Por Mario Sales
Certo dia, nas minhas andanças de internauta, encontrei um
dos mais maravilhosos vídeos de Carl Sagan que assisti em toda a minha vida.
Sempre o admirei e tive como modelo de educador, de homem de ciência,
preocupado que era em universalizar os conhecimentos da física e retirar a
pecha de esoterismo que ainda recobre a prática cientifica como um todo.
As nuances matemáticas e os meandros de raciocínios de pesquisadores
em campos de alta complexidade são de fato, inalcançáveis a não ser para
profissionais da área. Só que os conceitos, as ideias chave de determinado
campo, além de suas questões fundamentais investigadas através deste mecanismos
e raciocínios experimentais e matemáticos, estas podem sim ser explicadas e
compartilhadas com uma enorme população de seres humanos leigos aos quais estas
descobertas interessam sobremaneira, já que alterarão para sempre seu modo de
ver o universo e a existência.
E era isso que Sagan fazia: explicava conceitos, traduzia de
maneira compreensível ideias e procedimentos que trouxeram a ciência e a
humanidade até o ponto em que chegou.
No caso do vídeo em questão, (disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=OQAMTt1LbYE)
Sagan explica didaticamente o conceito
de dimensões e a relação entre as três conhecidas e uma quarta possível.
Em alguns minutos, ele desfez equívocos, fantasias e ilusões
que se espalham como erva daninha e prejudicam a linguagem e a comunicação.
Sua didática foi uma homenagem ao pensamento de Comenius[1], educador da Moravia,
rosacruz e pai da chamada moderna arte da educação.
Aliás, em um de seus livros publicados após a morte de
Sagan, o professor brasileiro Marcelo Gleiser escreve na introdução que “quanto
a Sagan, a falta que fará é indiscutível”.
Estamos cercados de eruditos.
Estamos cercados de sábios e especialistas, que insistem em
querer dizer a nós, pobres leigos, como o mundo deve ser compreendido. O
problema é que antes de nos dizer como o mundo deve ser, deveriam deixar claro
como ele é. Falar em linguagem acessível sobre os postulados do conhecimento,
traduzindo conceitos, fora do jargão acadêmico, jargão esse criado para facilitar
a vida de quem trabalha naquele campo e ao mesmo tempo afastar dali quem não
trabalha.
Precisamos de mais pontes, não de mais ilhas, passagens de
um ponto a outro que possam estabelecer uma troca mais rica entre todas as
áreas e enriqueçam-nas, mutuamente.
Só existirá interdisciplinariedade, termo tão usado hoje em
dia quanto vago, quando houver uma linguagem comum e ampla compreensão das
partes envolvidas dos pressupostos da outra parte. Para isso precisamos de
pessoas que façam a tradução dos diversos dialetos da ciência em uma linguagem única
e compartilhada, sem a qual esta conversa será sempre impossível.
Sagan tinha essa capacidade. Não tratava seus interlocutores
como idiotas, não usava de diminutivos em relação aos conceitos que explicava,
uma maneira disfarçada de chamar os outros de infantis, apresentava as ideias
sem trair sua essência, sem abusar de metáforas que pudessem antes de auxiliar,
obliterar ainda mais a visão clara do conceito.
Era direto na apresentação dos fatos, como diretos e
objetivos devem ser as pessoas honestas.
Aquele erudito que recorre a linguagem demasiado rebuscada
mostra que não tem interesse em ser compreendido, mas sim em ser elogiado por
todos aqueles que confundem erudição com falta de clareza.
Existe um ditado falso e preconceituoso entre os médicos de
que “quem sabe, faz, e quem não sabe explica”.
O fato é quem sabe realmente explicar, faz melhor. E quem
faz bem o que faz, sabe descrever com precisão e arte, cada passo que dá na direção
do objetivo.
Todos os conceitos e técnicas, creio eu, podem e devem ser
traduzidos em linguagem acessível, desde que exista competência em quem o faz,
além de um interesse genuíno em compartilhar aquele conhecimento.
São essas as duas colunas do compartilhamento: vontade e competência.
Competência sem vontade é uma condescendência esnobe com os
menos favorecidos intelectualmente; Vontade sem competência didática, é inútil,
mas já é melhor do que a hipótese anterior.
Sagan tinha o melhor das duas qualidades.
E usava-as sem medo, alheio as críticas de puristas vaidosos
que achavam sua cruzada de esclarecimento da ciência inadequada e desnecessária.
Dominar informações que outros não dominam é poder. Poucos
querem renunciar a isso.
Afinal, um linguajar rebuscado serve também para esconder a
mediocridade do espírito, e antes de tudo ocultar a atitude covarde de não
expor sua própria falta de talento. Por isso muitas pessoas usam a seguinte
frase para fugir a perguntas que não sabem responder: “Mais pra frente você entenderá”,
aliás uma frase comum entre maçons, tanto quanto entre intelectuais medíocres.
Quem compartilha sem medo está seguro do que sabe e do que
não sabe, não tem medo de ensinar como não tem medo de ignorar ou de dizer: não
sei.
Aliás, a meu ver, não existe nenhum problema em tornar real
um saber interdisciplinar, a não ser o medo dos envolvidos de perder seu poder
na relação inversa do crescimento do conhecimento de todos.
O ocultar sempre foi uma forma de esconder, não de revelar.
Este período acabou.
Mãos a obra.
[1] Comenius nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uhersky Brod (ou Nivnitz), na Morávia, região da Europa Central que pertencia ao antigo Reino da Boêmia e que hoje corresponde à parte oriental da República Checa. Viveu e estudou na Alemanha e na Polonia. Foi o último bispo da Igreja Hussita e tornou-se um refugiado religioso. Foi um inovador e um dos primeiros defensores da universalidade da educação, conceito que defende em seu livro “Didactica Magna”. Considerado o pai da educação moderna, aplicou um método de ensino mais efetivo, a partir dos conceitos mais simples para chegar aos mais abrangentes. Aconselhava o aprendizado contínuo, por toda a vida, e o desenvolvimento do pensamento lógico, em vez da simples memorização.
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