Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 16 de julho de 2016

VAIDADE E VERDADE

Por Mario Sales,FRC, SI, MM

“Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão
Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos
como um deus; e amanheço mortal

Lenine, trecho de “O Silêncio das Estrelas”




Já vivi o suficiente para não confundir imaginação e fantasia, para não crer em personagens, sejam os criados por mim, sejam os dos escritores ou os dos meus interlocutores.
Sim, o difícil é o diálogo com pessoas que entraram de tal forma em seus próprios personagens fictícios que já não tem certeza de quem são.
Principalmente os estudantes de assuntos esotéricos que se supõem fora deste mundo ou isentos de ligações com a vida comum, cabeças hipertrofiadas que esquecem o tubo intestinal aonde estão grudadas, e que as torna tão limitadas aos ciclos biológicos quanto qualquer mortal, autodenomine-se racional ou não.
A Vaidade e o Medo são aliados nestes delírios de grandeza, que cercam vidas medíocres como medíocres são todas as vidas, nadas que em si nada tem de cinematográfico, onde cada gesto seria acompanhado de um tema musical, de uma música que embelezasse o evento ou que lhe desse uma vestimenta romântica.
Vaidade não é mais que o Medo da Verdade, o medo da revelação de que, enquanto corpos e mortais, somos frágeis por demais para termos quaisquer superpoderes ou qualquer domínio sobre as coisas da Terra ou do Céu.
Por isso duvido quando me dizem que o estudo da Magia pode encerrar a busca de um aprimoramento espiritual. Ninguém em sã consciência, ou mesmo sem consciência alguma, busca um conhecimento para intervir no real sem buscar junto poder.
E que Poder? Poder sobre o que ou sobre quem?
Sobre tudo e, de preferência, sobre todos.
Poder sobre o externo, não sobre o interior, não sobre a nossa instável natureza, cheia de desejos e insatisfações, cheia de oscilações de vontade, mas sobre o mundo, que deixaria, subitamente, de nos confrontar com suas exigências de competência, suas demandas por habilidades que não possuímos ou que levaríamos anos de esforço para desenvolver. Um mundo de fantasia, portanto.
Por isso não creio nas personas ou máscaras que cada um crê que os disfarça com perfeição.
Existem pessoas demais buscando o santuário como proteção contra seus próprios demônios, e trazendo estes demônios, junto consigo, para dentro do santuário. Supõem-se deuses, ou prestes a tornarem-se deuses, com o mundo em suas mãos, mas, como lembra a música, todos os dias acordam mortais.
Urge exorcizarmos nosso meio ambiente das ilusões de cada um e de suas tentativas de nos impor suas crenças como realidade, dentro de nosso próprio templo.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

O CAMINHO E O CAMINHAR

por Mario Sales, FRC, SI, MM



Como vocês sabem, eu costumo diferenciar o sentido das palavras misticismo, esoterismo e ocultismo, dando a primeira o significado de conjunto de práticas que visam o contato com o Deus de nossos corações; a segunda, o conjunto de práticas intelectuais, cercadas de segredo, ligadas a interpretação de textos e símbolos antigos; e, finalmente, a terceira, o significado de conjunto de práticas ligadas a tornar possível a intervenção no real, de modo incomum, seja no plano da terra (magia), seja no plano do céu (teurgia).
De posse deste critério, podemos dizer que certas ordens são mais místicas e menos esotéricas; outras mais ocultistas e menos místicas; outras ainda, nada místicas, nada ocultistas e nada esotéricas, como é o caso da ordem maçônica na atualidade, a grosso modo uma filial estilizada do Rotary.
Eu sou um rosacruz e pertenço à Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC) há 40 anos. Pelo tempo, já me desfiz de ilusões e fantasias acerca das práticas esotéricas e/ou ocultistas. E fiz uma opção nitzchiniana pela busca, em qualquer trabalho, seja místico, esotérico ou ocultista, por resultados no Mundo da Vida, conquistas objetivas, não meramente metafísicas, não os “fantasmas” característicos de mentes pouco elaboradas, para usar um termo caro a Espinoza.
É minha posição que tais “fantasmas”, ligados a ignorância e à superstição, não só perturbam a evolução como também impedem a serenidade no cotidiano. São antes de algo que nos enriqueça como seres humanos, uma distração na senda para um coração mais conectado com a Consciência Cósmica, um estímulo ao ego e à vaidade inútil e com grande capacidade de nos colocar em um looping infinito.
O trabalho esotérico e o ocultismo, com suas fórmulas complexas e rituais exóticos, não equivalem a 1% do valor do esforço místico sincero. E neste esforço, nesta busca pelo Cálice Sagrado, só a meditação é necessária como instrumento de crescimento espiritual.
É verdade que precisei superar minha ignorância e insegurança lendo muitos textos de várias tradições para alcançar esta percepção. Assusta pensar que a cultura que acumulamos retarde nosso avanço e seja inútil para dar o salto de fé que precisamos para alcançar a iluminação.
Assusta porque o desenvolvimento da sensibilidade passa pela cultura e pelo conhecimento. Ambos são elementos formadores de uma personalidade nobre e diferenciada.
No entanto a erudição pode causar, e causa, a falsa impressão de que sejamos senhores de nossa existência e centros de importância em um contexto no qual somos apenas um dos elos de uma enorme sequência de elos, como os nós do cordão martinista nos lembra.
E como humildade não é uma virtude, mas uma técnica de liberar espaço em nós para que a Shekinah, a presença de Deus, se manifeste através de nós, quaisquer falsas sensações de que somos especiais em qualquer sentido, enquanto seres isolados deste fluxo de almas, prejudica a consecução de nosso objetivo último, a fusão ou a Yoga com Aquele que não pode Ser Nomeado.
Se algum dia formos capazes de desfrutar deste poder dado aos que com ele se fundem, será por sua presença em nós, não por algum poder nosso exclusivo, e isto escapa a maioria dos principiantes na escola e na senda mística, quanto mais na senda esotérica.
Quando vejo grupos de discussão interessados em conhecer as diversas experiências iniciáticas organizadas ao longo da história da humanidade, talvez na tentativa de demonstrar sua erudição, me pergunto para que serve e a quem serve este esforço.
Lembro-me da ácida frase de Saint Martin que ecoa no akasha nos últimos 3 séculos: “- será preciso tudo isso para ver Deus? ”
E a resposta que insiste em repetir-se é um sonoro não, que nos mostra a pouca atenção dada ao Munda da Vida, fora de nós, mas também ao imenso Mundo Espiritual, dentro de nós, o qual nos conecta a Inteligência Universal.
Uma e outra coisa são danosas.
A falta de atenção ao Mundo da Vida demonstra que não entendemos o papel e a razão de uma tradição literária esotérica, e de símbolos herméticos que a acompanham. Cada texto ou cada símbolo são apenas cartas de nossos irmãos do passado enviadas para seu futuro, que é o nosso presente, aonde podemos consultar excertos de sabedoria que estes irmãos lograram atingir.
E de que serve uma sabedoria que não pode ser aplicada, mas que uma vez aprendida, torna-se apenas mais uma parte de um gigantesco acervo de idéias sem uma contrapartida no real?
Ou seja, qual o valor de um intelecto hipertrofiado em detrimento de uma visa social à míngua, desidratada?
Se estamos em Maya, se estamos em Malkuth, qual seria o nosso papel senão desfrutar desta estadia, entendendo bem os possíveis ensinamentos que podem ser conseguidos neste ambiente virtual e real, a um só tempo?
Interpretar um símbolo antigo e não usar seus ensinamentos uma vez que estes sejam desvelados para melhorar nosso grau de interação social e psicológica, como se estas coisas fossem de menor importância diante das revelações do mundo esotérico, há muito tempo é um comportamento que me preocupa e que, na minha visão, apenas disfarça um desajuste psicológico que habilmente se mimetiza de erudição.
Que sites ou temas com estas características que eu descrevi proliferem, embora seja compreensível, me preocupa.
Ao verdadeiro esoterista é dada a missão de, através da exegese dos textos e símbolos, entender que a evolução espiritual é a única e mais importante missão de todo e qualquer iniciado, e que esta evolução só é conseguida pela interação social, pela melhoria de nossa capacidade de sermos misericordiosos, generosos, humildes, pacientes, tolerantes, cuidadosos com os sentimentos de outras pessoas, tudo aquilo que é realmente difícil de ser e que todos os dias somos desafiados a demonstrar, no Mundo da Vida, no mundo das relações humanas.
Na Ordem Maçônica e na Ordem Rosacruz, durante o ritual, somos lembrados de que o templo em que estamos é apenas e tão somente uma representação do verdadeiro mundo, que está fora do templo.
O Norte, o Leste (ou Oriente), o Sul e o Oeste, devidamente determinados, estão ali para nos lembrar de que o templo é um local de ensaio para o que vamos tentar ser fora dele, um local de treinamento, e apenas isto, não o local onde o nosso verdadeiro desafio será enfrentado.
Não.
Templos e livros, símbolos e Ordens são locais de aprendizado e não devem, em nenhum momento , serem confundidas com o mundo real, o Munda da Vida.
São setas na estrada, não a estrada em si, e quem confundir uma coisa com a outra, corre o risco de ficar paralisado no caminho, fascinado pelas cores de uma placa e esquecendo do que realmente precisa se lembrar, de caminhar, de seguir em frente, de continuar seu percurso, mesmo que a paisagem seja fascinante e nos cause receio abandoná-la e não mais encontrar outra tão bela.
Foi Parmênides que venceu, ao longo dos séculos, a disputa por um paradigma que permitisse o conhecimento científico e sólido que nos deu nossa sociedade e tecnologia, mas o mundo, na verdade, nunca foi e nunca será parmenídico, pois a natureza é mutante, e só Heráclito descreveu-a com fidelidade. Neste fluxo que Zigmunt Balman rebatizou de “mundo líquido” é natural que todos queiramos botes e barcos em que nos sintamos menos arrastados pela Vontade do Universo, só que isto não impede que o rio continue seu inexorável percurso, e que sua corrente não nos afete bem como a todas as coisas ao nosso redor.
Nosso papel, na busca de equilíbrio e serenidade, é entender que o esoterismo (bem como o ocultismo), segundo o critério descrito acima, devem servir ao misticismo e não o contrário. Se, como vejo na Internet ou pessoalmente, conhecimento esotérico signifique erudição e vaidade e ocultismo a busca fantasiosa de poder pessoal, o verdadeiro objetivo da existência (evoluir espiritualmente) terá sido olvidado, e o incauto que assim procede ficará girando muitas encarnações em torno de um mesmo ponto da jornada.
Ao caminhante cabe caminhar e se parar que seja apenas para recobrar suas forças, descansar, por algum tempo.
Como Heráclito diz, o fluxo é permanente e “nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio, duas vezes”.
A serenidade só será alcançada quando, em vez de tentarmos reter o fluxo, ou sair do fluxo, permitirmos que este fluxo flua por dentro de nós, e não ao nosso redor. Neste instante e que consigamos esta transmutação alquímica de relacionamento com a natureza das coisas tudo para à nossa volta e só o fluxo em nós persiste.
Este é o portal da eternidade que devemos buscar atravessar e reiniciar nossa caminhada em outro patamar, em outro nível de evolução.

É isso.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

NIETZSCHE E LURIA

Por Mario Sales, FRC, SI, MM







Malkuth não é o esgoto da criação.
E Kether não deve ser nosso foco nem nosso único destino sonhado e desejado.
Pés no chão, sem sapatos ou meias, precisamos sentir a terra em nossa pele, recuperar nossa ligação com a Terra, nossos vínculos.
Os esoteristas se dividem em dois grupos: os que afastam as colunas uma da outra, e os que as aproximam, de forma que o gradiente se intensifique e a centelha resultante do encontro dos contrários gere o terceiro ponto.
Quanto mais longe Jaquim de Boaz, menos chance do Adão Kadmon ou do mestre surgir, entre colunas.
Esoterismos por demais metafísicos são inúteis e apenas mais uma forma de fuga do Mundo da Vida, aonde precisamos estar mergulhados; aonde estamos, queiramos ou não, mergulhados de corpo inteiro.
Nossos templos, enquanto místicos que somos, não podem ser muralhas que nos ocultem da vida real.
Não podem ser cavernas aonde prisioneiros de nossas limitações, vivamos de descrever a passagem de sombras a nossa frente, sem perceber que as cores e a vida verdadeira está fora da rocha, às nossas costas, longe de nossos olhos enfraquecidos pela prolongada escuridão.
Malkuth, portanto, não pode ser desprezada nem demonizada, como o local de punição ou de exílio de outro local melhor. Parafraseando o poeta, “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”, e se a tradição tem alguma utilidade, é nos lembrar desta obviedade em todas as linhas e entrelinhas de seus textos.
Maya (ou Malkuth) é uma ilusão absolutamente fundamental, no seu mister de nos proporcionar um campo de experimentação indispensável aos exercícios que nos garantem a evolução de nossa qualidade e refinamento espiritual.
Não importa se Maya é real ou ilusória: importa que sirva ao seu propósito. Que seja útil. E isto ela é.
Malkuth é onde vivemos, amamos e aprendemos o despego e o serviço altruístico.
Malkuth, portanto, é nosso templo de estudo e adoração.
Malkuth é sagrada.
É nela que se manifesta a Shekinah.
Reverenciemos o Mundo da Vida e não amaldiçoemos a Terra em nome do Céu, como lembrava Nietzsche.
Isso além de incorreto, é profundamente injusto e demonstração de profunda ignorância espiritual.