Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

IMAGINAÇÃO, FANTASIA, EDUCAÇÃO E CIÊNCIA

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:


"A imaginação é mais importante que o conhecimento."
Albert  Einstein


Em meus recentes ensaios sobre Espinosa detive-me em um deles (“Fantasia e Imaginação em Espinosa”, 1° de janeiro de 2012) para esmiuçar a noção de Imaginação para aquele pensador. Baseando-me mais na minha intuição do que em conhecimentos intelectuais, afirmei que, em minha opinião, o conceito de Imaginação que Espinosa combate como danoso à constituição de um pensamento bem estruturado nada tem a ver com a Imaginação como atributo da mente humana em geral.
Podemos falar em dois tipos de Imaginação: aquela que chamaremos de Produtiva, que tem a ver com a elaboração de um conceito ou a compreensão deste mesmo conceito, ou ainda com a técnica de Imaginação Criativa, tão conhecida dos rosacruzes; e aquela imaginação que chamaremos de Dispersiva, a Fantasia, que tem como exemplo o divagar descomprometido, o sonho, sem um objetivo definido, sem compromissos com o que chamamos de mundo real, que se alimenta de superstições e delírios, esta sim considerada por Espinosa um obstáculo ao pensamento claro.
A imaginação deve, para ser produtiva, nos servir e estar contextualizada como ferramenta para elaborar o Real e não tentar ser o próprio Real que ela trabalha, como exemplifica o quadro de René Magritte “Ceci n`est pas une pipe”, “Isto não é um cachimbo”, escrito embaixo da figura pintada de um cachimbo, evidenciando que trata-se de uma representação do mesmo e não um cachimbo em si.




Quando imaginamos a partir de um referencial no real, com um objetivo claro e definido, usamos a Imaginação; quando divagamos, de maneira dispersiva, ela nos usa.
Esta dualidade aparentemente perde um pouco de sentido se considerarmos a criação artística, que necessita de uma imaginação com liberdade absoluta, pelo menos nos seus primeiros instantes criativos.


René Magritte

Em sua defesa, entretanto, argumento que não existe liberdade total nem mesmo para a imaginação, pois esta está sempre atrelada à sua expressão e àquele indivíduo que a exprime, o que a limita. Antes mesmo de manifestar-se através da língua, da música ou do pincel, a imagem se expressa na mente, e quem não tiver recursos para compreender e dar forma ao que imagina, não verá absolutamente nada. Por exemplo: imaginem um indivíduo que não tenha muitas luzes, do ponto de vista intelectual, mas que seja extremamente inspirado, sendo capaz de perceber coisas que outros não consigam, dada a sua sensibilidade. Como seu vocabulário é pequeno e seus recursos intelectuais são poucos, não conseguirá expressar de maneira satisfatória as inúmeras inspirações que receberá do Cósmico, a todo instante e momento, vivendo o que eu chamo de Iluminação Egoísta, aquela que não se pode compartilhar.
Poderá expressar sua particular sensibilidade por atividades misericordiosas, ou por um sorriso de beleza ímpar, mas não poderá descrever a quem não consegue como ele, contemplar as imagens que lhe chegam do Universo, toda a beleza que encerram e todo o colorido de seus significados e contornos.
O segredo do conhecimento realmente significativo é o compartilhamento.
Toda erudição não compartilhada é estéril e inútil. O destino da informação é ser distribuída, generosa e gratuitamente, de maneira que mais e mais pessoas venham a desfrutar de novos recursos conceituais e intelectuais que melhorarão seu padrão de vida e sua autonomia social.
E a ferramenta mais importante para este compartilhamento é a Didática, que depende e muito da Imaginação Produtiva, como definida acima.
A Didática é a maneira de facilitar a compreensão de um conceito ou uma idéia ao seu interlocutor. Ela facilita e muitas vêzes determina o fenômeno de compartilhamento. Quem não sabe explicar facilitando a compreensão de seu interlocutor, não consegue compartilhar, principalmente se este interlocutor tem um nível cultural inferior ao seu.
Fora este caso, muito comum, de níveis culturais diferentes, os conceitos também variam em complexidade, podendo ser simples ou altamente complexos, visualizáveis ou não visualizáveis, como os conceitos meramente matemáticos.


Para lembrarmos um detalhe histórico curioso, não deixemos de assinalar que, embora o conceito de técnica didática já estivesse presente na Grécia (a palavra, aliás, tem origem no grego Τεχνή διδακτική - techné didaktiké) o pai da didática moderna é um rosacruz do século XVII, Jan Amos Komenský, conhecido no Ocidente como Comenius.

Comenius

Porque esta longa digressão sobre a Didática? Por causa da Imaginação, a fonte de elementos imagísticos que criará as condições básicas de transmissibilidade de conceitos complexos de forma palatável, compreensível, seja qual for o nível cultural do interlocutor.
Um professor sem Imaginação, uma Imaginação Produtiva, comprometida com uma finalidade definida e clara, não conseguirá levar a bom termo sua missão de ensino. Partindo deste princípio, e no intuito de que todos tenham mais facilmente esta capacidade de ensino, existem sistemas didáticos prontos, padronizados, para serem usados por escolas que não consigam ter em seus quadros professores capazes de ensinar didaticamente conceitos mínimos que todos os seus alunos precisem absorver.
Esta é uma das funções em que a imaginação produtiva mostra sua extrema utilidade, mas não a única.
A mais importante função da imaginação produtiva é na área científica. É verdade que o cientista moderno trabalha geralmente a partir de sua observação. Especula sempre a partir de fatos já estabelecidos ou de conceitos matemáticos abstratos, mas demonstrados.



Só que não só de fatos vive a ciência. Ela também vive de idéias. O universo não é apenas pensado, mas também e principalmente imaginado pelo pesquisador.
Toda linha de pesquisa pressupõe e denuncia uma Idéia de Mundo, uma perspectiva pessoal daquele cientista acerca do mundo que ele vai investigar. O que a maioria dos pesquisadores faz é buscar comprovações de sua Idéia de Mundo, que pode ser uma convicção pessoal, mais ou menos fundamentada nos fatos e na sua experiência, como também, além disso, resultado de uma cultura antropológica específica.
Os cientistas gostam de se sentir seres humanos essencialmente racionais, mas é óbvio que isto não passa de uma falácia. Em nosso espírito temos misturadas duas partes, uma líquida e outra sólida, fluindo por dentro de nós, como nosso sangue. A líquida é flexível, maleável, adaptável. A sólida nem tanto. E esta parte que eu chamei de sólida compõe-se fundamentalmente de valores culturais adquiridos na infância e durante a nossa convivência familiar na infância e adolescência.
O cientista é educado mentalmente a reservar uma parte de seu cérebro para estas lembranças como meras crenças familiares e guiar-se apenas pelo seu raciocínio lógico e fundamentado. Vez por outra, entretanto, escapes ocorrem desta região de depósito que podem contaminar ou mesmo contaminam o pensamento dito racional. 




A palavra contaminar tem um aspecto negativo e não é feliz em descrever o que realmente acontece, pois pode ser exatamente esta Impureza Mental e Reflexiva a garantia da humanidade no processo científico. É o caso da imaginação produtiva e do raciocínio na obra científica de Einstein. Suas convicções pessoais, talvez até de certa forma religiosas, de um universo organizado e racional levaram-no a buscar até o fim de sua existência a chamada Teoria de Tudo, uma equação que em si resumisse a manifestação da existência. Hoje, pelo andar da carruagem, alguns respeitados homens de ciência já começam a achar que esta é uma busca inglória e fantasiosa (pasmem), que mais tem a ver com a noção religiosa do Deus Único do que com a ciência em si.
Tudo até agora aponta para um Universo Múltiplo e não Uno, como supõem os que ainda hoje buscam este Santo Cálice da Física Contemporânea. (Quanto a isso sugiro a leitura do texto de Marcelo Gleiser, “Criação Imperfeita”, da Editora Record).



Todos os místicos gostariam que sim, o Universo pudesse ser compreendido como uma manifestação Una e Indivisível, e que pudéssemos descrever cientificamente esta unidade em uma única equação.
E talvez seja assim, mas não do jeito que achamos. Talvez a nossa noção de Unidade é que esteja errada e, na verdade, a Unidade não seja um Ser, mas o conjunto dos seres e de tudo, esta interligação em si, tão presente na obra de Espinosa, um autor, aliás, admirado por Einstein.
Isto implicaria não em uma equação, mas em um conjunto de equações que, inter-relacionadas entre si, mostrariam cada uma faceta da Criação, um lado deste triângulo ou deste hexágono, não sei.
Este é um desafio para a Imaginação Produtiva dos cientistas envolvidos na busca, os quais com certeza recorrerão à esta ferramenta de modo construtivo e encadeado para elaborar os conceitos que depois, através do intelecto, tentarão descrever, didaticamente, para todos nós.

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