Por Mario Sales
Tudo bobagem.
Deus sabe e nós também, que esoterismo é uma prática que
vive de crenças. Crenças alimentadas por narrativas, a maioria das vezes, não apoiadas
por evidências, pelo menos não evidências externas, perceptíveis aos sentidos.
O discurso oficial, inclusive, reforça essa situação,
alegando que são fenômenos tão incomuns que não poderiam ser demonstrados sem que
algo sagrado fosse profanado.
Por outro lado, sempre ouvi a frase “não podemos expor esses
fatos ao público”. Confesso que até hoje não entendo essa expressão. Quais
fatos?
É claro que também não creio que expor em um programa de
auditório ou para jornalistas céticos demonstrações dos efeitos práticos dos
conhecimentos esotéricos trouxesse algum lucro a causa.
Pelo contrário, talvez levasse a problemas pessoais para
quem fizesse tal demonstração, com acusações de fraude levando a um
desinteresse ainda maior do que o que ja existe.
Compartilhar, entretanto, com o meio acadêmico, informações
ou experimentos, para um grupo de cientistas objetivos, poderia dar um status
de mais respeito aquilo que sabemos. A pergunta é: o que compartilhar
experimentalmente? O que temos de palpável a oferecer?
Ciência é uma área de conhecimento que se assemelha a
construção de uma casa. Para se construir, com segurança e firmeza, precisamos
de solidas fundações. Sem essas pilastras de sustentação, toda a construção
desabaria com seu próprio peso.
Esoterismo, ao contrário, não se fundamenta em fatos, mas em
ideias e conceitos.
Constitui-se de uma intensa atividade intelectual, de
leituras e mais leituras, anos e anos de interpretações de textos os mais
obscuros, sem que ao final disso possamos fazer uma simples pena de pássaro
flutuar com a força do nosso pensamento. O mais estranho é que os membros deste
grupo não se importam com a falta de resultados práticos em seus esforços,
contentando-se com afirmações tipo “estes estudos me tornaram um ser humano
melhor” ou algo parecido.
Esoteristas sempre argumentam que “mesmo sem provas
palpáveis, no fundo, bem lá no fundo”, sabem que os ensinamentos esotéricos são
verdadeiros.
Esse argumento que se apoia no pensamento humanista de Jean
Jaques Rousseau, não é de todo falho, ao alegar a importância da percepção
interna na avaliação dos fatos.
Só que não é científico. Pelo menos, até o momento, a
percepção interna ainda não é considerada uma evidência que comprove um
conceito.
Percepções internas fortes são o que chamamos de convicções,
algo que por enquanto está no nível da psicologia, do subjetivismo, e não na
área de psicologia experimental.
Cientistas também têm suas convicções, mas, ao contrário dos,
as vezes insuportavelmente arrogantes esoteristas, submetem-se humildemente aos
testes de verificação para comprovar essas mesmas convicções. Ou rejeitá-las,
caso os fatos assim o demonstrem.
Sabem, como homens de ciência, que o que não pode ser
demonstrado, não tem importância científica.
Talvez as únicas áreas em que este axioma de demonstrabilidade
não vigore seja naquelas ligadas ou derivadas da psicoterapia psicanalítica, as
quais trabalham com conceitos também indemonstráveis de “inconsciente”, sub
consciente, Ego, id, etc. Jung, com o conceito de “inconsciente coletivo”,
convenceu uma grande área de especialistas a considerarem esta noção como
possível e aceitável, mesmo que seja apenas uma hipótese pessoal a partir de
observações de alguns pacientes. Independente de discutir se suas crenças, as
crenças junguianas são ou não reais, devemos concordar sem conflito que são, em
princípio, apenas crenças, sustentadas pelas belíssimas explicações e argumentações
de Jung em seus textos, ou seja, em suas narrativas. Convicções psicoterápicas,
como as esotéricas, sustentam-se de hipóteses dentro de boas narrativas.
Convicções esotéricas, do mesmo modo, não são testáveis.
Para alguns até nem devem ser testadas, o que demonstraria “falta de fé”. E é
aí que a coisa fica ainda menos cientifica.
Famosa é a passagem do novo testamento em que o Cristo, já
no período pós ressureição, apresenta-se a Tomé, que questionara a veracidade
de seu retorno, e pede-lhe que toque com seus dedos em suas chagas para que
comprove que ele está ali em carne e osso.
Na verdade, de modo disfarçado, essa passagem ataca o método
científico e o verificacionismo, e elogia a fé cega, sem fundamentação, na
defesa dos pressupostos da Igreja de Roma. Se o Cristo realmente censurou o
ceticismo de Tomé ou não, nunca saberemos ao certo, pois o que temos é apenas
um texto, uma narrativa, na qual somos ensinados a crer, independentemente de sua
veracidade.
É difícil, muito difícil para crentes discutirem sem paixão
acerca de suas crenças. Se, entretanto, pudéssemos discutir essas coisas de
forma racional, sem entrar no mérito da crença, sem afirmar ou negar sua realidade,
primeiro deveríamos admitir que os textos sagrados são, antes de qualquer
coisa, textos. Portanto, de novo, sem qualquer juízo de valor sobre a
veracidade ou não do que está escrito ali, é lícito concluir que o Jesus do
novo testamento é, antes de qualquer coisa, um personagem literário, como o
Sócrates dos diálogos de Platão. Não se discute a existência histórica de Sócrates,
na Grécia Antiga, da mesma forma que existem evidências arqueológicas de um
Jesus histórico, nem que seja pelos registros romanos de execuções, que relatam
sua agonia e morte. Já quanto as suas declarações, ainda em uma leitura
desapaixonada, existem apenas e tão somente os relatos dos testamentos, escritos
alguns até cem anos após sua morte e atribuídos a este ou aquele apostolo. Se
não fossem o problema da autoria discutível, existem estas questões
cronológicas, que por exemplo, tornam, como está documentado pela Igreja, dois
de seus apóstolos redatores, pessoas que nunca o viram pessoalmente, como Paulo
e Lucas.
Essas considerações não podem ser feitas a luz da fé, mas da
razão. Não existe, pois, como falarmos em evangelhos testemunhais nestes
dois casos, mas em relatos apoiados sobre relatos de terceiros.
Estes relatos foram transformados em textos, textos estes
que são objeto de reverencia, como se fossem expressões indiscutíveis da
verdade, mas que se sustentam às custas da fé daqueles que os lêem.
Isso, repito, não vale apenas para textos sagrados.
Vale para quaisquer textos históricos. Temos relatos
biográficos de personagens, políticos, filósofos, artistas, com alguma
fidedignidade, até o século 12 ou 13.
À medida que vamos indo para trás, o papel dos arqueólogos
torna-se cada vez mais importante. Pensem nos fragmentos dos filósofos jônicos,
de 600 AC.
Quando falo “fragmentos” refiro-me exatamente a isso,
pedaços rasgados e envelhecidos de papel, que resistiram por milagre as
agressões do tempo.
Esse cenário acontece em todos as culturas que se apoiam em
textos antigos para criar valores, reflexões filosóficas ou religiões. Portanto,
palavras escritas em um pedaço de papiro, ou em algum material que pudesse ser
usado para escrever e registrar, já que papel como conhecemos hoje, era
inexistente.
Creiamos ou não no que está escrito, textos são e serão
sempre apenas textos.
Podemos crer nesses textos ou não, estuda-los, traduzi-los,
mas se não se tratar de textos técnicos, como os trabalhos de Arquimedes ou Da
Vinci, que nos permitam reproduzir os experimentos e aparelhos ali descritos,
em nossa época, jamais saberemos se o que se afirma ali é ou não verdadeiro,
mesmo que tenha verossimilhança, ou seja, mesmo que pareça ser verdadeiro. E se
não forem textos técnicos, mas narrativas de acontecimentos e conversas, a
confiabilidade na veracidade da descrição diminui ainda mais, já que todos que
já brincaram na infância de repassar a palavra, em um circulo de apenas 10
pessoas, em alguns minutos, sabe como o que é dito aqui muda ao chegar ali.
Ciência não se faz à base de hipóteses, de narrativas ou
mesmo de convicções. Hipóteses e convicções são importantes na ciência, mas
apenas como primeiros passos de uma investigação. Além disso, as convicções,
mesmo elas, geralmente se apoiam em fatos comprovados experimentalmente ou
produto de cálculos matemáticos. Não são impressões vagas, apenas.
Após as hipóteses virão os testes que mostrarão a realidade
do que se supunha ser verdade.
Existem mesmo cientistas que se especializam em criar experimentos
para verificar teorias e hipóteses.
O trabalho deles é fundamental e sustenta toda a nossa
tecnologia, do relógio de pulso que marca as horas, mas que também atende
ligações telefônicas, até este computador em que você me lê.
Um outro aspecto do trabalho científico é o intercâmbio de
informações. Tudo que se pensa ou se descobre é publicado. Todos da comunidade
ligados a esta ou aquela área de interesse, lêem estas publicações e verificam
minuciosamente as informações.
E fazem esta verificação reproduzindo os experimentos
descritos para ver se os achados são semelhantes.
Lentamente, os resultados, se forem positivos, criarão um
consenso sobre aquele tema que será replicado para todos que se interessem.
Em esoterismo, infelizmente, não é assim. Só recentemente
superamos o trauma das perseguições religiosas e tornamos nossas informações
mais conhecidas.
Ouvimos falar e lemos sobre telepatia. Dificilmente
conheceremos alguém que domine esta técnica a ponto de nos mostrar, de fato,
como funciona.
Ouvimos falar e lemos sobre telecinesia. Quem, entretanto,
faz um simples lápis levitar? Quem ao menos conhece alguém que o faça? E eu
falo de pessoas de dentro das Ordens Esotéricas que propagam essas afirmações.
Vivemos de narrativas, apenas narrativas, não de fatos. E
quando, eventualmente, algo de aparentemente mágico acontece é como se todas as
dúvidas imediatamente desaparecessem, pois estamos programados para crer, não
para saber.
O problema é que estes são outros tempos.
O segredo de antes, hoje, não se sustenta, a não ser para
atrair novos membros, novas mentes perdoem o termo, infantis o suficiente para
se fascinarem pela ideia do oculto.
Ao contrário dos jovens, estamos impacientes, nós, velhos esoteristas,
por ver em funcionamento os conhecimentos e técnicas propostas nos textos que
estudamos.
Lemos textos demais, ouvimos palestras demais, mas fatos,
principalmente aqueles que possam ser transformados em ferramentas para o
cotidiano, ou que possam ser compartilhados com outras pessoas céticas, são
poucos.
Este ano completei quarenta e sete anos de filiação a AMORC.
Aprendi várias técnicas que me ajudaram na minha vida pessoal. E esse foi o
apelo que esta afiliação teve no meu caso particular.
Conhecimento aplicável, verificável, essa era a promessa de
Lewis a nós que entravamos para a rosacruz na década de setenta. Ele falava do segredo,
mas também prometia que seriamos apresentados a técnicas, era assim que ele
chamava, que nos ajudaria, a melhorar nossa qualidade de vida.
Ralph ainda estava ativo e referendava os ideais do pai, de
tornar o esoterismo algo parecido com a ciência, produzindo conhecimento
prático e eficaz no cotidiano, um diferencial que facilitaria o dia a dia
sempre atribulado de qualquer encarnação. Por isso em nenhum momento modifiquei
a minha posição de que a AMORC é a Ordem correta para meu perfil psicológico,
prática, efetiva, com impacto perceptível na minha qualidade de vida.
Esta é, talvez, a principal característica que a torna única
entre as muitas ordens esotéricas legitimas existentes no mundo.
É nosso maior trunfo. E quanto mais investirmos nesse
aspecto operacional, de técnicas verificáveis e reprodutíveis, mas
fidelizaremos aqueles que nos derem a honra de se tornarem nossos irmãos e
irmãs de Ordem. Não serão nossos textos e discursos que fortalecerão as
convicções desses membros, mas os efeitos práticos em suas vidas dos
ensinamentos colhidos na sua afiliação.
Não devemos descuidar deste legado.
Aí estão as nossas fundações, nas quais nos apoiamos para
construir nossa Ordem.
Porque afinal, é assim que nossa Ordem prossegue, e nossos
membros devem poder dizer o mesmo que um de nossos mais importantes membros,
Sir Isaac Newton, disse, quando elogiado pelo brilhantismo de suas teorias
gravitacionais: “Se vi mais longe, foi por que estava no ombro de gigantes.” É
isso que faz o conhecimento científico prosperar, a produção paulatina,
cumulativa e coletiva de um saber pragmático e fundamentado.
O esoterismo pode ser assim também.
Como demonstrou Spencer Lewis, é só questão de querer e trabalhar para isso.
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