por Mario Sales, FRC,SI,CRC
"O estudante que alcançou o estágio de Iluminação vê-se em "verdes pastos". Para o místico este estágio é semelhante ao de outros dedicados às suas igrejas e à sua Bíblia, e tem suas armadilhas. Para essa boa gente, tudo o que acontece é da "Vontade de Deus". Num filme intitulado "A Cidadela", um jovem médico está assistindo uma paciente em um parto e o bebê é natimorto. O método usual (palmadas) não provoca a respiração no pequeno corpo. O médico então, passa a usar métodos científicos. A velha avó que está observando diz: "- Deixe estar. É a "Vontade de Deus". Quando o médico finalmente soprou nas narinas do bebê e ele chorou, a velha acreditou que acontecera um milagre. O estudante também tende a deixar tudo nas mãos do "Deus Interior" e mergulhar numa segurança perniciosa que impede o progresso. É por isso que os exercícios rosacruzes enfatizam(...)o uso e o teste dos princípios e leis na vida diária."
Monografia de AMORC 228, 12° grau de Templo, página 3
Preparando o ensaio sobre "As Três Cabalas"
me deparei com uma passagem curiosa na biografia de Éliphas Levy, ou Alphonse
Louis Constant.
"Em 1847, sua esposa (de Eliphas Levy) deu à luz uma menina, que
faleceu em 1854, para desespero de seu pai, que a adorava. Era uma criança
muito doente e esteve várias vezes à morte."(Em uma dessas vêzes)",
diz o Mestre, "trouxeram-me essa pobre criança agonizante, porque não ouso
dizer morta, por uma estúpida mulher que Noémi, incapaz de ser mãe, tinha
admitido como ama-de-leite. A criança estava fria; o coração e o pulso não
batiam mais. Noémi, que não soube cuidar dela como devia, estava furiosa,
dizendo que mataria o filho da ama-de-leite (que mulher eu tinha, grande
Deus!). Para apaziguá-la, jurei-lhe que a menina não estava morta. Transportei
o pobre corpo para a cama e coloquei-o sobre meu peito; assoprei ao mesmo
tempo em sua boca e em suas narinas; senti que ela começava a se contorcer.
Peguei em seguida um pouco de água morna e bradei: Maria! Si quid est in
baptismate catholico regenerationis et vitae, vive christi-ana! Ego enim te
baptizo en nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti.( Maria! Se há no batismo católico poder de regeneração e de
vida, vive de maneira cristã! Pois eu te batizo: Em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo.) Meu amigo, não vos conto um sonho: a criança abriu
imediatamente seus grandes olhos azuis espantados e sorriu... Levantei-me
precipitadamente com um grande grito de alegria e conduzi-a aos braços de sua
mãe, que não podia acreditar no que estava vendo".[1]
Em medicina conhecemos bem este
episódio, que chamamos de "rolha de catarro", quando secreção
pulmonar se aloja na traquéia ou no nariz de crianças muito pequenas e as sufocam,por
parada respiratória, que se for curta pode ser revertida facilmente caso alguém
"assopre ao mesmo tempo em sua
boca e em suas narinas" o
que mobiliza a rolha e pode permitir a respiração.
O que Eliphas Levy descreve como
um ato mágico, na verdade foi um ato médico, e medicina não é magia, é técnica,
um tipo de educação.
Penso em quantos atos meramente
médicos não foram no passado descritos como supostamente mágicos por mentes mais
simples de eras menos elaboradas.
A própria indução hipnótica
chamada de sugestão, usada largamente pelos rosacruzes em técnicas de cura e
ensinada como um segredo por séculos é conhecida de qualquer psicólogo mediano
em nossa época, nada tendo de incomum, a não ser o fato de que continuará sendo
um mistério e um segredo para mentes menos educadas.
Já fiz várias vezes distinção
entre Magia e Pensamento Mágico aqui no Blog.
Nem sempre com muito sucesso.
A falta de um preparo educacional
que possibilite discernimento às pessoas se faz sentir no dia a dia e no ato de
lidar inclusive com os chamados conhecimentos esotéricos.
Ainda hoje, como no passado, nos
deparamos com equívocos interpretativos os mais variados baseados na
superstição e na ignorância, ou melhor, na falta de prudência e de
discernimento, já que ignorantes todos somos, em maior ou menor grau, mas
ignorantes imprudentes, nem todos, graças a Deus.
E ser um ignorante imprudente é
não ter noção de sua própria ignorância, é lidar com os fatos sem cuidado, sem
a abordagem do que Frater Descartes chamou de ceticismo metodológico.
Por exemplo: não se deve confundir
eruditos com iluminados ou seres avançados espiritualmente.
Eu, por exemplo, sou um erudito do
esoterismo. Leio há dezenas de anos sobre o assunto e continuo estudando ainda
hoje. No entanto, como ser humano, sou o mais comum dos seres, não atravesso
paredes, não leio mentes, não ressuscito os mortos, não transformo água em
vinho. Além disto sou portador de todos os defeitos de caráter comuns à maioria
dos seres humanos.
Parece tolice afirmar estas coisas
aparentemente óbvias. Só que este blog é lido por dezenas de pessoas e, entre
estas, mentes não muito amadurecidas, que poderiam facilmente confundir alhos
com bugalhos.
Se há algum mérito em mim como
escritor e esoterista é ser um ignorante prudente, conhecer minhas limitações,
tanto porque estou hoje mais culto do que era anos atrás, quanto por estar mais
velho e, por isso, mais aperfeiçoado. Segundo meu xará, o professor Mario
Sergio Cortela, as pessoas não nascem prontas e por isso não envelhecem , mas
se aperfeiçoam. Quem nasce pronto é fogão, geladeira, automóvel, e por isso
estes objetos apenas envelhecem. Seres humanos não nascem prontos e por isso
apenas se aperfeiçoam.
Gosto desta visão. E sigo este
pensamento.
Considerando pois que sou mais
velho e por isso, como disse , mais aperfeiçoado, sei, como lembrava Sócrates,
que nada sei, e acrescento, como Fernando Pessoa, que "não sou nada, e
nunca serei nada". E como eu, muitos antes de mim, que perceberam, uma vez
livres da ilusão da vaidade, que eram apenas pessoas comuns.
Só que sempre haverão os equívocos
e as pessoas equivocadas dispostas a cometê-los, e que em vez de perceberem e
aceitarem que alguém realmente não é nada de especial, quando este afirma isto
respondem com a proverbial frase: "-Que nada, modéstia sua."
É como se houvesse algo mais
grandioso ou melhor do que estar simplesmente vivo neste corpo e desfrutar da
experiência da vida comum. Na verdade não há, mas a fantasia e a mente iludida
quer o romance, a glória e as lendas e histórias de cavalaria como pano de
fundo para suas existências que consideram medíocres por serem simples e
comuns.
Olha-se a vida pelos óculos
coloridos de Maya, e aí, como na lenda chinesa de Chuang-Tzu, não se sabe se
somos seres humanos sonhando ser borboletas ou borboletas que sonham ser seres
humanos.
Primeiro, é preciso olhar para nós
mesmos com discernimento. E reconhecer a beleza de ser um ser humano comum,
sim, sem nenhum dom especial. Que isto já é uma bênção. Esta visão equilibrada
só a educação garante. Não importa se é uma educação formal ou não, mas a
educação é fundamental.
E repetindo, educação não é acúmulo
de informações e dados, mas desenvolvimento da sensibilidade. A dança, a
contemplação da arte, pinturas ou esculturas, a música, são tão ou mais fundamentais
à nossa formação educacional quanto a matemática e a física.
É na arte que desenvolvemos
sensibilidade.
E para sentirmos Deus é preciso
treinar através da oração mas também da arte, desenvolvendo nossa sensibilidade
à Sabedoria, a Força e à Beleza, para podermos depois sermos adequadamente
sensíveis à Deus.
Não podemos confundir, pois, erudição
(acúmulo de informações e dados) e evolução espiritual, uma coisa nada ou quase
nada tem a ver com a outra. E os muitos autores do esoterismo literário devem
receber de nós a atenção que merecem, como seres humanos que foram e são,
cheios de problemas pessoais como nós também temos, ao contrário da devoção que
é devida apenas e tão somente ao Deus de nossos corações, ao Deus de nossa
compreensão.
Qualquer outra atitude em relação
aos muitos autores esotéricos do passado e do presente, caracteriza apenas um
grande equívoco.
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