Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 29 de maio de 2016

VIDA E MORTE NO ESOTERISMO E NA FILOSOFIA

por Mario Sales FRC, SI, MM






Assistindo a aula no Café Filosófico de Viviane Mosé e seu resumo da obra filosófica de Friedrich Nietzsche, tive uma epifania de porque as Ordens esotéricas tanto me incomodam em seu modus operandi.
Nada a ver tanto com seus objetivos, mas com os conceitos que movem esta busca.
Nitidamente, existe um descompasso entre as concepções esotéricas e o momento filosófico contemporâneo. É como se as reflexões esotéricas estivessem congeladas desde o Iluminismo, visto que, por exemplo, fala-se ainda na Razão e na sua conquista como o grau mais alto de evolução humana possível, sendo que fazem algumas décadas que a Academia e os pensadores refutaram o papel da razão como algo que merece confiança na condição de guia do comportamento.

Viviane Mosé, filósofa nietzschiniana e poeta


Na época em que a razão perdeu seu status de guia etico e moral humano argumentava-se que isso ocorria porque foi racionalmente que produziu-se uma máquina genocida (os campos de extermínio de judeus, dos nazistas, devidamente organizados, bem administrados, utilizando a ciência mais elaborada e limpa em favor do mal) ou ainda, com o uso da ciência, produziu-se armas de destruição em massa, como a Bomba A que dizimou Hiroshima e Nagasaki, modelo de bomba este que, hoje, é apenas o gatilho da Bomba H.
Foi nessa época que a obra e o pensamento de Nietzsche ressurgiu forte, libertando-se da falsa acusação de ter dado as bases filosóficas para a doutrina de superioridade ariana, graças aos equívocos de relacionamento com o Partido Nacional Socialista de sua irmã, responsável pelo seu legado.

Nietzsche


Nietzsche, como Mosé descreve bem, coloca a ciência, ainda no século XIX, sob suspeição de ter sido entronizada no lugar de Deus como novo foco de devoção humana, sendo além de uma prática, uma idealização.
Para as escolas esotéricas e seus rituais, no entanto, a Razão ainda goza de grande prestígio, e isto não é uma questão menor no seu cotidiano, mas uma questão central, que domina os encontros e as iniciações.
Um outro exemplo de anacronismo no discurso interno das ordens iniciáticas é o discurso de “busca da verdade”.
Recentemente, estive em uma loja maçônica em São Paulo orientando uma reflexão sobre a importância do chamado segredo hoje em dia entre as escolas de mistério.
Ao final, durante a fase de debates, um irmão levantou-se e, pomposamente, com o pretexto de fazer uma pergunta, mas de fato querendo mostrar sua erudição, declarou que admirava a filosofia e a sua “busca da verdade última”.
Polidamente retruquei que, a filosofia contemporânea já não busca “A Verdade” fazem algumas décadas, quiçá mais de um século, já que o que importa hoje, aos filósofos pós nietzschianos, é a busca do esclarecimento acerca dos critérios de verdade e sua operacionalização (porque e para que).

Sócrates e Platão


Notei que ele ficou perplexo. Era como se eu tivesse retirado seu chão. Como a filosofia não buscava a Verdade? Como algum saber do conjunto do conhecimento humano não tinha mais como objetivo último a descoberta desse Cálice Sagrado? Vejam, a idealização mística, de um fim último e definido, está entranhada até os ossos mentais deste irmão como de outros, para os quais filosofia ainda é uma atividade especulativa sem nenhum relacionamento com o Mundo da Vida. Talvez por isso a Maçonaria considere aceitável chamar de especulação toda e qualquer idéia absurda que possa ser descrita em templo, como válida, considerando que, dentro da noção anacrônica de filosofia na Maçonaria, a especulação filosófica não tem limites nem quaisquer regras de exercício.
Na maçonaria, a filosofia ainda é também aquela dos gregos pós-socráticos, que pensavam por pensar e não analisavam “O pensar” da maneira que nós hoje o fazemos, com a epistemologia, também chamada teoria da ciência. Na epistemologia, a reflexão filosófica está completamente atrelada ao avanço científico, problematizando-o, instabilizando as certezas provisórias, os postulados, que ajudam os cientistas a pensar.
Se por um lado os maçons acham que a razão ainda ocupa um lugar de destaque, os mecanismos usados por estes mesmos maçons para exercer esta arte da racionalidade são no minimo infantis, do ponto de vista da lógica ou da retórica, já que pressupõem, equivocadamente, que, externar uma opinião sem fundamento representa uma especulação filosófica legítima.
O mais grave de todos os paradoxos, entretanto, é o fato que Mosé ressalta em sua fala. O pensamento pós-socrático é um pensamento estamentado, baseado, como Viviane explica no vídeo, na desvalorização do mundo físico e na hipervalorização do mundo das idéias, com abertura de uma outra possibilidade, a existência de um mundo transcendente, espiritual, perfeito, nobre, digno, em oposição a esse mundo da carne, imanente, imperfeito, vulgar e indigno. Daí a queixa e a acusação de Nietzsche contra Sócrates de que ele realmente retirou dos jovens gregos com seus ensinamentos o respeito pelo que é sólido, presente e real, fazendo-os transformarem-se em sonhadores do porvir, em vez de desfrutadores do devir, o fluxo dos acontecimentos da vida. O pensamento socrático-platônico é um idealismo, que limita a percepção e interfere com nossas opções.
Em um jocoso exemplo, Viviane diz: “ -Eu idealizo a felicidade, e projeto que a felicidade será fazer um cruzeiro com o homem que eu amo.  Só que quando eu chego no navio, o navio balança e eu enjôo, e vomito. Depois percebo que em um camarim minúsculo, meu marido ronca, e muito alto. Então minha idealização se desfaz e dá lugar a um estado de frustração, emoldurado pela frase: ‘tinha que ser comigo, isto só acontece comigo’, como se todas as outras pessoas estivessem fora do fluxo da existência”.
Da mesma forma, por idealismo, Maçons ainda acreditam em valores como Liberdade e Igualdade, da época do século XVIII, duas coisas impossíveis de se realizarem de maneira completa, já que a liberdade não é possível em um mundo de relações, aonde eu não posso, por respeito a uma convivência civilizada, fazer tudo o que quero ou deseje como, da mesma maneira, a única coisa certa entre os homens é que todos são diferentes e não iguais, e, portanto, não se pode, mesmo que se queira, viver em um mundo de “iguais”.
Acima de tudo, entretanto, maçons e também Martinistas, não entendem que vida é fluxo, dinamismo, o que talvez fundamente o mecanicismo exagerado e entediante de seus rituais. Não entendem porque não sabem disso, já que sua visão de mundo é intermediada pelos óculos de Sócrates e Platão, que vêem o Mundo como formado de peças de Lego que se unem para formar estruturas mais complexas, em vez de um mundo semelhante a um fluxo de rio, como Heráclito, um pensador pré socrático, gostava de considerar.
Sem fluxo de sangue nas veias não haveria a Vida. Os tecidos distantes ou próximos do coração feneceriam, pouco a pouco, sem os nutrientes necessários à existência. O sangue flui, o ar flui pela respiração, para dentro e para fora, ininterruptamente. Algo que não flui, não vive, está morto.
Não sei se agora deixei claro a gravidade das questões filosóficas e operacionais maçônicas.
O mundo acelerou e a maçonaria, como outras escolas, ao contrário, colocaram o pé no freio. E chamam o fenômeno de ficar presos a uma forma de pensar anacrônica de "preservar a tradição".
Isso precisa mudar. Pelo bem e pela manutenção dessas ordens, cujas intenções são positivas, mas perigosamente ingênuas e frágeis em um mundo permanentemente em transformação.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

BANALIDADES


Por Mario Sales, FRC, SI,MM



Se devemos ao conhecimento científico nossos avanços tecnológicos, ao senso comum devemos nossa alegria e nosso contentamento.
Ontem, por exemplo, o dia foi perfeito. Tão perfeito, que as rodas do carrinho que escolhi no supermercado não rangiam nem travavam. Esta aparente banalidade encanta o espirito de pessoas comuns, que pensam de forma comum, acostumadas a certos desconfortos e embaraços ligados a vida cotidiana e absolutamente inseridos em nosso momento histórico. Coisas do senso comum, portanto.
É como um café que você faz e não fica demasiado amargo ou fraco, mas exatamente no ponto de equilíbrio entre estes extremos; ou não começar a chover forte no final de um episódio de uma série que você gosta, justamente naquele momento de revelações de mistérios antigos (“Hordor, Hordor”).
A paz, nesse caso, não é a paz verdadeira, espiritual e profunda, mas a paz da ausência de intercorrências banais, que embora não ameacem a existência, contrariam suas expectativas naquele dado momento. As chamadas oscilações comuns na qualidade dos acontecimentos, que mais aborrecem do que matam.
A construção romântica da vida humana supõe que a vida é uma sequência de tomadas cinematográficas perfeitas, quando na verdade a maioria dos nossos momentos são inexpressivos e sem significado, rotinas que reproduzimos todos os dias, só que preenchendo o espaço entre grandes acontecimentos, bons ou maus, estes sim suficientemente importantes para marcarem nossa existência e memória.
Talvez uma das características mais atraentes da pratica do Zen Budismo seja a atenção que dá a essas chamadas pequenas coisas, estas mesmas que preenchem as lacunas e que acabam por, somadas, representarem a matéria de consolidação do real.
Caminhar em uma estrada de areia, tomar banho, beber uma xícara de chá ou café; comer um pedaço de pão.
Coisas rotineiras, mas que para o Zen ganham grande importância pois é exigido de seus praticantes que mantenham sua atenção permanente focada em todos os detalhes do cotidiano, não lhes concedendo sentido, mas testemunhando-os de forma clara, livres do critério de importante e não importante.
Tudo, absolutamente tudo passa a ser significativo, sem referências a outros conceitos mentais, mas pelo simples e banal mérito de ser o que é, um acontecimento da existência.
No Zen existe espaço para o senso comum, que não é, ao que parece, tão banal como supõe nossa vã filosofia.
Talvez o segredo, não da felicidade, mas da serenidade verdadeira, seja estar harmonizado com as coisas banais da existência, aceitando de bom grado e com alegria todos os tipos de acontecimentos, sem classifica-los em bons e maus.
Já que a dualidade é a característica mais notável da existência, passar de um polo a outro com equanimidade diminuirá ou extinguirá o desgaste emocional e a sensação de perda, gerada pelo apego. A impermanência será compreendida na prática, não na teoria.
Como os Mandalas tibetanos de areia colorida, feitos com todo o carinho e esmero por semanas, na ausência do Mestre, apenas para que ele os destrua quando retornar.
Momentos são como os grãos de areia que se acumulam uns ao lado dos outros, para formar belas praias e magníficas dunas. Não são nada, são quase invisíveis, mas sem eles o tecido do espaço tempo se desfaria, por completo.
Como as coisas do senso comum, os aparentemente banais acontecimentos do cotidiano.
Ao que parece, existe muita filosofia no ranger das rodas de um carrinho aleatório de supermercado.

sábado, 21 de maio de 2016

O VOO MS 804 E A IMPERMANÊNCIA


Por Mario Sales FRC,SI,MM






“A situação continua bastante precária para os egípcios, pois os turistas abandonaram esta região do mundo e esse magnífico país. Por várias vezes eu tive a oportunidade de falar sobre isso com vocês por meio de minha carta (anual), e continuo igualmente sensível quanto ao destino dessa nação e de seus habitantes. É por isso que continuo a ir até lá regularmente, a fim de encorajar nossos fratres e sorores a efetuar este périplo iniciático enquanto isto for possível. O perigo não está apenas no Oriente Médio e devemos enfrentar a situação com coragem e determinação. ”
Trecho da carta anual do Imperator da Antiga e Mística Rosa Cruz, Frater Christian Bernard, 2016, ano R+C 3368

Um avião desaparece na madrugada entre Paris e Cairo. Levava 66 pessoas, 15 das quais francesas. A queda está envolta em mistério....Nenhuma reinvindicação de autoria de ataque foi feita, mas a possibilidade de atentado está na cabeça de todos. Explicação: Egito e França são sem dúvida os países mais detestados pelos chefes do Estado Islâmico(EI).
Trecho da coluna de hoje, 21 de maio de 2016, de Gilles Lapouge, correspondente de “O Estado de São Paulo”, em Paris.



Ao que parece o Egito se tornou mais distante e perigoso para nós, filhos da Cruz e da Rosa. Mesmo com os estímulos a empreender uma viagem aquele país, o próprio Imperator admite que o turismo sofreu uma queda importante com as recentes ações terroristas da organização chamada Estado Islâmico. E agora este avião, que fazia justamente a linha Paris Cairo, aonde poderia estar o próprio Imperator, em uma de suas rotineiras viagens.
Pelo menos, ao que se saiba, o Imperator não estava entre os 15 franceses que experimentaram uma brusca transição nesta tragédia. O que expõe apenas o fato de que nossa existência é frágil e que será compreensível que este triste episódio ponha a última pá de cal nas frequentes viagens que os rosacruzes têm realizado ao Egito nas última décadas.
Lapougge em seu artigo lembra que “ao atacar um avião egípcio, é a indústria turística do país que é atingida”. E esta intenção, com certeza será alcançada, porque não existem armas defensivas contra o ataque do medo ou da insegurança. Estes talvez sejam os maiores inimigos da civilização, e lembro-me de uma frase extremamente forte de Luiz Felipe Pondé em um debate aparentemente coloquial, em que fala que “ a pré história nos olha pela fresta da porta e não o Messias”, lembrando que toda a nossa civilização pode desaparecer de maneira súbita, bastando que para isso este instável equilíbrio político que mantém essa aparência de paz e prosperidade se desfaça, ou por intervenção de pequenas ditaduras, já que as grandes nações têm interesses econômicos e culturais muito mais importantes a preservar, ou pela intervenção de pequenos grupos terroristas que hoje, com a miniaturização de armas letais, são portadores de um poder de destruição muito maior e de mais difícil detecção.
A civilização só permanece pela Graça de Deus.
E como lembrou assustadoramente Pondé, a qualquer momento, “em (apenas) duas horas podemos voltar a pré história, com os homens se matando e as mulheres morrendo de parto”, se certas condições estratégicas forem preenchidas.
Sempre falamos do desapego como uma condição si ne qua non para a evolução espiritual. Só que fazemos este comentário referindo-nos aos relacionamentos e a posse de objetos pessoais. Jamais levamos em conta que desapego é também desapegar-se dos aspectos civilizacionais, das nossas condições socioeconômico culturais de vida, nossas bibliotecas, nossos livros, nossas cidades, nosso teatro e nossa música.
Não pensamos nisto porque achamos ingenuamente que essas coisas são intocáveis e que apenas evoluirão, tornar-se-ão mais tecnológicas, mais avançadas do ponto de vista da informatização, mas nem de leve passa por nossas cabeças a destruição de tudo, súbita e desesperadoramente, na onda do caos que nos circunda e que vige nas fímbrias da civilização.
Fazemos de conta que a África com suas doenças e misérias, a fome, a seca, ou que a faixa de Gaza em permanente convulsão social e militar, são fenômenos distantes e localizados, mesmo considerando as favelas que circundam o Rio de janeiro, São Paulo e a Cidade do México, ou as estatísticas de violência urbana, tanto aqui no Brasil como em Chiapas ou em Yucatán, ou o tráfico de drogas sempre em franco crescimento econômico, talvez a maior fonte de financiamento da criminalidade em todo o mundo.
Seria preciso um trabalho mental muito mais intenso e focado para reverter este estado de coisas e não vejo como isso seria possível.
A vida tem seus ritmos e pode ser que a humanidade esteja com os dias contados, como diz Gilberto Gil, “tudo agora mesmo pode estar por um segundo”.
A pergunta é: estamos prontos para nos desapegar de tudo isso? Estamos prontos para esquecer o Egito, para não querer mais consolidar nossas convicções em uma visita ao lugar em que toda nossa caminhada começou?
Precisamos ir às pirâmides para que elas finalmente entrem em nós como conceito e vivência?
Não levaremos nada deste mundo, a não ser os valores e as conquistas espirituais que alcançarmos com a experiência desta e de outras encarnações. Somos rosacruzes, nosso verdadeiro laboratório alquímico é o nosso interior, já não precisamos mais de bastões e chapéus pontudos para manifestar nossa magia, pois nossa magia está em nossa imaginação e compreensão interior.
Talvez devamos nos desapegar de tudo que consideramos essencial ao fenômeno civilizatório porque tudo pode desaparecer e desaparecerá, seja por uma convulsão político militar seja pelos efeitos devastadores do tempo.
Nossas almas permanecerão, uma vez que a peça que encenamos terminar.
Maya pode ser envolvente, mas jamais será perene. Parte da sua natureza é exatamente sua impermanência de que tanto falam os budistas.
Estamos prontos para aceitar esta impermanência?
Estaremos realmente prontos quando tudo aquilo que nos referencia, na nossa chamada “realidade”, já não mais existir?
O que restará de nós se algum dia nossa sociedade explodir sobre o Oceano, como um avião de turismo vítima do terror?


quarta-feira, 18 de maio de 2016

O NASCIMENTO DE UM ARTISTA

Por Mario Sales,FRC,SI,MM


Rainer Maria Rilke



Cá estou a ler os textos de um leitor.
Carinhosamente, confidenciou-me seus escritos pessoais na intenção de que eu fizesse sugestões e um trabalho de copydesk de seus ensaios.
É comovente.
Lembrei-me de Rilke e de suas palavras no seu conhecido opúsculo “Cartas a um jovem Poeta”, em que fala da sua “necessidade imperiosa de escrever, acometendo-o na calada da noite, forçando-o ao gesto da escrita, e confessa, sinceramente, que morreria caso lhe fosse vedado escrever. Uma obra de arte só é boa quando nasce desta necessidade”.
Vejo neste ensaísta que me manda em confiança seus textos a mesma necessidade. E isso, só isso, já garante que, em alguns anos, tornar-se-á um escritor fecundo, produtivo, e ajudará, como fazem todos os escritores, outras almas a organizarem seus sentimentos ao lerem seus textos.
Porque é isso que um texto faz: ele disciplina emoções, aprisiona-as em letras e, magicamente, dá-lhes a forma possível que o texto permite.
O escritor sopra sobre a página em branco e ela ganha vida. Seu hálito são as palavras silenciosas que ele não pronuncia, mas desenha na folha à sua frente.
Acredito que a necessidade de expressão seja o laço comum entre todos os seres humanos; todos precisam superar, transcender esta imensa solidão que nos caracteriza, seja através da pintura, da retórica ou da escultura.
Precisamos dar voz ao nosso silêncio.
E no princípio, isso é difícil. Depois torna-se um vício e uma compulsão e daí pra frente não somos mais nós mesmos que escrevemos ou criamos, mas o Universo que se apossa de nós, e através de nós manifesta sua vontade e suas ânsias.
Acredito que este seja o segredo da criação profícua: permitir que as energias que nos sustentam e circundam, invisíveis, fluam livres por nossa mente e busquem nossas mãos ou nossa boca, seja qual for a natureza de nossa habilidade, para ganhar a liberdade da prisão do silêncio e do anonimato, aprisionando-se, ato contínuo, na forma de um texto, uma dança ou um quadro.
Arte é o congelamento das emoções.
Não para limitá-las, mas para dividi-las com outros, compartilhá-las, e levar beleza aos olhos e aos ouvidos de todos, já que a beleza gera bem estar e deleite.
Aquele que cria beleza é sempre um benfeitor da sociedade.
Ver o nascimento de um desses seres é sem dúvida um fenômeno que emociona como a própria vida em si nos fascina.
Embora me sinta honrado com o gesto deste leitor, é preciso no entanto deixar claro que ninguém, muito menos eu, poderá fazer por ele aquilo que só ele poderá fazer por si. Escrever é e sempre será um trabalho solitário e para encerrar, cito mais uma vez Rilke, que descreve aonde o indivíduo deve procurar sua verdadeira orientação:
“Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é a isso que é preciso chegar. Estar só, como a criança está só.”
Este é o segredo de todo verdadeiro criador.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

CERTEZAS


por Mario Sales FRC, SI, MM
 Admiro a serenidade e segurança de quem tem “certezas”, esta circunstância psicossocial e perceptiva que tanta tranquilidade dá a quem a tem.
Não gozo deste benefício.
O ceticismo metodológico e a vida me deixaram profundas cicatrizes que insistem em coçar, todo o tempo, em locais difíceis de alcançar.
Não tenho mais nem a compulsão, nem o anseio da contra argumentação, mais por enfado e preguiça que por falta de alegações possíveis.
Percebo que estou mais atento, mesmo quando leio apenas, ao tom de voz do outro, a sua estratégia discursiva, sua elegância em colocar seus pontos de vista, coisas que podem, se presentes me motivar.
Discursos, pela sua beleza, não me fascinam hoje com a mesma facilidade da adolescência, o que é um bom sinal, aliás. Indicador de que envelheci e que, como diz o ditado, “enxergo de perto cada vez menos as coisas, mas vejo os canalhas a grandes distâncias”.
São as vantagens da maturidade.
A ágora social, que já foi para mim como café, hoje é um lugar sem muito sex appeal, dependendo de quem a ocupe e como a ocupe.
Minha solidão aumentou já que o silêncio também cresceu.
E para falar a verdade, atualmente não suporto nem mesmo as minhas próprias exposições que considero banais e repetitivas. Escrever, neste particular, é terapêutico, porque permite confirmar ou desfazer esta sensação, que pode muito bem ser uma "manifestação da depressão, algo que você pressente” como dizia Lobão.
É, com certeza ando muito deprimido, desiludido com as poucas, lentas e insatisfatórias mudanças que eu e a humanidade atravessamos, ao longo destas décadas que tenho testemunhado nesta encarnação de “Mario”.
Não me sinto satisfeito comigo, hoje, já que são muitos os defeitos a computar em minha trajetória errática nesta vida. Minha inconstância tem sido vergonhosa, ou inevitável, já que consideradas as muitas circunstâncias em que estamos imersos, é difícil dizer que tenhamos o controle de alguma coisa.
É como o paradoxo Einsteiniano da previsibilidade universal. Ele acreditava piamente, como um dia acreditei, em que “Deus não jogava dados”, referindo-se ao fato que era insano supor que ao fazer as mesmas coisas várias vezes encontraríamos resultados diferentes.


Franz Wilczek

Só que a insanidade de Einstein, como lembra em um interessantíssimo artigo, Franz Wilczek[1], está no exemplo que ele mesmo usou. Pois afinal, jogar dados é exatamente algo que é sempre a mesma coisa e que, repetida, invariavelmente oferece resultados diferentes.
Deus, como diria Hawking mais tarde, trabalhando em problemas quânticos, não só “joga dados como também esconde os resultados”.
E o que poderia conciliar este paradoxo? A compreensão de que, na verdade, não se joga dados duas vezes seguidas, da mesma maneira, e que, se a grosso modo, parece que estamos fazendo a mesma coisa, a presença de seis faces em cada dado, cada lado com um de seis números diferentes, e considerando a coexistência de dois dados sendo atirados simultaneamente a cada vez, o número possível de combinações será um número infinitamente grande e as combinações praticamente sempre originais. São os detalhes que tornam imprevisível a antecipação de qual combinação será conseguida, ao se jogar dois dados em uma mesa, em condições de total aleatoriedade.
Conclui o articulista que em muitas ocasiões, não temos conhecimento de todas as variáveis de um fenômeno, sendo este o argumento da ignorância. “ Se nós tivermos acesso completo a realidade, de acordo com este argumento, os resultados de nossas ações nunca seriam questionados”.
Para Einstein, ainda segundo o artigo de Wilczek, “existiriam aspectos ocultos da realidade, ainda não reconhecidos na formulação convencional da mecânica quântica que restaurariam a sanidade do universo”. O jogo de Deus apenas parece aleatório, mas só por causa da nossa ignorância sobre certas “variáveis ocultas”. “Deus está jogando dados, mas está manipulando o jogo”.
Meu enfado e desanimo talvez venham exatamente de concordar com esta abordagem quântica enquanto aplicada a vida cotidiana. Somos senhores de nosso destino ou forças dirigidas por outras inteligências (ou circunstancialidades universais para os ateus) nos comandam?
Muitas vezes, nesta fase da vida, tendo a abraçar a segunda hipótese, de que a Vontade de Deus, vamos colocar assim, transcende a minha vontade e de que nada além da vontade D´Ele determina minha existência, embora seja forte em mim a ilusão da independência, ou como preferia Kant, da Autonomia.
Não estou defendendo uma ou outra tese.
Não sei a resposta para esta questão.
Apenas divido com quem me lê minhas angustias existenciais.
Como eu disse antes, blogs podem ser muito terapêuticos.

[1] Frank Wilczek é um físico norte americano. Recebeu o Nobel de Física de 2004, pela descoberta da liberdade assintótica na teoria da interação forte. Participou da 23ª e 24ª Conferência de Solvay, em 2005 e 2008, respectivamente. As Conferências da Solvay (também chamadas de Congressos da Solvay) são uma série de conferências científicas celebradas desde 1911 . No começo do século XX, estas conferências reuniam os mais consagrados cientistas da época, e proporcionaram avanços fundamentais para a Física Quântica. Foram realizadas no Instituto Internacional da Solvay de Física e Química, localizado em Bruxelas, fundado pelo químico industrial belga Ernest Solvay.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

A CURIOSIDADE É UMA VIRTUDE

por Mario Sales


Caravaggio, São Tomé, 1602


Com extrema frequência dialogo com Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, seguindo o exemplo e com o mesmo ardor de Foucault ao dialogar com Velásquez.

E é principalmente através de São Tomé que dou existência a esta conversação intertemporal, atemporal, em que me espelho e especulo, já que a arte sempre será a musa da filosofia e da poesia, embora a poesia já seja arte em si.
Ao olhar o quadro, o dedo que adentra a chaga, nota-se a cabeça do investigador abaixada perante o Mestre que mais uma vez se entrega, feminino, à busca de seus discípulos; o evoluído que se dá, de alma e corpo, para satisfazer a evolução de outros. 
É a mão do Cristo que guia a mão de Tomé, como que a indicar o trajeto da busca, para evitar desvios e tornar precisa a inserção e garantir a confirmação buscada.
O Iniciado não se exime à sincera curiosidade do cético: premia-a com sua disponibilidade física e psicológica.
Estimula-a, deixando que outros participem da experiência, como meros observadores, atentos, mas distantes,  já que não conseguem, por medo ou asco, fazer o mesmo que Tomé, curiosamente, faz.
Se nele, Tomé, havia qualquer receio ou aversão, ambas foram superadas pela vontade de confirmar o fato, pelo intenso desejo de transcender a ignorância, e a partir daí, entrar em um outro nível de compreensão da realidade.
A curiosidade, quando sincera, destrói o medo e supera a aversão ao biológico.
A curiosidade desfaz o preconceito.
Pedro aparece em um plano mais alto, contemplando o acontecimento, mas o que chama a atenção é a testa de Tomé, franzida, tensa, como aquela de alguém que passa por uma emoção forte, aqui sem dúvida, a emoção da confirmação pela experimentação.
Este é o verdadeiro espírito científico, cético, cuidadoso, mas que se fascina pelo novo; que quer evidências que sustentem sua visão de mundo, mas que se emociona quando as encontra.
O verdadeiro cientista é um buscador, alguém que trilha a estrada da dúvida com a coragem infantil da curiosidade, encantado pelo mundo e pelos fatos, apaixonado pela existência.
Seu ceticismo nasce da Prudência, o terceiro degrau da escada de Rá, e é bom que seja assim.
Tomé indaga e recebe uma resposta, mas que isso, recebe a orientação da mão que guia a sua mão para dentro da ferida.
Enfatiza-se sempre a passagem: “Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram.”  Neste trecho estimula-se não a fé, mas a fé cega. E por isso ao longo dos séculos a Igreja destacou esta fala. Esquecem-se que é o próprio Cristo que estimula a verificação ao dizer: “Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente.” Este é um Cristo que sabe da importância do empirismo e da verificação. A tentativa de demonizar a ciência é traída pela imagem de Carvaggio: é a mão do Mestre Jesus, repito, que guia a mão de Tomé, não como descrito em João, 20, mas como retratado pelo outro mestre, aquele do barroco italiano. Existe uma mensagem nesta imagem, sutil, porém inegável: Deus guia nossas investigações.
Através de nosso raciocínio e esforço investigativo avançamos, mas pela graça de Deus e por sua inspiração damos saltos qualitativos.
A curiosidade é uma espécie de oração, aonde pedimos a Deus que nos ilumine.
Ser genuinamente curioso é uma virtude divina. É por isso que as crianças, antes de serem transformadas pelo que chamamos educação, são naturalmente possuidoras desse dom.
Esta é a forma de pensar do cientista rosacruz, confirmada pelo artista, este canal entre Deus e nós.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

CONVERSANDO COM OS MORTOS

Por Mario Sales, FRC, SI, MM


“A consciência concreta não pode ser atribuída à Consciência abstrata, assim como a qualidade de ser úmida não pode ser atribuída à água, porque a umidade é a característica intrínseca da água e constitui a causa da umidade em outras coisas.”
Helena Blavatsky; “A Doutrina Secreta”[1]

Rudolph Steiner


Como todos sabem, eu e Flavio continuamos a ler a Doutrina Secreta, como nos propusemos a fazer três anos atrás. Houve uma pequena reviravolta pois ao chegar no volume três da Edição da Pensamento, que consultávamos, descobrimos que aquela edição não era aceita como fiel ao texto original, sendo contestada até em Adyar, sede do movimento Teosófico mundial.
Alega-se ter sido adulterada por Annie Besante em conluio com Leadbeater, autor polêmico e dado a exageros, que ao que tudo indica tinha grande influência sobre a secretária de Blavatsky, a qual após a morte da Mestra causou grande tumulto dentro da Sociedade Teosófica, com a consequente ruptura com o movimento teosófico alemão, sob a liderança de Rudolph Steiner, o qual tornou-se fundador de um movimento dissidente que ele denominou Antroposofia.
Rudolph Steiner, como todos sabem, foi o mentor de Carl Louis Fredrik Graßhoff, um nobre dinamarquês que, mais tarde, seria conhecido pelo nome de Max Heindel e fundaria uma organização parateosófica com o nome de Sociedade Rosacruz.
O foco deste texto, entretanto, não é este.
Eu queria apenas mostrar que o texto que estudávamos, eu e Flavio, não era o texto correto.
Recomeçamos a leitura, não sem alguma tristeza, dado o esforço já despendido, desta vez usando como texto fonte a tradução supra citada.

Leadbeater

Qual não tem sido nossa agradável surpresa em ver, diante de nós, uma tradução coerente, menos confusa, com passagens absolutamente didáticas e compreensíveis, com algumas pérolas como a que está em epígrafe, de uma delicadeza sutil e uma profundidade abissal, que fascinam aqueles que com elas se deleitam.
Dada as dificuldades da leitura anterior, que hoje sabemos não era responsabilidade de HPB, mas das adulterações feitas pela dupla Besant-Leadbeater, e que foram preservadas na tradução da Editora Pensamento, o alivio que nos percorre é imenso ao contemplar páginas e páginas de descrições pertinentes à visão de mundo de HPB e acompanhar seu raciocínio e suas imagens , agora sim, compreensíveis.
É um grave desserviço a causa da hermenêutica esotérica essas deturpações de textos que já são obscurecidos pela distância histórica e pela língua em que forma escritos originalmente, bem como pela natural complexidade dos temas discutidos.
Charlatães como Leadbeater trouxeram grande embaraço ao movimento esotérico em todo o mundo, mas foram por muitos tomados como mestres apenas porque publicaram suas ideias.
Mas ele não foi o único. Ainda há quem exalte a personalidade de Aleister Crowley, demente e mal intencionado esoterista inglês, que com recursos de indução hipnótica circenses induziu a muitos a supor que tinha grande conhecimento de ocultismo.
Leadbeater diferentemente, não precisou de multidões para influenciar. Achou em Annie Besant, mulher de aspecto psicológico frágil, a porta de entrada para seus anos de fama como pseudo teósofo e autodenominado “grande vidente”.
Suas narrativas sobre maçonaria baseadas não em levantamento documental, mas em suas chamadas visões produziram páginas e páginas de delírios que, repito, inexplicavelmente ainda recebem atenção de muitos dentro e fora da Ordem maçônica.

Annie Besant

Seus textos ainda são republicados, por editoras até respeitáveis, o que em muito embaralha a compreensão dos que chegam ainda neófitos ao caminho do esoterismo.
Paciência.
Não se acabou de republicar “Mein Kampf” de Adolf Hitler, não sem grande polêmica? Porque um editor se daria ao esforço de trazer à luz as afirmações de um sabido genocida?
Interesse histórico? Difícil crer.
Portanto é com grande alívio que eu e Flavio podemos finalmente ter acesso ao texto fidedigno da Doutrina Secreta em português, livre da poluição e da interferência de terceiros, de modo a contemplar e entender porque esta obra tornou-se uma das mais importantes do Esoterismo Ocidental.
É confortante e gratificante do ponto de vista intelectual ler trechos como este:

HPB


“A ideia de que as coisas podem deixar de existir e de que ainda assim podem SER é fundamental na psicologia do Oriente. Sob esta aparente contradição em termos há um fato da Natureza para cuja compreensão o importante é a mente e não as discussões em torno de palavras. Um exemplo bem conhecido de um paradoxo semelhante é dado por uma combinação química. A questão sobre se o hidrogênio e oxigênio deixam de existir quando se combinam para formar a água ainda permanece sujeita a discussão. Alguns argumentam que, como eles são encontrados novamente quando a água é decomposta, devem estar lá presentes o tempo todo; outros afirmam que, como eles se transformam de fato em algo totalmente diferente, devem deixar de existir como hidrogênio e oxigênio durante o tempo em que estão combinados. Mas nenhum dos dois lados é capaz de perceber nem remotamente a real condição de uma coisa que se tornou algo diferente e, no entanto, não deixou de existir em si mesma.”[2]

Finalmente conversamos com Blavatsky, já que todos nós, leitores, conversamos com gente morta.
E nenhum de nós precisa para isso declarar-se médium.




[1] http://www.filosofiaesoterica.com/userfiles/DOUTRINA_SECRETA_FiloEso_05_03_16.pdf
[2] http://www.filosofiaesoterica.com/userfiles/DOUTRINA_SECRETA_FiloEso_05_03_16.pdf

terça-feira, 10 de maio de 2016

BRUXOS DO FACEBOOK

Por Mario Sales




“É um anjo!… Ora, já sei que todos dizem isso de sua amada, não é verdade? Todavia, é-me impossível dizer a você o quanto ela é perfeita, e também o porquê de ser tão perfeita. Só isto basta: ela tomou conta de todo meu ser. Tanta naturalidade com tão alto senso de justiça! Tanta bondade com tamanha firmeza! Uma alma tão serena e tão cheia de vida e energia!” 

(GOETHE, Os Sofrimentos do jovem Werther. São Paulo: Editora Martin Claret, 2009. pp. 23-24)



“Por alguns segundos, Lotte pressentiu o terrível desígnio que Werther concebera. Ficou transtornada. Apertou-lhe as mãos, e ele premiu as dela contra o peito. Em dado momento inclinou-se sobre Werther, com uma emoção dolorosa, e as faces ardentes de ambos se tocaram. O mundo inteiro deixou de existir. Werther enlaçou-a com os braços, apertou-a contra o coração e cobriu de beijos furiosos seus lábios trêmulos e balbuciantes.” 
(GOETHE, Os Sofrimentos do jovem Werther. São Paulo: Editora Martin Claret, 2009. P. 111)
“O amor entre os dois era recíproco, mas impossível. 
Na mesma noite, Werther pegou uma pistola e deu um tiro em seu olho direito.”
https://historiandonanet07.wordpress.com/2012/05/03/uma-analise-de-literatura-os-sofrimentos-do-jovem-werther/




Uma decorrência ainda da reflexão da ingerência da visão romântica no esoterismo é a suposição de que a vida mística seja cercada de algum glamour.


Eu vejo fotos nas mídias sociais de esoteristas ou de pessoas que tem o desejo de tornar-se esoteristas, que se auto representam por figuras de magos com longas capas, tirados de alguma página de imagens clichê sobre bruxos e feiticeiros; outros postam fotos suas com a cabeça baixa, cobertos por um capuz semelhante aos capuzes de monges franciscanos, numa alusão sem sutilezas ao aspecto monástico da vida esotérica.
Em "Werther", de Goethe e na "Nova Heloisa", de Rousseau, o caráter de viver a realidade de um ponto de vista pessoal colaborou para afastar mais e mais o ser humano comum de uma perspectiva objetiva de mundo. Deu inclusive a esta perspectiva a fama de fria e insensível.



O pensamento objetivo está longe de ser um sucesso, por isso tão poucos entre nós são cientistas ou intelectuais, mas com certeza todos tem grande sentimentalismo.
Escrevo assim mesmo, com o sufixo “ismo”, na intenção de mostrar o quanto este viés é, antes de tudo, uma visão de mundo definida por crenças, não por evidências ou pela observação sistemática.
Quando critico a fantasia não busco a frieza emocional, pois fantasia e frieza não são opostos verdadeiros. A fantasia é como o nome indica um fantasma, uma imagem deformada e produzida por estados emocionais alterados, pela ignorância ou pela superstição. Nisto difere frontalmente do uso adequado da imaginação, fundamental a artistas, pintores, poetas, mas também a cientistas, tecnólogos e filósofos.
O pensamento equilibrado não impede a emoção, mas lhe dá conteúdo, um conteúdo denso e útil.
Esta é uma sociedade da imagem e da vaidade, do “selfie”, como outras também o foram, sendo que a nossa tem o molho da tecnologia a serviço da promoção pessoal.



Tudo é imagem, geralmente sem som.
Existe, na mesma proporção que avança o visual, uma diminuição do auditivo, pois, pouco a pouco, as pessoas estão ficando sem palavras, sem vocabulário, e por decorrência, sem ideias.
Talvez por isso pensadores e professores de filosofia façam como fazem tanto sucesso nas redes e no YouTube.
São exemplos de intelectuais que fazem alguma coisa absolutamente incomum e rara: exercitam o pensamento organizado, dão forma as nossas especulações, orientam nossas reflexões.



Somos uma sociedade de imagens mudas, que tentam, desesperadamente, substituir-nos como seres humanos, processos bio-psico-sociais, transformando-nos apenas em uma representação de nós mesmos.
Daí tantas imagens de feiticeiros ortodoxos em sites de “Magia” e “Esoterismo”, assim mesmo, entre aspas, para pôr em discussão a falta de conexão entre o que se diz e o que se faz.
Tanto fotos de capuzes, vestimentas cerimoniais, rostos deformados como imagens de mulheres sensuais em danças aparentemente ritualísticas.
Acredito mesmo que neste mundo de máscaras teatrais, as imagens de mulheres sensuais sejam avatares e alter egos de senhoras maduras, já sem os atributos naturais da juventude, para ser polido.

Da mesma forma, quanto mais exuberante e cinematográfica seja a imagem de alguém que no Facebook se denomina um “esoterista”, mais medíocre e sem importância deve ser a vida pessoal daquele que assim se identifica.
Para se formar um bom esoterista é preciso libertá-lo da fantasia, a verdadeira inimiga da Imaginação Criativa e Saudável.
Hoje, Magia e Imaginação são uma e a mesma coisa. A fantasia é como o zinabre que interfere na conexão e impede o aparelho de funcionar. A energia estará perdida se, embora estando lá, não puder ser transformada em atividade no aparelho que busca alimentar.



Temos que nos libertar de idealismos românticos acerca do que é ou do que não é ser um esoterista, ou um místico e nossos atos e nossa vida pessoal real são os focos verdadeiros para o qual devemos nos voltar na busca de uma identidade fidedigna a nossa situação sócio econômica, psicológica e intelectual. Não deve haver equívocos quanto a isto: esoteristas são homens e mulheres como quaisquer outros, não possuem poderes especiais, não fazem milagres, embora saibamos que, com o conhecimento e a técnica correta, muitas coisas aparentemente milagrosas são possíveis.
Não somos bruxos do Facebook, mas pessoas de carne e osso, com dores nas costas, coceiras, e contas para pagar como qualquer pessoa comum.
O que nos identifica não é nossa aparência, mas o conhecimento que está em nossa memória, e na maneira em que lidamos com este conhecimento transformando-o em ideias e da mesma maneira administrando nossos sentimentos, dando-lhes direção, sentido e um propósito, mas jamais deixando que nossas paixões sejam senhoras de nosso destino.
A realidade pode não ter sex apeal mas ainda assim é dentro dela que acordamos e dentro dela nos movemos. 
Devíamos ter mais carinho pelo nosso meio de existência.

terça-feira, 3 de maio de 2016

PALESTRA "PARA QUE TANTO SEGREDO" LOJA MAÇÔNICA ANTONIO COLAÇO N°699, DIA 28 DE ABRIL 2016







UMA GRAVE QUESTÃO MAÇÔNICA: CONTEÚDO E CONTINENTE

Por Mario Sales, FRC,SI,MM


Eu assumi um cargo maçônico, de dois anos, na minha Loja, que diz respeito ao aprofundamento dos estudos dos altos graus da Maçonaria, do 4 ao 18.
Trata-se (não riam, por favor) da função de “Três Vezes Poderoso Mestre” do Capítulo de Perfeição do Cavaleiro Rosacruz “Jorge Antonio Fernandes”,  função na qual coordeno debates sobre temas mais refinados do que a beneficência social, à qual as Lojas Maçônicas dos três graus simbólicos estão habituadas. Como o nome diz, trata-se de um colegiado que visa a busca, pelo debate, da perfeição interior.
Não é um tema atraente ou que arrebate as atenções de todos. Não há ali, necessariamente, o característico encontro social, com a confraternização decorrente, com alimento e vinho, comum às reuniões ordinárias da Loja Base.
A esses encontros que ocorrem, dentro ou fora da área física da Loja, após as reuniões, chamamos em Maçonaria de “O Copo D’água”, referência ao momento em que os trabalhadores faziam uma pausa para descanso de seu extenuante trabalho de pedreiros medievais.
Voltando ao tema, tenho tido dificuldade de ter quórum para as reuniões do capítulo.
A quantidade de membros é exígua, e às vezes, no inicio deste ano, foi insuficiente para a realização de um ritual ortodoxo.
Mesmo assim, coordenei com os que estavam presentes discussões sobre temas que achei serem fundamentais à reflexão dos maçons, entre eles, Liberdade, Fraternidade e Igualdade, que sempre são passados como coisas dadas e que, ao contrário, demandam uma elaboração um pouco mais profunda, de forma a revelar as contradições internas destes paradigmas, como o caso da Igualdade entre todos, em si impossível de acontecer, já que somos seres heterogêneos, ou da Liberdade, a qual só pode ser compreendida no seu aspecto físico, que se refere a estar ou não atrás de grades, a ser ou não vítima da escravidão. Considerando que em princípio, a escravidão está praticamente extinta, persistindo em áreas desoladas do planeta como prática criminosa apenas, e que o fato de pertencer a uma Loja Maçônica, já estabelece que o indivíduo não seja portador, na maioria das vezes, de graves pendências judiciais, resta a discussão da Liberdade como aspecto psicológico e pessoal, o que torna a discussão muito, mas muito mais complexa.
Achei que tinha feito por onde abraçar temas apaixonantes ou que gerassem considerações e inquietações importantes, função ligada a um chamado “Capítulo de Perfeição”.
Ontem, entretanto,  tivemos mais uma reunião e, como sempre, elaboramos sobre temas de peso, tendo como tema “A Relatividade dos conceitos de Bem e de Mal”.
Ao contrário de outras reuniões, havia um quórum satisfatório, e a reunião prosseguiu de forma protocolar.
Após o encontro, fomos todos jantar em um restaurante perto, realizando o “Copo D’Água”, como de hábito fazemos após os encontros.
Durante o jantar, vira-se um irmão para mim e diz satisfeito:
“Hoje fizemos um bom Capítulo!”, referindo-se a presença em número maior dos Irmãos.
Questionei-o se as outras reuniões não tinham sido também, igualmente boas, ao que ele retrucou:
“- Claro que não, não tinha ninguém!”.
Ao que eu respondi, inspirado:
“-Como ninguém? Você não estava presente? A sua presença é a única coisa que importa”, afirmação que o fez ficar embaraçado e perplexo.
Não quis ser gentil. Não estava tentando agradá-lo, em detrimento de outros.
Queria chamar a sua atenção para o fato de que elaborações profundas sobre temas filosóficos necessitam, no mínimo, de apenas uma pessoa, aquela que medita dentro de sua consciência, sobre o tema proposto.
Embora exista um ritual a ser cumprido, o numero de pessoas presentes não diminui a necessidade de que cada um isoladamente seja um Templo Interior dentro do Templo Exterior, Templo Interior este no qual os verdadeiros trabalhos de aprofundamento do tema são feitos.
Para Maçons é muito difícil entender esta diferença. Seus olhos estão postos no que está fora, no mundo visível, sendo quase impossível divisarem o invisível com a mesma nitidez. Daí apegarem-se tanto a forma, ao Continente, o chamado “Ritual”, que tentam com grande esforço proteger de adulterações, missão quase impossível em uma Ordem que possui mais de duzentos ritos diferentes, fora as alterações que cada Potência, em todos os países, promove aqui e ali, pontualmente, alterações estas que visam estabelecer uma caracterização e uma marca própria de sua visão ritualística, muitas vezes banal e sem significado.
Os Maçons estão se afogando na forma, sem o ar da essência.
Adoram como a um deus pagão o Continente, sem se dar conta que a Vida da Ordem, a qual eles chamam de Sublime, depende muito mais do Conteúdo.
E eu sinceramente não sei como isso possa ser diferente, ou com de alguma maneira pode ser revertido. Toda a orientação do discurso e da prática maçônica foca seus esforços em detalhes bizantinos, em mover as peças no tabuleiro para a esquerda ou para a direita, como num xadrez interminável, o qual embora rico em variações não pode jamais ultrapassar os limites do pequeno tabuleiro aonde ocorre.
A consequência disso é uma espécie de inquietação cerimonial, de obsessão com detalhes, da perda da conexão entre o símbolo e aquilo que o símbolo quer e deveria representar.
Quem imaginou este ritual o fez na intenção de enviar uma mensagem às gerações futuras. Uma mensagem aprisionada nos gestos, toques e sinais, que estão em nossos rituais.
Uma mensagem que, ao que tudo indica, foi esquecida, emudecida, e que jaz aprisionada dentro do envelope em que foi colocada.
Ou abrimos esta carta, ou espiritualmente pereceremos, como Ordem, Sublime ou não, e como indivíduos que fazem parte desta Ordem.
Precisamos, novamente alerto, redescobrir a mensagem oculta nos símbolos, antes que o Continente, o aspecto Externo, a Forma, nos devore e nos faça crer que o Fenômeno é mais importante que o Númeno, nos transformando em cascas vazias, sem alma, cadáveres esotéricos insepultos, a assombrar lojas cada vez mais vazias, como tétricos castelos abandonados, com certeza por causa disso mesmo.