Por Mario Sales FRC, SI, MM
Todos nós julgamos, ingenuamente, que as coisas são do modo que sempre foram.
Mesmo os sentimentos que dominam nossos relacionamentos nos parecem mais instintivos que culturais.
Um pouco de investigação histórica e vemos que não é assim.
Compreensões de mundo e o próprio "ser humano" e o adjetivo mais ligado a ele "humanidade", aprendemos com Michel Foucault em "As palavras e as Coisas", são conceitos construídos que repetimos de modo mecânico e acrítico.
Na verdade, casamentos por amor, antes do século XVIII, eram motivo de riso entre as pessoas.
Relacionamentos eram baseados no interesse financeiro ou biológico: financeiro do ponto de vista se aquela união geraria prosperidade material; e biológico, do ponto de vista de que não existia a atual noção de "infância" e os filhos eram, antes de tudo, uma das muitas propriedades de seus pais, importantes na ampliação da mão de obra da família, e novamente, na prosperidade material do clã.
Como sempre as ideias e a literatura transformaram lentamente a visão das coisas e sobre os instintos, sexual e de sobrevivência, estendeu-se o véu das crenças nos valores do romantismo.
Na literatura, o movimento romântico tem seus primórdios nos trovadores da Idade Média com suas odes aos heróis antes do som polifônico, com acordes simples em suas Violas de Gamba, ao pé de sacadas e balcões ao estilo de Julieta e Romeu, ou nas ruas das cidades, divulgando e transmitindo lendas e narrativas de batalhas.
Foi neste momento que a violência típica das guerras e conquistas das cruzadas receberam um verniz de honradez e nobreza que, cá entre nós, ao fim e ao cabo, nunca possuíram.
A realidade foi disfarçada em armaduras, roupas e maquiagens, ocultando as cicatrizes das pústulas, feridas e manchas na pele, dos combates e das doenças.
Chamo atenção para o sangue na roupa do cruzado que sob o viés romântico, antes de representar a barbárie e a morte é associado à nobreza no combate.
O romântico não é apenas aquele que cultua o amor e a beleza dos sentimentos, mas também aquele que considera bela a morte, a guerra baseada em ideais e o sofrimento associado a existência.
Lembrem-se da moda do inicio do século passado em nosso país em que era de praxe que o verdadeiro intelectual tivesse uma vida boemia e morresse tísico, tuberculoso, ou da fragilidade física do maior de todos os compositores românticos, Frederic Chopin.
Os séculos do romantismo, final do XVII e XVIII, são a época dos perfumes em França, para ocultar o odor de homens e mulheres, que recusavam o banho puro e simples por considerá-lo um hábito desnecessário e estranho.
Não se tem saúde nem higiene, mas aprendeu-se como disfarçar os sinais inconvenientes dessas situações.
Da mesma maneira a literatura romântica disfarça com seus cenários de apelo ao sentimentalismo, todos os aspectos duros e trágicos dos conflitos que aconteciam e ainda acontecem mundo afora.
Willian Blake (The Marriage of Heaven and Hell - O Casamento do Céu e Inferno,1793), Edward Young (Night Thoughts - Pensamentos Noturnos, 1742, re-editados por Blake em 1795), James Thomson, Willian Cooper e Robert Burns, Coleridge e Wordsworth (Lyrical Ballads - Baladas Líricas, 1798), Lord Byron (Childe Harold's Pilgrimage, Peregrinação de Childe Harold, 1818), Shelley (Hymn to Intellectual Beauty - Hino à Beleza Intelectual, 1817) e Keats (Endymion, 1817), são alguns nomes a serem lembrados. [1]
A visão romântica tem aspectos definidos que transformaram a maneira de olhar o mundo do mesmo modo que lentes verdes tornam todas as coisas esverdeadas. Tal qual os óculos verdes do Magico de Oz, que faziam com que todos pensassem estar em uma Cidade das Esmeraldas.
O senso de individualismo (privilegiando emoções e sentimentos individuais), o subjetivismo (escrevendo sempre na primeira pessoa do singular), a idealização (com excessos de imaginação, aqui equivalente a fantasia), o sentimentalismo exacerbado (com ênfase na tristeza, na desilusão e na saudade), o egocentrismo (colocando sempre sua própria visão do mundo acima dos fatos), a interação com a natureza (com referencias constantes às florestas e rios, ou ao clima), a hiperpolarização entre o Grotesco e o Sublime (como no romance a Bela e a Fera)e o medievalismo (com a eleição do nobre Cavaleiro como um modelo a ser seguido, independente das barbaridades cometidas pelos cruzados) são traços que foram seguidos a risca no comportamento social e depois, político.
Guildas, espécie de sindicatos medievais.
Assim, construiu-se um modelo de percepção de mundo que influenciou inclusive as Ordens Esotéricas, abrindo caminho para o discurso do Cavaleiro de Ramsay, que atribui romanticamente aos Cruzados o papel de fundadores e mantenedores da Maçonaria, ao invés da origem nas guildas de construção de igrejas como se sabia e historicamente se reconhece. Com a descoberta de que os maçons, construtores reconhecidos que eram, fizeram vários castelos na península Ibérica para Cruzados, que fugiram da perseguição em França indo para Portugal, após a prisão e morte de Jacques de Molay, houve aparentemente a constatação de que a fala de que Maçons e Cruzados eram a mesma e uma única coisa tinha grande chance de ser real. Mais que isso: era real.
Existem reflexos românticos até na política.
A ideia de que a compreensão do fenômeno social era possível a partir da reflexão filosófica e intelectual, e que a solução para a desigualdade do mundo tinha sido encontrada no Marxismo-Leninismo não deixa de ter um caráter eminentemente romântico, já que se trata de uma crença em que a realidade dinâmica e complexa da sociedade e de suas relações de força e poder poderiam ser modificadas pela igualdade forçada conseguida a partir de métodos revolucionários e violentos, novamente dando um caráter lírico e poético, ou melhor, ideológico, a guerra e ao conflito armado.
O Intelecto, mesmo aquele que segue padrões estritamente lógicos, pode ser vítima de excessiva idealização, uma característica genuinamente romântica.
Existe muito romantismo em todos nós, como esponjas encharcadas de água na pia.
Desfazer-se dessa influência é difícil e psicologicamente trabalhoso.
Só o pensamento científico, a mente transformada pela educação científica, que mantém o pensamento atrelado a fatos que especula com cuidado e prudência, cientes da enorme capacidade que a imaginação tem de fugir de nosso controle e transformar-se em pura fantasia, pode a médio prazo libertar-nos da influencia nefasta do pensamento romântico, de seus ideais e características, dos quais talvez o pior seja o Byronismo, que leva o nome de seu personagem símbolo, Lorde Byron, nascido em 22 de janeiro de 1788 e morto em 19 de abril de 1824.
O Byronismo caracteriza-se pelo Narcisismo, egocentrismo, pessimismo e pela angústia permanente, coisas que facilmente reconhecemos como contemporânea.
Alguns acusam a tecnologia como a causa desta situação específica de nossa época, com índices de depressão explodindo em número, mas é no romantismo do século XVIII, que ainda não foi superado, que devemos buscar a verdadeira causa do comportamento social que marca este início do Século XXI. Não se trata de um neorromantismo, mas sim do mesmo romantismo que persiste em nós e nos tira o bom senso, entorpece nosso discernimento e nos leva a uma visão de mundo esverdeada como no conto do Mágico de Oz.
Esoteristas como qualquer ser humano de nossa sociedade devem esforçar-se para ter um pensamento menos romântico e só a informação e a educação nos liberta dessas pegajosas marcas que este movimento cultural ainda tem em nós.
Existe Vida além do Romantismo.
Não precisamos dele para pensar o mundo. Aliás precisamos pensar o mundo mas sempre usando os fatos que colhemos na experiência como nossos guias na descoberta paulatina dos princípios de funcionamento da Criação. Fatos estes devidamente trabalhados já que não existe coisa menos confiável do que o testemunho pessoal de alguém em relação ao que chamamos realidade.
Precisamos entender que o subjetivismo não é saudável e não colabora para a construção de uma percepção clara do mundo, sem o intermédio de lentes coloridas a modificar o aspecto das coisas. Só a educação, em todos os sentidos da palavra, método consagrado até pelo Dalai Lama em uma de suas muitas e lúcidas falas, pode levar o homem a uma espiritualidade superior.
Só a cultura e a educação salvarão o Espiritualismo e o próprio Esoterismo do Romantismo, filho da ignorância psicológica e da imaturidade emocional.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAchei que fala a seguir guarda relação com o texto, ainda mais vindo de um filósofo que, segundo a tradição, pertencia a Ordem.
ResponderExcluir"A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciências que podem ser chamadas ciências conforme a nossa vontade.
Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento."
Francis Bacon, Novum Organon (1620)