Por Mario Sales, FRC, SI,MM
Se devemos ao conhecimento científico nossos avanços
tecnológicos, ao senso comum devemos nossa alegria e nosso contentamento.
Ontem, por exemplo, o dia foi perfeito. Tão perfeito, que as
rodas do carrinho que escolhi no supermercado não rangiam nem travavam. Esta
aparente banalidade encanta o espirito de pessoas comuns, que pensam de forma
comum, acostumadas a certos desconfortos e embaraços ligados a vida cotidiana
e absolutamente inseridos em nosso momento histórico. Coisas do senso comum,
portanto.
É como um café que você faz e não fica demasiado amargo ou fraco,
mas exatamente no ponto de equilíbrio entre estes extremos; ou não começar a
chover forte no final de um episódio de uma série que você gosta, justamente
naquele momento de revelações de mistérios antigos (“Hordor, Hordor”).
A paz, nesse caso, não é a paz verdadeira, espiritual e
profunda, mas a paz da ausência de intercorrências banais, que embora não
ameacem a existência, contrariam suas expectativas naquele dado momento. As
chamadas oscilações comuns na qualidade dos acontecimentos, que mais aborrecem
do que matam.
A construção romântica da vida humana supõe que a vida é uma
sequência de tomadas cinematográficas perfeitas, quando na verdade a maioria
dos nossos momentos são inexpressivos e sem significado, rotinas que
reproduzimos todos os dias, só que preenchendo o espaço entre grandes
acontecimentos, bons ou maus, estes sim suficientemente importantes para marcarem
nossa existência e memória.
Talvez uma das características mais atraentes da pratica do
Zen Budismo seja a atenção que dá a essas chamadas pequenas coisas, estas
mesmas que preenchem as lacunas e que acabam por, somadas, representarem a matéria
de consolidação do real.
Caminhar em uma estrada de areia, tomar banho, beber uma
xícara de chá ou café; comer um pedaço de pão.
Coisas rotineiras, mas que para o Zen ganham grande
importância pois é exigido de seus praticantes que mantenham sua atenção permanente
focada em todos os detalhes do cotidiano, não lhes concedendo sentido, mas
testemunhando-os de forma clara, livres do critério de importante e não
importante.
Tudo, absolutamente tudo passa a ser significativo, sem referências
a outros conceitos mentais, mas pelo simples e banal mérito de ser o que é, um
acontecimento da existência.
No Zen existe espaço para o senso comum, que não é, ao que
parece, tão banal como supõe nossa vã filosofia.
Talvez o segredo, não da felicidade, mas da serenidade
verdadeira, seja estar harmonizado com as coisas banais da existência,
aceitando de bom grado e com alegria todos os tipos de acontecimentos, sem classifica-los
em bons e maus.
Já que a dualidade é a característica mais notável da
existência, passar de um polo a outro com equanimidade diminuirá ou extinguirá
o desgaste emocional e a sensação de perda, gerada pelo apego. A impermanência
será compreendida na prática, não na teoria.
Como os Mandalas tibetanos de areia colorida, feitos com
todo o carinho e esmero por semanas, na ausência do Mestre, apenas para que ele
os destrua quando retornar.
Momentos são como os grãos de areia que se acumulam uns ao
lado dos outros, para formar belas praias e magníficas dunas. Não são nada, são
quase invisíveis, mas sem eles o tecido do espaço tempo se desfaria, por
completo.
Como as coisas do senso comum, os aparentemente banais acontecimentos
do cotidiano.
Ao que parece, existe muita filosofia no ranger das rodas de
um carrinho aleatório de supermercado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário