por Mario Sales FRC, SI, MM
Assistindo a aula no Café Filosófico de Viviane Mosé e seu
resumo da obra filosófica de Friedrich Nietzsche, tive uma epifania de porque
as Ordens esotéricas tanto me incomodam em seu modus operandi.
Nada a ver tanto com seus objetivos, mas com os conceitos
que movem esta busca.
Nitidamente, existe um descompasso entre as concepções
esotéricas e o momento filosófico contemporâneo. É como se as reflexões
esotéricas estivessem congeladas desde o Iluminismo, visto que, por exemplo,
fala-se ainda na Razão e na sua conquista como o grau mais alto de evolução
humana possível, sendo que fazem algumas décadas que a Academia e os pensadores
refutaram o papel da razão como algo que merece confiança na condição de guia
do comportamento.
Viviane Mosé, filósofa nietzschiniana e poeta
Na época em que a razão perdeu seu status de guia etico e moral humano argumentava-se que isso ocorria porque foi racionalmente que produziu-se uma
máquina genocida (os campos de extermínio de judeus, dos nazistas, devidamente
organizados, bem administrados, utilizando a ciência mais elaborada e limpa em
favor do mal) ou ainda, com o uso da ciência, produziu-se armas de destruição
em massa, como a Bomba A que dizimou Hiroshima e Nagasaki, modelo de bomba este que, hoje,
é apenas o gatilho da Bomba H.
Foi nessa época que a obra e o pensamento de Nietzsche ressurgiu forte, libertando-se
da falsa acusação de ter dado as bases filosóficas para a doutrina de superioridade
ariana, graças aos equívocos de relacionamento com o Partido Nacional
Socialista de sua irmã, responsável pelo seu legado.
Nietzsche
Nietzsche, como Mosé descreve bem, coloca a ciência, ainda no século XIX, sob
suspeição de ter sido entronizada no lugar de Deus como novo foco de devoção
humana, sendo além de uma prática, uma idealização.
Para as escolas esotéricas e seus rituais, no entanto, a
Razão ainda goza de grande prestígio, e isto não é uma questão menor no seu
cotidiano, mas uma questão central, que domina os encontros e as iniciações.
Um outro exemplo de anacronismo no discurso interno das
ordens iniciáticas é o discurso de “busca da verdade”.
Recentemente, estive em uma loja maçônica em São Paulo orientando
uma reflexão sobre a importância do chamado segredo hoje em dia entre as
escolas de mistério.
Ao final, durante a fase de debates, um irmão levantou-se e,
pomposamente, com o pretexto de fazer uma pergunta, mas de fato querendo
mostrar sua erudição, declarou que admirava a filosofia e a sua “busca da
verdade última”.
Polidamente retruquei que, a filosofia contemporânea já não
busca “A Verdade” fazem algumas décadas, quiçá mais de um século, já que o que
importa hoje, aos filósofos pós nietzschianos, é a busca do esclarecimento
acerca dos critérios de verdade e sua operacionalização (porque e para que).
Sócrates e Platão
Notei que ele ficou perplexo. Era como se eu tivesse
retirado seu chão. Como a filosofia não buscava a Verdade? Como algum saber do
conjunto do conhecimento humano não tinha mais como objetivo último a descoberta desse
Cálice Sagrado? Vejam, a idealização mística, de um fim último e definido, está
entranhada até os ossos mentais deste irmão como de outros, para os quais
filosofia ainda é uma atividade especulativa sem nenhum relacionamento com o
Mundo da Vida. Talvez por isso a Maçonaria considere aceitável chamar de
especulação toda e qualquer idéia absurda que possa ser descrita em templo,
como válida, considerando que, dentro da noção anacrônica de filosofia na
Maçonaria, a especulação filosófica não tem limites nem quaisquer regras de
exercício.
Na maçonaria, a filosofia ainda é também aquela dos gregos pós-socráticos,
que pensavam por pensar e não analisavam “O pensar” da maneira que nós hoje o
fazemos, com a epistemologia, também chamada teoria da ciência. Na epistemologia, a reflexão filosófica está completamente atrelada ao avanço científico, problematizando-o, instabilizando as certezas provisórias, os postulados, que ajudam os cientistas a pensar.
Se por um lado os maçons acham que a razão ainda ocupa um lugar de
destaque, os mecanismos usados por estes mesmos maçons para exercer esta arte da racionalidade são no minimo infantis, do ponto de vista da lógica ou da retórica, já que pressupõem, equivocadamente, que,
externar uma opinião sem fundamento representa uma especulação filosófica
legítima.
O mais grave de todos os paradoxos, entretanto, é o fato que
Mosé ressalta em sua fala. O pensamento pós-socrático é um pensamento
estamentado, baseado, como Viviane explica no vídeo, na desvalorização do mundo
físico e na hipervalorização do mundo das idéias, com abertura de uma outra
possibilidade, a existência de um mundo transcendente, espiritual, perfeito, nobre, digno, em
oposição a esse mundo da carne, imanente, imperfeito, vulgar e indigno. Daí a queixa e a
acusação de Nietzsche contra Sócrates de que ele realmente retirou dos jovens gregos com
seus ensinamentos o respeito pelo que é sólido, presente e real, fazendo-os
transformarem-se em sonhadores do porvir, em vez de desfrutadores do devir, o
fluxo dos acontecimentos da vida. O pensamento socrático-platônico é um idealismo, que limita a percepção e
interfere com nossas opções.
Em um jocoso exemplo, Viviane diz: “ -Eu idealizo a
felicidade, e projeto que a felicidade será fazer um cruzeiro com o homem que
eu amo. Só que quando eu chego no navio,
o navio balança e eu enjôo, e vomito. Depois percebo que em um camarim
minúsculo, meu marido ronca, e muito alto. Então minha idealização se desfaz e
dá lugar a um estado de frustração, emoldurado pela frase: ‘tinha que ser comigo,
isto só acontece comigo’, como se todas as outras pessoas estivessem fora do
fluxo da existência”.
Da mesma forma, por idealismo, Maçons ainda acreditam em valores como Liberdade e
Igualdade, da época do século XVIII, duas coisas impossíveis de se realizarem
de maneira completa, já que a liberdade não é possível em um mundo de relações,
aonde eu não posso, por respeito a uma convivência civilizada, fazer tudo o que
quero ou deseje como, da mesma maneira, a única coisa certa entre os homens é
que todos são diferentes e não iguais, e, portanto, não se pode, mesmo que se
queira, viver em um mundo de “iguais”.
Acima de tudo, entretanto, maçons e também Martinistas, não entendem que vida é fluxo,
dinamismo, o que talvez fundamente o mecanicismo exagerado e entediante de seus
rituais. Não entendem porque não sabem disso, já que sua visão de mundo é
intermediada pelos óculos de Sócrates e Platão, que vêem o Mundo como formado
de peças de Lego que se unem para formar estruturas mais complexas, em vez de um
mundo semelhante a um fluxo de rio, como Heráclito, um pensador pré socrático,
gostava de considerar.
Sem fluxo de sangue nas veias não haveria a Vida. Os tecidos
distantes ou próximos do coração feneceriam, pouco a pouco, sem os nutrientes
necessários à existência. O sangue flui, o ar flui pela respiração, para dentro
e para fora, ininterruptamente. Algo que não flui, não vive, está morto.
Não sei se agora deixei claro a gravidade das questões filosóficas
e operacionais maçônicas.
O mundo acelerou e a maçonaria, como outras escolas, ao
contrário, colocaram o pé no freio. E chamam o fenômeno de ficar presos a uma forma de pensar anacrônica de "preservar a tradição".
Isso precisa mudar. Pelo bem e pela manutenção dessas
ordens, cujas intenções são positivas, mas perigosamente ingênuas e frágeis em
um mundo permanentemente em transformação.
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