Por Mario Sales
É estranho como atribuímos risco e importância na formação
de nosso caráter às leituras e aos filósofos que nos acompanham, pensadores que
como tal organizam nossos pensamentos e sentimentos.
Ao não iniciado isso parece absolutamente plausível: sou o
que minha formação educacional e minha vida intelectual me torna. Sem o
concurso de uma experiencia reflexiva direcionada, jamais chegaríamos a pensar
deste ou daquele modo.
Repito, para não iniciados.
Aqueles que conhecem a complexidade das influencias que nos
atravessam, originarias desta existência em que nos encontramos e de outras do
passado, sabe que os textos e os livros buscam nosso espirito como nós os
buscamos, num movimento de magnetismo afetivo inverso, onde os polos iguais se
atraem, ao contrário dos metais.
Não é, para o iniciado, o que ele lê que o constrói, mas sim
aquilo que ele já é o leva a confirmar suas tendências com autores afins.
Muitos são nietzschianos antes de ler Nietzsche, outros são platônicos
antes de conhecer Platão.
As leituras apenas dão conteúdo linguístico aos nossos
afetos e tendências, mas não os formam, como julgam psicólogos e sociólogos.
Ainda no berço, temos em nós uma vasta bagagem de vivencias
pregressas às quais acrescentaremos aquelas desta vida atual.
Teresa Dávila ou São João da Cruz não nos tornam contemplativos
e com tendências monásticas, mas aqueles entre nós com afinidade pelo
isolamento e pela oração procurarão incansavelmente por autores com os quais dialogar,
o chamado diálogo dos solitários, o diálogo com os distantes e com os mortos,
que no entanto se fazem presentes por seus textos, por suas formas de expressão
que guiam as nossas e nos enchem de palavras e conceitos, através dos quais
expressaremos aquilo que já trazemos em nós.
Mudanças acontecerão, sim, mas não de forma tão total e
intensa como supõem aqueles que acham que tudo que somos resulta do que
experimentamos na convivência com a sociedade ou com nossos órgãos e hormônios.
Existem outras informações a considerar, e estas, como aliás
todas, são difíceis de identificar.
Só que mesmo invisíveis, incipientes e inodoras estão lá,
como a água que não estamos bebendo agora está lá, nos rios, onde sempre
esteve, e onde estará, independente de sabermos sua localização ou não.
Já tivemos sede antes.
Estas, com certeza, não são as primeiras águas que bebemos.
Lendo seu texto, lembrei-me de um dos fundamentos da reencarnação, matéria esta polêmica em muitos meios. De fato, o que reencarna é a memória e esta traz consigo um conjunto de saberes não despertos. A boa pedagogia deveria ser aquela que além de identificar o cabedal acumulado, despertaria-os também, através de uma técnica apropriada. Porém, como um em um milhão talvez tenha essa sorte, espontaneamente procuramos nossos "amigos", muitas vezes em tenra idade. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluir