Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Martha Argerich
Leio, num artigo de João Marcos Coelho para o jornal O Estado de São Paulo, sobre os 70 anos da pianista argentina Marta Argerich ( sugiro que toquem o vídeo enquanto lêem este ensaio), uma linda frase do psicanalista Jacques Lacan, citado pelo biógrafo de Marta, Olivier Belamy. Diz Lacan que tocar piano é “dar o que não se tem segurança de ter para pessoas que não estão seguras de querer.”
A “tigresa do teclado”, como Marta é referida, ainda sente um friozinho na barriga imediatamente antes de entrar em cena.
Este é um fenômeno absolutamente interessante e humano.
Interessante porque diz respeito a vida de um sem número de jovens e adultos , que supõem que a sua insegurança diante de desafios é só sua, e que imaginam fantasiosamente que existem pessoas que não sentem medo de fracassar quando solicitadas a dar mostras de seu talento, seja este talento qual for.
Jacques Lacan
O medo é nosso companheiro mais constante, diria eu.
A frustração, necessariamente, não.
Podemos ter medo do fracasso antes de um desafio, mas uma vez que desempenhemos bem nosso papel, este medo se desfaz. Nos intuitivos, este medo dura apenas alguns segundos, apenas o tempo de estabelecerem contato com a “fonte de todas as fontes”, “a luz de todas as luzes”, e depois deixar-se penetrar pela sabedoria que vem do alto, o que os gregos chamavam Sofia.
Livres do peso de assumirmos sozinhos o papel de responsáveis pelo que fazemos a ansiedade diminui muito e às vezes desaparece.
A tranqüilidade diante de um desafio é inversamente proporcional ao orgulho egocêntrico.
Quanto mais supomos, em nossa vã concepção, que é de nós que vem a inspiração para executar de forma belíssima uma partitura, um texto ou uma pintura, mais a insegurança estará presente.
Só quando percebemos que estamos “on line” com uma rede universal, um Google espiritual que alimenta a tudo e a todos em toda parte, nossas preocupações diminuem.
É possível que um artista não admita, por orgulho, que é apenas sócio do seu processo criativo, que outras forças, não tão ocultas, participaram do projeto. Mesmo assim ele reconhece que recebeu imagens, compassos, entonações que não pode precisar de onde vieram e que atribui à “sua própria genialidade”.
O conhecimento deste contato ainda engatinha. Quando for mais sólido, perceberemos que isto não tem nada de religioso ou místico, mas é parte integrante da constituição do ser humano, e que a simples suposição de estarmos a sós, no Universo, com nossos pensamentos, é tola e descabida.
Tudo conversa conosco, desde bactérias e plantas até os mestres da Fraternidade Branca, todo o tempo.
Há uma enorme rede de conhecimento, que foi chamada por textos do passado de Registros Akhásicos, onde todos nós colaboramos pelo aumento cotidiano do conhecimento de toda a criação, pela glória do Altíssimo, causa e conseqüência deste conhecimento acumulado.
É nesta rede que mergulhamos quando acordamos e as idéias, as mais variadas, vêm a nossa mente.
O professor Hermógenes, nosso decano brasileiro em Yoga, lembrava sempre que na fala de Santa Teresa D´Ávila, “a mente é a louca da casa”. Milhares de idéias passam por nossa cabeça sem que peçamos, sem que solicitemos, a cada segundo. E este fluxo, que Faulkner chamou de “fluxo de pensamento” em sua literatura, é a natureza do fluxo de toda a criação, em toda parte, em todas as coisas.
Quando pensamos apenas recolhemos seletivamente uma parte do fluxo, como se nos abaixássemos em um regato que corre a nossa frente e com as mãos em concha capturássemos um pouco d´água para matar uma sede repentina. Mesmo este texto que redijo agora nesta manhã fria de 5 a 6 graus aqui em Suzano é produto deste fenômeno, apenas um pouco d´água deste rio imenso que atravessa minha cabeça todo o tempo, ou como eu tenho chamado, meu imaginário.
Eça de Queiroz
Não somos donos de nada, nada nos pertence, nem mesmo aquilo que chamamos “nossos pensamentos”, ou “nossas idéias”.
É o Universo que pensa através de nós, e a forma que damos a Grande Verdade é aquela que nosso cérebro consegue dar, mas a Verdade por trás da forma é a mesma que atinge todos os cérebros em toda parte, neste e em outros mundos.
E para lembrar Eça de Queiroz, em “A Cidade e a Serra”, pela boca de Jacinto, seu príncipe, “ veja, quando eu bato o pé aqui, o Sol balança.”
Tudo está interligado.
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