Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

SEJA

por Neil Diamond 






Perdido
Em um céu pintado
Onde as nuvens estão penduradas
Aos olhos do poeta
Você pode encontrá-lo
Se você se permitir encontrá-lo

Em uma costa distante
Pelas asas dos sonhos
Através de uma porta aberta
Você pode conhecê-lo
Se você se permitir

Seja
Como uma página que deseja uma palavra
Que fala sobre um tema que é eterno
E Deus dará sentido aos seus dias
Cante
Como uma canção em busca de uma voz que é silenciosa
E o Deus único dará sentido ao seu caminho

E nós dançamos
Por uma voz sussurrada
Ouvida secretamente pela alma
E aceita pelo coração
E você pode conhecê-la
Se você se permitir conhecê-la

Enquanto que a areia
Que se tornaria pedra
Tornou-se centelha
E transformou-se em ossos vivos
Sagrado, sagrado
Santo, santo

Seja
Como uma página que deseja uma palavra
Que fala em sobre um tema que é eterno
E Deus dará sentido aos seus dias
Cante
Como uma canção em busca de uma voz que é silenciosa


E o Deus único dará sentido ao seu caminho

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

TEXTOS E MAIS TEXTOS

Por Mario Sales, FRC




Já comentei neste espaço que o esoterismo é feito de textos, não de fatos.
Os acontecimentos fantásticos que o Esoterismo contempla, a manifestação de dons chamados sobrenaturais, os acontecimentos espantosos, são, em sua enorme maioria, descrições literárias, preservadas em produções intelectuais de autores, hoje consagrados, como Eliphas Levy, Papus, Blavatsky, Paramahansa Yogananda, Gurdjieff e outros.
Os seguidores do caminho esotérico, ou por fé, ou por identificação com vivências pessoais, reconhecem esses relatos como fiéis à realidade, e passam esses relatos lidos à frente como se fatos fossem.
Alguns podem se surpreender com essas simples e óbvias considerações. Podem identificar um traço de ceticismo nestas linhas. Ninguém, no entanto, poderá negá-las.
Se no campo esotérico a atividade intelectual é constante, e muitos, muitos textos passam por nossos olhos enchendo nossa mente e imaginação de ideias e conceitos, no campo místico só a experiência inefável, não comunicável com palavras, íntima, pessoal, importa.
Esoterismo é estruturado no estudo e na reflexão. Misticismo é silêncio, recolhimento.
E silêncio, o verdadeiro e genuíno silêncio, não é compartilhável.
Portanto, o momento em que o esoterista se transforma em místico é aquele em que ele passa da imaginação à vivência.
Textos são como fósforos que acendemos para incendiar a madeira da lareira do coração. Uma vez que o fogo pegue força e vigor, nenhum estímulo mais é necessário. Bastará que alimentemos com a lenha da existência que queimará e se transformará, nos aquecendo e iluminando.



Não que os textos não tenham importância. 
Textos, no entanto, como tudo na vida, têm seu momento específico. Quando o fluxo intuitivo se instala, nem todas as páginas do mundo, nem todas as letras poderiam descrever as miríades de cores e sensações que nos atingem, segundo após segundo, enquanto imóveis contemplamos seu desfile.
O estado meditativo é o estado místico, a conexão. Participamos do drama cósmico de várias maneiras, como atores, como espectadores ou como ambos, quando a iluminação vem nos abençoar.
E isto, iluminar-se, é só o princípio de outras infinitas buscas e jornadas, sem textos, mas geradoras de textos, descrições de acontecimentos, mas não os eventos em si.
Daí a maioria dos mestres não terem produzido textos. A linguagem é demasiada lenta e grosseira para poder atender a velocidade de ideias que a intuição da conexão com o Cósmico nos traz. Os evangelistas escrevem pelo Cristo, Ouspensky por Gurdjieff; Platão por Sócrates.
Os que captam , os que se conectam, entram em estado de embriaguez permanente, incapazes de redigir com serenidade o que vem à sua mente em forma de pura emoção, e quando muito, esta emoção, este amor universal apaixonado pela vida se transforma em falas inspiradas, em sermões como o da montanha, em bênçãos na forma de palavras.
Existe um lindo slogan dos seguidores de Rajeneesh, que preservam sua presença em vídeos, que me encanta sobremaneira.
Eles dizem que os discursos de Osho são “silêncio compartilhado em palavras”.
Talvez seja. Existem até mesmo alguns mestres como Ramana Mararishi, que não falavam, mas davam a entender a beleza de sua percepção do Universo com sua santa presença.
A presença física de um Mestre, em si, já é uma bênção. Nós chamamos isto de Darshan, a bênção da presença.
Todos nós, que somos esoteristas e buscamos o estado místico, precisamos para fazer esta passagem de vivências internas, de nosso próprio silêncio, sem o que jamais iremos além dos textos.
Seremos apenas eruditos sem vida, sem luz própria, sem conexão.
Como eu disse, ou por fé, ou por identificação com vivências pessoais, estamos neste caminho, mas só a vivência íntima nos transformará. Tal percepção é profunda e intensa demais para sustentar-se apenas na fé, apenas em crenças pessoais.
É isso.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

SUGESTÕES PARA A ORDEM ROSACRUZ DO SÉCULO XXI


por Mario Sales FRC



Vinha pensando agora, enquanto dirigia para o trabalho, na velocidade com que a importância e a relevância de ordens esotéricas têm diminuído. É uma afirmação dura, talvez difícil para alguns de digerir, mas que na minha avaliação, em perfeito acordo com os fatos.

Esoteristas são, hoje, relegados ao segundo plano pelas tecnologias que enfraquecem a capacidade discursiva e de reflexão das pessoas. Tudo é instantâneo e fugaz, tudo é líquido, como diz Zigmunt Bauman, e flui com a rapidez característica dos fluxos acelerados deste tempo de impermanência.

Organizações que se dedicam a preservar tradições enfrentam o anacronismo de suas posturas, já que se adaptam com muita lentidão aos acontecimentos sociais e psicológicos de nosso tempo.

Não vou falar da Maçonaria, com seus mais de 200 ritos, e costumes conservadores. É de se supor que o menos flexível se desmanche primeiro sob os efeitos dos ventos do tempo.

Falo da minha querida AMORC, que luta para ter prestígio internacional e procura, de todos as maneiras, uma inserção no debate sócio político e espiritualista sem o sucesso que alguns comemoram, exageradamente.

Não temos mais grande importância ou destaque neste cenário caleidoscópico e fragmentado deste momento histórico. Somos para os não iniciados no máximo, um grupo de pessoas curiosas, que professam crenças semelhantes aos kardecistas, para muitos, uma religião que em termos de difusão e expressão no cenário mundial tem uma presença midiática mais forte.

Sim porque para a maioria das pessoas, o esoterismo não passa de outro tipo de religião, de seita, com práticas exóticas, mas uma religião como outra qualquer.

Sempre foi para mim difícil explicar a alguém o que era ser rosacruz, obviamente em primeiro lugar pela associação imediata que a maioria dos interlocutores faz com a palavra “cruz”.

Agora o que percebo é apenas desinteresse ou um interesse efêmero, como são efêmeras todas as tentativas de manter foco intelectual em alguma coisa hoje em dia, tamanha a competição de estímulos em nossos sentidos.

Esta, aliás, é a explicação da nossa diminuição de espaço no imaginário popular: a competição de outras expressões culturais, tão importantes quanto o esoterismo, mas talvez mais atraentes na forma e na apresentação.

É difícil fazer o que Spencer Lewis fez, de modo admirável, no início do século XX, traduzindo para uma linguagem contemporânea textos de centenas de anos, técnicas guardadas por Sir Hyeronimus e seus poucos seguidores com o carinho que só os guardiães têm por aquilo que preservam.

E precisamos de novas mudanças didáticas se não quisermos perder mais mebros ao longo dos próximos anos.

Quando entrei na ordem, em 1975, tínhamos em torno de 100 mil afiliados, salvo erro da minha parte. Hoje oscilamos em torno de 25000, o que não é um número desprezível, mas evidentemente bem abaixo do que já foi no passado.

E se não houver uma mudança de abordagem ou de estratégia curricular, na transmissão do conhecimento principalmente aos membros de sanctum, temos poucas chances de melhorar estes números de afiliados e, temo, eles continuarão a cair.

Embora seja uma organização internacional e bem estruturada, não será por falta de empenho administrativo que o risco de desaparecimento gradual de Ordens esotéricas diminuirá. Anônima e gratuitamente existem milhares de pessoas em todo o planeta comprometidas com a manutenção do legado rosacruciano. É a sociedade que se modificou de modo vertiginoso, demandando um outro tipo de estratégia, um nova forma de exposição de antigos conhecimentos.

Só diagnosticar problemas não é suficiente; então passemos às possíveis soluções.



O impacto da ciência continuará aumentando na sociedade, mesmo com movimentos obscurantistas e retrógrados espalhados pelo mundo, como o grupo anti vacinas dos Estados Unidos, que colocam atualmente em risco a saúde pública americana com vírus que já estavam sob controle ou os movimentos criacionistas que combatem o Darwinismo e o raciocínio antropológico. Não sei como este conflito terminará, mas suponho que é difícil defender uma o uso de uma vela para leitura diante de uma lâmpada elétrica.

E, fora a ingenuidade de supor que a tecnologia tudo resolve e resolverá, é preciso admitir que já não há retorno a condições de vida chamadas “naturais”. Nossa sociedade é essencial e predominantemente artificial, e isto, a meu ver, aumentará ao longo do tempo.

Por isso nós, médicos, lutamos uma guerra aparentemente perdida na busca pelo aumento da atividade física em uma sociedade de hábitos cada vez mais sedentários e voltados ao ócio.

Embora perfeitamente possível, a prática de uma vida saudável exige mudanças de comportamento que o cotidiano de qualquer grande cidade do planeta insiste em desmobilizar.

Então, feito e encerrado este parêntese, minha proposta é que façamos uma nova adaptação didática aos novos tempos. E os novos tempos não são tempos de discurso, mas de ação e experimentação, bem ao gosto de uma sociedade cada vez mais positivista, no bom sentido.

Temos que pensar seriamente, por exemplo, na diminuição do número de monografias. São monografias demais com textos repetitivos, muitas vezes enfadonhos, biográficos, sem significado em termos de formação do rosacruz.

Segundo,: precisamos aumentar o caráter prático dos nossos estudos estimulando a construção e manutenção de laboratórios em nossos corpos afiliados que possam ser, segundo um planejamento de horários, utilizado por todos os rosacruzes daquela região. Isto fomentaria a frequência dos rosacruzes aos seus corpos afiliados, diminuindo o caráter e o aspecto religioso de nossos templos e recuperando nossa tradição dos tempos alquímicos, em que o laboratório era o templo da mesma forma que o templo era um laboratório.

Chamo a atenção para o trabalho discreto e entusiasmante do nosso humilde capítulo Suzano, aonde um grupo de abnegados trabalha na elaboração de ampliações artesanais de antigos gráficos de nosso tradicional manual, e no esforço que este ano fizemos para realizar estudos de visualização criativa e terapia rosacruz, via Skipe, entre corpos afiliados como Recife, Suzano e membros do Paraná e do Rio Grande do Sul, bem como a participação com todas as dificuldades previsíveis nestes encontros da Loja Manaus, no Amazonas.

Os Rosacruzes gostam de estudar e querem trabalhar. Nada mais óbvio que transformemos o corpo afiliado, Pronaos, Capítulo ou Loja, em um centro de pesquisas, retirando seu aparente aspecto de Igreja que infelizmente prevalece para algumas mentes desavisadas.

Como propus anos atrás, no final da gestão Parucker e início da gestão Helio de Morais, em um texto chamado “Diálogos Rosacruzes”, que pode ser encontrado no Blog, a Ordem poderia e deveria organizar seminários regionais e nacionais de busca de especializações em dons esotéricos, encontros estes que também estimulariam o trabalho da escola no país. Falamos muito sobre telepatia, telecinesia, sem ter em números um levantamento de quem são os melhores rosacruzes nestas habilidades, nem colocá-los em contato, uns com os outros, sob a égide da Grande Loja de cada Jurisdição.

Simpósios de telepatas ou telecinéticos rosacruzes poderiam estabelecer protocolos de melhorias destas técnicas para todos aqueles que não possuem tais habilidades e que gostariam de dominá-las. O aspecto prático e experimental deste tipo de atividade é indiscutível.

O terceiro ponto é o aspecto de suporte didático via internet. Cada Grande Loja, no nosso caso Curitiba, poderia desenvolver um departamento junto à divisão de Ensino para ficar a disposição de nossos membros no intuito de explicar e esclarecer dúvidas ou procedimentos em tempo real, em mais um esforço de evitar desvios de compreensão e juntos, Grande Loja e estudante de Sanctum, aprofundar o significado de trechos mais obscuros.

Se somos uma escola, temos que nos especializar em ensinar, em didatizar mais e mais aquilo que queremos transmitir. Este é o foco objetivo e prático de nosso trabalho no século XXI.

Só o fato de transformarmos corpos afiliados de meras entidades burocrático-ritualísticas em laboratórios coletivos já seria um grande passo educacional, e, acho eu, melhoraria em muito a frequência e a aderência às praticas templárias.

Ficam as sugestões. Se o esoterismo é cada vez menos importante já que vivemos em um mundo tumultuado, em constante transformação , este blog, como tal, não é um sucesso de audiência; mas não custa lançar as sementes. Que caiam, com as bênçãos do Cósmico, em terreno fértil.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

COMO MANÁ



Por Mario Sales,FRC


Douglas C. Engelbart


Enquanto escrevo este texto usando a criação de Christopher Sholes, mexo no periférico construído por William "Bill" English, engenheiro da Universidade do Kentucky, com mestrado em Stanford. Bill seguiu as orientações de Douglas C. Engelbart (nascido em Portland, 30 de janeiro de 1925 — e falecido em Atherton, 2 de julho de 2013). Depois de muitas idas e vindas que começaram em 1945, ainda no exército, “em 9 de dezembro de 1968 Engelbart e o seu grupo demonstraram o equipamento na "Fall Joint Computer Conference", em San Francisco, operando diante de uma vasta audiência acessórios como um teclado, um mouse e um microfone, colocado na cabeça.”[1]


Willian “Bill” English

Se Engelbart entrasse em um supermercado nos anos setenta do século passado, ninguém o aplaudiria; tampouco nos anos oitenta. E isto por que, embora ele e sua equipe tivessem inventado um dos periféricos mais cotidianos na vida de todos nós, com a ajuda de William "Bill" English, ninguém saberia disso.
Via de regra as pessoas que trabalham hoje em dia usando um teclado, (inventado por Christopher Sholes) , ou um mouse (produto do gênio inventivo de Engelbart e Bill English) não tem e não teriam a menor curiosidade de saber quem criou, e o trabalho mental e físico que custou realizar e introduzir na vida cotidiana, estes pequenos instrumentos que são, juntos, as canetas e os lápis de nossa época.



Christopher Sholes


Usufruímos dos benefícios tecnológicos e aceleramos nossa capacidade de trabalho e interação sem darmos atenção à história e ao esforço por trás de cada centímetro de avanço.
Mesmo que na mesma Torah a maldição divina sobre Adão fosse bem clara já no Gênesis 3,19: “No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.”, para a grande maioria das pessoas, é como se tudo caísse do céu, como o Maná bíblico.
Tudo parece fácil, depois de conhecido.
Tudo parece simples, aos olhos de quem pensa com simplicidade. E nada, nada é mais falso do que esta impressão de facilidade e simplicidade no trabalho de construção de uma sociedade e de um conjunto de recursos, que hoje usamos a todo momento, displicentemente.
Ignorância não é pecado, mas também não é uma virtude.
Ela gera ingratidão e indiferença às coisas da vida e as pessoas que criaram as condições para a melhoria da qualidade de nossa vida como indivíduos e como sociedade.
E assim, se alguém deveria merecer uma estátua, nestes dias infernais de verão no hemisfério sul este alguém é Willis Carrier (nascido no Condado de Erie, 26 de novembro de 1876 – e falecido em Nova Iorque, 7 de outubro de 1950) um engenheiro , com formação na Universidade de Cornel.


Willis Carrier




Ele é simplesmente o inventor do ar condicionado, em 17 de julho de 1902, esta bênção que me permite atravessar estes três meses de proximidade do Sol sem desconforto.

Estes são quatro exemplos de pessoas que criaram instrumentos de bem-estar para todos a sua volta, que com seu intelecto serviram a todos os membros da humanidade. 
Quanto mais os anos passam, mais eu sinto fascínio e respeito por homens e mulheres assim, comprometidos com a criação e não com a destruição, com a geração de qualidade de vida para milhões de pessoas.
São pessoas que não discutem por discutir, mas buscam novas idéias e meios de fazer melhor aquilo que sempre foi feito de outro jeito, pior e mais primitivo.
Este é o espírito do serviço. 
A ciência e a engenharia são, pois, uma manifestação do serviço a humanidade, sem discursos, sem músicas de fundo, no silêncio de pranchetas e de laboratórios.
A discrição e o anonimato dessas pessoas, para mim, chega a ser injusto, mas eles provavelmente não se importam ou se importaram com isso. Sua satisfação era e sempre será ter feito algo bom que compartilharam com sua espécie.
Quem pode negar que este feito não está cheio de altruísmo?
Quem pode negar que aí reside a natureza prática do dar e do receber?
Esses homens e mulheres entraram e saíram do mundo sem passar pelo ridículo status de celebridades. Transformaram o mundo com discrição e ciência. Falaram pouco e fizeram muito.


Pudessem os místicos entender este exemplo e imitá-los.

Este é meu mais sincero desejo.


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Douglas_Engelbart

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

BASES NEUROFISIOLÓGICAS DO SONHO: Sidarta Tollendal Gomes Ribeiro

Os místicos em seus encontros esotéricos sempre comentam a importância dos sonhos na busca do auto conhecimento. Existem escolas como a Tradicional Ordem Martinista que dedicam dois encontros específicos ao estudo de uma classificação e tipologia própria dos Sonhos. 
É interessante, por isso, acompanhar o que temos hoje em relação a este fenômeno, a experiência onírica, e suas correlações com a neuroanátomofisiologia , de forma a observar mais de perto este momento peculiar da consciência, podendo ao final chegar a conclusão exposta nesta palestra de que "sonhos não são oráculos determinísticos, mas sim antecipações probabilísticas" que nos ajudam a lidar com os problemas do dia a dia e aprofundam nossas habilidades em resolvê-los.
Altamente erudita e rica em informações, a palestra do Dr. Sidarta é particularmente esclarecedora e mostra como hoje fazemos a leitura neurofisiológica de afirmações freudianas e junguianas, que antes foram entendidas como meramente especulativas, e que se mostram, contemporaneamente, pertinentes e atuais.

sábado, 21 de novembro de 2015

MISTICISMO NÃO É RELIGIÃO


Por Mario Sales, FRC, SI




Algumas considerações sobre algo que parece óbvio, mas não é.
Em um antigo ensaio (Doutrina X Orientação) mostrei que, ao invés da idéia corrente de que a palavra “doutrinar” significa impor idéias, e que, quem não impõe idéias, não doutrina, é um erro conceitual.
Qualquer escola de pensamento, qualquer grupo de pensadores, que se dispõe a chamar-se organizado, tem uma doutrina e conhecê-la é o mínimo que seus associados tem por obrigação.
Falemos pois sobre a "Doutrina Mística".
A partir de um corpo de conhecimento específico e comum (doutrina do movimento, grupo ou escola) pode-se então seguir em frente autonomeando-se membro de um conjunto de pessoas com “pensamentos afins”.
A AMORC se intitula uma escola esotérica e, como tal, emite ensinamentos em forma de apostilas (monografias) que são distribuídas em um sistema de graus ascendentes separados por iniciações, solitárias, no sanctum no lar, ou templárias, com impacto psicológico bem mais profundo.
Portanto, grau a grau, um conjunto de conceitos, uma doutrina, portanto, é passada àqueles que são membros ativos, e que estudam suas apostilas, quintas à noite, ou na noite que escolheram para tal.
A AMORC é, portanto, uma escola de Misticismo, e não uma religião. Como escola, tem um currículo e uma didática própria na transmissão deste currículo mínimo. Membros das mais variadas religiões e mesmo ateus podem participar de seus estudos. Sua liberdade de pensamento, é prometido, será respeitada, e não tolerada, como é comum ler em nossos textos.
Tolera-se algo que nos incomoda e que, por estratégia de convivência social e civilização, decidimos não combater, mas suportar.
Existem comportamentos mentais e físicos difíceis de suportar e estes merecem o adjetivo de tolerados em prol de uma convivência social pacífica.
As diferenças de crenças entre os diversos tipos de personalidades humanas ou grupos de pensamento, desde que pacíficas e minimamente civilizadas não precisam ser “toleradas”, mas totalmente aceitas como parte da natureza da vida humana normal, que é, de per si, ricamente heterogênea em sua apresentação.
Esta é a característica do pensamento místico: ele é um corpo de idéias profundas que estão na raiz de todos os movimentos religiosos, mas que não se confundem com eles, permitindo uma linguagem comum entre linhas religiosas de manifestação diferentes.
A AMORC, na minha humilde concepção, é este tipo de escola. Ela trabalha com valores fundamentais e não superficiais, e um místico de AMORC reconhece no Sufi, o místico islâmico, e no cabalista, o místico judeu, irmãos de jornada e companheiros de compreensão.
Linguagens diferentes, pensamentos iguais, como se a mesma idéia fosse narrada em três ou mais idiomas diferentes, diferindo apenas na tradução e expressão linguística, não no pensamento que a gerou.
Por isso, embora tenha princípios nos quais se sustenta, postulados (a experimentação pessoal, e não a crença, de um caráter transcendente interior; a prevalência do pensamento sobre a matéria, a Unidade oculta na aparente Diversidade da Natureza), portanto, AMORC não tem dogmas, e espera pacientemente que cada rosacruz, em seu tempo, e do seu modo peculiar, usufrua plenamente de todas as possibilidades interiores que como ser humano, pode desfrutar, se adequadamente preparado para isso.
Nisto difere absolutamente de processos religiosos, uma vez que, pela própria natureza das religiões, exceção feita ao Budismo, os dogmas religiosos devem e tem de ser compartilhados por todos os membros daquela confissão. O espaço para divergências é mínimo, e deve ser preenchido apenas por alterações formais, de discurso ou comportamento, que não apresentem qualquer ameaça às concepções maiores daquela crença. É o exemplo das Ordens, dentro da religião Católica Apostólica Romana, o caso mais conhecido de administração da diferença dentro de uma suposta unidade de pensamento, que qualquer místico sabe ser impossível, já que como foi dito, a Natureza, seja a Humana ou o resto da Criação, consagra desde seu princípio a Heterogeneidade e a mutação, e não a manutenção do status-quo.
A diferença entre o misticismo e as religiões é a mesma entre a água e as pedras do rio. A fluidez e a adaptabilidade do pensamento místico rivaliza com a rigidez aparente das pedras rígidas das religiões, sendo que embora pareçam obstáculos, na verdade apenas aceleram o fluxo da água que passa ao seu redor e segue, rio abaixo, sempre.
Vejo estudantes de AMORC confusos às vezes sobre estas diferenças, não de forma importante, mas significativa. Eventualmente, nota-se uma rigidez vitoriana na avaliação do comportamento pessoal de fratres ou sorores; às vezes, por outro lado, nota-se uma devoção religiosa em certas situações de templo, ou da vida dentro de corpos afiliados, que não condizem com o pensamento místico.
A rigor, o trabalho místico é solitário e pessoal, sendo que seu mais importante laboratório está dentro dele mesmo. O Templo se faz necessário em raras situações e durante um tempo curto e se levássemos estas considerações ao pé da letra, a existência física de uma estrutura internacional para a AMORC seria inviável.
Por isso caminhamos sobre o fio da navalha, como fez Papus, quando reorganizou a Ordem Martinista em um modelo Willermoziano, com graus e templos, e chamou-a de Martinista, ao mesmo tempo, a qual, se verdadeiramente o fosse, não necessitaria de nenhuma estrutura material, mas apenas de pessoas que iniciassem umas às outras.
Este paradoxo, que eu reconheço como insolúvel, se quisermos, como queremos, divulgar o pensamento místico de forma regular e organizada no planeta, como temos feitos nos últimos cem anos, faz do esforço administrativo de AMORC aparentemente meramente financeiro e material, mas não é. Não haveria estrutura nenhuma a criticar se desprezássemos o aspecto material e mesmo aqueles que criticam, no fundo foram beneficiados pela existência destas estrutura, construída e mantida com enormes dificuldades nestas últimas décadas.
O que em nada muda o fato de que, como escola mística, AMORC não tem Igrejas, e o comportamento dos rosacruzes deve ser o menos dogmático possível e mesmo o regulamento que nos rege deve ser aplicado com sabedoria salomônica e não com um rigor de disciplina militar. Da mesma maneira, devemos ser flexíveis em nossa compreensão mística, entendendo que não somos um grupo de crentes, mas sim de pessoas que experimentaram a Shekinah, a presença divina dentro de nós mesmos.
Trata-se de uma experiência, não apenas uma crença.
Não se trata de fé, mas de vivência interna desta conexão com esta Transcendência, experiência esta que é intransferível e solitária, mas que nos conecta a todos em um verdadeiro sentimento de pertencimento.
Não devemos nos comportar como torcedores de um time de futebol que se sentem na obrigação de menosprezar outros times adversários, mas reconhecer o Divino em todas as manifestações ou caminhos da espiritualidade naturalmente heterogêneas na manifestação, mas unas no sentido profundo.
A oração rosacruz, portanto, nada tem a ver com a prece religiosa, que muitas vezes é repetida de maneira mecânica, e sem espírito. Quando um rosacruz ora tem a liberdade de seguir algum protocolo ou um texto pré-estabelecido de prece, mas o ideal é que orasse sempre com palavras próprias combinadas de forma original, como se (e é isso que ocorre) conversássemos por vídeofonia com o Altíssimo, de forma relaxada e coloquial. A oração mística é apenas a manifestação vocal desta conexão que caracteriza a vida mística e que não pode em momento algum ser desfeita, mesmo que em certas situações angustiantes pareça que sim.
A conscientização objetiva e subjetiva desta conexão é a manifestação comum a todos os iniciados e a mais importante consequência da verdadeira iniciação.
E não pode de modo algum ser confundida com a pratica religiosa, embora usemos palavras semelhantes como prece, oração, e busca do Divino.
Tudo isso pode parecer óbvio e pode ser, queira Deus, que eu esteja ensinando padres a rezarem missa, mas se for assim, agradecerei milhões de vezes ao Altíssimo pela inutilidade de minhas reflexões, como agradeço já a ele se tais reflexões forem úteis a algum Frater ou Soror de AMORC.
Assim seja.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

RELIGIÃO E CIÊNCIA NO SÉCULO XXI

Profundamente triste com o ataque a ciência e particularmente à arte Médica, feito em trechos do Appelatio Fraternitatis, este documento com indiscutível viés obscurantista mal disfarçado, que pra minha decepção foi chancelado por todos os Grandes Mestres e pelo Imperator , trago para reflexão a fala do professor Leandro Karnal sobre estes dois caminhos, o da fé e o da razão.
Embora eu tenha aprendido com os Rosacruzes que a Rosacruz não é uma religião seu comportamento, nos últimos anos, deixa dúvidas sobre a atual concepção acerca deste perfil.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O MEDO É O CAMINHO PARA O LADO NEGRO






O medo é o caminho para o lado negro. 
O medo leva a raiva, 
A raiva leva ao ódio, 
O ódio leva ao sofrimento. ”

De uma fala de Yoda na trilogia de “Star Wars”





Minha sétima fase terminou dia 11 com o meu aniversário. Todos os rosacruzes sabem o que significa a sétima fase. Em linguagem astrológica é chamado de inferno astral. O período de Shiva, da destruição e da renovação, da precipitação de problemas, e desta forma, de renascimento.
A maneira como tudo aconteceu foi muito rápido e sórdido, de forma que, na minha ingenuidade pessoal de supor-me capaz de suportar com estoicismo as intempéries a que todos estamos sujeitos, fraquejei.
Vi o Medo e a perplexidade tomarem conta da minha existência, de forma tão intensa que de nada valeram meus conhecimentos esotéricos e técnicas.
O Medo sempre foi meu maior inimigo: medo de errar (insegurança), medo de perder alguma coisa preciosa, um ente querido, um relacionamento afetivo (apego), medo das autoridades acadêmicas (subserviência), das reviravoltas da existência (fantasia da perfeição permanente).
Como todo ser humano comum, criei meios eficientes de ocultar este medo de todos os meus relacionamentos sociais, de forma tão bem-sucedida que até mesmo eu supunha não ter medo algum.

Por sua importância emocional, entretanto, o Medo não pode ser ignorado permanentemente.
Ouvi em alguma parte que só existem verdadeiramente dois sentimentos sendo todos os outros derivados deles: o Medo e o Amor.
Por isso minhas recentes experiências me obrigaram a estudar em mim a natureza de meu Medo, e este é o resumo de minhas reflexões.
Descobri por exemplo, que a sequência descrita por Yoda em epígrafe, não faz parte apenas de um roteiro de um filme de ficção. Lembrando que o consultor de George Lucas para a realização da trilogia inicial foi ninguém mais, ninguém menos, que Joseph Campbel, mitólogo e pensador americano, as reflexões que são expostas ali muitas vezes merecem atenção.

Realmente o Medo da ameaça nos transforma, por reflexo, em pessoas agressivas, primeiro com raiva e depois, ódio, e quando o ódio se instala vem o ressentimento, o rancor, que Shakespeare dizia ser “como tomar veneno e querer que o outro morra”.
No meu esforço civilizado de ocultar de mim mesmo meu próprio lado negro, meu ódio foi renomeado de “indignação”, sempre “justa”, claro, já que o nomeador e juiz era eu mesmo; mas chamar um lobo de cordeiro não cria lã em seu corpo. Portanto, enquanto meu ódio crescia, seu efeito colateral, o rancor, o acompanhava em volume e densidade.
Pela rapidez como tudo ocorreu pode-se dizer que foi um laboratório e uma representação de um comportamento pessoal de toda uma encarnação, e como o objetivo da sétima fase é o renascimento, antes de renascer eu precisava morrer para concepções e modos de ser anteriores.
Na morte, o que é uno se separa em partes, o corpo se desintegra, a alma reavalia seu comportamento naquela vida, para que possa extrair conhecimento para suas próximas experiências.
E assim, subitamente atingido pelo que classifiquei de uma perseguição injusta, reproduzi o comportamento ao qual estava habituado: medo que leva a raiva, raiva que leva ao ódio, ódio que leva ao ressentimento, o pior defeito humano segundo Nietzsche.
O desdobramento, no entanto, não acaba aí.
O ressentimento leva à autocomiseração, auto piedade, à auto vitimização, e frases como “porque eu?”, “Pai, por que me abandonastes?”, vêm à mente imediatamente.
Tudo isso para fortalecer a noção de “indignação justa” de que eu falava há pouco e fechar um círculo vicioso, criando um sistema fechado, com retroalimentação contínua.





O Medo, entretanto, começa todo o ciclo.
E qual a origem do Medo?
O Medo não é um sentimento necessariamente ruim, sendo a base da prudência e do senso de autopreservação.
Só quando este sentimento é pervertido por um aumento descomunal de intensidade, é que se transforma em algo paralisante e fomentador de alucinações e ansiedade extrema. Entre as alucinações mais frequentes estão aquelas que nos afirmam que nossa destruição pessoal, seja física ou psicologicamente, está próxima.
Se o Medo em sua intensidade normal gera Prudência, em intensidade patológica gera o Pânico e o Pânico leva a reflexões e expectativas altamente negativas e nefastas, levando o indivíduo a crer firmemente que nada acabará bem e haverá sangue, dor e ranger de dentes, ao final do processo.
Como nunca parei para fazer esta autoanálise com a maturidade que tenho hoje, a sequência Medo-Pânico-Raiva-Ódio-Rancor-Auto piedade-Desespero-Mais Pânico sempre foi inconsciente e se instalava com uma rapidez impossível de acompanhar.
Exposta pela luz da experiência, como Alexandre, percebi tratar-se de um "nó górdio", que deveria ser cortado a fio de espada, já que era impossível desatá-lo por sua complexidade.
A pergunta era: aonde cortar? Minha própria sanidade mental corria um grave risco se não houvesse uma rápida intervenção.
Embora a inspiração pareça desaparecer de nós durante momentos de crise financeira, emocional ou física, sempre restam as “bocas de Deus” para nos auxiliar. Sim, Bocas de Deus, suas milhares de Bocas espalhadas em toda a Humanidade e em qualquer pessoa, tanto um servidor humilde no meu serviço que começou a me trazer textos de reflexão espiritualistas absolutamente pertinentes e oportunos, quanto os amigos íntimos que ao verem minha falta de rumo começaram a me aconselhar estratégias. Em todos estes casos, a presença da “Voz Divina” se manifestou.
Pela boca de um amigo, Deus disse: “Ore pela alma de seus inimigos, não por eles, mas por você, para que sua paz retorne. ”
E assim, durante um mês, três vezes ao dia, eu orava:
“Senhor, fazei com que as vidas de A, B e C, prosperem, como também as de seus descendentes. Que tenham saúde e conheçam a abundância. Que Sua mão desça sobre suas cabeças e os proteja, não por eles, Senhor, não por eles, mas por mim, para que esse Rancor desapareça de minha alma e eu possa recuperar minha paz interior. ”
A primeira vez que pronunciei em voz baixa essas palavras, eu estava no consultório, sozinho, e uma grande paz tomou todo meu ser.
Calmo, eu senti que algo em mim havia se desfeito, e que outra coisa, diferente, começava a se manifestar em seu lugar.
Esta foi, pois, a Prece de meu Renascimento.
Em minha mente, e provavelmente influenciado pelo que estudei da Acupuntura Chinesa que ensina que o ressentimento se aloja no Fígado Energético (Gan), imaginei um fluxo escuro drenando da área hepática para a cabeça e daí, pelo Sahashara Chakra, ou Chakra da Coroa, para o Alto, saindo de mim.
Dias e dias esta foi a imagem que eu tinha em minha mente como representação desta depuração que, com aquela prece, eu tinha iniciado.
Dias depois, talvez dez deles, a imagem se modificou. Comecei a perceber que a cor era cinza escura e depois mais clara, e não mais escura.
Psicologicamente, à medida que o Rancor drenava, eu sentia primeiro o Ódio desaparecer de mim e depois, a Raiva, pouco a pouco. 

Ao que parece, percebi que a Intensidade da Emoção lhe dá a sua Natureza, sendo o Ódio diferente da Raiva apenas nisso, a força com que se manifesta. Da mesma maneira, para se manter, essas emoções dependem de uma energia que é retirada de nossa própria economia, e quando essa energia começa a desaparecer, quando essa alimentação cessa, as emoções que demandam mais Energia são as primeiras a sucumbir.
Assim iniciei o processo reverso, saindo do Pânico por diminuir o Rancor, saindo do Rancor pela diminuição e desaparecimento do Ódio, extinto por falta de recursos, e finalmente, desmontando as bases de sustentação da Raiva pela mesma Estratégia.
A Raiva, por necessitar de menos energia que o Ódio, desapareceu mais devagar, talvez duas semanas após o desaparecimento do Ódio. E aí, quando estas quatro camadas se desfizeram, lá embaixo de tudo estava apenas o Medo, o Medo básico, que está dentro de cada homem e de cada mulher, algo instável e facilmente inflamável que precisava ser, não destruído, mas corrigido em seu comportamento, para que eu finalmente renascesse não só desta pequena morte, mas da minha própria, até aquele momento, medíocre existência.
Drenar e aperfeiçoar este Medo era a fase mais importante desta iniciação e foi com o ânimo melhorado e confiante que iniciei este processo.
Ainda sob a influência dos conhecimentos da Acupuntura, lembrei que para os chineses, o Medo é consequência da fraqueza da energia Ki dos Rins, chamados Shen.
Assim, em minha imaginação, vi que a drenagem de energia que começara no meu fígado, agora estava associada a uma intensificação da cor dourada em meus rins, que brilhavam intensamente, à medida que o medo diminuía em mim.
O fluxo da energia cinza continuava a sair pela cabeça vinda do Fígado, enquanto meus Rins brilhavam, sendo que até hoje enquanto escrevo esta imagem está minha mente.
Foi aí que intuí uma segunda camada de Medo abaixo do Medo que eu havia atingido na minha Catarse, algo que eu chamei de Medo Profundo, e que me parecia algo muito mais difícil de depurar. Agora já era Outubro, eu estava de férias e o processo continuava, só que totalmente concentrado no estudo e depuração do Medo em mim em suas diferentes profundidades.
A Oração do Perdão, ou Prece do Renascimento, como chamei, já não a fazia três vezes por dia, mas apenas uma vez, e mesmo assim o fluxo, em minha imaginação, de saída do Rancor, continuava estável. Parecia que eu tinha entrado em um Círculo Virtuoso, o qual precisava nesta fase apenas de ajustes de precisão, sem dúvida a parte mais delicada de todo o processo.
Por vicio analítico, classifiquei as duas camadas de Medo que identifiquei de Medo Superficial, ou da Cabeça, e Medo Profundo, ou do Coração.
Entendi que o Medo da Cabeça não era o meu inimigo, era ele a base da prudência.
Meu problema estava em dissipar o Medo Profundo, que bloqueava a mais importante parte de nosso ser, a minha conexão com Deus.
O Medo Profundo, concluí, como o zinabre ou a ferrugem, prejudicam a passagem da energia por nosso ser e nos desvitaliza. É pelo nosso coração que mantemos o contato com a Consciência Cósmica.
Se este coração estiver embotado por algo como o Medo Profundo, instala-se a falta de Confiança no Universo e na sempre benéfica intenção de Deus para conosco.
O Medo Profundo, percebi, era não a causa do Medo Superficial, a camada superior, mas escondia-se embaixo desta para sabotar a nossa Confiança nos Desígnios Divinos.
Quando nos deparamos com uma experiência que nos parece um tipo de ameaça, nossa primeira reação, a mais instintiva é fugir dessa ameaça, e combate-la, para que não nos prejudique.
Esta reação é instintiva, e parte do Medo Superficial, o primeiro a reagir. A manutenção, entretanto, do estado de Medo, tanto no tempo quanto no aumento de sua intensidade até se tornar Pânico, é mediada por este Medo Profundo, causa da falta de Confiança nas Leis Universais, na Justiça Universal.
É o Medo Profundo que nos adoece, não o Medo Superficial.
Como dissipá-lo?
Como eu havido descoberto no Ódio, o Medo Profundo é uma emoção que só se sustenta se for alimentada por uma grande dose de energia que é retirada de nosso próprio sistema emocional; portanto, para dissipá-lo eu precisava matá-lo de fome, cessando sua alimentação.
E como fazê-lo? Desprezando-o, não dando ouvidos aos seus falsos alertas que contaminavam minha intuição.
Dou um exemplo prático.
Notei, em minha autoanálise, que muitas vezes minhas intuições eram contaminadas por um receio extremo. Não sei se só percebi agora este aspecto ou se começou a acontecer recentemente. Não importa.
De posse desta percepção, comecei a vigiar meus pensamentos.
Então, certa noite, ao chegar para uma reunião da maçonaria, encontrei o pátio do estacionamento lotado de carros. Isto me obrigava a deixar meu carro na rua, do lado de outros. A rua onde fica a entrada do estacionamento da Loja não tem iluminação nem calçamento, podendo ser comparada a um enorme terreno baldio. Junto comigo chegou um irmão que manifestou preocupação por deixar o seu próprio carro exposto, e em um discurso típico de 
envenenamento mental, comentou isto em voz alta comigo. Disse que pediria a esposa do caseiro da nossa Loja que desse uma olhada, se bem que eu não atinava como isto mudaria as intenções de algum meliante mal-intencionado.
Ao fechar o carro, procurei em minha intuição algo que me garantisse que poderia deixar o carro ali em segurança. E então consegui fazer o mais difícil, percebi a insinuação insidiosa do Medo Profundo na resposta do meu coração ao meu questionamento intuitivo, dizendo: “cuidado, com certeza seu carro será roubado ou danificado, atenção”.
Primeiro atentei para que aquela advertência não tinha a pureza e a imediata certeza que vem de uma autentica percepção intuitiva; segundo, percebi que ela refletia o 
envenenamento mental de meu irmão de Loja; terceiro, desprezei seu aviso, e pensei que nunca havia ocorrido coisa igual antes, e como nenhuma intuição confiável havia surgido de que algo fosse acontecer de ruim, aquela só poderia ser uma contaminação do meu Medo Profundo, disfarçado de Prudência.
Como eu disse, o Medo Profundo não é a causa do Medo Superficial, mas apenas se esconde embaixo deste.
E assim, desprezando esta pré-ocupação mental infundada, entrei na reunião, participei com tranquilidade e saí para encontrar meu carro em perfeitas condições, sem que nada de mal tivesse ocorrido.
Doutra feita, já mais consciente, desmascarei o Medo Profundo tentando incutir preocupação em mim com minhas filhas, que se atrasaram para chegar em casa.
Declarei que aquela não era uma intuição verdadeira, mas apenas um reflexo do Medo Profundo, pai da Ansiedade. Desprezei-o e pouco depois minhas filhas chegavam em casa.
Assim, percebi que o Medo Profundo não interfere apenas no nosso relacionamento com o que acontece na nossa vida social, mas também na nossa vida íntima, psíquica e mística, contaminando nossas percepções e intuições, tanto fora como dentro de nós.
E agora ao final do mês de outubro, estou nesta fase de levar à inanição algo que tem me acompanhado toda a vida. Quando este Medo Profundo desaparecer tenho certeza de duas coisas: estarei melhor como pessoa e como alma em evolução e me sentirei estranho como se uma parte de mim fosse retirada.
Seja a Luz ou as Trevas dentro de nós, ambas são parte de nossa personalidade, e se uma delas se modifica temos de nos adaptar a esta nova correlação de forças internas.
Há muito tempo queria fazer este relato, mas não havia ainda atingido uma distância histórica suficiente para contemplá-lo de modo, mas completo. Espero que a minha experiência possa ser útil aqueles que como eu, continuam nesta senda infinita de aperfeiçoamento.
Uma última coisa: existe outra maneira de perceber a infecção do Medo Profundo em nós. Ela se manifesta pela frequência de nossa hesitação. O mesmo Yoda que disse a frase em análise, disse também: “Faça, ou não faça. Não existe o Tentar. ” 

É isto.
O Medo de Arjuna em Kuruksetra era o mesmo Medo Profundo de que falamos, ao que Krishna retruca: “Levante-se e Lute”.
Nunca hesite. Não tenha medo de errar. 

Tenha medo apenas de se Omitir, de fugir ao seu papel de Representante das Forças Divinas na Terra.

sábado, 5 de setembro de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ROMANTISMO NO DISCURSO MISTICO


Por Mario Sales


Nas reflexões que fiz no ensaio “Fé, Karma e Realização Pessoal”, pela primeira vez, de forma clara, percebi o dano que o discurso romântico traz ao pensamento místico. Em uma monografia de graus avançados, Spencer Lewis é claro: “O rosacrucianismo não é uma religião. ”
E, do ponto de vista psicológico, qualquer religião encarna uma romantização da espiritualidade, independente de que tal coisa seja ou não inevitável em determinada fase da aproximação de Deus, no sentido de que cria protocolos, ritos, dogmas, vestes para um fenômeno que, em si, não tem forma.
Só que a capacidade de viver um relacionamento místico com a Consciência Cósmica sem lhe dar contornos religiosos é muito, muito difícil.
Vemos isto, por exemplo, no que concerne aos chamados Mestres Cósmicos.
Muitos estudantes acreditam que seu papel em nossas vidas é semelhante aquele que os santos ou entidades simbólicas de credos religiosos os mais diversos têm.
Supõem, pois foi assim que aprenderam, que ao olhá-los, olham para seres sem passado, sem uma história humana, sem experiências pessoais e sociais, semelhantes aquelas que nos alegram ou constrangem todos os dias.
Porque assim os santos são vistos, como pessoas sem humanidade, sem erro, sem falhas.
Perfeitos, portanto. Daí sua santidade.
Esta é uma visão romantizada da construção da iluminação.
Ninguém alcança o cume sem arranhar-se em pedras pelo caminho, sem escorregar e se machucar, sem cansaço, sem crises de fé ou de impaciência.
As condições evolutivas são não só fatigantes como desgastantes. E isto nos testa, todo o tempo.
Testa principalmente nossa obstinação, nossa determinação em avançar, avançar sempre, na construção de uma realidade mais luminosa e digna espiritualmente.
A qualquer instante, diante de qualquer dificuldade, somos insistentemente convidados pelo cansaço e pelo desânimo a abandonar a subida, a desistir, a aceitar que tanto esforço assim é desnecessário e provavelmente inútil, já que os sinais de que estamos realmente progredindo não são claros nem constantes.
A voz do Adversário não é marcial, nem rude. Pelo contrário, convida-nos ao repouso, ao descanso, ao prazer. Sugere educadamente a dúvida quanto as nossas convicções.
No pensamento romântico do discípulo, do Chella, nenhum mestre atual, ou como Blavatsky os chama, nenhum estudante mais avançado, conheceu tais coisas.
Nasceu pronto, com sua luz transbordando por seus dedos, fruto de uma bênção do Cósmico, sem que houvesse um esforço de contrapartida.
É uma forma de estabelecer que jamais atingiremos esta perfeição, da mesma maneira que os religiosos apontam para o Cristo e dizem: “Ele era o filho de Deus; eu não sou. ”
A negação em entrar neste rol de personalidades que fazem esta humanidade um pouco melhor, em parte vem da preguiça, em parte vem de truques psicológicos com os quais a maioria das pessoas tentam se enganar a si próprias.
Não assumindo sua natureza divina, excluem-se da responsabilidade pelo Universo e por sua qualidade. 
São apenas, segundo sua visão romântica, seres sem importância no drama Cósmico e, portanto, não tem maiores responsabilidades senão sobreviver a cada dia dentro de suas, para eles, indiscutíveis limitações.
Como nas religiões, então, mestres e discípulos são como devotos e santos, separados pela enorme distância entre homens comuns e aqueles tocados pela graça de Deus.
Tudo assim, parece mais claro, mais definido, mais separado. Existe a área dos homens e mulheres comuns e aquela dos iluminados, e aqueles jamais tornar-se-ão estes, porque são o que são, de maneira estática e imutável.
É assim nas religiões. 
Muitos acham que no misticismo deve ser parecido.
Trata-se apenas e tão somente de um equívoco.
Todo místico é chamado a responder por toda a Humanidade, por toda a Criação e por sua qualidade.
Abster-se desta responsabilidade santa é contribuir por omissão para a piora da qualidade de vida de todos sobre a face da Terra.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

FÉ, KARMA E REALIZAÇÃO PESSOAL

Por Mario Sales



Fé, como confiança inabalável na intervenção de poderes divinos, é algo praticamente impossível.
Poucos seriam aqueles que poderíamos elencar entre os quais possuem ou possuíram este tipo de convicção, aonde o medo não tenha estado totalmente ausente, mas tenha sido de tal modo subjugado que não tenha sido capaz de gerar o surgimento da dúvida ou da ansiedade.
Se esta espécie de Fé, como eu disse, inabalável, fosse possível, traria consigo como corolário, a serenidade perfeita, total.
Só que não é assim. Serenidade total, pois, é um horizonte desejável, mas não um estado permanente, enquanto estamos em corpos frágeis, mortais e entre personalidades, digamos assim, não muito evoluídas.
Considerando estes aspectos óbvios da natureza da vida humana, vejo como produtos de uma época e de um tipo de visão de mundo, textos aonde a Fé é descrita, explicada e revelada como algo apreensível pela razão, e daí possível de ser posta em prática com a simplicidade de quem segue um manual.
A Fé, a confiança de que a Providencia Divina nos socorrerá pronta e rapidamente, talvez seja possível na ausência total de um pensamento crítico ou racional, o que equivaleria ao estado de inocência, descrito nas passagens bíblicas. Só que crianças, via de regra, não precisam rezar, já que suas existências, se forem minimamente normais, reproduzem um estado de harmonia com a natureza que perdemos enquanto envelhecemos e nos instruímos.
Quem recebeu alguma informação intelectual foi exposto também a valores, entre os quais a Fé em sua própria cultura intelectual. E isto significa, aprendeu a pensar e a ser prudente.
E manda a prudência que confiemos nas nossas experiências mais que em nossas crenças. Que nossas crenças sempre podem estar equivocadas enquanto a experiência demonstra um modo de ser do mundo que se tiver um caráter repetitivo e estável, como o ciclo dos dias e noites, deve merecer de nós toda confiança possível.
Místicos prudentes também confiam em suas experiências, não nas experiências externas, mas nas suas experiências internas. Sentimentos como amor, misericórdia, inveja, ira, compaixão, não são mensuráveis, palpáveis, mas são absolutamente perceptíveis e reais. É neste mundo interior emocional que o místico prudente faz seus estudos e aprofunda seu autoconhecimento, além de aperfeiçoar seu conhecimento da natureza humana em geral.
Assim entende que a Fé mais perfeita, como a do Cristo, que alegava que se a mesma fosse “do tamanho de um grão de mostarda e disséssemos a este Monte: “Move-te! ” ele se moveria” este mesmo Cristo é aquele que no Gólgota suava sangue de ansiedade, sabedor do sofrimento que em poucas horas o aguardava. Não havia nele falta de Fé, mas clareza de que, independente de nossa conexão com o Altíssimo, existem experiências desagradáveis, mas incontornáveis, que roubam a serenidade até de Altos Iniciados, quanto mais de pessoas comuns como nós, que “não somos dignos de desatar-lhes as sandálias”.
Faço estas considerações por motivos pessoais e pela leitura de um pequeno trecho da Lição XII, “A Força da Fé”, página 53, de um agradável livro de Francisco Valdomiro Lorenz, “Lições Práticas de Ocultismo Utilitário”, presente de meu querido amigo Inc.
“Poderia ser explicada”, diz o trecho” com maior clareza a força da fé? Porque, pois, há tanta gente, no mundo, que vive doente, pobre, miserável, ao passo que outros tem abastança, saúde, cultura? Quem vê estas coisas pelo prisma espiritual, reconhece que esse estado de coisas é devido a duas causas: o Karma, que é a Lei de Causa e Efeito, e regulariza as ações de uma ou mais encarnações; e a falta de verdadeira Fé na possibilidade dum melhoramento da situação. ”
A afirmação em si é contraditória. Por um lado, afirma que estamos sujeitos a Lei de Karma, afirmação com a qual concordo, mas insinua que esta sujeição determina nosso sucesso e insucesso; e por outro lado, alega que este mesmo sucesso e insucesso estão ligados a intensidade e qualidade de nossa Fé na providência divina. Existem, portanto, várias possibilidades: pessoas com bom Karma e pouca fé; bom Karma e muita fé; mal Karma e pouca fé; e mal Karma e muita fé.
Que alguém com bom Karma e muita Fé encontre serenidade e prosperidade material, compreende-se; mas o que dizer das pessoas com bom Karma e pouca fé? Serão serenas, ou a falta de Fé inviabiliza o bom Karma, como fatores que se anulam na equação?
Por outro lado, que adiantará pouca ou muita Fé se o Karma for mal?
A Fé a que o autor citado se refere é a Fé num Poder Maior, Espiritual. Penso, entretanto, em pessoas como Stephen Hawking, cujo Karma dificílimo de sofrer por toda a vida de uma doença degenerativa incurável não o impediu de ter uma existência produtiva, filhos, ocupar uma cátedra que pertenceu a Sir Isaac Newton, sem provavelmente jamais ter conhecido nenhum tipo de experiência religiosa. O Prof. Hawking é um homem de notável senso de Fé, mas sua Fé apoia-se na ciência, não em aspectos espirituais.
Este homem é um desafio para interpretações espiritualistas superficiais ou simplistas.
O que o manteve vivo e produtivo para além das previsões e das expectativas mais otimistas dos seus neurologistas foi sua extrema curiosidade e inteligência. Foi sua vontade de conhecer mais e mais a natureza do Universo que o manteve ligado a existência e a transformou em algo profundamente interessante, a tal ponto que a morte teve que esperar, e ainda espera, enquanto em sua cadeira de rodas adaptada ele sonha com números e buracos negros.
Lembrem a frase do autor do livro: “Porque, pois, há tanta gente, no mundo, que vive doente, pobre, miserável, ao passo que outros tem abastança, saúde, cultura? ”
Hawking funde estes aparentes opostos. Ele é um doente grave, mas nem é pobre, nem miserável, nem muito menos inculto e sua atividade mental é tão rica que não podemos muito menos negar-lhe grande saúde intelectual.
É a Fé espiritual que nos sustenta, é o Karma que nos derrota? Nem sempre.
O mundo interior humano é muito complexo.
Eu mesmo não viveria sem a minha Fé espiritual, sem a confiança que tenho em Deus, mas não acho que meu Karma seja melhor ou pior por isso, ou ao contrário, que um Karma bom ou mau determine a intensidade ou a qualidade de minha Fé na Providência Divina.
São forças autônomas, que às vezes se inter-relacionam, sem se determinar.
Todos, crentes ou não, com bons ou maus Karmas, devemos buscar serenidade em nossas existências e talvez aquilo que mais consiga nos dar serenidade seja tornarmo-nos, como lembrava Nietzsche, aquilo que somos, seguir nossa Physys, nossa natureza, e mergulharmos de cabeça neste talento especial que nos distingue, seja ele qual for.
Metas claras, definidas, e uma mente e um corpo harmônicos com nossas metas, talvez sejam o segredo da serenidade e de uma vida realizada e feliz.
A Espiritualidade e a Fé não são chaves para a felicidade, pelo contrário, podem ser um caminho de dor e angústia. Tudo depende de que o indivíduo respeite ou não sua própria natureza e se entregue a sua missão no mundo com paixão.
Mesmo que sua Fé seja apenas na Ciência é possível vislumbrar em sua existência lampejos do Eterno. 
A Santidade verdadeira, talvez, seja estar em paz consigo, apenas isso.
E o que poderia nos dar mais paz do que uma vida de realizações?
É algo em que se pensar.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

ESPERA


Mario Sales


Quai de Tournelle com Notre Dame ao fundo

Mergulhado no “Silencio de Deus” e aguardando seus desígnios, ouço Erick Satie e permito que suas notas fortes e minimalistas façam em mim uma acupuntura sonora em meus ouvidos, mobilizando minhas energias, meu Ki, meu Nous, meu Orgon.
Minha existência depende agora das doses de Satie em minha alma, 3 x ao dia, com ou sem um pedaço de chocolate dietético. A música de um rosacruz feita para outros Rosacruzes, plena de intensidade e vigor chopiniano.
Quando ouço as Gnossiennes, que estranho, é o rosto de Gurdieff que me vem à mente, não o de Satie ou mesmo de Debussy, nosso irmão de fraternidade na comunidade de Paris do fim do XIX, início do XX.


Ponte de Archeveche, hoje

Nessa época também, Papus caminha, elegante, pelos boulevard, senta e toma um copo de vinho enquanto espera a hora de se encontrar com o Marquês de Guaita.
Paris é a capital do esoterismo, como da arte.
Consigo me transportar para a mente deste médico peculiar enquanto contempla os transeuntes em suas vestes exuberantes, passeando às margens do Sena, em uma tarde de outono onde as folhas que caem já são um espetáculo à parte.
São os sons dos cavalos que passam puxando carruagens, em um transito que nada fica a dever ao de agora, na margem esquerda, andando a esmo pela Quai de Tournelle, Rue de Poissy, a Pontoise e a Bernadins, até achar a ponte de La Archeveche, olhando as barracas de livros do muro do rio, folheando alguns, algo indiferente, na expectativa de grandes descobertas de antigos textos menosprezados por outros menos cônscios da importância de livros preciosos pelos quais ninguém, a não ser alguns poucos, se interessam.


Uma caminhada pela pequena ponte, com sua elegante bengala, até a área de Notre Dame.
Mais um café. E a música de Chopin agora a fazer o fundo, os Noturnos.
Paris e Suzano se fundem.
E aí eu penso: como a imaginação é preciosa; ó meu Deus, como é preciosa.