por Mario Sales
Caravaggio, São Tomé, 1602
Com extrema frequência dialogo com Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, seguindo o exemplo e com o mesmo ardor de Foucault ao dialogar com Velásquez.
E é principalmente através de São Tomé que dou existência a esta conversação intertemporal, atemporal, em que me espelho e especulo, já que a arte sempre será a musa da filosofia e da poesia, embora a poesia já seja arte em si.
Ao olhar o quadro, o dedo que adentra a chaga, nota-se a
cabeça do investigador abaixada perante o Mestre que mais uma vez se entrega,
feminino, à busca de seus discípulos; o evoluído que se dá, de alma e corpo,
para satisfazer a evolução de outros.
É a mão do Cristo que guia a mão de Tomé, como que a indicar o trajeto da busca, para evitar desvios e tornar precisa a inserção e garantir a confirmação buscada.
É a mão do Cristo que guia a mão de Tomé, como que a indicar o trajeto da busca, para evitar desvios e tornar precisa a inserção e garantir a confirmação buscada.
O Iniciado não se exime à sincera curiosidade do cético:
premia-a com sua disponibilidade física e psicológica.
Estimula-a, deixando que outros participem da experiência, como meros observadores, atentos, mas distantes, já que não conseguem, por medo ou asco, fazer
o mesmo que Tomé, curiosamente, faz.
Se nele, Tomé, havia qualquer receio ou aversão, ambas foram
superadas pela vontade de confirmar o fato, pelo intenso desejo de transcender
a ignorância, e a partir daí, entrar em um outro nível de compreensão da
realidade.
A curiosidade, quando sincera, destrói o medo e supera a
aversão ao biológico.
A curiosidade desfaz o preconceito.
Pedro aparece em um plano mais alto, contemplando o
acontecimento, mas o que chama a atenção é a testa de Tomé, franzida, tensa,
como aquela de alguém que passa por uma emoção forte, aqui sem dúvida, a emoção
da confirmação pela experimentação.
Este é o verdadeiro espírito científico, cético, cuidadoso,
mas que se fascina pelo novo; que quer evidências que sustentem sua visão de
mundo, mas que se emociona quando as encontra.
O verdadeiro cientista é um buscador, alguém que trilha a
estrada da dúvida com a coragem infantil da curiosidade, encantado pelo mundo e
pelos fatos, apaixonado pela existência.
Seu ceticismo nasce da Prudência, o terceiro degrau da
escada de Rá, e é bom que seja assim.
Tomé indaga e recebe uma resposta, mas que isso, recebe a
orientação da mão que guia a sua mão para dentro da ferida.
Enfatiza-se sempre a passagem: “Porque me viste, Tomé,
creste; bem-aventurados os que não viram e creram.” Neste trecho estimula-se não a fé, mas a fé
cega. E por isso ao longo dos séculos a Igreja destacou esta fala. Esquecem-se
que é o próprio Cristo que estimula a verificação ao dizer: “Põe aqui o teu
dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas
incrédulo, mas crente.” Este é um Cristo que sabe da importância do empirismo e
da verificação. A tentativa de demonizar a ciência é traída pela imagem de
Carvaggio: é a mão do Mestre Jesus, repito, que guia a mão de Tomé, não como
descrito em João, 20, mas como retratado pelo outro mestre, aquele do barroco
italiano. Existe uma mensagem nesta imagem, sutil, porém inegável: Deus guia
nossas investigações.
Através de nosso raciocínio e esforço investigativo
avançamos, mas pela graça de Deus e por sua inspiração damos saltos
qualitativos.
A curiosidade é uma espécie de oração, aonde pedimos a Deus
que nos ilumine.
Ser genuinamente curioso é uma virtude divina. É por isso
que as crianças, antes de serem transformadas pelo que chamamos educação, são
naturalmente possuidoras desse dom.
Esta é a forma de pensar do cientista rosacruz, confirmada
pelo artista, este canal entre Deus e nós.
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