidro, com um pouco de líquido dentro, tampado hermeticamente com uma rolha de cortiça, e o coloque em fogo brando, por uma quantidade enorme de tempo.Qualquer estudante secundário sabe que a pressão dos gases liberados pelo aquecimento do líquido será tanta que o balão, eventualmente, explodirá.Isso era extremamente comum nos chamados “laboratórios alquímicos”.Os admiradores da Alquimia como um capítulo importante da história esotérica defenderão com certeza estes acontecimentos como produto de tempos heroicos em que a prática laboratorial não existia e que por serem ainda muito incipientes traziam inevitavelmente o risco e o erro nos procedimentos.Sim, pode ser. Só que praticas alquímicas se arrastaram até o início do século XX, época na qual certos procedimentos não poderiam mais ser atribuídos a ignorância de leis simples quanto ao comportamento dos gases sob aquecimento.É comum entre os seres humanos confundir o monge e seu hábito.Outra coisa. Já se sabiam dos efeitos dos gases submetidos ao calor naquela época. Se falamos em um laboratório semelhante ao que tinha Robert Boyle, irlandês, físico e químico do século XVII, época áurea do movimento alquímico, de forma alguma estamos falando da mesma coisa. Seria como comparar o laboratório do psiquiatra com o do seu paciente esquizofrênico. É de Boyle a lei de Boyle-Mariotte que diz que o volume de um gás varia de acordo com a pressão de forma inversamente proporcional, e as propriedades do ar e do vácuo.Mesmo esse fato sendo conhecido pelos químicos contemporâneos dos alquimistas, (Boyle morreu em 1691) os pesquisadores al-quimicos continuavam a explodir balões em seus “laboratórios”.


Robert Boyle

E agora uma afirmação que fará meus amigos e adversários ficarem embaraçados: na minha opinião, não existia nenhum método alquímico, mas alquimistas que seguiam uma sequência de passos em uma ordem muitas vezes arbitraria, considerando a dificuldade de saber qual seria o método verdadeiro.Se vocês ficaram surpresos com essa afirmação, basta recorrer a uma fonte não muito respeitada ainda, mas cujas elaborações são absolutamente fiéis as fatos, a WIKIPEDIA.

Lá encontramos o seguinte comentário

“Sobre a Interpretação dos textos alquímicos:

A própria palavra "hermético" sugere a dificuldade dos textos dos autores alquímicos.

Esta tem por causas:

1.Os autores se referirem às substâncias e processos por nomes próprios à Alquimia;

2.Haver vários processos (vias) de operação que não são explicitados;

3.A maioria das substâncias serem referidas com perífrases elaboradas;

4.A existência de muitas referências mitológicas e cultas;

5.O uso de palavras que, lidas em voz alta, produzem uma outra

6.O não apresentar partes de processos, referindo o leitor a outro autor;

7.O não apresentar as operações por ordem;

8.O enganar propositadamente o leitor.”(1)

 



Ou seja, estamos falando de uma época em que eram poucos, muito poucos os que sabiam ler, em qualquer língua. E por isso uma época em que os textos, organizados como livros, encadernados e passiveis de serem folheados eram mais raros ainda. Agora, acrescente-se a tudo isso um proposital arranjo de palavras que tornasse de difícil ou impossível interpretação aquilo que estava escrito, a tal ponto que a maioria dos chamados “textos alquímicos” não fossem textos, mas gravuras, símbolos que deveriam ser interpretados pelos que os contemplavam, interpretação esta que deveria trazer o real sentido do que queria ser transmitido.Partindo do princípio óbvio de que um único símbolo pode ter muitas interpretações, dá para imaginar a confusão que resultaria destas múltiplas leituras e contemplações.Mesmo assim, diante de tudo que foi exposto, até hoje vemos textos e mais textos tentando dar a ideia de que a alquimia, que foi um fenômeno tanto chinês, como árabe antes de ser ocidental, era sim um método de trabalho e estudo, muito claro, muito rigoroso e que levava a resultados iguais.




Assim, o estudante neófito lê sobre Nigredo, Rubedo e Albedo, com ou sem a quarta fase do Citrino, como se estivéssemos conversando sobre algo definido. Fala-se da importância do enxofre, do ouro e do mercúrio, da importância da coleta da água do orvalho em certas noites de lua cheia, mas essas coisas todas em uma ordem instável, que mudava ao sabor do autor.O próprio príncipe dos Alquimistas, Nicholas Flamel, escrivão, prestem atenção, copista e vendedor de livros, ou seja, de histórias, de narrativas, necessariamente não comprovadas, dizia em um de seus textos, “O Livro das Figuras Hieroglificas”, que “os termos "bronze", "titânio", "mercúrio", "iodo" e "ouro" e que as metáforas serviriam para confundir leitores indignos.”

 

Nicolas Flamel


Aliás, queria destacar o trecho “…as metáforas serviriam para confundir leitores…”. Se existe um laço entre os vários textos alquímicos, é este, foram feitos, na grande maioria, apenas para confundir, não para esclarecer.Muitos esoteristas, por ingenuidade ou insegurança, ao se depararem com algo que não faz o mínimo sentido, supõem que a falha está neles mesmos, que na verdade é a sua incapacidade interpretativa que os impede de ver o que está atrás daquela muralha sem sentido evidente.Cabe aqui a questão libertadora: E se esses textos incompreensíveis não fizessem nenhum sentido apenas e tão somente por que não tenham mesmo sentido nenhum?E se tudo não passasse de um equívoco? De supor que um arcabouço simbólico, que uma fala mitológica, refletisse não apenas símbolos de valores ou ideias, mas sim aspectos materiais como um equipamento laboratorial específico e práticas inúteis e demoradas que consumiriam dinheiro, tempo e até mesmo a sanidade de quem com elas se envolvesse?A simplicidade de espírito e o pouco arsenal crítico de certos esoteristas é espantoso, e não me refiro aos iniciantes, nem aos nossos contemporâneos, mas a personagens clássicos da literatura esotérica, que influenciaram, por exemplo, o imperator da Rosacruz no século XVII, o chanceler Francis Bacon.



Refiro-me a John Dee, místico e esoterista do século XVI, matemático, astrônomo, astrólogo e geógrafo, que foi ludibriado por um individuo inescrupuloso, que levou-o a práticas indignas alegando ter recebido “ordens angélicas”. O episódio é narrado assim:

“As primeiras tentativas de Dee não foram satisfatórias, mas em 1582 encontrou-se com Edward Kelley, que o impressionou extremamente com suas habilidades. Dee pôs Kelley a seu serviço e começou a devotar todas as suas energias a suas perseguições sobrenaturais. Estas "conferências espirituais" ou as "ações" eram conduzidas sempre após períodos de purificação, de preces e de jejum. Dee foi convencido dos benefícios que eles poderiam trazer à humanidade. (o caráter de Kelley é mais difícil de avaliar: alguns concluíram que agiu com completo cinismo, mas a desilusão ou a decepção consigo mesmo não estão fora de questão). Dee dizia que os anjos lhe ditaram muitos livros desta maneira, alguns em uma espécie de língua angélica ou enochiana.
Em 1583 Dee conheceu o nobre polonês Albert Laski, que convidou-o para lhe acompanhar em seu retorno a Polônia. Através de alguns sinais dos anjos, Dee foi persuadido a ir. 
Dee, Kelley e suas famílias foram para o continente em setembro 1583, mas descobriram que Laski estava falido e aquém dos favores da corte de seu próprio país. Dee e Kelley começaram uma vida nômade na Europa central, mas continuaram suas conferências espirituais, que Dee registrou meticulosamente. Tiveram audiências com o imperador Rodolfo II e com o rei Stefan I da Polonia, e tentaram convencê-los da importância de suas comunicações angélicas. Foram ignorados por ambos.
Durante uma conferência espiritual na Boêmia (que corresponde atualmente a parte da República Tcheca) em 1587, Kelley disse a Dee que o anjo Uriel ordenou que os dois homens compartilhassem suas esposas. Kelley, que nessa época estava se tornando um alquimista proeminente e era muito mais procurado que Dee, pode ter desejado usar isto como uma maneira de acabar com as conferências espirituais. A ordem provocou em Dee uma profunda angústia, mas ele não duvidou de sua autenticidade e aparentemente deixou que ela fosse em frente, mas pouco depois abandonou as conferências e não voltou a ver Kelley.”
Dee era uma autoridade em esoterismo e Alquimia, mas uma criança psicológica.
Acredito que dar importância a Alquimia, como se esta fosse um exercício de ciência prática e não uma tradição simbólica e eminentemente simbólica, seria no mínimo ingênuo.



Não existe densidade metodológica alguma em um procedimento que se baseia em textos os quais seus próprios autores admitem “foram feitos para enganar”.
Para encerrar essas reflexões, queria lembrar minha falecida e divertida mãe. Ela tinha o hábito de relatar pela manhã que havia sonhado algo muito importante. E antes que pudéssemos dizer alguma coisa, começava a descrever uma sequência de imagens desconexas e confusas que obedeciam apenas a logica onírica. Em seguida vinham as suas interpretações, absolutamente arbitrárias, que se baseavam no fato de que seus sonhos eram tão esotéricos que se prestavam a qualquer interpretação, inclusive aquela que ela elegia como verdadeira.
Esse é o problema com o Esoterismo que as vezes é esotérico demais.
Pode ser que não seja um texto obscuro por ser profundo, mas porque internamente não tenha mesmo nenhum sentido a ocultar, a não ser aquele que nossa imaginação e vontade eleja como verdadeiro.
E como na história, esoteristas precisam ter um olhar objetivo e inocente como a criança que, ao contrário de todos na festa, tem uma visão tão livre de pré-conceitos que pode dizer, sem receio de errar: “O Rei está nu.”

(1) https://pt.wikipedia.org/wiki/Alquimia

sábado, 16 de outubro de 2021

CORAÇÃO DE ESTUDANTE

 

Por Mario Sales



“Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade”

Do poema de Milton Nascimento e Wagner Tiso

 

Nina é uma nova amiga, soror iniciante na senda lá do Rio de Janeiro. Conversamos esta semana por pelo menos 3 hs, sem vídeo, explorando suas dúvidas acerca de vários temas e aspectos do esoterismo.

Lá pelas tantas, a soror questiona como é possível superar o coração de neófito e avançar no amadurecimento espiritual.

Milton Nascimento

Interessante questão, que eu discutiria com mais dois amigos 4 dias depois.

Opinei que não existe tal coisa como “um coração de neófito”, mas sim uma “cabeça de neófito”, com suas dúvidas habituais, incertezas e hesitações.

A razão, que nos ajuda em vários momentos, em outros nos bloqueia e nos faz tropeçar. Nesses momentos a razão, nossa cabeça, como sempre digo, não merece confiança.

Dúvidas sobre a senda, sobre decisões de ordem pessoal ou profissional, insegurança quanto a ir para lá ou para cá, essas são situações provocadas e mantidas pela razão, não pelo coração.

Talvez por causa do esforço iluminista no século XVIII, na tentativa de libertar o homem de uma vida supersticiosa e atada de forma angustiante à religião, a emoção tenha sido relegada ao plano das características do comportamento que precisavam ser postas sob a redoma do bom senso.

Como se isso fosse possível.

Uma reação a esse racionalismo excessivo foi praticamente imediata, com o advento do romantismo na literatura do século XIX, romantismo aqui como rebeldia específica ao cientificismo excessivo, numa demonstração clara de não aceitação da razão como única gerenciadora de todos os nossos comportamentos.

Na história da filosofia, (campo de saber que se inicia com os Jônios, na Grécia), este ir e vir da emoção como virtude ou vicio sempre aconteceu, principalmente quando, injustamente, associava-se a emoção apenas à um fenômeno romântico sexual, momento de perda da moderação e do bom senso.

A emoção era vista apenas como sinônimo da paixão, o páthos, a doença que envergonhava os homens gregos e lhes retirava a capacidade de manter seu autocontrole.



 Alcebíades chegando ao Banquete


No “Symposium”, ou “O Banquete”, diálogo famoso de Platão, a entrada de Alcebíades, apaixonado e bêbado marca a chegada do Caos emocional a um ambiente que, até aquele momento, primava pela moderação e por belos discursos acerca do tema, o Amor.

Ali se inicia o conceito de oposição entre a loucura do sentimento e o equilíbrio do ser intelectual e racional. Essas duas correntes, uma que faz um elogio daquilo que é racional e outra, que paradoxalmente, com argumentos racionais, defende a importância da emoção, seguem ao longo dos séculos debatendo e se hostilizando, em certos momentos.

Aos poucos fica claro que a emoção não é apenas e tão somente, o veículo do desejo sexual ou da ligação entre amantes. Ela é, como mostra Jean Jacques Rousseau, a área da sensibilidade, que muitas vezes nos surpreende com certezas inexplicáveis acerca de assuntos que a razão não consegue dar conta, seja pela profundidade do tema, seja com a velocidade que a emoção trabalha.

Jean Jacques Rousseau


Blaise Pascal, filósofo, físico, inventor, teólogo, e matemático francês talvez tenha sintetizado melhor que ninguém o assunto ao dizer que "O coração tem razões que a própria razão desconhece".

Blaise Pascal




Para os místicos, a importância da sensibilidade cardíaca é indubitável.

Por isso respondi para a soror que não existe tal coisa como coração de neófito, apenas cabeças de neófito.

São as crenças e as convicções acerca da vida, do mundo e de nós mesmos que nos tolhem a liberdade e a velocidade na evolução espiritual.

O coração romântico nada tem a ver com o coração que sente a vida em vez de pensá-la.

A paixão romântica, o páthos, a doença da alma, é tão intensa e perturbadora porque está em ressonância com a ânsia da vida por si mesma. Para a natureza, diz a biologia, a única função da paixão é levar a procriação, a continuação da existência das raças, não só a nossa, mas todas as raças sexuadas, de abelhas aos cães, do louva deus aos seres humanos.

A força do desejo, diz a Cabalá, da busca dos amantes uns pelos outros, não reflete carinho de um pelo outro, como supõem os ingênuos apaixonados, mas necessidade de aumentar, pela geração de novos seres, o número de corpos disponíveis para as almas que querem evoluir.




Este, entretanto, é apenas um dos níveis em que a força de vida que nos atravessa incessantemente, trabalha.

A alma tem cinco níveis e este é o mais básico, Nefesh, o nível do instinto, nem por isso menos sagrado.

Spencer Lewis lembrava que “todos os instintos foram colocados em nós por Deus. Portanto, todos os instintos são sagrados”.

É a mesma onda de vida, o mesmo fluxo, que nos conecta com toda a criação, e que nos faz sensíveis a conhecimentos que não estão em nós, mas que podemos acessar por esta conexão, da mesma maneira que os indivíduos que vemos na tela da tv não estão dentro do aparelho, mas extremamente longe dali, e o que ocorra é que este aparelho nos coloca em sintonia com as ondas projetadas do estúdio de origem daquelas cenas.

Pode-se dizer então que graças ao coração e sua ligação com o fluxo da vida, vemos coisas sem os olhos e sabemos de coisas sem conhecê-las.

Todos os dias, pelo noticiário televisivo, vamos a Paris, Moscou, Londres ou Washington sem ter que pisar nessas cidades.

Pela sensibilidade cardíaca estamos aqui e em Andromeda sem nunca termos saído do planeta.

E isto cria, com um material que é recebido, mas o cérebro é incapaz de processar, o que os pensadores do século passado classificaram de espaço subconsciente e que Jung, corretamente, identificou não como um manancial de doenças e recalques, como pensava Freud, mas um deposito de informações infinito, como a plataforma GOOGLE na Internet.

Nesse mar de possibilidades e dados, podemos navegar e dele extrair informações úteis acerca de quaisquer assuntos que possamos imaginar. Nossa razão, entretanto, não conseguirá decodificar coisas que não compreende por lhe faltarem as condições básicas de compreensibilidade, e tudo será transformado em impressões imprecisas, oníricas muitas vezes, já que no sonho tudo é permitido.

A razão é como um filtro para esta massa de dados que nos chega pela sensibilidade do coração. O filtro limita nossas possibilidades de acesso ao que nos chega e nossa consciência desse material só aumentará quando nossa razão for modulada para filtrar menos o fluxo que nos atravessa.

Esta complacência aumentada ao fluxo, que alarga os orifícios dos filtros, tem que ser gradual, ou a intensidade do fluxo poderia causar desconforto ao nosso sistema nervoso, ou mesmo desequilibrá-lo.

Sabemos muito, mas conscientizamos apenas aquilo que nosso cérebro consegue suportar.

Nossas limitações são neurológicas portanto, e é isso que faz com que nossa cabeça precise de tempo e esforço para estar apta a processar o conjunto gigantesco de dados que a sensibilidade nos traz.

Nossos corações são, portanto, nossa conexão com a sabedoria universal. Todos os corações são corações de mestre, nunca de neófito. Já a cabeça sempre será de neófito, nunca de mestre, já que pensa e, pensando, supõe-se a autora das coisas que apenas recebeu de outras fontes.

Somos, pois, seres conectados a uma vasta rede, da qual alguns de nós nem suspeitam a existência.

Outros saberão que ela existe, mas não sabem como acessá-la.

E existem aqueles que sabem acessá-la, parcialmente, enquanto os mais sábios assumem o papel de meros retransmissores desta rede, desaparecendo como indivíduos e ressurgindo como terminais de recepção.

Estes são os fatos.

Não existem, pois, como na canção, corações de estudante, mas somente, corações de mestres.

É isto que chamamos, no jargão da rosacruz, o Mestre Interior.