Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

CORRENTES: CAPÍTULO 2 : O MEDO DA LUZ

Comenius: Considerações à parte, eu não vejo como não discutir a educação mundana dos iniciados.
Bernardo: Porque você lembrou disso agora?
Comenius: Por que como meu homônimo, rosacruz e pastor protestante da Moravia, sou um educador. E por que você sabe dos perigos que cercam a atividade mística, como por exemplo, o apelo à simplicidade como meio de atingir a plenitude, como se simplicidade não fosse a mesma coisa que mediocridade e falta de elaboração. O que vem antes? É apenas o extremamente simples que se transforma no complexo, como sugere o senso comum, ou é o extremamente complexo que, por assim ser, aparenta ser simples? Veja a formiga: pequena, aparentemente simples, mas uma vez posta sob o microscópio e analisada em seus hábitos de organização descobrimos uma maravilha de força e organização social, altamente complexa; ou a lâmpada, sobre nossas cabeças: acendê-la é um gesto simples e mecânico, que oculta a miríade de fios pelas paredes, para conduzir energia do interruptor até o bulbo, a fantástica invenção de Thomas A. Edison com seu tubo a vácuo com uma resistência elétrica que revolucionou a iluminação de cidades e países, ou mesmo as complexas centrais de geração de energia elétrica, que distantes daqui, a quilômetros deste restaurante, enviam constantemente energia para que esta simples lâmpada permaneça acesa. Não, a simplicidade tanto é o momento antes da complexidade, como a aparência daquilo que é tremendamente complexo, e que por isso, parece simples.
Assim, o espírito altamente refinado busca voluntariamente a vida simples por ser complexo e não por ser medíocre, tanto quanto o medíocre é simples porque não pode ser complexo e não por que queira ser simples. São coisas absolutamente diferentes, mas que foram tornadas sinônimos para preservar as pessoas na ignorância de maneira que não ameaçassem o poder dos sacerdotes e reis.
Com esta demoníaca estratégia, pouco a pouco a cultura, o discernimento, o eruditismo foram transformados em defeitos e não em qualidades, aquele que pensava por si mesmo era tido como suspeito e alvo de perseguição enquanto aquele que se conformava a repetir sem questionar o que lhe diziam ganhava o status de bom cristão.
Bernardo: Concordo. A velha armadilha católica.
Comenius: Exato. Por muito tempo a Igreja de Roma estimulou este tipo de perspectiva por pensamentos , palavras e obras, uma delas a permanência do texto canônico em uma língua que não fosse a do país em que a missa era rezada, o que mantinha o saber e o poder em mãos dos sacerdotes, especialmente treinados para ter o controle sobre o discurso adequado às almas dos devotos.
Bernardo: O intermediário perfeito.
Comenius: Sem dúvida. Uma verdadeira reserva de mercado para os padres no empreendimento de marcar entrevistas e conseguir audiências com o Todo Poderoso.
A distribuição de informações ou a elevação cultural dos devotos sempre foi temida pela igreja dos séculos medievais, ou por governos tirânicos e totalitaristas. Isto implicaria em perda do monopólio do conhecimento e de poder, ainda mais numa época em que a ciência era simples discussão de cânones bíblicos romanos, moderados por ensinamentos da Grécia Clássica.
Bernardo: Cultura grega esta, devidamente adaptada.
Comenius: Com certeza. Só não houve maior agressão ao conhecimento tradicional da Grécia antiga, porque nem todos tinham acesso e, suponho, deve ter parecido, naquela época, que o risco de contágio cultural era pequeno, já que nem cultura existia.
Bernardo: Mesmo assim muitos morreram nas fogueiras da inquisição por refletir com mais lógica e liberdade do que o desejado.
Comenius: É fato. A Arte foi perseguida, a Medicina foi perseguida, a Alegria foi perseguida e a Cultura só conseguiu ganhar algum fôlego em países que se livraram do jugo ideológico da Igreja Romana. No caso os países do norte da Europa. O curioso é que exatamente de lá vem o Protestantismo. Pode-se dizer que o rigor religioso era maior entre estes do que entre os católicos. É estranho que,mesmo assim, não tenham queimado cientistas aqui e ali.
Bernardo: É verdade, mas foi assim. Nos países em que a Igreja de Roma foi substituída por outra entidade religiosa houve progresso sem par. Basta ver a situação socioeconômica dos países nórdicos em comparação com a situação dos países católicos da América do Sul e central, como bem descreveu o sociólogo Max Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo(Die protestantische Ethik und der 'Geist' des Kapitalismus) escrito entre 1904 e 1905. É um conjunto de ensaios bastante convincentes fundamentando a tese de que a religião e os valores religiosos tem marcante, senão total influência na compreensão de mundo dos seres humanos, modificando até o grau de prosperidade de uma nação. Existem na minha opinião religiões que verdadeiramente enfraquecem o espírito em vez de o fortalecer. São todas aquelas que não reconhecem a liberdade do ser humano de contatar seu Deus de modo direto e sem intermediários. Graças a Deus não somos Cátaros em 1209 , e muito menos aqui é Languedoc.
Talvez, entretanto, por ironia, o mundo seja mais Cátaro hoje do que naquela época.
Comenius: É fato. E talvez, toda esta perseguição aos livres pensadores tenha sido por causa do Medo, este demônio do mal, que assusta crianças e homens, homens fracos e poderosos, ateus e religiosos. Medo de perder Poder, Status, a Vida. Medo da Fome, da Solidão. Poucos de nós crêem que são o que são por merecimento pessoal. Na maioria das vezes acreditamos estar em situação de instabilidade permanente, e achamos mesmo que somos apenas impostores e que a qualquer momento seremos descobertos.
Nos escondemos na mediocridade dos outros de forma que a nossa própria mediocridade não seja exposta e não sejamos vítimas da humilhação. Temos medo da Verdade que não é a nossa, temos medo da Diferença, que pode nos revelar por contraste. Não fomos educados para lidar com este Medo, não sabemos discipliná-lo, para transformá-lo de carrasco em auxiliar, nos dando os sinais necessários a autopreservação, função para a qual foi criado. O Medo nos afasta uns dos outros, nos torna agressivos e nos faz pessoas dissimuladas e frias em relação ao outro, em relação a qualquer um que precise de nós.
“...Disciplina é liberdade/Compaixão é fortaleza/Ter bondade é ter coragem...”, dizia o poeta.
Talvez a Bondade não seja Coragem, mas apenas ausência de um Medo patológico que adoece e amaldiçoa o espírito.
Bernardo: Acho que entre os medos que você enumerou podemos colocar também o Medo da Luz, o Medo da libertação de trevas que são antes de tudo aconchegantes e que nos mantém aparentemente, em um tal conforto visual, que chega a ser viciante.
A adaptação deve ser lenta, como previa Platão em seu Mito das Cavernas, mas mesmo sendo lenta, a mudança de paradigma é tão extrema que provavelmente assusta aos desavisados.
Falamos da Ilusão (Maya para os Hindus), como se fosse algo ruim, mas na verdade, é nela que estamos mergulhados até o pescoço, até eu e você nesta mesa estamos apenas brincando com imagens ilusórias e nos divertindo com isso.
Na nossa compreensão e no nosso atual estado de percepção, este é nosso mundo “real”. Como sair deste estado e desta compreensão sem desconforto ou resistência?
Daí talvez o medo da Luz que todos carregam em si, preocupados em evoluir, sim, mas não tanto que as coisas como as conhecemos percam total sentido para nós.
Comenius: É interessante sua abordagem, tanto quanto pertinente. Acostumamos-nos a ver uma das colunas que sustentam o Mundo como a Coluna das Trevas e a outra como a Coluna da Luz e a dizer: “- Quero esta e não aquela”, como se não tivéssemos duas pernas, como se não nos apoiássemos em ambas. As Trevas da Ilusão nos envolvem e nelas exercitamos o Conhecimento. Precisamos desta Ilusão como de um laboratório ou de um quadro negro. Ela nos ajuda a pensar e elaborar.
Não há perigo em estar nas trevas desde que saibamos para o que elas servem e não confundamos exercício intelectual com realidade.
Carl G.Jung achava que nosso lado sombrio, a Sombra, era composta de todos as nossas características inferiores mas que não era necessariamente algo ruim e também era fonte de nossa espontaneidade e de nossos insights.
Podemos viver em ambas as dimensões e passar de uma a outra, quando necessário. Para que não haja sofrimento nesta troca de ambientes, porém, devemos estar atentos à velocidade e ao ritmo do processo: se lento demais, sofremos pela manutenção do status de limitação; se rápido demais, sofremos pelo choque da mudança. Tudo no Universo baseia-se em ritmo, na velocidade certa, no senso de momento, parafraseando Marx, quando as condições quantitativas necessárias para o salto qualitativo estiverem postas. Aí, tudo acontece. Quando for a hora e o momento adequado. É preciso tempo e calma.Os nossos piores inimigos são o Medo e a Pressa.São ambos duas pesadas Correntes a serem quebradas na busca pela nossa liberdade espiritual.Com o resto até que podemos lidar.
Bernardo: Até que podemos, é verdade.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

CORRENTES CAPÍTULO 1

Aniax Klebstsvs,

FRC, SI , M.:M.:

30 de novembro de 2007



CAPÍTULO 1



CORRENTES

Bernardo: Há dois tipos de harmonia, Comenius : a primeira é a harmonia intelectual, que faz duas pessoas portadoras do mesmo discurso, defensores do mesmo argumento, de idéias iguais, se tornarem cúmplices.

Esta é uma harmonia e uma afinidade parcial.

A segunda,é a harmonia sentimental, ou cardíaca, como Louis Claude gostava de falar. Esta une verdadeiramente as almas, e as conecta de forma transespacial, independente de existir ou não, proximidade física.

Pessoas unidas por afinidades cardíacas, são realmente parte de uma mesma tripulação.

Comenius: Tripulação?

Bernardo: Sim, tripulação. A existência é como navegar, e quanto mais gente participa desta experiência, juntos, mais fácil fica desfrutar melhor da Viagem, já que pode haver revezamento.

Comenius: Uns descansam enquanto outros remam?

Bernardo: Isto. O barco é o mesmo. O barco é a egrégora.


Comenius: Egrégora?

Bernardo: Sim, egrégora. Papus, em seu Traité Élémentaire de Science Occulte (Tratado elementar de Ciência Oculta) a define assim : As egrégoras são "imagens astrais geradas por uma coletividade" (pág. 561).

Comenius: Ah, como um campo de força?

Bernardo: Sim, um campo de força, gerado por centenas de mentes conectadas pela via cardíaca ou intelectual.

Comenius: Eu tenho uma dúvida, aliás, uma quase certeza. Confirme se estou correto. Uma coletividade unida por laços intelectuais não forma uma egrégora de qualidade , mas sim uma falsa egrégora?

Bernardo: Sim, uma falsa e frágil egrégora. Alguma egrégora sempre se formará, mas não terá a mesma força de uma egrégora criada pelo encontro entre pessoas afins pelo coração.

Comenius: Para usar a imagem que você construiu há pouco, será um frágil barco?

Bernardo: Frágil, muito frágil, e se desmantelará ao primeiro sinal de tempestade.

Comenius: Vamos explorar mais a sua imagem: é possível que egrégoras ou embarcações diferentes naveguem na mesma rota?

Bernardo: No que me consta, não só é possível como na verdade todos nós, por diferentes caminhos, buscamos o mesmo porto. Navios diferentes, rotas semelhantes, mesmo destino. O oceano é grande, no entanto. É possível que duas embarcações ou mesmo duas esquadras, naveguem na mesma direção sem que uma veja a outra.

E é possível também que naveguem tão próximas que seja possível acenar para eles do nosso barco todo o dia ou trocar de navio às vezes, e fazer, digamos assim, visitas, de caráter social.

Comenius: Compreendo. Conheci uma vez um irmão que dizia ser impossível a convivência em egrégoras diferentes sem que um dia esta convivência gerasse conflitos e nos forçasse a uma escolha.

Bernardo: Tolice. Senão veja o que somos ao longo de um dia normal, senão visitantes de várias egrégoras diferentes. Isto faz parte da existência: este intercâmbio, digamos assim , entre complexos energéticos diferentes, quase como uma alfabetização vibracional. Os vínculos com nossa egrégora mãe , entretanto, nunca se rompem, e se esticam para nos acompanhar em nossas incursões em outros navios, que navegam dentro de nossa esquadra. O que eu acho impossível é visitar uma esquadra tão distante da nossa que nem possamos vê-la, que segue outra corrente do mesmo oceano. Isto nem me parece possível, nem desejável.
Comenius: Você falou em correntes? Como correntes marítimas?

Bernardo: Sim, falei.

Comenius: Crê então que seguimos correntes específicas no nosso trajeto dentro do oceano da vida?

Bernardo: Sim, creio. Acho que somos como somos e não de outro modo. E este modo de ser nos diferencia, nos garante uma identidade absolutamente clara. Não somos todos um no sentido de sermos manifestações iguais, mas por pertencermos a um tipo de embarcação que nos caracteriza, embarcação esta que segue, só ou acompanhada de outras, uma corrente específica deste oceano. Precisamos deste pertencimento. Isto nos dá uma direção e um sentido à nossa jornada.Estas correntes são, digamos assim, a expressão de nossas personalidades, tendências, crenças. Os seres humanos, homens ou mulheres, vinculam-se carmicamente a estas correntes, e serão mais felizes quanto mais se abandonarem ao curso que a corrente determina. Devemos navegar com nosso barco em correntes adequadas às nossas características e afinidades.

Comenius: E o que me diz : na sua opinião nós escolhemos as correntes ou elas nos escolhem?

Bernardo: Aqui eu queria frisar que simplesmente não sei lhe responder porque a viagem começou faz tanto tempo que acho que nenhum de nós se lembra. Suponho que isto tem a ver com o ponto de partida que aliás, também é o mesmo ponto de chegada.

Comenius: O mesmo ponto. Esta é uma viagem de circunavegação, em um planeta esférico. Existir é navegar em torno deste gigantesco mundo, deste gigantesco oceano.

Essa imagem do barco não é original mas sem dúvida é extremamente didática.

Bernardo: É fato. E na hora da partida, o Grande Navegador lançou-nos todos ao Oceano da Existência com tamanha força que criou as diferentes linhas de viagem. Vários barcos trilharam estas vias antes de nós , com tripulações diferentes, mas deixaram um traçado que hoje seguimos e que corresponde às nossas tendências. Esse traçado são as correntes.

Comenius: Correntes que nos conduzem, mas que, suponho, nos acorrentam também, em outro sentido.

Bernardo: Não acho. Acho que as correntes são oportunidades de ter uma vida mais tranqüila e produtiva já que estaremos harmonizados com um fluxo ao qual pertencemos. Nada impede que o indivíduo abandone o barco, em um bote pequeno, ou pulando dele, mas existem duas maneiras diferentes de abandonar o barco e trocar por outro: na primeira, o marinheiro amadureceu a ponto de perceber que não pertence aquela tripulação e aí é direito seu, baseado em sentimentos sinceros de incompatibilidade vibracional, procurar novas associações; isto trará transtornos, e alguma lentidão, mas é o mais digno a fazer; e a segunda maneira é abandonar um barco por simples diletantismo, inconstância, e instabilidade emocional: este marinheiro está condenado a perambular de barco em barco por que o problema não está no barco, mas nele, que não tem paz. Tal gesto não faz o menor sentido para um marinheiro experimentado. Por isso dizemos que ao entrar em uma egrégora, desde que estejamos em harmonia, é interessante que permaneçamos dentro dela, aonde permaneceremos protegidos, em evolução , já que toda a embarcação, toda a egrégora, se move em direção ao porto.

Comenius: É verdade. Visto desta maneira é difícil entender como alguém pode abandonar o barco. Ou mesmo ficar trocando de barco, pois toda vez que vamos para um barco novo recomeçamos a aprender regulamentos da nova embarcação. Já no barco antigo, nosso conhecimento provavelmente estava avançado o suficiente para que um recomeço como esse seja desnecessário e inexplicável.

O estranho é que vemos coisas assim com freqüência. Marinheiros que chegaram a um estágio que podemos chamar de oficiais de bordo, e que jogam tudo isto fora para serem marinheiros de novo. Talvez na ilusão de que os postos conquistados no navio anterior sirvam para o novo navio, mas a tripulação é outra, outro o ritmo de trabalho e de turnos.

Outro comandante, outras prioridades. Existem navios em que o mais importante é a limpeza; outros, a segurança; e existem aqueles em que a técnica de navegar é exigida com muito rigor, que primam pela qualidade intelectual e técnica de seus marinheiros, talvez porque o comandante ache que todos devem saber que são oficiais em potencial e que um dia, todo o navio será formado de capitães. Claro que este navio será mais difícil de acompanhar: muitas técnicas a aperfeiçoar, muito a saber sobre a navegação como ciência e arte. Levará tempo, muitos exercícios, muitas simulações, mas pense bem, Comenius, que tripulação!

Comenius: É verdade.

Bernardo: As tempestades que o navio tenha que enfrentar eventualmente não serão temidas, mas aguardadas com ansiedade, pois serão a chance de por em prática suas habilidades. Todos , lembre-se, são capitães, comportam-se como tal, buscam a perfeição e a excelência de um comandante verdadeiro.

Comenius: Serão homens de Vontade férrea.

Bernardo: Não Comenius, de Conhecimento Sólido, não Vontade, pois quem tem a técnica correta, não se esforça desnecessariamente. A Força da Vontade é inversamente proporcional a Capacidade Intelectual do marinheiro. Na verdade poder-se-ia dizer que o marinheiro experiente encara a rotina do dia com certo tédio, pois conhecendo bem o protocolo de todas as situações possíveis de acontecer durante a navegação , seu plantão é tranqüilo e sem sobressaltos. Ele terá tempo para se dedicar a outras tarefas e sua produtividade será maior porque não estará dilacerado pelo medo do fracasso ou do imprevisto. Resta muito pouco de acaso verdadeiro para marinheiros assim. Na grande maioria das vezes , as novidades e os acontecimentos que possam ser chamados de inesperados serão apenas recombinações de elementos já conhecidos e que serão rapidamente identificados por uma análise precisa da situação em meio ao caos aparente.

Observar o mar e o navio, é, antes de técnica , arte, mas também se aprende.

Comenius: É verdade. Bons capitães são aqueles capazes de formar grandes tripulações, grandes equipes, composta por marinheiros diferenciados e oficiais de primeira qualidade.

Bernardo: E você compreende, Comenius, que o navio é o que é a sua tripulação e seu capitão. Bons navios não são fortes na madeira ou nas velas ou nas cordas, mas são fortes porque sua tripulação é forte, e cada marinheiro do navio tem importância na avaliação final, pois o mais fraco dentre eles pode por toda a embarcação em risco. Portanto a solidariedade não é uma virtude mas uma medida administrativa de segurança. O navio não irá a bom porto senão quando todos seus marinheiros forem (ou se comportarem como se fossem) capitães.

Comenius: A viagem aí acaba?

Bernardo: Não acredito. Acho que recomeça em novos padrões e em oceanos desconhecidos para nós aqui e agora. Devem ser muitos os portos do Grande Navegador e, em frente de cada um deles, muitos e imensos oceanos.

Comenius : Navegaremos sempre, pelo jeito.

Bernardo: Sim, sempre, e isto sim é expressão da liberdade. Guiados por estas correntes nos libertamos de outras correntes, aquelas que nos oprimem e angustiam, como as correntes da inércia, da ignorância, da falta de determinação. Além disto, aprendemos, navegando, a navegar. A vida deixa de ser uma incerteza, passa a ser um deleite, uma aventura e uma diversão.

Comenius: Abençoados sejam todos os navios e seus marinheiros.

Bernardo: Que sejam para sempre abençoados.

COMUNICADO

Olá. A partir de hoje, com regularidade, publicarei em capítulos dois livros escritos há mais ou menos dois anos. Compõe-se de dois volumes de diálogos entre dois personagens: Comenius, um professor, que tem o mesmo nome do educador rosacruz, e Bernardo, um médico, que tem o mesmo nome de São Bernardo de Claraval, fundador da Ordem dos Templários. No caso, são dois rosacruzes imaginários a discutir sobre questões metafísicas no primeiro livro, que se chama "CORRENTES" e aspectos ligados ao cotidiano moderno da Rosacruz-AMORC, no segundo texto, intitulado "DIALOGOS ROSACRUZES".Não fiz estes textos para ficarem ocultos portanto divido-os com meus frateres e sorores, minha família espiritual. Espero que gostem e se gostarem, aceitem como meu presente de natal a cpnfraria de língua portuguesa, aqui e em todas as partes onde o idioma seja falado. Paz Profunda.

domingo, 26 de dezembro de 2010

DESCONFORTO

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:

Não sou cristão.


Antes que alguém atire a primeira pedra, peço sua tolerância e paciência para contextualizar esta afirmação.


Quando digo que não sou cristão, isto não quer dizer que não respeite e admire a personalidade e os feitos do Cristo, Jesus. Este ano, tornei-me ex-mestre da Heptada Guarulhos da Ordem Martinista, uma ordem sabidamente de orientação Cristã. Considero-me, pois, um dos defensores da causa do Cristo, como Mestre Espiritual que foi para todos nós, seres humanos, e como exemplo para toda a Humanidade.


Mesmo assim, não pertenço a nenhuma crença religiosa cristã, nem sigo seus dogmas religiosos, e, portanto não posso me colocar entre aqueles que seguem o que se convencionou chamar de Cristianismo, este conjunto de idéias atribuídas ao Cristo, mas que na verdade resultam de uma codificação que levou ao menos quatro séculos após a ascensão do Mestre aos céus, para ser elaborada através de sucessivos concílios de Bispos e Cardeais, bem como pela organização de uma doutrina fruto da combinação de três autores principais: Paulo apóstolo, Santo Agostinho, bispo de Hipona, e São Tomás de Aquino.


Repetindo, agora de modo mais claro: não pertenço a uma linha cristã de pensamento.


Admiro e anseio por imitar a vida do Cristo, mas não sou seguidor desta estrutura teórica tributária da tríade Paulo-Agostinho-Aquino, que se construiu em seu nome.


Muitas pessoas não tem claras esta diferença, em seus espíritos.


Eu tenho.


E, em sendo assim, desde muito jovem, o discurso que mais me atraiu, seja por sua postura, pelos seus contrastes ou por pura identificação foi o do Hinduísmo, como expresso nos Vedas, no Mahabharata, ou na sua principal parte, seu coração, o Bhagavad Gita.


Ali não se encontra a Culpa, o Lamento pela vida, o horror à vida material, o repúdio a prosperidade e à felicidade presente em discursos da maior representante do cristianismo ortodoxo como doutrina no planeta, a Igreja Católica Romana, coisas que sempre me causaram náusea, primeiro inconscientemente, depois de forma bem consciente do ponto de vista histórico.


Nos textos Védicos, a vida material é sempre exaltada, embora esta exaltação seja paralela ao alerta de que “Tudo é Maya”, tudo é ilusão, e que o papel do espírito é desfrutar conscientemente desta ilusão, para obter conhecimento e, por que não, deleite.


Semelhante a uma ida ao cinema, aonde concordamos em supor reais as coisas que acontecem na tela, de nos emocionarmos e assustarmos com elas, e observar certas afirmações interessantes saírem em meio aquele drama, afirmações estas que às vezes podem mudar nossa compreensão de certas aspectos da existência, ou da nossa própria vida.


A emoção nos torna receptivos e, há muito se sabe que aquilo que é ensinado pelo drama e pelo teatro, dificilmente se esquece.


E o teatro pode ser um deleite, um prazer, um divertimento, se estivermos conscientes de que tudo é apenas uma representação.


O Hinduísmo, ao contrário do Cristianismo e do Islamismo, não tem profeta.


A identidade dos autores dos textos védicos se perderam nas eras, e mesmo os comentários a estes textos, conhecidos pelo nome de Upanishads, que significa “ aos pés do mestre”, no sentido de explicação de rodapé, também são anônimos, e seus autores são conhecidos apenas pelo nome de Rishis, que quer dizer Sábios.


Os textos falam por si, não há, pois necessidade de citar ou mesmo conhecer seus autores.


Este envolvimento desde os 15 anos com a filosofia hinduísta não quer dizer que não tive meu flerte com a prática católica. Sou ocidental, nasci em um país católico, meus pais,melhor dizendo, minha mãe é o que se chamaria de uma católica convencional e encaminhou-me nessa direção desde cedo.


Foi, aliás, em uma Igreja Católica, a Paróquia de São Geraldo, em Ramos, um bairro do Rio de Janeiro, em 1970 ou 1971, já não me lembro bem, que tive meu primeiro contato com a vida templária. Fui coroinha, ou melhor, ajudei na missa muitos domingos.


Naquela Igreja, me tornei membro do que se chamava na época um Grupo Jovem, que substituiu o anterior, liderado por um rapaz muito carismático e criativo, com quem tive um breve contato pessoal, cujo nome era Perfeito Fortuna.


Para quem não conhece a história do teatro e do meio artístico carioca, Perfeito Fortuna foi membro e fundador de um grupo teatral conhecido como “O Asdrúbal trouxe o Trombone”, que revelaria talentos como Regina Casé ( também fundadora), Luiz Fernando Guimarães, e Evandro Mesquita, fundador da banda Blitz, onde uma das cantoras era Fernandinha Abreu. Foi Perfeito Fortuna também que fundou e administrou o Circo Voador, iniciativa pioneira e original, num espaço antes esquecido do Rio, a Praça 11, e aonde foram reveladas bandas como “Os Paralamas do Sucesso” e "Blitz" e "Legião Urbana".


Fiz esta digressão para dar uma idéia de qual era o ambiente na Paróquia de São Geraldo, absolutamente livre e tolerante, tolerância esta garantida pela administração de três padres católicos espanhóis, dos quais só lembro o primeiro nome:Antônio, Cipriano e Severiano.


Ao contrário de outras paróquias, na Igreja de São Geraldo tínhamos um salão a nossa disposição em que podíamos exercitar as mais diferentes tendências teatrais, com liberdade de expressão do pensamento, coisa que na época me pareceu que fosse comum a todos os templos daquela religião.


Mal sabia eu, na época que liberdade de pensamento e de expressão era exatamente aquilo que a Igreja tinha combatido historicamente, na ciência e na arte.


Os três padres que trabalhavam nesta paróquia eram atípicos. Antonio era professor de História, Cipriano de Eletricidade, e Severiano, sociólogo, dava aulas regulares na Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC.


Eu não sabia, mas todos homens cultos, e em crise quanto à sua Fé.


Tanto que, todos os três, Antonio por último, abandonariam o sacerdócio e se casariam, nos anos que se seguiram. Fora padre Antônio, que se tornaria anos depois professor de meu colégio, o Pedro II de São Cristóvão, nunca mais soube de nenhum deles.


No entanto, foi pela convivência com a extrema tolerância destes três homens em um templo Católico que entrei nas malhas do catolicismo prático, e acompanhando sua decepção, também me afastei.


A Doutrina não me dava respostas, não me oferecia solução para minhas inquietações interiores, e quem já foi adolescente sabe que elas são muitas. Ainda mais um adolescente com veleidades espiritualistas.


De qualquer forma foi a convivência com estes três padres, principalmente Padre Antônio e com a liberdade daquela paróquia que me ensinaram a importância dessas coisas.


Eu não sabia nada sobre Galileu ou Giordano Bruno, mas eu sabia que liberdade era muito bom.


A transição para o Hinduísmo foi suave. Antes de me ligar à Paróquia eu já tinha sido iniciado nos conhecimentos védicos, principalmente nos livros de um professor muito conhecido no Rio, Caio Miranda, o qual tinha várias academias de Yoga pela cidade.


A medida que diminuía meu interesse na espiritualidade católica aumentava meu interesse pelo misticismo hindu. Estudando o Gita, encontrava cada vez mais pontos de identificação entre o que eu sentia sobre o Universo e a Vida e o pensamento expresso naquelas linhas de forma bela e poética.


Por volta dos 17 anos, através de um colega e amigo feito no curso colegial, (hoje chamado ensino médio) conheci sua mãe, Abadia Caparelli, mulher de raro magnetismo pessoal.


Descobri que esta estranha senhora era membra de uma associação secreta, fundamentada em tradições egípcias, conhecida pelo nome de Antiga e Mística Ordem Rosacruz, cuja Grande Mestra no país era uma pediatra carioca, chamada Maria Moura.


Foi Sóror Abadia Caparelli a minha porta de entrada para a Amorc, nos idos de 1975. Eu tinha 17 anos.


Todos nós, adolescentes impressionáveis, a respeitávamos porque sabíamos que ela era dotada de estranhos dons.


Aquilo me fascinou profundamente e minha curiosidade quase explodiu. Somado ao fato de que se tratava de uma filosofia originaria do oriente, foi um salto tornar-me neófito desta nobre e misteriosa Ordem, a qual prometia em seus textos dar aqueles que estudassem adequadamente e fizessem certos exercícios os mesmos dons e o mesmo magnetismo que Abadia possuía.


A primeira vez que entrei em um templo Rosacruz anos depois, foi acompanhando Abadia.


Era um capítulo em fase de organização, em situação ainda tão precária que nem possuía sede própria e as reuniões aconteciam dentro de uma Loja Maçônica, a Augusta e Respeitável Loja Simbólica Cayrú, no bairro do Méier, se não me engano, na Rua Dias da Cruz. Por sinal, isto acontecia porque o Venerável Mestre maçon daquela oficina era também rosacruz e Mestre do Capítulo Méier, ora em processo de organização.


Vi, portanto, de uma só vez, dois tipos de templos diferentes em um só. Um templo Rosacruz dentro de um templo Maçon, e nenhum dos dois, embora templos, destinados a qualquer prática religiosa.


Embora não fossem templos religiosos, ambos eram preenchidos por profunda religiosidade, garantida pela atitude respeitosa e solene daqueles que os freqüentavam.


Eram templos elevados à Razão e ao Não Sectarismo, templos de Liberdade e Fraternidade, como aquela antiga Paróquia Católica que eu freqüentara anos antes.


Foi a primeira vez que soube do vínculo histórico entre estas duas nobres Ordens, às quais hoje pertenço.


Meses mais tarde , na Rua Fábio da Luz, ali perto, foi inaugurado o Templo próprio do Capítulo Rosacruz Méier, hoje Loja Méier, no final de 1976 ou princípio de 1977, com uma palestra de um frater muito famoso no meio artístico como ator, Carlos Alberto, naquela época orador oficial da AMORC. Mais uma vez eu testemunhava a relação entre a Arte e a prática do misticismo rosacruz, uma senda voltada para a busca da plena expressão do espírito humano em todas as suas manifestações.


Lembro-me que me encantei pelo despojamento do Templo, pela penumbra, pela tranqüilidade e por seu simbolismo interno. Tudo, absolutamente tudo dentro do Templo tinha um significado.


O Leste, de onde o Mestre oficiava a cerimônia, era um local de grande poder, mas em nenhum momento ofuscava o resto do templo, com pólos bem definidos com os quais dialogava durante o desenrolar do ritual, do drama.


Ali, o frater que ocupava o púlpito, simbolizava, e apenas simbolizava, o Mestre Interior, em nenhum momento demonstrando qualquer atitude personalista ou confusão entre o papel que desempenhava ali e a sua vida real.


Tudo era um teatro destinado a alma imortal dos presentes, uma ilusão com a qual concordávamos temporariamente, afim de atingir um estado de consciência adequado às práticas daquela noite.


Todos os rosacruzes que estavam ali eram buscadores do conhecimento.


Aprendi deste modo que o ritual de uma ordem esotérica ou mística nada tinha a ver com um ritual religioso, já que neste, como na Paróquia de São Geraldo aonde eu começara minha caminhada, apenas um indivíduo, o sacerdote, de forma solitária, incumbia-se de dialogar com a divindade e nós, devotos, apenas testemunhávamos este diálogo no altar, onde havia uma imagem do Cristo, sem podermos dele participar. Em um ritual esotérico e místico, ao contrário, todos os presentes são instados a participar ativamente deste diálogo, através de exercícios vocálicos e de imaginação, de forma a comungarmos individualmente e em coletividade com a presença divina.


O ritual religioso é personalista; o místico, partilhado.


E também diferentemente de uma igreja, a presença divina não está à frente de nós, mas entre nós, no meio de nós, em um local que tem em hebraico exatamente este significado, Presença Divina, Shekinah.


Este templo místico foi o Templo que aprendi a amar e respeitar, um Templo dedicado a busca Interior, livre dos dogmas da religião, consagrado a Fraternidade e à Liberdade de Espírito.


Por causa de todas estas coisas e do que elas significaram para mim na minha história pessoal, foi com profundo desconforto que vi a capa da última edição de “O Rosacruz”, aonde o artista Nicomedez Gomes, que tantos serviços maravilhosos já prestou a representação de valores rosacruzes, representou um tempo rosacruz com o Cristo na área do leste, quadro que ele denominou de “Luz”.


Consigo compreender que o autor da pintura tenha querido representar sua devoção pessoal nesta imagem, e, ao mesmo tempo, veja na imagem do Cristo a personificação desta Luz Espiritual, visão da qual não discordo; no entanto, o templo rosacruz não é um templo cristão, como não é budista, islâmico, xintoísta, judeu ou druso. Os membros da Ordem Rosacruz de outras partes do planeta podem não concordar e sentir o mesmo desconforto que eu, de formação hinduísta, sentiria ao ver a imagem de Krishna ou Shiva ali representada, já que o templo Rosacruz, repito, não é um templo religioso, mas um templo místico.


E o que caracteriza um templo místico é exatamente a impessoalidade, que permite que cada membro que por ali passa possa exercer suas práticas espirituais sem embaraço e sinta-se a vontade para mergulhar em suas próprias tradições em busca de um mesmo Deus Interno.


Embora muitos dos líderes rosacruzes historicamente tenham pertencido a uma linha cristã de pensamento, como os membros protestantes do Círculo de Tübingen, entre os quais Johan Valentin Andrea, redator do Fama Fraternitatis, ou o nosso primeiro Imperator para este ciclo de atividades, Harvey Spencer Lewis, metodista americano, a Ordem Rosacruz em si não é uma associação formalmente baseada em dogmas cristãos, existindo espaço em seus ensinamentos para todos os tipos de linhas de pensamento que tenham contribuído, de alguma forma, para o aprimoramento do espírito humano.


Seu Universalismo abarca todas as filosofias voltadas para o bem e para a evolução e dentro de suas fileiras todas as tendências espirituais legítimas podem encontrar abrigo.


Fazer uma representação de um templo rosacruz com o Cristo no Leste, embora com certeza com intento respeitoso, apenas reduz este Universalismo e pluralidade aos padrões de uma espiritualidade européia ocidental. Por mais que os cristãos achem que seu pensamento é universal, não é. Em certas partes do mundo e para muitas pessoas, os fundamentos e as imagens do cristianismo não tem nenhum significado e são, até mesmo estranhas a vida cotidiana destas pessoas.


O Rosacrucianismo não é uma religião, como de resto o Martinismo também não é, embora este sim seja uma Ordem de Inspiração Cristã, mas é bom lembrar, fundada por Ocultistas Maçons.


É por isso que, não sendo cristão, tive a honra de servir a causa Martinista com a mesma dignidade que um verdadeiro cristão faria.


Nem sempre fica claro para quem participa generosa e sinceramente desta nobre ordem, a Ordem Martinista, esta diferença entre uma Ordem Cristã e o Cristianismo como Doutrina baseada na tríade Paulo – Agostinho - Tomaz de Aquino.


Religiões são e devem ser dogmáticas. Ordens místicas são formadas por pensadores livres, como bem lembrou em um discurso o mais interessante dos Martinistas modernos, Stanislas de Guaita.


Devemos ter cuidado de não deixar este detalhe não tão sutil incomodar suscetibilidades, permitindo que a imagem do templo de determinada linha religiosa específica se confunda com a do Templo Rosacruz


Tolerância não é leniência, nem permissividade.


Lembremos sempre que na Ordem Rosacruz abrigam-se pessoas de muitos credos, que podem, e eu espero que não, sentir o mesmo desconforto que eu, Hinduísta, ao ver o templo Rosacruz assemelhado a um templo unicamente e exclusivamente cristão.

PS: Para conhecer um pouco da história da Paróquia ou Matriz de São Geraldo, recomendo a quem se interessar o blog : http://turmadeolaria.blogspot.com/; ali, um espaço feito por um amigo pessoal de Perfeito, fala-se nos eventos políticos ligado a Igreja. Pode-se ler mais no endereço http://revistaquem.globo.com/Quem/0,6993,EQG1010131-2157,00.html. A Matriz de São Geraldo, em Olaria, e sua história, se bem que de cunho mais oficial, sem citar os detalhes que me são mais caros está no site http://matrizsaogeraldo.vilabol.uol.com.br/; ali tem fotos da Igreja (maravilha esta coisa de Internet).

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

MUITOS ACESSOS, POUCOS COMENTÁRIOS

Por Mario Sales, FRC, SI, MM



Estou comemorando a marca de 3000 acessos no contador do blog, que foi colocado algum tempo depois do mesmo ser colocado no ar.


Portanto, são mais de 3000 acessos na verdade, mas simbolicamente, vale a comemoração.


Nas últimas estatísticas , temos tido acessos do Brasil mesmo, a grande maioria, 2583 acessos;em segundo lugar Estados Unidos, com 269 acessos; depois em terceiro o Canadá, com 162 acessos, nesses 9 meses de jornada. Seguem-se com números menores Portugal, Rússia , Reino Unido e França, com respectivamente 80, 22, 8 e 7 acessos.E fechando Croácia(6), Holanda(6) e Alemanha(4).


Infelizmente a precisão destas estatísticas está comprometida, pois tenho o meu próprio contador em forma de globo,que já registrou acessos de Moçambique, da Eslovênia, e do, pasmem, Japão, fora o México e a Costa Rica. Nenhum destes acessos está computado nas estatística oficial do Google, administrador do blog.


Não importa. Mesmo com estes acessos somando mais de 3000 em número, apenas em trinta ocasiões foi deixado algum comentário, às vezes 3 para um artigo, como o Pessimismo Martinista que parece ter feito sucesso entre os leitores, talvez por que aborde um ângulo pouco discutido em conventículo, o do caráter humano do Filósofo Desconhecido.


Trinta comentários em três mil acessos, apenas 1 % do total. É o número que reforça minha teoria de que a maioria destes acessos não configuram a leitura de um artigo, mas as vezes a busca por uma ilustração presente no texto, e que por alguma razão fascine alguém que procure algo que possa enriquecer seu próprio trabalho.


Comentários são importantes para o blogueiro porque demonstram a presença e a reação de quem leu e atestam que o texto foi lido, causou uma impressão a ponto de desencadear uma reação textual.


Por isso, peço, comentem mais. Depois de 3000 acessos começo a acreditar que mais de três pessoas lêem o que eu escrevo, eu incluso, mas gostaria muito de saber quem são essas pessoas, digamos, estas duas pessoas a mais que lêem estes trabalhos.


Para os próximos dias o lançamento de dois livros:”Correntes”, 1° capítulo da saga de dois rosacruzes modernos, um chamado Comenius, como o educador do passado, e outro chamado Bernardo, frateres que discutirão aspectos do conhecimento místico. Depois, um segundo volume destes encontros de Comenius e Bernardo, chamado de “Diálogos Rosacruzes”. Neste, ambos se infiltram em fóruns entre os rosacruzes e discutem agora assuntos do cotidiano da Ordem. Espero que gostem, e por favor, que comentem.


Aguardarei ansiosamente.


Grande Abraço e Feliz Natal a Todos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

AUTORIDADE VERSUS FRATERNIDADE

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:



Tenho acompanhado com alguma apreensão o aumento da freqüência do uso da palavra hierarquia no sentido administrativo, dentro das conversas da AMORC.


Existe um ditado no meio militar que diz que, a autoridade que precisa lembrar sua patente, já está desprestigiada.


O bom comandante, aquele que é amado por suas tropas, não tem necessidade de fazer valer suas divisas pois possui uma autoridade inerente a seu comportamento, o que cria lealdade e respeito por ele, de seus subordinados.


Em uma ordem não militar, como a AMORC, o fenômeno é mais intenso e vívido. Se bem que, como rosacruzes, somos instados a nos afastarmos de práticas personalistas, evitando assim o erro da Vaidade, por outro lado, todos nós temos como Frateres e Sórores, pessoas pelas quais temos profunda admiração e respeito. Estas pessoas exercem sobre nós sua influência cultural e psicológica, uma influência do bem, e mesmo que saibamos que são pessoas iguais a nós em suas limitações e incertezas, temos por ela o carinho que teríamos por um grande amigo, por um pai ou um irmão, em latim, frater.


Portanto ter carinho por este ou aquele rosacruz de nosso convívio mais imediato não caracteriza a prática do culto da personalidade, mas apenas o reconhecimento da influência e da importância daquele irmão ou irmã sobre nossas vidas e pensamentos.


Diva Ogeda foi uma dessas pessoas, quando entre nós. Não importa se seus comportamentos e orientações estavam ou não sempre em consonância com os fatos. O que importa é que todos nós que convivemos com ela reconhecíamos a presença do inspiração do Altíssimo em seu entusiasmo, espírito, e dedicação a causa da AMORC no Brasil e fora dele.


Jamais alguém contestaria uma determinação de Sóror Diva. Com sua fala carregada de sotaque, meio arrastada, tinha dominado a arte de influenciar pessoas ao seu redor e magneticamente, sem gestos exaltados, sem palavras ríspidas e sem lembrar quaisquer aspectos hierárquicos, conseguia tudo o que desejava daqueles com quem conversava em busca de algum benefício para a Ordem.


Diva foi Grande Conselheira da região SP2, de Atibaia até Queluz. Deixou o cargo após um sem número de realizações. Dedicou-se em seguida a consolidação da Ordem Martinista na região fortalecendo com sua presença e estímulo a Heptada Guarulhos, onde tive o privilégio de conviver com ela.

Por muito tempo, depois de deixar o cargo de Grande conselheira, apenas colaborou com capítulos, lojas e pronaoi sem nunca relembrar sua condição de ex-autoridade máxima regional, e em nenhum momento teve que lembrar seu passado para manter o respeito que recebia.


Ela era e sempre seria uma autoridade para todos nós que desfrutamos de seu convívio, pelo seu magnetismo, pelo seu amor genuíno ao rosacrucianismo e por sua vontade inquebrantável de intervir materialmente no fortalecimento administrativo regional.


É preciso que não esqueçamos o exemplo de pessoas como Diva Ogeda.Quem é verdadeiramente rei nunca perde a majestade.


Todos nós que ocuparmos algum cargo na AMORC devemos ter em mente que nossa autoridade virá de dentro de nós e não do cargo em si. Como se o cargo procurasse pelo indivíduo e não o indivíduo pelo cargo.


Ninguém aceitará a autoridade de alguém que lembre verbalmente que é uma autoridade ou que apele para seu cargo na Hierarquia Administrativa para demonstrar a sua importância.


Isto é apenas vaidade, e todos nós, do Imperator ao mais simples oficial administrativo, somos todos servidores da AMORC. Quanto mais alto o cargo, mais complexa a responsabilidade assumida, e mais espinhoso e trabalhoso o compromisso.


Mesmo assim, nem sempre nosso trabalho será aplaudido ou reconhecido e teremos de conviver com a ingratidão ou o aparente desânimo de alguns em relação aos nossos pedidos e requisições.


A tolerância é importante, mas como já disse em outro ensaio aqui, quem compreende não precisa tolerar.


É preciso que compreendamos e que desenvolvamos o poder interno, o que vem de dentro. Se assumirmos o cargo com o coração puro, forças místicas invisíveis virão em nosso auxílio e nos tornarão maiores do que somos pelo tempo que for necessário, de forma a que cumpramos com dignidade nossa missão.


E se nosso coração além de puro, conseguir sintonizar com estas forças de forma satisfatória, este poder não nos abandonará, e será como se fôssemos batizados no fogo, como em Pentecostes, e esta bênção em nós, esta autoridade em nós que vem do Alto, será eterna.


Que nossos líderes estejam sempre atentos a estes aspectos. Esta tem sido a postura tradicional de todos. Sua força vem de sua competência mística e espiritual, se é que podemos dizer assim.


Sem esta bênção do Alto, de nada valerá falar-se em cargos ou hierarquia.


Rosacruzes, em geral, não dão a mínima importância para estas coisas.

O CHAMADO DO MISTICISMO

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:



De fato, ser místico não é uma opção, como uma carreira militar ou científica.


Diz-se que todos nós temos um tipo qualquer de dom ou tendência e que devemos segui-la para alcançar realização profissional e felicidade (“Folow your bliss”, dizia Joseph Campbel). Às vêzes no entanto não temos clara para nós qual é esta bênção e tomamos decisões inadequadas à nossa natureza.


Mas ser místico, dedicar-se ao misticismo não é algo que permita erros, ou enganos.


É um tipo de chamado tão forte e ensurdecedor que não há como não ouvi-lo, mesmo que o sujeito não esteja muito bom dos ouvidos.


Não há como fugir ao comando interno e nos vemos, ato contínuo, na senda, buscando o Graal, o Cálice, espada em punho, mesmo que apenas(“apenas”?) em nossa imaginação.


Não vamos para este caminho em busca de compensação financeira, nem de sucesso. Não vamos em busca de poder.


Ao que parece, o único alento deste tipo de prática é o conhecimento pessoal que aurimos durante nosso esforço.


Muitas vêzes às custas de relacionamentos pessoais, de casamentos, e até de interesses particulares mais urgentes, embrenhamos-nos numa floresta de leituras e rituais que, por alguma razão nos atraem de forma irresistível.


Por isso acho gozado quando alguém tenta justificar o porque de ser místico, ou monta uma campanha publicitária tentando motivar pessoas a se tornarem místicas ou membras de uma escola mística tradicional.


Isto simplesmente não é fruto de convencimento, mas consequência de uma programação atávica, pré encarnacional.


E ponto.


Não há o que explicar. Só missões a cumprir, ordens a obedecer, trabalhos a realizar.


Estamos, como todos estão, nós , os místicos, nas mãos de Deus. Ele nos guia e nos orienta.


Ele nos diz para onde vai nosso pé direito e nosso pé esquerdo.


Resignemos-nos e tornemo-nos silentes em sua presença.


Nossa vida e nossa vontade há muito não importa.


Pois já já não vivemos mas é Deus que vive em nós, parafraseando Paulo, apóstolo.


É isso.

sábado, 18 de dezembro de 2010

A ERUDIÇÃO, O OCULTISMO E SEU CONTEXTO DE ÉPOCA

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:



Saber muitas coisas, acerca de diversos campos do conhecimento, era considerado uma qualidade humana, três séculos atrás, no chamado “século das luzes”.


Um vasto conhecimento inespecífico fazia do seu portador um indivíduo aceito com facilidade em círculos da alta sociedade, já que com suas informações variadas poderia entreter os convidados de um marquês ou de um conde, enquanto os músicos descansavam, ou mesmo, no lugar dos músicos.


Conhecimentos vastos acerca de um campo apenas, a chamada especialização, não renderia nem aumento de salário, nem prestígio intelectual igual àquele que falasse sobre tudo e sobre todas as coisas.


Passeios superficiais sobre o verniz de certos saberes eram mais facilmente digeríveis do que, por exemplo, um volume avassalador de informações acerca da química envolvida na fabricação das tintas de um pintor.


Cunhou-se naquela época o termo “conhecimento enciclopédico” que caracterizava estes personagens que tanto deleite levava às reuniões sociais de então (de Enciclopédia ,do grego antigo ἐγκυκλοπαιδεία, ἐγκυκλο "circular" + παιδεία "educação"). A primeira Enciclopédia do mundo ocidental moderno é obra de Diderot, em 1772.


De lá para cá, a tendência foi a redução do número de focos de atenção, até que os indivíduos ditos preparados fossem aqueles que possuíam muita, mas muita informação acerca de um único campo, ou sobre uma das partes deste campo, já que com o aumento do conhecimento científico tornou-se impossível que um único ser humano conseguisse dominar, com destreza, tudo que se acumulou em informação em todos estes séculos.


É a este processo que se chama especialização, pois aquele que se concentra em um único ponto, consegue divisar detalhes mais distintamente do que quem apenas passe os olhos de relance pelo problema.


Como, no entanto, tudo em excesso acaba se tornando um problema, e gera desequilíbrio, hoje vemo-nos às voltas com uma enorme carência de visão geral da ciência, ou do que se convencionou chamar de Humanismo. O que não quer dizer que a especilização esteja condenada.O mais provavel é que surja um novo especialista, o Transdisciplinarista, aquele que colocará dois campos de conhecimento aparentemente díspares para dialogar.


É verdade que muitos homens de ciência são excelentes músicos e discutem de igual para igual tendências e estilos com profissionais da área. Ou mesmo que físicos e matemáticos sejam profundamente apaixonados por assuntos filosóficos e tenham conhecimento que poderia se chamar de vasto naquela área.


Mas são poucos.


Um gênio do passado, que seria alguém que falasse duas ou três línguas e dominasse o conhecimento helênico com alguma segurança, sendo versado em todos os mitos da antiguidade, além de conhecer os estilos estéticos, hoje seria chamado apenas culto, e sempre teria que responder a embaraçosa questão: “Você faz o quê?”. Todos indagariam a qual contexto sua exuberância intelectual pertenceria.


O homo sapiens foi substituído pelo homo faber.


As pessoas são julgadas pelo seu desempenho profissional e pela pertinência de seu conhecimento à sua habilidade profissional específica.


Interessante será aquele que, além de ter um conhecimento específico bastante apurado de determinada técnica ou habilidade, seja capaz também de dialogar com outros saberes, principalmente se forem áreas bastante diferentes da sua.


Como eu disse acima, o conhecimento aumentou tanto em quantidade e qualidade que aquilo que se designava o gênio do passado não passa hoje de um mero erudito. Às vezes, até, se não for colocada a serviço da humanização de seu portador, uma erudição pedante e , novamente, inútil.


Melhor dizendo, hoje, qualquer erudito necessita de um contexto, o que em si não era uma pré-condição para o sábio do passado.


A relação entre o saber e o fazer é muito mais intensa em nossos dias e ser capaz de transformar idéias em atitudes e fatos depõe a favor de qualquer ser humano moderno.



No passado, não era assim. Um sem número de práticas complexas e pouco objetivas eram desenvolvidas apenas para demonstrar, primeiro a riqueza cultural de seu usuário e, segundo, servir de veículo para a sua própria vaidade .


O Ocultismo do século XVIII era um desses conhecimentos. Surgido da necessidade da época de intervir na realidade e em virtude da pobreza metodológica da ciência e a carência de aparelhos de medição e de tecnologia, o ocultismo com seus maneirismos e palavras obscuras, seus gestos estranhos e para alguns assustadores, saciava o desejo de demonstrar conhecimento a multidão ignorante, mesmo que este conhecimento, muitas das vezes, traísse apenas o desejo vaidoso de controlar a criação e mesmos as forças celestes.


Caracteristicamente complexo, com inúmeras regras e encantamentos em línguas desconhecidas, o Ocultismo ocupou no Imaginário da Sociedade daqueles dias um papel importante e , como de hábito, absolutamente inútil. Já que o Ocultismo, de per si, referia-se a busca de Poder e não de auto realização, seus praticantes mergulhavam em seus ritos com um desejo ingênuo de conseguir através daqueles métodos algo que não tivesse a ver com a monótona e insatisfatória vida que levavam.


Havia muitas doenças então e poucos remédios. A higiene era baixíssima ou nenhuma e a superstição campeava de forma totalmente descontrolada. Mesmo os chamados homens da razão dedicavam-se a práticas no mínimo equivocadas, com ares de seriedade que hoje em dia só nos traz um sorriso embaraçado aos lábios, como no caso de Elias Ashmole, maçon e rosacruz e um dos fundadores da Academia Real (Inglesa) de Ciência, da qual faria parte Sir Isaac Newton, que costumava tratar quadros de “febre” com um cordão de, pasmem, aranhas, pendurado ao seu pescoço.


Ora, em um mundo tão bizarro, nada pareceria bizarro, por similaridade.


Portanto o Ocultismo teve um contexto favorável sócio-psicológico que garantiu sua sobrevivência por décadas.


Hoje, inevitavelmente, ao testemunhar práticas ocultistas, que causam tanto fascínio em alguns místicos de certas tradições, cabe perguntar: “Para que serve isto?”


Existe, hoje, um contexto que permita que o conhecimento do Ocultismo possa ser mais do que erudição ou curiosidade?


Sinceramente acredito que não. Tal intervenção na realidade, se não é démodé do ponto de vista prático, o é, pelo menos, do ponto de vista ético.


Pois hoje toda pessoa equilibrada sabe que não pode, não deve e não precisa depender de técnicas ocultas para desenvolver sua sensibilidade ou sua espiritualidade.


Trata-se mais de algo Revelado do que de algo Oculto.


Pois em nossos dias, realiza-se todo o tempo, para fora sim, mas também para dentro.


A mulher e o homem modernos gostam de ver resultados de suas ações, mudanças objetivas em seu status psicológico e espiritual, mesmo que isto demande tempo.


O problema não é a lentidão das mudanças, desde que elas ocorram. O problema é a tergiversação, a procrastinação, a falta de foco no trabalho místico ou esotérico. Não se pode, em épocas mais objetivas, como a nossa, ser impreciso quanto aos seus reais objetivos sem pagar um preço por isso. O ser humano moderno tem menos paciência, muito menos paciência com o obscuro e indefinido do que o homem do século XVIII para o qual o tempo se arrastava, e a vida era infinitamente mais curta.


Mesmo esoteristas e místicos querem saber as razões do que estão fazendo, o prognóstico de seus esforços, a não ser que não estejam muito atentos ao que ocorre a sua volta. Pessoas pouco objetivas não conseguem bons resultados , ou melhor, resultados palpáveis, mesmo que sejam muito eruditas.


Por isso precisamos estar atentos se nossos pensamentos são claros e distintos ou confusos e mal direcionados, se sabemos o que queremos quando entramos em uma ordem esotérica qualquer, ou se estamos apenas matando tempo, como se diz, aprendendo coisas estranhas que tornem nosso tédio menor e nossa vida um pouco mais interessante.


O Ocultismo, como se conhecia no passado, hoje, deveria ser uma página virada da história Esotérica.


A busca interior prescinde de conhecimentos ocultistas.


Ou nas palavras de Saint Martin, avançadas para a época, ao ver a complexidade das práticas de Martinez de Pasqually, “será que precisamos de tudo isto para ver Deus?”.


Com certeza, hoje podemos afirmar com segurança, não precisamos.


Para ser sincero, acredito que o estudo do Ocultismo, embora curioso e até interessante, nos afasta de nossos objetivos mais importantes e é uma distração desnecessária no processo alquímico de aprimoramento humano.


Precisamos, isto sim, de atitudes condizentes com nossas crenças na importância do Bem e da Vida, como a prática da Solidariedade, da Misericórdia e da Oração.


Hoje sabemos que o Homo Sapiens é sempre, por ser Sapiens, um Faber. Não há oposição entre as condições.


Saber é realizar. Mesmo entre místicos. Mesmo na busca do Divino em nós.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A DOR

(Atendendo ao pedido de meu amigo Fernando, de Pernambuco, uma das duas pessoas que lêem este blog, e ao qual, por isso, não posso negar nenhuma solicitação.)



“Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de som e fúria , (não) significando nada.” Macbeth, ato 5, cena 5




A questão do sofrimento já foi abordada de vários ângulos pelos pensadores, escritores e místicos de todos os tempos. Filósofos propunham que por causa da dor inerente a existência e que atingia a todos de modo equânime, a vida não fazia sentido. Como no trecho da peça shakespeariana acima.


Já os religiosos vêem na dor e no sofrimento, físico ou espiritual apenas a demonstração de nossa culpa atávica, ou pelo pecado original ( aliás, que de original não tem nada), ou pela morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual também temos uma dívida, mesmo que Ele tenha dito que nos redimiria com seu sacrifício.


Já os místicos falam de um sentido secreto em todos os acontecimentos, oculto aos olhos dos não iniciados, que encerraria o motivo dos acontecimentos, partindo de um postulado que diz que tudo, absolutamente, tem um significado.


Acreditemos que a Dor que nos atinja tem ou não algum sentido, uma coisa devemos admitir: a Dor e o sofrimento nos mobilizam. Outra coisa que é consenso: a dor sem sentido é, psicologicamente, a mais dolorosa, já que quando eu sei por que apanho, apanho com mais dignidade, e sofro com estoicismo, sem queixas, porque sei que mereço. Já no caso de uma dor inesperada e aparentemente absurda, o sofrimento é muito mais intenso, com grande risco para a sanidade, já que, nas palavras do Coringa, último personagem de Heath Ledger, arquiinimigo de Batman, “a loucura e a gravidade são muito parecidas: basta um empurrãzinho!”.


O certo é que, como o fogo, e o calor por ele provocado, instabilizam as moléculas de um corpo e aumentam a capacidade de transformação de seu estado na matéria, a Dor instabiliza as certezas e convicções daqueles que a atravessam, causando insegurança e perda de referenciais para alguns, auto-reflexão para outros, e modificação ativa da natureza do sofredor.


Este é o papel da Dor, se é que podemos falar assim: transformar, liquefazer o que antes parecia extremamente sólido, cumprindo o aforismo de Marx que dizia que “tudo que é sólido desmancha no ar”. E eu completaria, "desmancha por efeito da Dor".


Nós buscamos o impossível: estabilidade e equilíbrio, já que é pelo desequilíbrio que vivemos e crescemos. Não é pela estabilidade que se garante a existência, já que estabilidade perfeita significa morte. Uma linha reta, perfeitamente reta, em um eletrocardiógrafo ou no eletroencefalograma, são péssimos sinais.


Viver é oscilar, desequilibrar-se, recompor-se e reequilibrar-se para, em seguida, desequilibrar-se novamente. Até o simples caminhar é baseado em sucessivos desequilíbrios prontamente corrigidos e refeitos.


O Sofrimento e a Dor, portanto, física ou psicológica, não tem um sentido em si, mas estabelecem as condições para a busca e o encontro de novos sentidos na nossa existência. Não nos ensinam nada em si porque Dor é apenas isto, Dor, e não um ensinamento em si, mas um alerta de que algo está errado e precisamos corrigir o rumo de nossa vida. Como um alarme de carro faz apenas barulho, mas em si não faz nada de especial em relação aquele que ameaça nosso patrimônio. Alarmes fazem ruído, mas não agem.


Quem toma as atitudes necessárias somos nós, que em virtude deste alerta vamos em busca de sua razão e nos questionamos, e procuramos dar sentido ao que aparentemente não tem, seja através da filosofia, do romance, do teatro ou da religião.


E assim, encontrando um sentido, o nosso sentido , para o que nos sucede, aliviamos nosso sofrimento em muito, às vezes conseguindo mesmo extirpá-lo, dando-lhe um nome, nesta álgebra emocional que busca o nome do X da Dor, e se resolve ao encontrá-lo.


Quando Santo Agostinho diz que o Mal não pode vir de Deus, mas que vem do homem, através de seus erros cometidos em função de seu livre arbítrio, ele cria um sentido para a sua Dor, a morte de sua companheira e depois, de seu filho de 20 anos.


Quando dizemos que nossa Dor é uma espécie de punição por nossos pecados e que por isso devemos suportá-la, mesmo sem compreendê-la, por que isto nos tornará mais fortes espiritualmente, estamos também traçando uma estratégia para tornar nossa Dor mais leve. Batizar a Dor é torná-la suportável.


São estratégias psicológicas para defesa de um ego fragilizado pelo sofrimento, e que perde, pelo menos por algum tempo, seus referenciais, como em um pesadelo, que parece não ter fim.


Embora seja muito duro para mim mesmo, dizer e escrever estas coisas, já que, nos últimos 4 meses esteja vivendo meu próprio pesadelo com um problema de ordem familiar, é absolutamente necessário que usufruamos deste período e saibamos retirar do Caos de nossas antigas certezas, novos elementos para crescer como seres humanos.


Nada a ver com Mal ou Bem, já que tudo que nos acontece tem a sua própria utilidade.


É nosso papel, de acordo com nossa competência intelectual, extrair sentido dos acontecimentos, ou colocarmo-nos em estado receptivo, atentos aos acontecimentos, certos de que todas as tempestades, por mais terríveis que pareçam, passarão eventualmente, e que devemos aguardar confiantes e calmos, por este instante certo de calmaria, que virá.


E com certeza não seremos mais os mesmos ao chegarmos neste período de Sol em nossas vidas, mas muito mais flexíveis e adaptáveis, como o ferro na fornalha precisa queimar e sofrer os golpes do martelo do ferreiro para conhecer, depois, a beleza de ser espada.


Que nos tornemos belas espadas na mão do Santo Cavaleiro.