Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

DIÁLOGOS ROSACRUCIANOS:CAPÍTULO 2: PUREZA VERSUS INOCÊNCIA


Bernardo: Uma das coisas que mais me chamou atenção naquele ensaio que você escreveu sobre Superstição foi a distinção entre simplicidade e evolução.
Comenius: Sim é verdade. Isto me incomoda profundamente.
Bernardo: Em que sentido?
Comenius: Como eu disse lá , há um equívoco maquiavélico entre a significação e a conotação da palavra simplicidade.
Simples, segundo a definição, é o que não é composto, múltiplo ou desdobrado em partes; que se compõe de um único elemento básico, sem outras substâncias diferentes. Portanto a idéia de simples é de uno, ou pelo menos o que parece ser uno. E por que digo isto? Porque o adjetivo supõe, erroneamente, que o conhecimento místico seja simples ou resulte de simplicidade, existindo mesmo um grupo que defende que o conhecimento espiritual não se dá como o conhecimento científico, e que por isso não necessita de elaboração e esforço. Ora, meu caro Bernardo, isto é uma total asneira. Quando pensamos no conhecimento, estamos falando de um universo de informações e sensações que de simples nada têm. Se, pela existência de homens e mulheres os quais, dada a complexidade de sua mente, vestem-se com simplicidade, falam de forma acessível, e são capazes de irradiar em volta de si grande simpatia, tornando fácil e “simples” o relacionamento com eles ou elas, de forma alguma isto reflete um espírito pouco complexo.
Pelo contrário: é exatamente por causa da alta complexidade de suas mentes que conseguem aparentar tanta simplicidade. Os sábios são assim. Sábios profanos ou místicos, isto não tem a menor importância: sábios são sábios.
E isto por causa da dualidade natural do Universo.
Tudo que é simples por fora é complexo por dentro, assim como tudo que é complexo por fora é simples, no mau sentido, por dentro.
E por isso o tolo, simples de mente, supõe que naquela aparente simplicidade externa, reflete-se a mesma simplicidade interna. Ledo engano.
Espíritos refinados não podem ser atingidos pelo canto de sereia da vaidade humana pois seu interior é pleno, repleto de um sem número de recursos culturais.
Homens e mulheres sábios são como um interruptor de luz elétrica, na parede de nossa sala. Quando os acionamos e a luz acende, julgamos ter executado um gesto de extrema simplicidade. Porém este gesto oculta toda uma complexa tecnologia, que está por dentro das paredes, em conduítes com fios de material quimicamente preparado para ser antichama, que carreiam um sinal elétrico que se originou a dezenas de quilômetros de nós em alguma geradora de energia gigantesca, e que somado ao dispositivo hoje conhecido como lâmpada, produto do gênio de Edson, torna possível que, à noite, não tenhamos mais que acender lampiões de querosene, tremeluzentes, fracos e sem brilho.
Tudo parece fácil e simples quando se torna rotina. Tudo é altamente complexo quando ainda não é conhecido e nem se supõe que exista.
Meu caro Bernardo, eu não tenho dúvidas. A semântica esconde a Verdade dos fatos. Simples são as mentes daqueles que julgam existir tal simplicidade nas coisas.
Bernardo: É verdade meu caro.
Comenius: Mesmo um espírito iluminado, que afastado do caminho intelectual, demonstra grande sensibilidade, não pode e não deve ser chamado de um espírito simples. Sua manifestação neste mundo, derramando bênçãos por onde passa, denuncia sua complexidade. Ele tem o conhecimento das eras, das muitas vidas que viveu antes desta, que o autoriza a manifestar sua singular capacidade de levar luz e equilíbrio a todos que com ele ou ela convivam.
Pode aparentar um ser humano simples em cultura , mas é complexo em sensibilidade, e não se engane meu caro Bernardo, o desenvolvimento de tal estado de evolução é cumulativo e progressivo, não ocorre de forma súbita e inesperada, mas é produto de uma evolução lenta e trabalhosa. Quase tudo na existência é assim, você bem sabe.
Bernardo: É fato.
Comenius: Mas existe uma outra sinonímia que me incomoda.
Bernardo: E qual é?
Comenius: Aquela entre os termos inocência e pureza.
Bernardo: Em que sentido?
Comenius: É muito comum que as pessoas confundam os dois termos, mas eu posso lhe mostrar que um e outro nada tem de semelhantes.
Bernardo: Então mostre.
Comenius: Veja, inocência é um estado de ausência de conhecimento, enquanto a pureza significa um estado de refinamento constitucional. Assim, inocente, vem do latim in-nocens-entis, de non nocere, ser não nocivo, que é incapaz de causar dano. Puro ao contrário, do latim Purus, quer dizer sem mistura, sem alteração, uno. Ora um é incapaz não só de causar dano, mas de gerar qualquer tipo de ação. O outro, é a expressão do límpido, como o diamante.
Entenda Bernardo, inocente é aquele que não é capaz de fazer mal porque não sabe como, nem tem força para tal. Dizem até que a bondade na inocência não tem mérito já que a pessoa não conhece o mal. Puro, no meu entender, ao contrário, é o depurado, aquele que já foi trabalhado e do qual foram retirados todos os elementos estranhos a sua natureza, restando apenas um material único, definido, sem im-purezas,(perdoe a redundância).
Elas não estão mais lá, mas, algo me diz, já estiveram. Como no diamante, que é o resultado da pressão exercida pela terra durante um milhão de anos sobre um simples pedaço de carvão. Do carvão, trabalhado, surge a beleza do diamante. Eu cito Luiz Augusto Cezar de Andrade :
“O diamante e o carvão são feitos do mesmo elemento químico - carbono - e têm a mesma composição. No entanto, o diamante é translúcido e brilhante enquanto o carvão é opaco e escuro.
O diamante é um dos mais duros materiais do planeta, enquanto o carvão esfarela-se com um mero esfregão de um dedo. O diamante ocupa sempre um lugar de destaque no mundo e é super valorizado por sua beleza, enquanto o carvão vive escondido nos porões e serve apenas para queimar no fogo. Ora, se ambos têm a mesma composição, o que faz a diferença?
Acontece que as moléculas do carvão estão dispostas desordenadamente, cada uma numa direção, o que impede a passagem da luz e torna frágil a sua estrutura. Por sua vez as moléculas do diamante estão perfeitamente ordenadas, todas na mesma direção, o que confere elevada dureza ao material e permite à luz atravessá-lo facilmente.
Nós humanos também somos feitos de carbono. Podemos ser opacos, apagados, mas também temos o poder de brilhar. Podemos bloquear a passagem da luz, mas também temos o poder de deixá-la nos atravessar e, através de nós, vir a iluminar o caminho de mais alguém. Podemos viver escondidos e acabarmos servindo apenas para queimar no fogo, mas também podemos ocupar um lugar de destaque no mundo e refletir a valorizada beleza. Podemos ser fracos a ponto de nos esfarelarmos com a ponta de um dedo, mesmo que só apontado, mas também temos o poder de adquirir a fortaleza de ser independentes”
Bernardo: Entendo.
Comenius: Pureza é conseqüência de um esforço, mas inocência é falta de opção. Pureza é refinamento; inocência é sinônimo de ignorância. O bebê é inocente, mas o santo é Puro. Vê a diferença?
Bernardo: Sim, vejo.
Comenius: Portanto, todos os místicos devem esforçar-se para serem puros, mas não inocentes. Rosacruzes, que prezam este nome, este título, não podem permitir-se inocência. Para um verdadeiro místico, o Paraíso deve ser considerado o verdadeiro inferno.
Bernardo: Em que sentido?
Comenius: Pense, meu bom amigo: um lugar sem desafios, sem evolução, sem dúvidas, em suma, um local de inocência, traduzindo, de ignorância. Esta é a idéia de Paraíso que o Mito nos traz. Este paraíso, a mim lembra mais uma colônia de aposentados em Miami, cujo único divertimento são as partidas de dama ou dominó. Nada contra o jogo, tudo contra a acomodação. Numa expressão: a Morte em Vida.
Bernardo: Entendo.
Comenius: Não viemos a este mundo e nem mergulhamos na matéria como punição, viemos voluntariamente e com alegria, em busca de informação e crescimento. Deus, através de nós, explora sua própria constituição. Esta dimensão, de experiência e conflito, garante não só o nosso aprimoramento, mas também o de toda a Criação.
Bernardo: Concordo.
Comenius: Amo esta vida Bernardo, mas também a todas as outras manifestações e dimensões da Vida, dentro ou fora do corpo. O referencial que fala em Vida e Morte é materialista e limitado. Sair e entrar no corpo deveria ser uma rotina normal e não dolorosa e assim será quando o tempo certo chegar. Em termos de crescimento, entretanto, existe um diferencial em estar aqui ou fora do corpo.
Nossas possibilidades de evolução são muito mais intensas aqui, dado ao exercício necessário para manter o equilíbrio entre colunas opostas. É exatamente por causa desse esforço que nos fortalecemos.
Bernardo: É verdade.
Comenius: Como rosacruzes temos, se não o direito, o dever de fugir da condição de “aposentados espirituais da existência”.
Bernardo: É fato. Gostaria de lhe propor novamente a realização daqueles seminários de forma regular. Não só trabalhar o texto, ou o tema da superstição, mas todos os temas que sejam importantes para o crescimento do espírito rosacruciano, com um dinamismo próprio dos fóruns, tão pouco freqüentes hoje em dia.
Comenius: Conte comigo.
Bernardo: Chamaremos os irmãos ao debate, colocaremos o tema e discutiremos. Centenas de cabeças manifestam melhor a complexidade divina do que apenas duas.
Comenius: Fato. Se for da vontade dos mestres e do Cósmico, está feito.
Bernardo: Que seja, então. Organizarei a primeira reunião na Loja e lá começaremos os seminários.

Comenius: Até lá então.
Bernardo: Até. Paz profunda.
Comenius: Paz profunda, Bernardo.

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