Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 24 de março de 2019

BUSCANDO A OBJETIVIDADE NO ESPIRITO E A SUBJETIVIDADE NO CORPO


Por Mario Sales




“Fico muito preocupado quando converso com um Frater ou uma sóror no qual diviso uma fascinação e um encantamento com assuntos esotéricos vagos e imprecisos. Principalmente se esse Frater ou esta sóror tem já alguns anos de Ordem. Na sua falta de clareza de objetivos, na falta, portanto, de objetividade, antecipo que fará pouco progresso como místico ou como esoterista. Não que, na minha opinião, o estudante rosacruz não deva se comportar como um enciclopedista e ter interesse em várias áreas do conhecimento esotérico. O que me preocupa é quando este conjunto de informações não parece trazer uma melhoria real a sua qualidade de vida, transformando-se em um peso a mais em sua existência, uma erudição inútil e pedante e não uma alavanca para desfazer os obstáculos que, eventualmente, todos enfrentamos.”

Trecho de “Precisamos de Mais Objetividade”, ensaio publicado em 13 de maio de 2011


"Da mesma maneira que o inconsciente influencia o consciente e subjetiviza o que parece extremamente objetivo, do mesmo modo nossos pensamentos e a educação psicoterapêutica ou o processo iniciático verdadeiro, como já discutimos antes, podem nos ajudar a objetivizar o subjetivo no inconsciente e modular e melhorar o desempenho de nosso subconsciente".

Trecho de “Objetivo x subjetivo, consciente x subconsciente”, ensaio publicado em 12 de novembro de 2011


Esse tema retorna a minha mente de forma insistente, como se eu nunca o tivesse considerado, como se algo ainda houvesse a ser escrito sobre ele.
Pelo trecho em epígrafe fica claro que não é assim. O que parece é que a questão não se resolve e, às vezes mesmo, parece ter se agravado com o passar do tempo.
Oito anos atrás, quando escrevi aquele ensaio, eu achava que pudesse encarar a questão das mentes desordenadas em relação aos seus dons psíquicos e intelectuais como algo pontual, inevitável em meio a heterogeneidade de tipos e personalidades-alma que habitam este planeta. Como se sabe, a única semelhança entre os seres humanos é serem todos diferentes uns dos outros. Uns mais capazes, mais lúcidos, outros não. Uns mais convictos e outros destruídos pela incerteza.
Hoje não posso dizer que um esforço na tentativa de pelo menos amenizar a questão, tenha sido colocado em prática.
Eu me refiro apenas à AMORC, não ao Martinismo nem a Maçonaria.
Tenho a impressão que uma ordem atemporal, universal, que recolheu conhecimentos de várias culturas e civilizações ao longo de séculos tem uma bagagem e uma densidade de informações que precisam de uma mente no mínimo disciplinada para serem digeridas, absorvidas, consolidadas dentro do espírito. São temas que demandam sensibilidade, sutileza de pensamento e compreensão de conceitos demasiado abstratos para serem tratados com superficialidade.
Por isso é importante, principalmente nas coisas do espírito e do conhecimento espiritual, uma dose extra de objetividade.
E quando se fala em objetividade no espírito implicitamente estamos falando de organização emocional, de sentimentos esclarecidos e de uma mente equilibrada.
Não se pode ter a serenidade necessária para procedimentos de compreensão que solicitam um esforço mental continuado se não estivermos pelo menos emocionalmente equilibrados. Pensar bem não é apenas consequência de uma formação intelectual demorada, mas de um processo de amadurecimento pessoal que contemple o indivíduo com virtudes como paciência, com as dificuldades e consigo; uma vida pessoal estável onde as necessidades afetivas estejam supridas, ou pelo menos elaboradas; e, finalmente, clareza de objetivos quanto ao que se pretende com o estudo de assuntos místicos.
AMORC não enfatiza este aspecto embora, “in passant”, se refira ao tema em algumas monografias.
Os livros deixados por Spencer Lewis focam mais nestas questões. Sempre comento neste espaço o último capítulo de “Princípios Rosacruzes para o Lar e para os Negócios” intitulado “O Esqueleto no Armário”, expressão norte americana para os problemas ocultos e não resolvidos.
Neste capítulo, Lewis lembra que antes de empregar as técnicas de visualização criativa e de desenvolver a habilidade de entrar em modo receptivo quanto às inspirações intuitivas, precisamos ter a nossa parte psicológica devidamente equilibrada, e isto não é uma questão mística, mas psicoterapêutica por vezes.
Sem esta condição previa de, dentro do possível, ter seus sentimentos pessoais, suas inseguranças, seus problemas de relacionamento com as pessoas e com a sociedade resolvidos, ou ao menos encaminhados, a prática da arte mística é duramente prejudicada. Muitas vezes, o “chamado” de que sempre falamos, quando um indivíduo sente interiormente que deve se associar a uma ordem esotérica tradicional como AMORC, não é na verdade um chamado autêntico, mas apenas a expressão de uma curiosidade mórbida acerca do estranho e do obscuro, curiosidade esta que logo se verá decepcionada pela falta de acontecimentos de caráter espetacular e circense, digamos assim, por longo tempo em sua afiliação.
Está em Mateus 13:20-23  O que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se ofende; e o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo, e a sedução das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera; mas, o que foi semeado em boa terra é o que ouve e compreende a palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro sessenta, e outro trinta.”
É fundamental ao místico ter “raiz em si mesmo”, não ser suscetível aos “cuidados deste mundo” além de ter serenidade para atravessar os períodos de “angústia e perseguição”.
É esse aspecto subjetivo da personalidade que destrava nosso cérebro e nos permite absorver adequadamente noções e informações que nos serão úteis no cotidiano.
A memória, nós médicos sabemos de há muito, é duramente afetada pela tensão, pela ansiedade.
Angústias e perseguições fazem parte da existência, e nossa capacidade de atravessar a tormenta com equilíbrio vem de nossa serenidade psicológica, não necessariamente de qualquer dom espiritual.
A mesma serenidade que se desenvolve pela meditação verdadeira, aquela que esvazia a mente de preocupações e que desfaz os fantasmas da dor e do fracasso. 
Esta é a parte subjetiva de nosso comportamento objetivo. 
É a gramática do inconsciente, como chamava Sigmund Freud, que devemos considerar com tanta seriedade quanto a nossa espiritualidade e fé em Deus.
Estas são as minhas reflexões de momento. Muito mais pode ser dito, mas deixo a critério de cada um e de suas meditações descobrir outros aspectos deste complexo relacionamento em nós do nosso corpo com o nosso espírito. Espero que sejam bem-sucedidos nesta busca deste Santo Cálice, que os rosacruzes chamam de “Paz Profunda”.

domingo, 17 de março de 2019

REFLEXÕES ROSACRUCIANAS



Por Mario Sales




Neste fim de semana o capítulo rosacruz de São José dos Campos promoveu um debate com o título “O Mundo que Temos e o Mundo que Queremos” iniciativa do querido Frater Bispo, referência na região de capacidade e serviço a Ordem. Quatro expositores fizeram breves falas sobre temas variados: Frater Hugo de Paulo contemplou aspectos do Aquecimento Global e das Alterações climáticas; o Frater Carlos Alberto Balo di Giacomo, atual mestre do capítulo, abordou o impacto e os problemas do trabalho humano versus a entrada no mercado da inteligência artificial, que vem progressivamente substituindo um grande número de profissionais; soror Eni Alvim de Oliveira fez considerações sobre o difícil e bem sucedido processo ainda em curso de empoderamento feminino, como se convencionou chamar; e finalmente, eu fiz uma rápida análise dos problemas metodológicos educacionais, defendendo o papel da arte, principalmente a música, como elemento fundamental para reequilibrar a qualidade do ser humano e desfazer a angustiante situação de unilateralismo do pensamento racional-materialista.




Frater Raimundo Bispo

O que achei simpático é que sem prévia concordância, todos fizeram alusão ao fato de que as conquistas tecnológicas não podem ser descartadas, mas devem, isso sim, serem enriquecidas por uma mudança nos paradigmas espirituais e psicológicos na sociedade humana, tanto na modificação da relação com o meio ambiente (Frater Hugo), como na administração do ócio causado pela automação cada vez maior (Frater Carlos) e no aperfeiçoamento do caráter colaborativo e coletivo de trabalho, característica da abordagem feminina, na produção tanto de conhecimento quanto de bens e serviços. Para tal, sugeriram a necessidade de superar as inúteis conceituações de gênero (soror Eni) e passar para uma nova fase de trabalho humano menos hierarquizado e mais compartilhado.


Houve o consenso de que o problema da melhoria das condições de vida da espécie humana só será possível quando abandonarmos as fronteiras imaginárias que até hoje separam grupos étnicos, homens e mulheres, seres humanos e outras espécies que coabitam este planeta, e assim por diante. Após o fim do debate, coordenado por Frater Bispo, comentamos acerca da falta de sentido nas fronteiras entre nações. Em um planeta tão pequeno, com tantos problemas e escassez de recursos, supor que os que compartilham esse espaço geográfico e cósmico podem se dar ao luxo de viver separadamente é absurdo.


Soror Eni e Frater Carlos Alberto


Todos, entretanto, concordaram que o momento histórico ainda não é o desejado para um governo mundial, para a aplicação da simples regra de um planeta, uma espécie, um mesmo povo.
Acrescentei que os discursos antiglobalização são descabidos porque a globalização é inevitável, e sua implantação já está em andamento. Não se trata de uma tática de dominação de uns sobre outros mas do reconhecimento de que nossos destinos estão intrinsecamente associados e que a derrota de um é a derrota de todos.


Frater Hugo de Paula à esquerda


Economicamente já é assim. Resta superar o medo para que socialmente também o seja.
Salvo, no entanto, uma intercorrência de grande magnitude, realisticamente falando, exércitos, bandeiras e bravatas e ameaças de parte a parte continuarão por mais algumas décadas.
A humanidade, no entanto, continua em transformação, queira ou não, e os conceitos retrógrados e separatistas pouco a pouco estão cada vez mais ameaçados de extinção. A internet é um dos motivos. Em poucos anos, todo o planeta tornou-se um grande conjunto de mentes compartilhando idéias, boas ou más, mas compartilhando e descobrindo de forma não intermediada as semelhanças entre os diversos povos e regiões do planeta.
A ameaça que a internet representa para governos isolacionistas ou ditatórias é tão grande que a China já fala em restringir a rede ao seu próprio território, tentando com isso evitar o contágio de liberdade que o compartilhamento digital provoca. A Rússia também anunciou a intenção de bloquear o acesso da rede a sites internacionais, com objetivos semelhantes aos chineses.
O fato é que, queiram ou não os governos, tenham ou não os países medo desta súbita descoberta de seres humanos por outros seres humanos, ela já está em marcha.
Enquanto Frater Carlos Alberto falava do inevitável desaparecimento de profissões em função da entrada da IA no mercado de trabalho, eu pensava em como deve ter sido a chagada da luz elétrica para os profissionais conhecidos como acendedores de lampiões; ou do rádio e do telégrafo para os correios, hoje inclusive restritos apenas a entrega de encomendas e não mais de cartas.
O que hoje parece assustador vem acontecendo desde o século passado. Não é novo e não vai parar.
E é natural que assim seja porque tudo evolui e muda, e a permanente mudança é, de fato, a única coisa imutável na existência.
Resta modificar os seres humanos e não as coisas em volta deles. E urge a intensificação da atenção à melhoria da sensibilidade, mudando a relação com a realidade de manual para visual e auditiva.
Precisamos contemplar mais quadros e esculturas, precisamos ouvir mais música, precisamos despertar o lado direito do cérebro, tão relegado ao segundo plano.
É importante fortalecer nosso lado subjetivo sem prejudicar o lado objetivo.
Temos e precisamos dar atenção de modo objetivo à nossa subjetividade e a Arte é o caminho. É aí, neste campo do conhecimento, que expressamos nossos desejos e sentimentos mais profundos, onde conseguimos transmitir de modo mais claro e sem a necessidade da linguagem ideias e impressões pessoais acerca das coisas e do mundo.
E tudo que aumenta nossa capacidade de comunicação interpessoal é útil no processo de reunião da espécie em um corpo único. Aliás, o fato de que a arte pictórica ou musical transcendam a linguagem e além disso, o tempo e o espaço, já que a grande arte é eterna e transnacional, fazem dessa opção de comunicação entre o homem atual e o próximo homem, aquele ser humano que queremos, mais solidário, mais altruísta, mais empático a ponto de ser capaz de se colocar no lugar de seu interlocutor e compreendê-lo de modo mais profundo.
É esse talvez o horizonte que nesse debate deixamos implícito.
A mudança, como eu disse, já começou.