Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.: e M.:M.:
Fritjof Capra
Não tenho escrito muito no blog. Além de problemas particulares meu computador, depois de anos de serviço leal, desistiu e, ao que parece, entregou sua alma mecânica ao Senhor das Máquinas.
Os temas tem me assombrado dia a dia e me sinto em débito comigo mesmo por não transcrever minhas elucubrações.
Para me redimir, estou aqui no notebook antigo da minha esposa, enquanto providencio um substituto mais moderno para meu antigo colaborador, que Deus o tenha.
Nas conversas com meus companheiros da confraria “In VinoVeritas” e com meu atual colega de revisão da Doutrina Secreta, de modo enviesado, acabei refletindo sobre o tema do desapego.
Virtude apregoada pelos budistas, difícil de entender por ocidentais e orientais ocidentalizados, acostumados a valorizar o EGO e o status social, o desapego é a base da vida serena segundo o ensinamento do Buda e de outras linhas de pensamento.
Só que desapegar-se de algo que aprendemos a amar é muito, mas muito difícil. O amor implica apego, tal como o fogo une a luz e o calor. Esta separação não é possível a primeira vista, já que para o não iniciado, ou mesmo para o iniciado que ainda não atingiu a compreensão correta desta virtude, desapegar-se é amar menos aquilo que se ama. A compreensão do senso comum é que se eu não estou apegado a alguma coisa ou a alguém, não sinto por ela o mesmo grau de afeto que julgava sentir antes.
Entra-se, dentro desta visão, muna espécie de limbo, onde a Vida como existência física e sensorial, perde sua qualidade mais importante, a paixão.
Como resolver este quebra-cabeça psicológico, que tem suas raízes na educação que todos nós, incluindo eu mesmo, recebemos na infância, acerca da importância de amar-se as pessoas que se ama, demonstrando preocupação pelo seu bem estar físico, aplaudindo seu nascimento e chorando em seu enterro? Já que a morte física é o fenômeno mais temido e odiado, alçado a condição de experiência irreversível, mesmo aqueles que creem na continuidade da existência depois do desenlace corpóreo estão habituados a chorar em enterros de entes queridos, vestir-se de preto, atravessar o luto com pesar. Fomos educados para isso, para valorizar a vida enquanto vida física, e talvez o instinto mais importante do corpo humano, o de auto preservação física, colabore para reforçar este conceito de que morrer fisicamente é morrer de verdade.
Para começar, acredito que devemos discutir a noção de Maya como recebida dos hindus e dos Vedas. Já que estou revisando a Doutrina Secreta, e já que a Doutrina Secreta está impregnada de conhecimento vedântico, usando inclusive a mesma terminologia, nada mais oportuno do que recorrer a este conceito como ponto de partida.
Maya é a palavra sânscrita para Ilusão, no sentido daquilo que chamamos de Realidade. Para o hinduísmo, tudo que existe ou que nos dá a sensação de solidez não passa de uma ilusão, uma imagem projetada pelo criador, na qual desempenhamos um papel teatral, de caráter lúdico e didático, ao mesmo tempo.
Ora, lúdico quer dizer divertido. E a vida não se caracteriza por ser eminentemente divertida. A felicidade, o bem mais precioso de toda a existência, dificilmente é conseguida e, quando o é, mostra-se efêmera, logo sendo substituída por aflições típicas da vida do corpo. Aspectos espirituais, emocionais, sexuais e sociais teimam em perturbar o estado de felicidade conseguido pelo comum dos mortais. E a maior razão de toda esta perturbação é a imperenidade das conquistas.
Tudo muda. Tudo desaparece. Tudo acaba, por mais belo que seja, por mais sólido que aparente ser.
Por isso o Buda reconheceu a importância do desapego, pronunciando as seguintes palavras: “Existe a Dor. A Dor é consequência do Apego. Desfazendo-se o Apego, desfaz-se a Dor.”
A frase vale não só para pessoas, mas para quaisquer situações, estados, objetos que possam estar em nossa temporária posse.
Já que lidamos mal com a nossa própria extinção orgânica, todos fazemos de conta que somos fisicamente eternos porque fomos educados para agir desta forma.
Embora a morte física seja absolutamente comum e inevitável, comportamos-nos da maneira que fomos educados desde a infância para nos comportarmos, experimentando grande sofrimento com este evento, ao contrário do evento do nascimento físico. Seria usar um lugar comum se aqui colocássemos que nem todos os nascimentos são bênçãos e nem todas as mortes são desgraças, mas fica a lembrança de qualquer maneira.
Repetindo: o que o indivíduo comum não consegue contemplar, embora seja óbvio e incontestável, é que todas as coisas terminam e não fomos educados para a imperenidade de todas as coisas, não pensamos com fluxo, mas de maneira estática.
Queremos tudo que é estável: estabilidade nas relações, na existência física, na saúde (física ou mental), no contentamento, no sucesso social.
Só que nada é desse modo.
Quanto a esta dicotomia, instabilidade/estabilidade, voltemos a Grécia Antiga.
Havia um filósofo jônico, no período pré-socrático, chamado Heráclito, que dizia que era impossível banhar-se no mesmo rio duas vezes. Sua visão de mundo, no entanto, não pôde ser digerida na época, pois faltava conhecimento científico e maturidade suficientes para isso, e um colega seu, Parmênides, historicamente ganhou o coração e as mentes de todos os seres, com uma visão voltada para a noção de estabilidade das coisas, demonstrada na expressão: “Vamos e dir-te-ei – e tu escutas e levas as minhas palavras. Os únicos caminhos da investigação em que se pode pensar: um, o caminho que é e não pode não ser, é a via da Persuasão, pois acompanha a Verdade; o outro, que não é e é forçoso que não seja, esse digo-te, é um caminho totalmente impensável. Pois não poderás conhecer o que não é, nem declará-lo.”
Estamos diante de uma convicção de que as coisas só podiam ser entendidas se pudéssemos contemplá-las sobre o signo da existência, do ser. A noção de fluxo das coisas, de eterna mutação, foi combatida por ele com a expressão “toda mutação é ilusória”, negando a possibilidade de lidar com esta indefinição acerca dos objetos que nos cercam e de nós mesmos.
Mesmo diante do fato de que a mudança mais óbvia é aquela que ocorre em nosso próprio corpo, através do envelhecimento natural, Parmênides achava que a mente humana não daria conta de pensar o processo, somente o fato estático, e foi bem aceito em suas colocações.
As repercussões de seu modo de pensar fizeram-se sentir em todo o mundo ocidental, o que acabou criando uma ciência que freia a natureza para estudá-la, que isola os fenômenos e tenta controlar todas as suas variáveis para entendê-los, que em suma, retira o fenômeno de seu contexto para estudá-lo como se ainda estivesse dentro dele.
E por que isso? Porque fenômenos naturais dentro de seus contextos biológicos ou bioquímicos não são estáveis, estão sempre em evolução, apresentam uma estabilidade falsa.É como o anatomista que tenta entender o ser vivo através do cadáver, tentando ver quais são os vasos, veias e artérias, os nervos, os tecidos e os órgãos que o compõem depois que estes mesmos elementos pararam de funcionar. Ou o biólogo que retira um pedaço de uma árvore e tenta entender sua fisiologia, por exemplo uma folha morta e destacada do todo em que faz sentido sua existência. Falo dessas coisas lembrando de um filme que só assisti agora depois de muitos anos, versão cinematográfica do livro de Fritjof Capra, “O Ponto de Mutação”(MIndwalk).
Ali, vinte e dois anos atrás, a personagem de Liv Ullman, uma cientista física, fala de uma nova teoria que aos poucos vai tomando conta do meio científico, não sem resistência obviamente, algo que ela chamou de Pensamento Sistêmico.
Liv Ullman
Neste tipo de abordagem, a ciência como pensada por Parmênides, aquela das coisas que são ou não são, não tem muito sentido, já que este tipo de visão sistêmica pensa o mundo de modo dinâmico e inter-relacionado. Não existe possibilidade de isolar-se algum componente de seu contexto sem que isso destrua a sua própria realidade e modifique, de forma total, sua própria manifestação.
Como o corpo vivo e o corpo cadáver; como a folha enquanto alimentada pela seiva de sua árvore, e depois arrancada deste mesmo galho aonde se alimentava.
Compreender o mundo de modo sistêmico, linha que me pareceu extremamente coerente com o pensamento oriental, rosacruciano e místico, é pensar cada coisa dentro de seu próprio contexto, sem isolá-lo de forma arbitrária, já que a existência só faz sentido quando a pensamos como uma teia de relações.
Lá atrás falávamos de Maya, e da grande ilusão que ela simboliza. Para Parmênides essa ilusão estava ligada a nossas limitações de percepção, sendo que na verdade, as coisas eram e são estáveis. Só que a compreensão de Maya mais avançada e correta, a meu ver, não é essa.
Maya não pode ser pensada como uma ilusão em si, mas como uma Ilusão que tem um objetivo, como ferramenta e meio, não como um fim.
A vida, para usar os conceitos de Richard Bach em seu livro Ilusões, é com um filme de cinema, que concordamos em assistir, compactuando às vezes durante duas horas com sua ilusão, na intenção de nos divertirmos e experimentar sensações emocionais causadas por esta fantasia maravilhosa que é o cinema. A questão não é se Maya é ou não real, como talvez um pesador parmenídico considerasse, mas para que serve, quase que redescobrindo o papel operacional do sonho, do onírico, para o qual as pitonisas gregas e mais recentemente Freud e Jung chamaram nossa atenção.
Qual o contexto evolucional dentro do qual Maya se insere é mais importante do que Maya em si.
E se a finalidade do teatro e do cinema é emocionar e encantar quem o assiste, a finalidade de Maya, da mesma maneira, é educar e divertir as pessoas que dela participam.
Entender esta situação “ilusória” como absolutamente útil e necessária para o crescimento espiritual daqueles que dela participam é fundamental para olhar com outros olhos a Vida dentro da Ilusão.
O Problema muda de foco. Não se busca mais analisar cada coisa separadamente, mas sua existência e manifestação em relação ao seu contexto.
E o contexto de Maya é o contexto experimental, educacional, e se compreendido assim, lúdico.
Se pensarmos Maya apenas como sendo real ou irreal seremos pobres em nossa análise. O diferencial nesta análise é perguntar para que serve a Vida em Maya, se estas experiências que aqui desfrutamos são tão importantes assim como parecem ser para o crescimento de nossa consciência.
E a resposta, a única resposta possível, é que sim, Maya nos enriquece e a vida na Ilusão, independentemente de ser ilusória ou não, às vezes nos diverte, às vezes nos entristece, mas sempre, sempre nos ensina.
Entender os papéis que desempenhamos dentro da existência como papéis teatrais idêntico aqueles de um filme de cinema, em que tudo é falso, mas inspira um senso de realidade, única e exclusivamente com a finalidade de nos divertir e de desencadear em nós reações emocionais e mudanças de concepção que o intelecto jamais conseguiria com seus discursos e argumentos, é fundamental para conseguir entender a noção de desapego de um modo palatável, e não com a pecha de perda e de tristeza com a qual sempre vem vestida.
Desapegar-se sem entender que na verdade aquilo que possuímos não está mesmo lá, de que os vínculos afetivos que estabelecemos com nossos amigos, nossas esposas e maridos, nossos filhos, pais, genros e noras são papéis que representamos em busca do aumento de nossa compreensão das emoções, é muito difícil.
O que nos faz sofrer não é o apego, mas a ignorância acerca do papel que representamos nesta imensa peça de teatro da qual participamos. O simples fato de desconhecermos este fato leva-nos a convicções errôneas.
Portanto, o que precisamos é de mais conhecimento e não de mais desapego, já que com o conhecimento correto, o desapego se tornará automaticamente a única perspectiva correta para contemplar a chamada realidade que nos cerca.
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