Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O PAPEL DE MAYA

 

Por Mario Sales

 

 

Quando eu digo que Maya tem um proposito e que discutir se é ou não ilusória não é o mesmo que discutir se é boa ou má é porque não tem sido essa a linha de comentários sobre esta dimensão fundamental de nossa manifestação ao longo dos textos esotéricos que consultei nestas quatro décadas de esoterismo.

Os textos mais tradicionais, sejam indianos do período clássico ou europeus, do século XIX ou início do XX sempre trabalham o tema sob o viés de ilusão versus realidade.

Já argumentei e repito que um filme de cinema, (coisa que não existia no tempo de Platão e de seu Mito da Caverna, no diálogo “A República”), é um espetáculo de ilusão altamente divertido e instrutivo, pelo qual as pessoas estão dispostas a pagar para experimentar.

Ninguém na contemporaneidade sentir-se-ia mal se alguém lhe dissesse: “Ei, esse filme, é pura fantasia, nada disso existe”. A Resposta mais provável seria “Sim, é fantasia, e daí?”, com uma face perplexa acompanhando a declaração.

Porque o cerne da questão não é esse, mas sim o grau de utilidade aquela “fantasia” tem para mim em termos de diversão, prazer e aprendizado.

Um filme, feito por atores e cenários teatrais, efeitos especiais e truques com recursos digitais traz uma hora e meia, às vezes duas de entretenimento e emoção.

E é por isso que pagamos. Queremos aprender, queremos nos divertir e isso vale alguma coisa. Traz benefícios. 

A “ilusão” tem um papel, tem uma função artística e educacional em nossa existência.

É como discutir se um quadro de Magritte ou Dali retratam uma cena real, ou melhor, são reais, independente da emoção que desencadeiam em nós ou dos estímulos à nossa imaginação que provocam.

Olhar uma obra surrealista e não considerar seu impacto emocional e estético, é uma abordagem no mínimo estranha além de equivocada.

Da mesma maneira, discutir a realidade de Maya, ou seu aspecto ilusório como um defeito ou algo que a desabone é desconsiderar que nossa existência, nós que estamos mergulhados nesta simulação a partir da qual fazemos esta análise, é rica de emoções e sentimentos exatamente graças a este ambiente simulado.

O problema não é este, real X irreal.

O problema é como lidamos com esta experiencia.

Quem entra em uma sala de cinema concorda em, temporariamente, deixar-se envolver pelo enredo e pela historia narrada, como se real fosse. Em nenhum momento pode supor que está participando realmente de uma guerra, de uma batalha, de uma exploração no fundo do mar ou no pico do Everest. Sabe que não está viajando em uma nave espacial pelo espaço e muito menos que seja protagonista de uma trama de espionagem internacional.

É apenas cinema, arte, ilusão para nosso deleite e divertimento.

E uma hora, as luzes se acendem e tudo termina, e voltamos a nossa “outra realidade”, fora da sala de projeção.

Portanto, não é estar em um meio ilusório ou não que faz de Maya um problema ou uma solução, mas sim confundi-la com realidade, se bem que até hoje não sei bem o que é isto, o real, a não ser sob o ponto de vista do consenso de muitas pessoas que compartilham percepções semelhantes, o mesmo sol, a mesma lua, a mesma cidade, essas coisas.

Aí eu pergunto: em uma sala de cinema, não compartilhamos com a audiência que está na sala, simultaneamente, a mesma ilusão cinematográfica?

Por acaso isso a torna real?

Algo a pensar.

Não falemos mal de Maya. Usemo-la a nosso favor.

Esta é a sua função.


domingo, 24 de janeiro de 2021

NÃO SOU NADA

 

Por Mario Sales

 

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Fernando Pessoa in “Tabacaria”




 

Sempre achei curiosa além de infantilmente arrogante o hábito maçônico de conferir o título de mestres aos que atingem o terceiro grau de loja.

A palavra deveria ser reservada àqueles que realmente tem algo a ensinar, ou que se dedicam a esta nobre arte de passar, de modo compreensível, o conhecimento das eras, nem que seja para evitar que cresçamos para ter medo de vacinas ou achar que a Terra é plana.

Tal comportamento anticientífico deveria ter desaparecido da face de um planeta que se supõe tecnologicamente avançado, mas bem sabemos que estes não são os fatos. Carl Sagan já tinha previsto esta combinação nefasta de muita tecnologia nas mãos de quem não consegue compreendê-la, e que supõe, de modo ingênuo, que nossas conquistas cientificas foram simples e fáceis e realizadas em uma década, ou menos até.

Tal como crianças pequenas que não sabem os esforços e o cansaço envolvidos em mantê-los aquecidos, saudáveis e alimentados, grande parte da humanidade se comporta, nas palavras de um pensador contemporâneo, como se tivesse apenas direitos e não deveres.

Voltando ao tema, muitos querem da mesma forma ser mestres sem ter o que ensinar a alguém, sem estarem prontos para assumir a responsabilidade por um ou muitos discípulos. Esta relação, que configura um laço, um envolvimento que ata professor e aluno, torna esse exercício difícil, às vezes angustiante. Pode ser, entretanto, extremamente gratificante, se redunda em algum tipo de retorno, se o mestre divisa na face do aluno aquele lampejo que denuncia ter ele compreendido e absorvido o conceito estudado, fato em si suficiente para fazer o dia ou a semana de qualquer professor.

A maestria é, pois, um serviço, uma função social e humana, uma profissão. Não deveria ser um instrumento de vaidade, algo para aumentar o ego de quem não tem um conteúdo solido sobre nada.

Hoje, após seis décadas nessa encarnação, sei como é bom ser discípulo, como é confortante ter alguém que nos auxilie e inicie nos conhecimentos ainda desconhecidos. Sei também, com absoluta clareza, que não tenho merecimento nem para ser discípulo, e quando falo em merecimento não me refiro a aspectos éticos ou morais, mas à um conjunto de condições neurológicas que me permita absorver de modo rápido e eficiente os ensinamentos necessários acerca de qualquer assunto estudado.

Essas condições são docilidade ao receber a informação, capacidade de concentração suficiente, uma mente pragmática, uma memória privilegiada, energia e determinação para reler os textos e rever os conceitos ainda não totalmente compreendidos.

Sempre fui um analítico nato, e embora isso me confira um caráter reflexivo me faz, da mesma forma, um argumentador incontrolável, que, pelo menos no passado colocava em estado dialético cada ideia, cada informação. A docilidade citada acima permitiria que primeiro a informação fosse absorvida para depois ser analisada, como a comida só pode ser digerida depois de ser deglutida.

Hoje posso dizer que graças ao amadurecimento já não discuto tanto com as informações como antes, já mastigo mais as ideias e as engulo com calma, sem desconfianças ou rejeições automáticas, sistemáticas.

Embora não possa dizer que dominei a arte de escutar, hoje escuto mais do que falo. Tenho sincero desejo de compreender o interlocutor, quando a sua fala me causa interesse ou curiosidade. No caso de nem  uma coisa nem outra, aprendi a ser polido e não contra argumentar.

Isso já foi um grande alívio, psicológico e emocional.

Repito, estou me esforçando para aprender a arte de ser discípulo, não mestre. Querer ser mestre é uma bobagem. Ser um bom aluno, isso sim é uma meta factível, sensata.

“Não sou nada, nunca serei nada…” lembrava brilhantemente Pessoa. E completava que “à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

Sim, todos temos em nós a natureza da água do oceano, gotas que somos, mesmo assim somos apenas gotas, aprendendo a manifestar a água em nós, libertando-nos da impressão falsa de que somos algo mais que água ou diferente da água.

A capacidade de se concentrar é outro aspecto delicado. Principalmente quando a emoção mostra seus dentes, manter-se focado é difícil. Como agora em que escrevo enquanto no quarto ao lado meu idoso pai, doente, parece ter desistido de lutar e piora dia após dia, o que embora não me surpreenda, me entristece. Não é a morte física, a saída de um corpo já inadequado, que me aborrece, mas o desconforto logo antes disso.

Aos 96 anos ninguém deveria sentir dor ou falta de ar. A vida física deveria extinguir-se lenta e delicadamente, sem sofrimento. Nem sempre no entanto é assim. Nestes dias de peste, muitos amigos nos deixaram sufocando nos leitos de hospitais. Notícias chegam a todo momento de pais de amigos internados, desencarnando. Meu pai não tem COVID, mas está triste, diabético, com o coração fraco, e triste pela morte de minha mãe mês passado, ela sim de complicações tardias do COVID.

É um período difícil, como são todos os períodos no corpo.

Dentro desse contexto, escrever esse artigo exige capacidade de manter o foco independente de outros acontecimentos como monitorar as necessidades de um pai doente.

A mente pragmática, terceira condição do discipulado, é aquela que sabe das dificuldades e dos problemas a serem enfrentados, mas enfrenta-os um de cada vez dentro de suas possibilidades, dividindo as tarefas cartesianamente em partes para depois ir eliminando uma a uma. Se for interrompida, deixa marcada a fase em que parou de onde poderá retomar o trabalho quando puder.

Esse tipo de comportamento não pressupõe apenas capacidade intelectual, mas antes de tudo serenidade interior para seguir os passos um a um, independente das já citadas distrações que a vida nos traz.

Nem todo discípulo aceito pelos mestres da Fraternidade Branca eram portadores dessa serenidade. Quem ler Cartas dos Mahatmas, livro teosófico que narra os primórdios da Sociedade Teosófica, verá que Blavatsky teve serias crises emocionais em função das falsas acusações de que foi vítima e que caíram por terra apenas 100 anos depois de terem sido feitas, por intermédio da mesma instituição que as tinha feito.

Mesmo assim era ela uma das discipulas aceitas por Morya porque sua lealdade e determinação eram indiscutíveis e ao que tudo indica, estas eram as mais importantes qualidades para eles naquela época.

É claro que em um cenário ideal não deveria ser assim, mas devemos ter em mente que somos seres humanos, não conceitos.

Nossa vida e nosso karma, via de regra, não são uma linha reta, mas um traçado instável, oscilante, em que equilibrado é aquele que oscila menos e não aquele que não oscila.

Quanto a memória, quando a classifico em privilegiada, não me refiro a característica comum de reter dados e evocá-los quando necessários.

Por privilegiada refiro-me a qualidade de não repetir erros de natureza emocional e psicológica uma vez que tenhamos sofrido com eles.

Aliás, o sofrimento, este sim é um grande mestre, pois fixa em nossos engramas os eventos que nos causaram dor e desconforto para que instintivamente fujamos de episódios semelhantes. O que sucede é que muitos, por não aprofundarem suas avaliações íntimas, por não, digamos assim, fazerem o dever de casa, acabam se enredando em situações afetivas semelhantes seja no relacionamento com terceiros, seja no relacionamento consigo mesmo. Essa pessoa não terá a tal serenidade citada antes por não ter resolvido questões de caráter íntimo e não por lhe faltarem qualidades intelectuais.

É privilegiada a memória daqueles que erram uma única vez, já que a “desgraça dos homens é esquecer”.

Já energia e determinação no estudo são qualidades que andam lado a lado, já que uma depende da outra.

Lembro-me quando era uma criança no subúrbio que ficava fascinado com pessoas que tinham bicicletas com um dínamo atrelado ao pneu da frente. O movimento do pneu fazia com que a borracha roçasse o dínamo que então girava levando energia elétrica para o farol da bicicleta.

A energia e a determinação em pedalar andavam juntas e sem um movimento contínuo do ciclista o pneu não rodava e o dínamo não funcionava, mas se fosse o contrário a luz do farol ia bem longe e o caminho era mais seguro.

Textos esotéricos, como todo texto obscuro, demandam paciência e calma em sua interpretação. Sem energia a luz sobre estes textos não brilhará. Só pela leitura repetitiva e contínua conseguimos gerar condições de compreensão. Muitas vezes, uma repetição monótona, mas absolutamente necessária, como o movimento dos pedais da bicicleta.

Docilidade, capacidade de concentração , pragmátismo, memória, energia e determinação , somados, levam inevitavelmente à discrição e à humildade. Discrição porque são tantas e tão especificas as informações que poucos serão aqueles com quem o discípulo poderá dialogar satisfatoriamente e humildade porque qualquer um que se dedique de maneira sincera ao estudo perceberá eventualmente o tamanho de sua ignorância. Por mais que leia, por mais que estude, jamais imaginará este disparate de que se tornou um mestre ou coisa que o valha mesmo que muitos possam considerá-lo como tal.

Todas as pessoas sensatas conhecem a armadilha psicológica por trás dos elogios e dos títulos e talvez o de mestre seja um dos mais perigosos, já que o tolo se supõe no direito de exigir daquele que ele considera um mestre um comportamento e uma infalibilidade inexistente entre seres humanos, mesmo entre os altos iniciados, os Devan Choan.

A Adulação precede a cobrança e a cobrança, não satisfeita, leva à frustração e ao ódio. Lembrem-se, o ser humano infantil, como disse, é alguém que acha que tem apenas direitos e não deveres.

Por isso a discrição. Não se trata de querer esconder o que em si não pode ser ocultado. Trata-se de fugir dos equívocos e das armadilhas dos relacionamentos humanos, talvez a pior delas aquelas em que milhares de pessoas querem um mestre pra chamar de seu e para ele transferir a responsabilidade de viver por eles aquilo que é obrigação de cada um passar.

Todos temos nossa dor, mas é exatamente ela que nos ensina e nos motiva, que nos empurra para a frente e nos aperfeiçoa. Em silencio, sem drama, o desconforto vai nos manipulando e moldando nossa personalidade, tornando-nos mais e mais flexíveis. Como a água que se adapta a diferentes recipientes.

Não somos nada a não ser água, uma mera gota d’água com a presunção de ser independente da massa do oceano da qual salta e para a qual retorna.

Não sou nada, nunca serei nada. Contentar-me-ia entretanto em ser um bom discípulo, um dia, quando assim for possível.

Paciência.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A INVEJA DA CIÊNCIA

 

Por Mario Sales

 

"Acreditar é mais fácil do que pensar. Daí existem muito mais crentes do que pensadores."

 Bruce Calvert

 

 




Estava assistindo há pouco um vídeo de Luiz Felipe Pondé, publicado hoje no YouTube, que pode ser visto em https://www.youtube.com/watch?v=Gop0glAD_AA

quando lá pelas tantas, ele traz a reflexão de que em função do mal estar da civilização “quer se associar física quântica em espiritualidade”.

Embora repetitivo, trata-se de um tema que não me parece ter ainda atingido o núcleo das mentes envolvidas, seja como espectadoras de um discurso equivocado de associação arbitraria entre ambas as coisas, seja como enunciador desse discurso.

Não vou dizer que quem ouve e crê em tal disparate tenha má-fé. Sofre apenas da proverbial ingenuidade crítica acerca do papel da ciência.

O autor do discurso, sejam os que veiculam via internet este conceito absurdo, sejam aqueles que lucram financeiramente em encontros de fim de semana com títulos pomposos onde a palavra “quântica” assume o papel de adjetivo polivalente de coisas etéreas e pouco claras, qualquer um que use tal interpretação, nada tem de ingênuo. Talvez não conte nem pra si mesmo que está apenas trabalhando sua habilidade com as palavras para iludir a boa fé de incautos disponíveis, mas o fato, a rigor, é que se trata de um charlatão, de um canalha se me permitem o termo, que sabe muito bem como manipular a ignorância ou a fé alheia.

Não existe nada que proíba o uso da interpretação de conceitos de forma livre e plural. É da natureza da consciência humana atribuir sentido as coisas do mundo, como lembrava Edmund Husserl.

O que me aborrece profundamente é ver, por um lado, pessoas mal intencionadas iludindo pessoas de pensamento pouco crítico, e por outro, pessoas de boa índole sendo iludidas por estes charlatães.

Existe, desde há muito, uma certa impaciência entre pessoas de pensamento pouco elaborado.

Elas querem, como todos queremos, respostas. Mas a diferença entre mentes cientificamente educadas e outras mentes não é, como alguns crêem, a cultura específica, não é a erudição, mas sim a capacidade de suportar a própria ignorância e a perseverança em buscar fatos que sustentem de modo indiscutível, suas suposições.

Um cientista, digno desse nome, precisa de duas qualidades fundamentais para exercer sua profissão: determinação na busca por informações e paciência para suportar o tempo da busca.

Um homem ou mulher de ciência não pode ser uma pessoa precipitada, alguém que aceita com rapidez e docilidade quaisquer ideias como expressões da verdade. O pensamento crítico não é uma barreira contra o conhecimento, mas a peneira que separa o ouro da areia nas águas da informação.

Os místicos não estão isentos da responsabilidade de pensar. Os místicos não podem se permitir uma tal irresponsabilidade.

Dócil deve ser o espirito apenas à vontade do altíssimo, não às afirmações arbitrárias de quem quer que seja, principalmente daqueles que tem habilidades discursivas, que falam bem e aparentemente possuem encadeamento de idéias.

A língua se movimenta como a serpente, de forma as vezes rápida, as vezes lenta, mas em oscilações constantes. Essa, a meu ver, deveria ser a associação simbólica com a serpente do éden, no mito judaico da criação no Éden.

A palavra é a verdadeira manifestação da magia. Encantamentos, feitiços, na história do ocultismo, sempre foram pronunciados, falados, e a associação, do ponto de vista representativo, é perfeita.

Contra o poder mágico da palavra surge a verificação experimental, a paciente busca por comprovações práticas ou ao menos matemáticas das afirmações que saem, sem esforço, pela boca.

É por isso que bons e maus ocultistas têm essa conhecida inveja da ciência. Atacam-na permanentemente, chamam-na de lenta, demasiadamente cética, acusam-na de ateísmo e de falta de flexibilidade. Partem do princípio, ingênuo, de que a natureza humana permite que olhemos o mundo sem cuidado, que não verifiquemos todas as informações que nos chegam, na maioria das vezes como produto de crenças pessoais descritas com beleza as vezes, com elegância linguística, o que necessariamente não significa que tragam em si a verdade.

E por ser a promotora da melhoria da qualidade de vida social com a tecnologia e os procedimentos médicos que geram saúde e a maior quantidade de seres humanos vivos simultaneamente na historia conhecida, graças aos antibióticos e os avanços da higiene, a ciência, esta paciente senhora, é atacada mas também invejada, a ponto de que, sabedores da importância que ela transfere às suas informações e afirmações, todos, ocultistas sérios e charlatães, querem dar as suas próprias elaborações aspecto científico, seja afirmando que tem “provas” do que afirmam, seja atribuindo aos seus delírios nomes oriundos do trabalho cientifico, como “relatividade”, “quântica”, e outros.

Mais: é comum vermos uma vitimização dos místicos em relação aos cientistas, alegando que esses “seres insensíveis” não crêem em suas informações apenas por falta de compreensão. Às vezes mesmo alegam que são perseguidos por suas crenças.

Essa tolice não se sustenta. Homens ligados ao ocultismo, mas com formação cientifica, como Papus, o medico Gerard Encause, já em 1900 lançava já por terra a noção de que, para a ciência contemporânea, interesse perseguir algum místico, como nas épocas de séculos atrás, da inquisição católica.

Dizia Papus: “Não importa que um não iniciado tenha acesso a textos esotéricos. Se os ler, não se interessará; se se interessar, não compreenderá o que está escrito; se compreender, não acreditará.”

Assim, embora a ideia de que alguma força real ameaça a prática e o estudo místico seja atraente e romântica, hoje a única coisa que nos cerca e, ao mesmo tempo que nos combate, nos protege, é o desprezo pelo discurso místico esotérico, considerado por alguns obsoleto e por outros totalmente descabido e absurdo.

Isto não quer dizer que não exista uma enorme multidão disposta a crer em qualquer coisa que pareça verossímil, desde que não implique muitos anos de estudo ou muitas leituras. De preferência explicações e soluções fáceis para problemas complexos, que pareçam retirar de nós o ônus de viver e assumir nossas responsabilidades kármicas, intelectuais e sociais.

Atacar a ciência, mas parecer científico, este é o lema.

Algumas nobres ordens buscaram romper com essa estratégia, mas aos poucos sucumbiram ao apelo fácil de vender crenças, não conhecimento.

Essa é a suprema iniciação, conseguir aliar em um só individuo capacidade reflexiva e docilidade espiritual, que não são como querem nos fazer crer os charlatães praticas incompatíveis.

Crer, por crer, sem qualquer critério analítico, é apenas ser ingênuo, um religioso, não um místico, o que não é em si certo ou errado, pois o verdadeiro religioso em êxtase na sua adoração ao Ser Divino, não procura iludir os outros pela palavra, mas vive o seu exemplo em sua própria vida, como Jesus, Paulo apóstolo, Lahiri Mahasaya, ou Ramana Maharishi.

O místico esoterista, entretanto, herdeiro dos alquimistas, dele se espera mais discernimento, mais seriedade, tanto no que fala como no que considera certo escutar e repassar adiante.

Discernimento é aliás exigido de todos, desde os tempos imemoriais do início da prática da Yoga, e tem inclusive um termo em sânscrito que o designa: Viveka.

Esta piada de mau gosto do “misticismo quântico” ou de que ciência e misticismo são inimigos, precisa acabar.

PS: Agradeço a contribuição de Flavio Bazzeggio que manda o link de comentário de Marcelo Gleiser pertinente ao assunto tratado: https://youtu.be/ckPQT6wLEf4