Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:
Embora aparentemente estranho falar ou escrever sobre isso em um blog místico, relacionamentos afetivos preenchem grande parte do cotidiano de homens e mulheres ao redor do mundo, interferindo na produtividade profissional e na qualidade de vida de todos.
Alguns pontos acerca deste tópico me parecem, no entanto bastante significativos para os místicos de hoje, já que a opção da existência monástica não é uma alternativa válida para místicos modernos.
As cavernas já se prestaram a esconder por tempo demais as pessoas de seus demônios, de suas indecisões. As cavernas escondiam as pessoas de si mesmas.
Santo não é aquele que não peca porque não é tentado, que não erra porque não se arrisca, que não falha porque não é testado. O nome dessas pessoas é outro: eles se chamam covardes.
Mortos vivos, pois jamais experimentarão qualquer emoção, qualquer sentimento, qualquer paixão.
Viverão sempre a sombra de suas mediocridades, de sua não existência.
Não, esta também não é uma opção.
Todos os místicos são pessoas, se bem que nem todas as pessoas são místicas.
Todos nós, de qualquer forma, místicos ou não, necessitamos de afeto.
E inevitavelmente corremos e correremos riscos por causa disso.
O primeiro deles, o risco do fracasso.
O risco de não conseguirmos um relacionamento satisfatório, ou estável.
Aqui devemos considerar que estas são duas coisas absolutamente diferentes.
Relacionamentos satisfatórios não são necessariamente estáveis.
Relacionamentos estáveis, da mesma forma, necessariamente não são satisfatórios.
Podemos estar com alguém que nos agrada em um momento, mas não em todos os momentos, porque um dos mitos da existência é a estabilidade.
Tudo é instável, todo o tempo. Nós somos instáveis, todo o tempo.
Está nos nossos átomos que seja assim; está nas nossas moléculas; portanto, está também em nossos relacionamentos.
A instabilidade desses relacionamentos não os torna piores ou melhores, apenas dinâmicos.
É preciso estar atento todo o tempo.
Principalmente nos primeiros momentos, os momentos da escolha.
Imaginamos que escolhemos quem escolhemos em função de seus dotes físicos, em primeiro lugar e depois, por suas qualidades psicológicas, seu charme. Na verdade não é bem assim. Existem alguns marcadores psicológicos em nosso subconsciente que precisam ser considerados.
Os modelos que nos atraem geralmente reproduzem modelos domésticos, paternos ou maternos. Existe um consenso entre os psicólogos sobre isso. Este modelo não é uma reprodução idêntica de nossos pais, mas uma aproximação com as variações relativas a idade e contexto social. No início, isto pode parecer absurdo, mas via de regra só encontraremos felicidade e algo perto de satisfação em nossos relacionamentos se a pessoa em questão tiver qualidades semelhantes aos nossos padrões domésticos. Pelo menos é isso que a natureza estabelece de forma automática. Ou seja, se nosso ambiente doméstico não for um modelo de equilíbrio, se for marcado por problemas absolutamente humanos como alcoolismo, jogo, adultério, ateísmo ou excesso de zelo religioso, em outras palavras, fanatismo e conservadorismo moral, talvez estejamos destinados a repetir com nossos futuros parceiros relacionamentos marcados pelas mesmas características.
E mesmo que tenhamos jurado a nós mesmos, desgastados pelo sofrimento da infância e da juventude, de que nos distanciaremos deste modelo ao estabelecer nossos próprios relacionamentos, os programas subconscientes, as rotinas de nosso disco rígido psicológico sabotarão nosso discernimento, e seremos cegados para sinais evidentes de que aquela pessoa a nossa frente tem preocupantes semelhanças com tudo aquilo de que queremos fugir, mas com o que estamos habituados por uma prolongada convivência.
Hábitos. Afetividade e sentimento, atração, mesmo aquela de natureza sexual, tem a ver com nossos padrões habituais.
No início não parece claro, achamos que percebemos características aqui e ali que nos lembram nosso pai ou nossa mãe, mas desconsideramos, ou até consideramos como bom sinal dependendo daquilo que nossos pais significaram em nossas vidas.
É preciso estar atento, no entanto.
Deixar-se arrastar em um relacionamento por padrões automáticos pode ou não ser algo prejudicial à qualidade do próprio relacionamento.
É preciso dialogar com nossos impulsos, conversar com eles, não reprimi-los, nem ceder totalmente a eles, mas administrá-los, não apenas de forma racional, mas usando também nossa sensibilidade.
A primeira e mais prudente conduta em relacionamentos afetivos é nunca tratá-los como definitivos sem que um certo tempo de avaliação, um precioso e importante período de avaliação decorra.
Nada de pressa pois até a vida é provisória.
E neste período de avaliação é fundamental que, como o nome diz, avaliemos, detalhadamente, nosso pretendente em suas características psicológicas tanto quanto as físicas.
Existe um método para tornar esta avaliação menos subjetiva.
Trata-se exatamente de tomar como modelo comparativo nosso pai ou mãe de acordo com a circunstância.
No que este indivíduo lembra nossos pais? Quais são suas características comportamentais que mais se assemelham aos padrões aos quais fomos habituados?
E quando digo analisar e comparar, falo de usar até um lápis e um papel.
É mais ritualístico e dá mais tranqüilidade ao processo do que um computador. Acreditem.
Se tivermos orgulho de nosso contexto social e familiar, quanto mais parecido nosso possível companheiro for com nossos modelos domésticos, melhor. Se ao contrário, nossa herança doméstica não for algo do que devamos nos orgulhar, uma semelhança constatada deverá ser um aviso para corrermos para o mais longe possível daquela situação.
Ficaremos surpresos com nossas constatações.
De qualquer forma, é preciso tempo. E se possível não desperdiçar este tempo sem utilizá-lo para ganhar mais tempo.
Não se deve marcar as núpcias ou discutir a decoração da igreja antes do noivado, digamos assim.
Por mais que queiramos acertar nos nossos relacionamentos, vamos errar, com certeza, uma, duas vezes, ou mais. E erraremos mais se tivermos pressa, se considerarmos que um relacionamento que está indo bem , sempre irá bem. Ou que, por último, não precisamos fazer mais nada do que sermos gentis uns com os outros, e confiar que tudo seguirá o melhor cenário. Desejar o melhor e preparar-se para o pior.
E para todos os afazeres da existência, inclusive as relações amorosas, preparar-se para o pior é analisar os sinais presentes nos outros.
Cuidadosamente, atentamente e sem ansiedade. Isto não impede que desfrutemos das coisas boas do relacionamento, mas impede que nos deixemos arrastar por estes bons momentos como se fossem os únicos possíveis.
Alguns místicos não compreendem bem o conceito de karma por que supõem tratar-se de um conceito estático. Que coisas foram feitas e outras terão que acontecer para compensá-las. Na verdade o karma é bem mais dinâmico.
Alguns relacionamentos ruins não são kármicos, vale dizer, não são obrigatórios, mas tornam-se kármicos quando se impõem pela omissão dos seus participantes em modificá-lo, melhorá-lo, ou abandoná-lo mesmo, se demonstrar-se absolutamente insatisfatório. Tudo pode ser revisto porque tudo nesta vida é provisório e nosso único compromisso é com a qualidade de nossa própria existência, o que implica em ter extremo cuidado e carinho com nossas relações, não nos sujeitando a relacionamentos ruins porque talvez não tenhamos encontrado algo melhor. Não significa dizer, da mesma forma, que devemos abandonar uma situação ao primeiro sinal de conflito. Deve-se saber pelo que vale a pena lutar e ir atrás de nosso objetivo.
Um relacionamento, como qualquer outro empreendimento deve ter prioridades e detalhes sem importância. São essas prioridades que vão determinar se o resto deve ou pode ser relevado como coisa sem importância, mas não se pode transigir com prioridades.
Todo relacionamento é dual em essência e trino em manifestação.
Sempre haverá dois lados a considerar.
E para essas considerações devemos usar a razão e a sensibilidade.
Uma sem a outra são capengas.
Portanto, se foi o próprio Deus que nos deu inteligência, devemos utilizá-la para interferir no assim chamado curso natural ou automático das coisas.
É como nas cesarianas e na anestesia. Antes das duas, uma das formas de seleção natural era a morte de bebês humanos em trabalhos de parto impossíveis de serem resolvidos sem a cirurgia; e sem a anestesia, a cirurgia era insuportável. Com as duas, muitas vidas que seriam naturalmente, automaticamente ceifadas, não o são. Interferimos no problema e mudamos o curso das coisas, mudamos o curso do Karma.
É romântico e até poético dizermos que a decisão sobre quem será nosso parceiro definitivo ou algo perto disso será tomada pelo nosso coração e não por nosso cérebro.
Só que não é bem assim. Porque se fosse, se não tivéssemos a capacidade de pensar nossa felicidade e nossos encontros, apenas reproduziríamos comportamentos pré-programados em nosso subconsciente. É exatamente para não sermos vítimas de rotinas mentais que temos nosso cérebro.
Porque amamos as pessoas erradas? Porque deixamos tudo a cargo da emoção, ao sabor do instinto, do "natural".
Como antes das cesarianas e das anestesias.
Estejamos atentos aos nossos sentimentos mas do mesmo modo aos nossos pensamentos. É mais prudente.
Porque amamos as pessoas erradas? Porque deixamos tudo a cargo da emoção, ao sabor do instinto, do "natural".
Como antes das cesarianas e das anestesias.
Estejamos atentos aos nossos sentimentos mas do mesmo modo aos nossos pensamentos. É mais prudente.
E para lembra Carl Sagan, se bem que ele tenha usado a frase em outro contexto, "é preciso deixar a cabeça aberta, mas não tão aberta que o cérebro caia de dentro dela".
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