Por Mario Sales, FRC.:, S.:I.:,M.:M.:
Entramos no ano do coelho, segundo o horóscopo chinês, e os adivinhos de plantão, sucessores de Simão o Mago, que quis comprar os dons dos apóstolos após o Pentecostes, apressam-se a fazer suas previsões.
Tarólogos, terapeutas ditos “holísticos”, e afins, baseados em suas técnicas peculiares, definem a priori como será o futuro e declaram de forma bombástica nos jornais os desígnios para as próximas semanas, os próximos meses, em todos os campos da atividade humana, principalmente aqueles que chamam mais atenção, a área política, o destinos de celebridades e artistas, talvez em busca da mesma celebridade que aqueles sobre os quais comentam têm. E, pasmem, funciona, momentaneamente.
Os jornais publicam estes disparates com destaque bombástico e, para exemplo, o meu jornal local estampa na primeira página, hoje, dia 1° de janeiro, em pleno verão, estação do ano em que mais chove, que o ano será o ano das enchentes.
Quedo-me, perplexo, refletindo sobre a força que a superstição continua a ter entre a maioria dos seres humanos.
Não me espanto com tais declarações ou com a existência de quem as faz, e nem com o velho bordão legitimador, de que “ “pesquisas” provam o que está sendo afirmado”.
Tudo isso é monótono.
O que ainda me espanta é que haja espaço para publicação destas tolices na primeira página de um jornal como se estivéssemos diante de fatos, coisas que, às quais, em princípio, os jornais dizem se ater.
Todos nós, que não somos mais tão ingênuos sabemos que a imprensa vive, não de fatos, mas de versões. A pressa em publicar sacrifica no altar da publicidade fácil o cordeiro da realidade.
Mesmo assim, deveria existir um certo pudor em admitir isto publicamente, ou então, assumir de vez a condição de pasquim, de imprensa menor, e ocupar o nicho de mercado a que tem direito.
Só que não é assim e publicações que se esforçam para parecer sérias abrem espaço para um tal grau de bobagens que é difícil, depois disso, falar-se em credibilidade, ou seriedade.
Óbvio, existe demanda.
Minha esposa lia para mim, no café, fascinada, os detalhes acerca do ano do carneiro, como ele suavizará os movimentos bruscos do ano que se encerra, o do tigre, etc, etc, etc.
Amo profundamente minha esposa, mas enquanto ela lia este trecho, não pude deixar de pensar o quanto ocupamos nossas mentes e espíritos com coisas absolutamente dispensáveis para nossa evolução e quanto isso atrasa nosso crescimento pessoal, levando-nos a despender um tempo precioso no consumo e reflexão sobre assuntos absolutamente descabidos e vazios de significado.
Todos nós temos nossos próprios pecados neste campo e é como se a racionalidade e a objetividade não pudessem ser, sempre, em todos os momentos, nossa estratégia de ir ao mundo, sem que isso não se tornasse uma angústia ou um sofrimento.
Daí a necessidade da alternância com o lazer e a arte, que suaviza nossos dias e aveluda nosso espírito, dando-nos um balanceamento para as atividades do hemisfério esquerdo.
Só que, arte e lazer não significam perda de refinamento. Embora os gregos dissessem que “não existem grandes e pequenos prazeres, mas apenas prazer”, pode-se por decorrência do grau de aprimoramento de um espírito conseguir satisfação com atividades enriquecedoras da alma, como a música, a poesia, dentro ou fora da música, ou a contemplação estética.
A literatura, a boa literatura,( e aí não vou entrar neste terreno minado dos critérios para estabelecer o que é bom ou não, pois é preciso liberdade de escolher segundo suas próprias tendências pessoais o que achamos bom ou não em literatura), também pode nos acrescentar momentos de deleite e crescimento mental simultâneos, e crescemos ao elaborar com o descritor, também chamado escritor, imagens de locais e vivências de emoções que não são nossas, mas que em nossa imaginação ganham força de realidade. E crescemos, nem que seja no nosso vocabulário, por ir ao texto e deixar, ao mesmo tempo que o texto venha a nós.
Existe fome em nossa mente por informações e a falta de bons livros e bons textos nos deixa indefesos para outros interesses, para outras atividades, e dessa forma, a descrição das características do ano do coelho e as previsões dos “terapeutas holísticos” ocupam este espaço vazio, já que “mente vazia, oficina do...”, vocês me entendem.
Pode-se afirmar, depois deste raciocínio, que o Universo odeia o vazio, e uma vez que ele se manifeste rapidamente um movimento se realiza no intuito de preenchê-lo, com qualquer material que possa evitá-lo e desfazê-lo.
Para o Universo, o vazio é insuportável. E talvez neste postulado se baseie a inexorabilidade da persistência de manifestações culturais supersticiosas independente do avanço do conhecimento científico e da sua democratização graças a velocidade de sua difusão por modernas tecnologias.
Por isso, em um ano que nos coloca diante das inúmeras possibilidades da nanotecnologia, da difusão de música clássica a um toque de nossos dedos, música que se manteve bela nos últimos 500 anos, do acesso a arte por quaisquer pessoas que possam usar um terminal de computador, ainda temos espaço para manchetes imbecis com previsões idiotas e que serão lidas por pessoas de bem como se fossem informações e fatos fundamentais ao nosso cotidiano.
Talvez o que mais me aborreça é a falsa associação entre estas tolices e a prática do misticismo e do esoterismo mundial.
Só o tempo e a difusão do conhecimento sólido preencherá a mente humana de forma a expulsar as trevas do obscurantismo das cabeças, e forçar a mídia a revisar seus critérios de publicação, e pelo menos na transição de ano seremos poupados de ler estas bobagens em nossos jornais da manhã.
Ansiosamente espero que não demore muito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário