Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

INFLUÊNCIAS

Por Mario Sales

 

É estranho como atribuímos risco e importância na formação de nosso caráter às leituras e aos filósofos que nos acompanham, pensadores que como tal organizam nossos pensamentos e sentimentos.

Ao não iniciado isso parece absolutamente plausível: sou o que minha formação educacional e minha vida intelectual me torna. Sem o concurso de uma experiencia reflexiva direcionada, jamais chegaríamos a pensar deste ou daquele modo.

Repito, para não iniciados.

Aqueles que conhecem a complexidade das influencias que nos atravessam, originarias desta existência em que nos encontramos e de outras do passado, sabe que os textos e os livros buscam nosso espirito como nós os buscamos, num movimento de magnetismo afetivo inverso, onde os polos iguais se atraem, ao contrário dos metais.

Não é, para o iniciado, o que ele lê que o constrói, mas sim aquilo que ele já é o leva a confirmar suas tendências com autores afins.

Muitos são nietzschianos antes de ler Nietzsche, outros são platônicos antes de conhecer Platão.

As leituras apenas dão conteúdo linguístico aos nossos afetos e tendências, mas não os formam, como julgam psicólogos e sociólogos.

Ainda no berço, temos em nós uma vasta bagagem de vivencias pregressas às quais acrescentaremos aquelas desta vida atual.

Teresa Dávila ou São João da Cruz não nos tornam contemplativos e com tendências monásticas, mas aqueles entre nós com afinidade pelo isolamento e pela oração procurarão incansavelmente por autores com os quais dialogar, o chamado diálogo dos solitários, o diálogo com os distantes e com os mortos, que no entanto se fazem presentes por seus textos, por suas formas de expressão que guiam as nossas e nos enchem de palavras e conceitos, através dos quais expressaremos aquilo que já trazemos em nós.

Mudanças acontecerão, sim, mas não de forma tão total e intensa como supõem aqueles que acham que tudo que somos resulta do que experimentamos na convivência com a sociedade ou com nossos órgãos e hormônios.

Existem outras informações a considerar, e estas, como aliás todas, são difíceis de identificar.

Só que mesmo invisíveis, incipientes e inodoras estão lá, como a água que não estamos bebendo agora está lá, nos rios, onde sempre esteve, e onde estará, independente de sabermos sua localização ou não.

Já tivemos sede antes.

Estas, com certeza, não são as primeiras águas que bebemos.

Um comentário:

  1. Lendo seu texto, lembrei-me de um dos fundamentos da reencarnação, matéria esta polêmica em muitos meios. De fato, o que reencarna é a memória e esta traz consigo um conjunto de saberes não despertos. A boa pedagogia deveria ser aquela que além de identificar o cabedal acumulado, despertaria-os também, através de uma técnica apropriada. Porém, como um em um milhão talvez tenha essa sorte, espontaneamente procuramos nossos "amigos", muitas vezes em tenra idade. Parabéns pelo texto.

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