Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 4 de setembro de 2016

PRUDÊNCIA E LITERATURA

Por Mario Sales





Li, como sempre com atenção e deleite, o erudito e interessante artigo no Estadão de hoje, domingo, do professor Leandro Karnal[1], no qual ele aborda o tema do envelhecimento.
Lembrei-me depois de uma citação sua acerca dele mesmo, quando dizia que “havia se conformado em ter uma inteligência salieriana (de Salieri, contemporâneo de Mozart), um intelecto intermediário", capaz de reconhecer, como Salieri reconheceu e entendeu, o gênio do magnifico compositor, mas incapaz de manifestar semelhante brilho intelectual.
Lembro-me de pensar que aquilo era uma inverdade, considerando a bagagem intelectual invejável do professor Karnal e o reconhecimento público recente que ele e seus outros três companheiros deste grupo que eu chamo, no bom sentido, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Cortela, Pondé e Clóvis de Barros, tem recebido.
Há um consenso de que, sua inteligência pode ser tudo, menos mediana.
Percebi entretanto lendo seu texto, hoje, que, se em sua boca tal afirmação reveste-se de humildade, mesmo que imprecisa, ele, Karnal, crê que é verdadeira.
E escreve como tal.
Ao construir seus textos, percebi, recorre a um sem número de citações de autores pelos quais tem apreço e que conhece bem, de forma que seu texto, antes de um tecido íntegro mais parece um mosaico de retalhos de pensamentos de vários outros pensadores, uma estratégia mais segura do que expor-se com pensamentos próprios ou idéias, digamos assim, originais. 
Nada que desabone sua escrita, mas sinto falta em seus textos, digamos assim, de sua presença efetiva, pois como estão redigidos, são como um baile para o qual são convidados intelectuais selecionados a dedo, em todas as épocas da humanidade e do pensamento, uma espécie de simpósio platônico ideal, com convidados mais interessantes que Alcebíades ou Aristófanes.
Ele mesmo, Karnal, está lá como anfitrião, recebendo-os e usando-os como referência, o que em princípio é correto, mas um pouco escondido pela multidão de pessoas à sua volta. Como todo intelectual que se preza, ele, Karnal, conversa com gente morta. O que chama a atenção, ao observador mais atento, é que esses cadáveres o ocultam dos vivos.
Meu ponto é esse. Se seus textos são como sempre agradáveis e interessantes, não revelam o autor, que se resguarda (por razões pessoais, imagino), de mostrar-se em suas elucubrações.
Leitores como eu acabam por estabelecer uma relação quase pessoal com seus autores, e fantasiosamente, imaginam extrair aspectos da personalidade daquele que escreve apenas lendo seus textos. Com textos como os de Leandro isso não é possível.
Talvez Bachelard esteja certo e a vida pessoal do intelectual não tenha nada a ver com seu trabalho literário.
Não sei.
Foi apenas um insight que me ocorreu e que, como sempre, quis compartilhar, com a certeza de que escrever é uma atividade que tem duas estratégias possíveis, uma cheia de audácia e sinceridade, apaixonada, outra, mais comedida e segura, apoiada no ombro de gigantes.
Professor Karnal com certeza, optou pela segunda.
É um direito seu.



[1] http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,as-corujas-invisiveis-do-crepusculo,10000073838

Nenhum comentário:

Postar um comentário