Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

sábado, 30 de abril de 2016

A INTELIGENCIA "DO MAL" E “O BEM” DA VIOLÊNCIA

Por Mario Sales FRC, SI, MM

Dr Silvana

A razão pela qual demonstrei, no ensaio anterior, que é de fundo romântico a noção de que a violência e as chacinas dos cruzados eram, de alguma forma, nobres ou dignas, visava corrigir teoricamente uma grave distorção de valores na sociedade.
E esta é aquela que atribui na mitologia clássica (crenças e lendas dos gregos, romanos e hindus) e na mitologia moderna (histórias em quadrinhos com seus super-heróis) valor e importância e respeito aos violentos e hostilidade ou temor aos cultos.
Dou um exemplo, ou melhor, dois: um clássico e outro moderno.
Quem é o típico herói bíblico? Sansão. Qual sua qualidade mais importante? Força física. E qual o herói grego padrão? Aquiles, ou Hércules, ambos capazes de matar seus inimigos com habilidade e competência e caracterizados por importante força e resistência física.
Qual a importância na Bíblia, de um homem culto e sensível como José de Arimatéia, o qual segundo o próprio Cristo, não estava distante do Reino dos Céus? Secundária.
Aonde, pergunto eu, entre os gregos, construiu-se a idéia de que, o criador dos primeiros raios de defesa, os espelhos ustórios, poderosas lentes que refletiam os raios do sol contra os barcos de Alexandre o Grande, no cerco a Siracusa?
Em nenhum lugar.

E nas histórias em quadrinhos? Recorramos a um herói da minha infância cujos gibis já desapareceram das bancas, o Capitão Marvel. Lembremos: o Capitão Marvel era um super-herói, dotado de super força física. Ele é o alter ego de Billy Batson, ao que me lembro, um rapaz bondoso, mas portador de uma deficiência física que o faz usar muletas para caminhar. Ao pronunciar uma palavra mágica (shazam) ele se transforma neste super-herói. Até aí, nada de demais.
Capitão Marvel

O preconceito se manifesta no vilão deste super-herói. Trata-se de um cientista, Dr. Silvana, com o indefectível guarda pó branco dos homens de ciência.
O mesmo padrão se repete na mitologia do Super Homem americano, Kar-El. Seu inimigo mais importante é nada mais, nada menos que um homem dotado de grande inteligência, Lex Luthor.
Concluindo: seres inteligentes, cultos, diferenciados intelectualmente são seres do Mal, enquanto os rudes e fisicamente bem-dotados são seres do Bem.
O inconsciente humano olha a cultura e o conhecimento com repúdio e receio e a força física com admiração e respeito, numa clara evocação de padrões de qualidade ligados aos primórdios da humanidade, quando eram os mais fortes que mantinham a malta ou conseguiam mais comida para o grupo de caçadores ou, mais tarde, dos coletores.
Era destes parâmetros atávicos que eu falava ao analisar como valores românticos ganharam força na avaliação dos séculos XVII e XVIII quanto a glamourização da guerra e dos embates sangrentos entre as forças da igreja e dos muçulmanos nas cruzadas.
Tal perspectiva precisa ser superada. Só o tempo e a educação, entretanto, fará com que isto aconteça.

terça-feira, 26 de abril de 2016

A FORTE E NEFASTA INFLUÊNCIA DA VISÃO ROMÂNTICA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO E NO ESOTERISMO


Por Mario Sales FRC, SI, MM





Todos nós julgamos, ingenuamente, que as coisas são do modo que sempre foram.
Mesmo os sentimentos que dominam nossos relacionamentos nos parecem mais instintivos que culturais.
Um pouco de investigação histórica e vemos que não é assim.
Compreensões de mundo e o próprio "ser humano" e o adjetivo mais ligado a ele "humanidade", aprendemos com Michel Foucault em "As palavras e as Coisas", são conceitos construídos que repetimos de modo mecânico e acrítico.
Na verdade, casamentos por amor, antes do século XVIII, eram motivo de riso entre as pessoas.
Relacionamentos eram baseados no interesse financeiro ou biológico: financeiro do ponto de vista se aquela união geraria prosperidade material; e biológico, do ponto de vista de que não existia a atual noção de "infância" e os filhos eram, antes de tudo, uma das muitas propriedades de seus pais, importantes na ampliação da mão de obra da família, e novamente, na prosperidade material do clã.
Como sempre as ideias e a literatura transformaram lentamente a visão das coisas e sobre os instintos, sexual e de sobrevivência, estendeu-se o véu das crenças nos valores do romantismo.
Na literatura, o movimento romântico tem seus primórdios nos trovadores da Idade Média com suas odes aos heróis antes do som polifônico, com acordes simples em suas Violas de Gamba, ao pé de sacadas e balcões ao estilo de Julieta e Romeu, ou nas ruas das cidades, divulgando e transmitindo lendas e narrativas de batalhas.


Foi neste momento que a violência típica das guerras e conquistas das cruzadas receberam um verniz de honradez e nobreza que, cá entre nós, ao fim e ao cabo, nunca possuíram.
A realidade foi disfarçada em armaduras, roupas e maquiagens, ocultando as cicatrizes das pústulas, feridas e manchas na pele, dos combates e das doenças.



Chamo atenção para o sangue na roupa do cruzado que sob o viés romântico, antes de representar a barbárie e a morte é associado à nobreza no combate. 

É a época em que a Espada, símbolo de luta e morte e a Cruz, símbolo do Redentor, transformam-se em símbolos equivalentes, simbolicamente justificando violência e assassinatos bárbaros pela fé no Cristo.
O romântico não é apenas aquele que cultua o amor e a beleza dos sentimentos, mas também aquele que considera bela a morte, a guerra baseada em ideais e o sofrimento associado a existência.
Lembrem-se da moda do inicio do século passado em nosso país em que era de praxe que o verdadeiro intelectual tivesse uma vida boemia e morresse tísico, tuberculoso, ou da fragilidade física do maior de todos os compositores românticos, Frederic Chopin.
Os séculos do romantismo, final do XVII e XVIII, são a época dos perfumes em França, para ocultar o odor de homens e mulheres, que recusavam o banho puro e simples por considerá-lo um hábito desnecessário e estranho.
Não se tem saúde nem higiene, mas aprendeu-se como disfarçar os sinais inconvenientes dessas situações.
Da mesma maneira a literatura romântica disfarça com seus cenários de apelo ao sentimentalismo, todos os aspectos duros e trágicos dos conflitos que aconteciam e ainda acontecem mundo afora.
Willian Blake (The Marriage of Heaven and Hell - O Casamento do Céu e Inferno,1793), Edward Young (Night Thoughts - Pensamentos Noturnos, 1742, re-editados por Blake em 1795), James Thomson, Willian Cooper e Robert Burns, Coleridge e Wordsworth (Lyrical Ballads - Baladas Líricas, 1798), Lord Byron (Childe Harold's Pilgrimage, Peregrinação de Childe Harold, 1818), Shelley (Hymn to Intellectual Beauty - Hino à Beleza Intelectual, 1817) e Keats (Endymion, 1817), são alguns nomes a serem lembrados. [1]
A visão romântica tem aspectos definidos que transformaram a maneira de olhar o mundo do mesmo modo que lentes verdes tornam todas as coisas esverdeadas. Tal qual os óculos verdes do Magico de Oz, que faziam com que todos pensassem estar em uma Cidade das Esmeraldas.



O senso de individualismo (privilegiando emoções e sentimentos individuais), o subjetivismo (escrevendo sempre na primeira pessoa do singular), a idealização (com excessos de imaginação, aqui equivalente a fantasia), o sentimentalismo exacerbado (com ênfase na tristeza, na desilusão e na saudade), o egocentrismo (colocando sempre sua própria visão do mundo acima dos fatos), a interação com a natureza (com referencias constantes às florestas e rios, ou ao clima), a hiperpolarização entre o Grotesco e o Sublime (como no romance a Bela e a Fera)e o medievalismo (com a eleição do nobre Cavaleiro como um modelo a ser seguido, independente das barbaridades cometidas pelos cruzados) são traços que foram seguidos a risca no comportamento social e depois, político.



Guildas, espécie de sindicatos medievais.



Assim, construiu-se um modelo de percepção de mundo que influenciou inclusive as Ordens Esotéricas, abrindo caminho para o discurso do Cavaleiro de Ramsay, que atribui romanticamente aos Cruzados o papel de fundadores e mantenedores da Maçonaria, ao invés da origem nas guildas de construção de igrejas como se sabia e historicamente se reconhece. Com a descoberta de que os maçons, construtores reconhecidos que eram, fizeram vários castelos na península Ibérica para Cruzados, que fugiram da perseguição em França indo para Portugal, após a prisão e morte de Jacques de Molay, houve aparentemente a constatação de que a fala de que Maçons e Cruzados eram a mesma e uma única coisa tinha grande chance de ser real. Mais que isso: era real.
Existem reflexos românticos até na política.
A ideia de que a compreensão do fenômeno social era possível a partir da reflexão filosófica e intelectual, e que a solução para a desigualdade do mundo tinha sido encontrada no Marxismo-Leninismo não deixa de ter um caráter eminentemente romântico, já que se trata de uma crença em que a realidade dinâmica e complexa da sociedade e de suas relações de força e poder poderiam ser modificadas pela igualdade forçada conseguida a partir de métodos revolucionários e violentos, novamente dando um caráter lírico e poético, ou melhor, ideológico, a guerra e ao conflito armado.
O Intelecto, mesmo aquele que segue padrões estritamente lógicos, pode ser vítima de excessiva idealização, uma característica genuinamente romântica.
Existe muito romantismo em todos nós, como esponjas encharcadas de água na pia.
Desfazer-se dessa influência é difícil e psicologicamente trabalhoso.
Só o pensamento científico, a mente transformada pela educação científica, que mantém o pensamento atrelado a fatos que especula com cuidado e prudência, cientes da enorme capacidade que a imaginação tem de fugir de nosso controle e transformar-se em pura fantasia, pode a médio prazo libertar-nos da influencia nefasta do pensamento romântico, de seus ideais e características, dos quais talvez o pior seja o Byronismo, que leva o nome de seu personagem símbolo, Lorde Byron, nascido em 22 de janeiro de 1788 e morto em 19 de abril de 1824.
O Byronismo caracteriza-se pelo Narcisismo, egocentrismo, pessimismo e pela angústia permanente, coisas que facilmente reconhecemos como contemporânea.
Alguns acusam a tecnologia como a causa desta situação específica de nossa época, com índices de depressão explodindo em número, mas é no romantismo do século XVIII, que ainda não foi superado, que devemos buscar a verdadeira causa do comportamento social que marca este início do Século XXI. Não se trata de um neorromantismo, mas sim do mesmo romantismo que persiste em nós e nos tira o bom senso, entorpece nosso discernimento e nos leva a uma visão de mundo esverdeada como no conto do Mágico de Oz.
Esoteristas como qualquer ser humano de nossa sociedade devem esforçar-se para ter um pensamento menos romântico e só a informação e a educação nos liberta dessas pegajosas marcas que este movimento cultural ainda tem em nós.
Existe Vida além do Romantismo.
Não precisamos dele para pensar o mundo. Aliás precisamos pensar o mundo mas sempre usando os fatos que colhemos na experiência como nossos guias na descoberta paulatina dos princípios de funcionamento da Criação. Fatos estes devidamente trabalhados já que não existe coisa menos confiável do que o testemunho pessoal de alguém em relação ao que chamamos realidade.
Precisamos entender que o subjetivismo não é saudável e não colabora para a construção de uma percepção clara do mundo, sem o intermédio de lentes coloridas a modificar o aspecto das coisas. Só a educação, em todos os sentidos da palavra, método consagrado até pelo Dalai Lama em uma de suas muitas e lúcidas falas, pode levar o homem a uma espiritualidade superior.
Só a cultura e a educação salvarão o Espiritualismo e o próprio Esoterismo do Romantismo, filho da ignorância psicológica e da imaturidade emocional.




[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo#Romantismo_na_literatura

domingo, 24 de abril de 2016

A PERSPECTIVA DA TÁVOLA


Por Mario Sales, FRC,SI,MM


Existe uma lenda hindu muito conhecida que fala de quatro cegos e do Elefante que apalpam.
Como todos sabem, relata as dificuldades de nossa percepção do real, sempre incompleta, sempre parcial, e da sensação de certeza que as vezes exibimos em nossos discursos, muitas vezes apoiados em convicções que nascem da experiência.
Um cego acha que o elefante é a tromba, outro a perna, outro o rabo, e ao mesmo tempo que todos estão certos, todos permanecem errados.
Isso retornou a minha memória ao conversar com um irmão de Ordem, que ocupa no momento um cargo administrativo na nossa fraternidade. Dizia ele que coordenar esforços era basicamente compreender que na pirâmide, da base para o topo, sobem informações e descem decisões.







Parece algo tão óbvio, compatível com o pensamento do Egito dos Faraós, que em princípio não entendi minha perplexidade e desconforto com esta afirmação. 

Só depois quando lembrei da lenda entendi aonde eu discordava.
Mesmo em empresas complexas, aonde existe alguma hierarquia, já não se pensa apenas assim, de modo vertical.
Os adeptos da verticalidade, (seja fixa em que os de cima mandam e os de baixo obedecem sem discussão como no ambiente militar, seja dinâmica, como em empresas que seguem a fala daquele Frater, onde os de cima colhem informações dos de baixo, deliberam e devolvem instruções e normas para os de baixo), em nenhum momento questionam a verticalidade em si.
O modelo vertical é outra cicatriz cultural da poderosa influência dos gregos sobre nós.
É em Aristóteles, o organizador, que vamos encontrar as primeiras formulações da compreensão vertical, que até hoje marca nossas falas e concepções.
É dele que tiramos a ideia de que as coisas boas ficam em cima e as ruins em baixo. Que o alto é a Terra dos Deuses e o baixo, ou In-ferno, é a Terra dos Demônios.

Esta concepção encontra eco na Cabala, no modelo da Árvore da Vida; nas descrições da Organização Espiritual do Cosmos, na Doutrina Secreta; ou nos textos bíblicos, do Novo Testamento, quando o Cristo se refere a Deus como "Pai Nosso que estás nos Céus".
Tudo que é digno e espiritual tem caráter "elevado" e aquilo que é vil e desprezível é caracterizado como de baixo nível.
Hierarquias (de hieros - sagrado e arkhein – princípio, início), são disposições que pressupões uma escala de importância para os diferentes ocupantes de seus diferentes níveis, a exemplo da Hierarquia dos Anjos de Dioniso, o pseudo-areopagita, onde os Anjos mais nobres estão mais perto de Deus.
Hierarquia é uma palavra que se refere mais a Poder do que a modelo administrativo. Manda quem pode. 

E quem pode é quem está em um nível mais alto.
O mundo mudou muito e uma das características desta sociedade líquida, como chama lindamente Bauman, é a pulverização das informações e das intervenções.
As empresas de tecnologia de ponta entenderam isso e o ambiente de trabalho reflete esta compreensão.
Não há, nestes ambientes mais avançados, nada mais valioso que o capital humano e sua capacidade de fornecer ideias que modifiquem a qualidade da vida e acelerem o desempenho da instituição.
E se existe alguma coisa que sufoca a capacidade de oferecer contribuições intelectuais ao processo decisório é a verticalidade administrativa, a hierarquia.
De modo simbólico, é como se o peso das muitas camadas acima espremesse as camadas mais baixas, que as sustentam.
Pirâmides, pois, como na imagem do meu Frater, anos atrás, não são uma imagem que satisfaça modernos perfis administrativos, seja em uma empresa de alta tecnologia, seja em uma fraternidade esotérica, como AMORC.
Ao invés, pois, do pensamento administrativo vertical, eu sugeriria, refletindo a visão contemporânea digital e a própria lenda dos cegos e do elefante, a perspectiva horizontal, que chamarei de A Perspectiva da Távola.
Mas porque Távola? Trata-se de uma alusão a Távola Redonda e a lenda do Rei Artur.
Reza a lenda que o rei e seus cavaleiros sentavam-se em uma távola ou mesa redonda, de forma que a ninguém fosse dada a condição de superioridade que na época era atributo dos reis e nobres. A lenda é, do ponto de vista histórico e social, uma visão extremamente avançada para a sua época e até para a nossa, pelo discurso do meu Frater.
Por que uma loja Maçônica tem um formato retangular, com um trono ao fundo, em um patamar mais alto?
Porque irmãos tem que ser separados em um ambiente que reproduz e representa o mundo, a Loja, em patamares diferentes, aonde os que ocuparam cargos administrativos são colocados três degraus acima daqueles que não passaram por essas situações administrativas?
Existe, apenas na disposição geométrica da Loja Maçônica, uma insinuação de desigualdade, que eu reconheço, é real, mas do jeito que a visão vertical pleiteia.
Por esta, o desigual manifesta-se entre inferiores e superiores, entre Mestres e os outros, teoricamente não dotados da mesma maestria ou conhecimento.
Qualquer pessoa que conheça a realidade de uma Loja Maçônica sabe que isto é um desatino. Recém iniciados as vezes manifestam um conhecimento e uma sensibilidade que não pode ser encontrada em irmãos mais antigos, impregnados de uma soberba e de uma arrogância já descrita no Eclesiastes (Vaidade, vaidade, tudo é vaidade).
A verdadeira autoridade, qualquer iniciado sabe, não vem dos homens, mas do Eterno. E ele dá, a quem lhe aprouver, a inspiração.



Irmandades, para fazer jus a este título, tinham que ser vivenciadas em templos circulares, e todos sentar-se-iam em uma mesa redonda, como os cavaleiros de Artur, de forma a que a Geometria fosse harmonizada com os valores fraternos.
Não porque somos bons ou generosos, mas porque faz sentido, como no caso do elefante e dos cegos. Não somos capazes de decidir sozinhos nada de grandioso se não tivermos múltiplas colaborações de várias mentes ao mesmo tempo, juntas em um esforço de compartilhamento de idéias e percepções.
É assim que se faz em ciência e em administração contemporânea.
Somos todos cegos. E o elefante é imenso.
De quantos cegos precisamos para apalpar o gigantesco elefante? De todos que pudermos arregimentar.
Supor que alguém tem o dom de nos liderar e dizer a nós, os seguidores, o melhor caminho, obedece apenas ao princípio da verticalidade, disfarçado de horizontal quando se manifesta na forma da fila indiana. Um líder, vários liderados.
Tal perspectiva já não e mais aceitável ou adequada.
Precisamos de mais colaboração e menos liderança.
Menos ordens e mais co-ordenação.
E para isso, precisamos da perspectiva da Távola Redonda, todos juntos contra o desafio de definir qual é a real forma do elefante da realidade.


O Bhagavad Gita narra que a pedido de Arjuna, Deus revela sua forma Cósmica. E a narração é de que “Arjuna viu naquela forma universal bocas ilimitadas, olhos ilimitados e maravilhosas visões ilimitadas. ” (Capitulo 11; versículo 10)
Sim, Deus fala por milhares de bocas, e não ouvir uma que seja é perder parte da fala de Deus. Este verdadeiro desafio logístico é possível na perspectiva da Távola.


Todos podem e devem opinar, e a tecnologia moderna permite isso e cabe àquele que serve na função de administrador facilitar a chegada das diferentes informações dos muitos “cegos” que apalpam o “elefante”
com seus relatos, suas impressões a quem possa interessar.
Só assim é possível a montagem de um modelo tridimensional mais fiel do que está a nossa volta, acima, abaixo, a direita e à esquerda.


Só assim é possível deitar a cruz do Cristo, já que, física e metaforicamente, elevá-lo acima do solo tortura-o e afasta-o de nós.
Deitemos, pois, a cruz e permitamos que os braços apontem para quatro direções no plano, um X, como no início da palavra grega para Cristo, “Χριστός”.


Se todos somos cegos, não podemos permitir que um cego guie outros cegos.
Não é seguro.
Isto vale para empresas, para a política e para, principalmente, Ordens que se dizem fraternidades, como a Maçonaria e AMORC.


Daí a frase que marca a vida de um artesão rosacruz, os irmãos mais antigos. Servir é a única coisa que importa.
E que maior serviço pode existir senão o compartilhar de ideias e sensações, a doação de nossas percepções particulares, que não são nossas, mas que chegam através de nós, como de outros?
Deus tem muitas bocas, diz o Gita.
O homem apenas dois ouvidos.
Não somos apenas cegos, mas também surdos. 

Reconheçamos nossas limitações e compartilhemos nossas possibilidades limitadas em um mosaico de almas e mentes.
Só uma Távola Redonda que nos coloque frente a frente, uns com os outros, e permita que troquemos informações permanentemente, pode nos dar percepção mais fidedigna dos desígnios e inspirações do Eterno.
Além de tudo, a perspectiva da távola já é tecnologicamente possível e realizável. Falta a coragem para abdicar do poder e sair da zona de conforto.
Ao menos dentro do que chamamos Fraternidades.
Faria muito mais sentido.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

A TÉCNICA DO SILÊNCIO

por Mario Sales
  


Minha esposa me ensinou o silencio.
Ela tem o habito de não responder as minhas perguntas, a não ser que eu insista ou clame de forma intensa por sua atenção.
É distraída, uma idiossincrasia.
Não é que não escute. 
Este, o surdo em potencial da casa sou eu, organicamente falando.
Não. É mais uma preguiça mental e psicológica de responder, uma lentidão no pensar e no agir, que às vezes pode ser uma vantagem e sempre é exasperante.
Como eu disse, um jeito de ser.
O que aconteceu é que, com o tempo, eu, que era notoriamente um incontinente verbal, aprendi a me calar mais e a reter mais as palavras. Não quer dizer que fale pouco, mas falo bem menos do que falava no passado pela convivência por uma mestra do silêncio como a minha esposa.
Uma característica, aliás, muito útil em negociações comerciais.
De todo modo, é uma habilidade: ficar quieto, não responder a tudo que nos perguntam, a não ser com um sorriso, que nos faz parecer mais sábios, mais misteriosos e interessantes.
Quem tudo fala, tudo revela sobre assuntos que domine, deixando pouco espaço ao outro para investigar, fornecendo à terceiros, de certa forma, um poder sobre nós que faz rapidamente que nos tornemos desinteressantes, e frágeis.
Por outro lado, os que silenciam inibem seu interlocutor, pois ao ocultarem o que não sabem, parecem saber mais do que sabem, deixam aberto o espaço da imaginação do outro, que constrói deuses e demônios onde existem apenas seres humanos comuns.
E ao contrário do revelado, do exposto, o implícito e o sugerido, porém não enunciado, projeta flashes de luzes que mimetizam sombras e contornos irreais em si, mas suficientemente capazes de gerar receios e controvérsia em mentes mais impressionáveis.
O que parecemos ser é sempre uma imagem mais poderosa do que aquilo que realmente somos.
Não devemos sofrer com isso, mas ao invés disso, devemos usar esta característica da mente humana em relacionamento a nosso favor, aplicando nos diálogos momentos voluntários de silêncio, estratégicos silêncios, espaços nos quais o outro possa se encaixar, nos construindo com sua imaginação.
Parecerá ao outro que somos exatamente aquilo que ele sempre esperou de um ser humano, mas apenas porque seremos uma construção feita a quatro mãos, ou melhor, a duas mentes, e parte de nossa simpatia será baseada em uma afinidade imaginada pelo outro no ato de nos construir de acordo com as suas concepções de mundo, argamassa mental que ele colocará nos espaços que deixaremos para que ele preencha. Enquanto isso, devemos observar, com muita atenção, serenos, quem está a nossa frente.
Por que sempre que nos afastamos, o outro assume o palco, e se revela em seu drama. E aí seremos nós a termos a informação privilegiada, seremos nós a ter o poder de conhecer melhor o outro do que ele a nós.
Prudência implica discrição.
E silencio.

Um estratégico e planejado silencio.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

PERPLEXIDADES DO ÓBVIO

por Mario Sales



Pássaros andam e dançam sobre as águas, como o Cristo.

E nós achando que milagres não existem nem se repetem.

sábado, 9 de abril de 2016

AS BARBAS DE DEUS 2: DOBRANDO A ÁRVORE DA VIDA OU O PODER DA ORAÇÃO.


Por Mario Sales FRC,SI,MM


É comum em qualquer exercício intelectual, trabalharmos com símbolos que nos ajudem a fixar conceitos.
É assim com figuras geométricas como o triangulo retângulo, que ato contínuo nos traz a mente a equação pitagórica, ou escadas como a de Jó na representação da ascensão evolutiva, geralmente de cunho espiritual.
Escadas ou triângulos são aparentemente figuras estáticas e símbolos definidos espacialmente, de maneira que, ao trabalhar com um ou outro conceito correlacionado, imediatamente a imagem daquele símbolo síntese nos vem a mente.
Na intenção de pensar, no entanto, devemos extrair mais dos símbolos, da mesma maneira que quando mais esprememos a laranja mais suco conseguimos.
Símbolos devem ser maltratados, burilados, para produzirem o máximo de suas possibilidades.
Foi assim quando estudamos o QUADRO UNIVERSAL, o resumo imagístico do Tratado da Reintegração dos Seres, de Martinez de Pasqualy, desenhado por seu fiel secretário , Louis Claude de Saint Martin.




Ao olhar para um símbolo é preciso torna-lo elástico, flexível, capaz de ser deformado sem perder suas características. E foi assim que, deformando e inflando o QUADRO UNIVERSAL de Saint Martin, em princípio plano, chegamos à compreensão de que não se tratava de um círculo, mas de esferas justapostas, uma para a imensidade divina acima e outra para os níveis inferiores, por sua vez preenchidas por esferas menores que delimitavam espaços específicos, Mundo Supra Celeste, Celeste, Eixo Fogo Central Incriado e Reino.
O que era um círculo virou uma esfera, e conseguimos intuir que a borda do Eixo Fogo Central Incriado não era a única região onde este Fogo Central Incriado estava, senão em toda a sua região interna, dando-lhe vida e substância, papel realizado por uma energia que para os rosacruzes tinha outro nome, embora a função fosse a mesma, o Nous.
Da mesma forma, existem outros símbolos passíveis de deformações em busca de maior riqueza conceitual.
O mais clássico de todos é a Árvore da Vida.
A Árvore, em sua apresentação ortodoxa tem à disposição em que Keter, a sefira mais alta, mais perto do Ain Sof Aur, está na extremidade superior oposta à Malkuth que está na outra extremidade inferior.
É comum, diante disso, a impressão conceitual imagística de que não teremos chance de alcançar tal sefira em uma encarnação ou mesmo duas, pela distância e aparente inacessibilidade; mais: não poderemos, se consideramos esta forma, alcançar nem a sefira Bina, a 3ª, correspondente ao conhecimento. Por mais que estudemos a Torah, o Talmude e os escritos de Isaac Luria, jamais ultrapassaremos Yesod, esta sefira conhecida como Sefira da Fundação, que sustenta a estrutura da Árvore e está imediatamente acima de Malkuth. Em um ensaio chamado “Grupo de Estudos de cabala: as projeções da Árvore da Vida”, de oito de novembro de 2014 discuti esta possibilidade de mudar a posição da Árvore para entender que não se chega a Keter subindo degrau por degrau as sefiras, mas dominando o sentido do conjunto.





Podemos e devemos deitar a Árvore para entender por que Malkuth é espelho para o Ain (Arik Anpin que contempla Zeir Anpin); mas além disso, devemos dobrar a Árvore, para entender como é possível que um espiritualista possa atingir a iluminação ainda vivendo em Malkuth.


Assim, quando a Árvore se dobra, Malkuth toca em Kether. Isto ocorre em estado de conexão espiritual só possível de ser alcançado pelo enlevo devocional da oração, a verdadeira oração, aquela que vem do coração e não da língua.
É através da oração que a forma da Árvore se torna elástica e plástica e a Árvore assume posições antes inimagináveis.
É da mesma maneira que é possível entender que não iremos até Kether lentamente, mas que pela oração estaremos em Kether enquanto orarmos, como também em Hockmah e Binah.
O Arik Anpin deve ser entendido como um templo, uma dimensão do sagrado, não temporal, nem espacial. Estaremos no Arik Anpin quando estivermos em comunhão com o divino. Sairemos e retornaremos a Malkuth ao terminarmos nossa prece, nossa conexão.
Nós que estamos em Malkuth somos dedos da mão de Deus mexendo nas coisas a nossa volta como se Deus remexesse em Seus pertences, em Sua criação.
Às vezes, no entanto, Deus fica intrigado com um fenômeno qualquer e cofia a barba, pensativo.
É nestas horas, de reflexão divina, que somos levados a um estado de grande intimidade com o altíssimo, que durará o tempo da perplexidade divina, pois enquanto oramos, Deus nos escuta, perplexo com nossas dúvidas, e neste momento, apoia-se em seu punho e nos olha, misericordioso e consolador.
A prece, sem dúvida, nos torna mais próximos de sua Divina Barba.