Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

segunda-feira, 16 de maio de 2016

CERTEZAS


por Mario Sales FRC, SI, MM
 Admiro a serenidade e segurança de quem tem “certezas”, esta circunstância psicossocial e perceptiva que tanta tranquilidade dá a quem a tem.
Não gozo deste benefício.
O ceticismo metodológico e a vida me deixaram profundas cicatrizes que insistem em coçar, todo o tempo, em locais difíceis de alcançar.
Não tenho mais nem a compulsão, nem o anseio da contra argumentação, mais por enfado e preguiça que por falta de alegações possíveis.
Percebo que estou mais atento, mesmo quando leio apenas, ao tom de voz do outro, a sua estratégia discursiva, sua elegância em colocar seus pontos de vista, coisas que podem, se presentes me motivar.
Discursos, pela sua beleza, não me fascinam hoje com a mesma facilidade da adolescência, o que é um bom sinal, aliás. Indicador de que envelheci e que, como diz o ditado, “enxergo de perto cada vez menos as coisas, mas vejo os canalhas a grandes distâncias”.
São as vantagens da maturidade.
A ágora social, que já foi para mim como café, hoje é um lugar sem muito sex appeal, dependendo de quem a ocupe e como a ocupe.
Minha solidão aumentou já que o silêncio também cresceu.
E para falar a verdade, atualmente não suporto nem mesmo as minhas próprias exposições que considero banais e repetitivas. Escrever, neste particular, é terapêutico, porque permite confirmar ou desfazer esta sensação, que pode muito bem ser uma "manifestação da depressão, algo que você pressente” como dizia Lobão.
É, com certeza ando muito deprimido, desiludido com as poucas, lentas e insatisfatórias mudanças que eu e a humanidade atravessamos, ao longo destas décadas que tenho testemunhado nesta encarnação de “Mario”.
Não me sinto satisfeito comigo, hoje, já que são muitos os defeitos a computar em minha trajetória errática nesta vida. Minha inconstância tem sido vergonhosa, ou inevitável, já que consideradas as muitas circunstâncias em que estamos imersos, é difícil dizer que tenhamos o controle de alguma coisa.
É como o paradoxo Einsteiniano da previsibilidade universal. Ele acreditava piamente, como um dia acreditei, em que “Deus não jogava dados”, referindo-se ao fato que era insano supor que ao fazer as mesmas coisas várias vezes encontraríamos resultados diferentes.


Franz Wilczek

Só que a insanidade de Einstein, como lembra em um interessantíssimo artigo, Franz Wilczek[1], está no exemplo que ele mesmo usou. Pois afinal, jogar dados é exatamente algo que é sempre a mesma coisa e que, repetida, invariavelmente oferece resultados diferentes.
Deus, como diria Hawking mais tarde, trabalhando em problemas quânticos, não só “joga dados como também esconde os resultados”.
E o que poderia conciliar este paradoxo? A compreensão de que, na verdade, não se joga dados duas vezes seguidas, da mesma maneira, e que, se a grosso modo, parece que estamos fazendo a mesma coisa, a presença de seis faces em cada dado, cada lado com um de seis números diferentes, e considerando a coexistência de dois dados sendo atirados simultaneamente a cada vez, o número possível de combinações será um número infinitamente grande e as combinações praticamente sempre originais. São os detalhes que tornam imprevisível a antecipação de qual combinação será conseguida, ao se jogar dois dados em uma mesa, em condições de total aleatoriedade.
Conclui o articulista que em muitas ocasiões, não temos conhecimento de todas as variáveis de um fenômeno, sendo este o argumento da ignorância. “ Se nós tivermos acesso completo a realidade, de acordo com este argumento, os resultados de nossas ações nunca seriam questionados”.
Para Einstein, ainda segundo o artigo de Wilczek, “existiriam aspectos ocultos da realidade, ainda não reconhecidos na formulação convencional da mecânica quântica que restaurariam a sanidade do universo”. O jogo de Deus apenas parece aleatório, mas só por causa da nossa ignorância sobre certas “variáveis ocultas”. “Deus está jogando dados, mas está manipulando o jogo”.
Meu enfado e desanimo talvez venham exatamente de concordar com esta abordagem quântica enquanto aplicada a vida cotidiana. Somos senhores de nosso destino ou forças dirigidas por outras inteligências (ou circunstancialidades universais para os ateus) nos comandam?
Muitas vezes, nesta fase da vida, tendo a abraçar a segunda hipótese, de que a Vontade de Deus, vamos colocar assim, transcende a minha vontade e de que nada além da vontade D´Ele determina minha existência, embora seja forte em mim a ilusão da independência, ou como preferia Kant, da Autonomia.
Não estou defendendo uma ou outra tese.
Não sei a resposta para esta questão.
Apenas divido com quem me lê minhas angustias existenciais.
Como eu disse antes, blogs podem ser muito terapêuticos.

[1] Frank Wilczek é um físico norte americano. Recebeu o Nobel de Física de 2004, pela descoberta da liberdade assintótica na teoria da interação forte. Participou da 23ª e 24ª Conferência de Solvay, em 2005 e 2008, respectivamente. As Conferências da Solvay (também chamadas de Congressos da Solvay) são uma série de conferências científicas celebradas desde 1911 . No começo do século XX, estas conferências reuniam os mais consagrados cientistas da época, e proporcionaram avanços fundamentais para a Física Quântica. Foram realizadas no Instituto Internacional da Solvay de Física e Química, localizado em Bruxelas, fundado pelo químico industrial belga Ernest Solvay.

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