Por Mario Sales, FRC, SI, MM
“A consciência concreta não pode ser atribuída à Consciência abstrata,
assim como a qualidade de ser úmida não pode ser atribuída à água, porque a
umidade é a característica intrínseca da água e constitui a causa da umidade em
outras coisas.”
Helena Blavatsky; “A Doutrina Secreta”[1]
Rudolph Steiner
Como todos sabem, eu e Flavio continuamos a ler a Doutrina
Secreta, como nos propusemos a fazer três anos atrás. Houve uma pequena
reviravolta pois ao chegar no volume três da Edição da Pensamento, que
consultávamos, descobrimos que aquela edição não era aceita como fiel ao texto
original, sendo contestada até em Adyar, sede do movimento Teosófico mundial.
Alega-se ter sido adulterada por Annie Besante em conluio
com Leadbeater, autor polêmico e dado a exageros, que ao que tudo indica tinha
grande influência sobre a secretária de Blavatsky, a qual após a morte da
Mestra causou grande tumulto dentro da Sociedade Teosófica, com a consequente
ruptura com o movimento teosófico alemão, sob a liderança de Rudolph Steiner, o
qual tornou-se fundador de um movimento dissidente que ele denominou Antroposofia.
Rudolph Steiner, como todos sabem, foi o mentor de Carl
Louis Fredrik Graßhoff, um nobre dinamarquês que, mais tarde, seria conhecido
pelo nome de Max Heindel e fundaria uma organização parateosófica com o nome de
Sociedade Rosacruz.
O foco deste texto, entretanto, não é este.
Eu queria apenas mostrar que o texto que estudávamos, eu e
Flavio, não era o texto correto.
Recorrendo a tradução existente em http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=1442#.VzSMM24rJQJ
Recomeçamos a leitura, não sem alguma tristeza, dado o
esforço já despendido, desta vez usando como texto fonte a tradução supra
citada.
Leadbeater
Qual não tem sido nossa agradável surpresa em ver, diante de
nós, uma tradução coerente, menos confusa, com passagens
absolutamente didáticas e compreensíveis, com algumas pérolas como a que está
em epígrafe, de uma delicadeza sutil e uma profundidade abissal, que fascinam
aqueles que com elas se deleitam.
Dada as dificuldades da leitura anterior, que hoje sabemos
não era responsabilidade de HPB, mas das adulterações feitas pela dupla
Besant-Leadbeater, e que foram preservadas na tradução da Editora Pensamento, o
alivio que nos percorre é imenso ao contemplar páginas e páginas de descrições
pertinentes à visão de mundo de HPB e acompanhar seu raciocínio e suas imagens
, agora sim, compreensíveis.
É um grave desserviço a causa da hermenêutica esotérica
essas deturpações de textos que já são obscurecidos pela distância histórica e
pela língua em que forma escritos originalmente, bem como pela natural
complexidade dos temas discutidos.
Charlatães como Leadbeater trouxeram grande embaraço ao
movimento esotérico em todo o mundo, mas foram por muitos tomados como mestres
apenas porque publicaram suas ideias.
Mas ele não foi o único. Ainda há quem exalte a
personalidade de Aleister Crowley, demente e mal intencionado esoterista
inglês, que com recursos de indução hipnótica circenses induziu a muitos a
supor que tinha grande conhecimento de ocultismo.
Leadbeater diferentemente, não precisou de multidões para
influenciar. Achou em Annie Besant, mulher de aspecto psicológico frágil, a
porta de entrada para seus anos de fama como pseudo teósofo e autodenominado “grande
vidente”.
Suas narrativas sobre maçonaria baseadas não em levantamento
documental, mas em suas chamadas visões produziram páginas e páginas de
delírios que, repito, inexplicavelmente ainda recebem atenção de muitos dentro
e fora da Ordem maçônica.
Annie Besant
Seus textos ainda são republicados, por editoras até
respeitáveis, o que em muito embaralha a compreensão dos que chegam ainda
neófitos ao caminho do esoterismo.
Paciência.
Não se acabou de republicar “Mein Kampf” de Adolf Hitler, não
sem grande polêmica? Porque um editor se daria ao esforço de trazer à luz as afirmações
de um sabido genocida?
Interesse histórico? Difícil crer.
Portanto é com grande alívio que eu e Flavio podemos
finalmente ter acesso ao texto fidedigno da Doutrina Secreta em português, livre
da poluição e da interferência de terceiros, de modo a contemplar e entender
porque esta obra tornou-se uma das mais importantes do Esoterismo Ocidental.
É confortante e gratificante do ponto de vista intelectual
ler trechos como este:
HPB
“A ideia de que as
coisas podem deixar de existir e de que ainda assim podem SER é fundamental na
psicologia do Oriente. Sob esta aparente contradição em termos há um fato da
Natureza para cuja compreensão o importante é a mente e não as discussões em
torno de palavras. Um exemplo bem conhecido de um paradoxo semelhante é dado
por uma combinação química. A questão sobre se o hidrogênio e oxigênio deixam
de existir quando se combinam para formar a água ainda permanece sujeita a
discussão. Alguns argumentam que, como eles são encontrados novamente quando a
água é decomposta, devem estar lá presentes o tempo todo; outros afirmam que,
como eles se transformam de fato em algo totalmente diferente, devem deixar de
existir como hidrogênio e oxigênio durante o tempo em que estão combinados. Mas
nenhum dos dois lados é capaz de perceber nem remotamente a real condição de
uma coisa que se tornou algo diferente e, no entanto, não deixou de existir em
si mesma.”[2]
Finalmente conversamos com Blavatsky, já que todos nós,
leitores, conversamos com gente morta.
E nenhum de nós precisa para isso declarar-se médium.
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