Por Mario Sales
Li, como sempre com atenção e deleite, o erudito e
interessante artigo no Estadão de hoje, domingo, do professor Leandro Karnal[1], no qual ele aborda o tema
do envelhecimento.
Lembrei-me depois de uma citação sua acerca dele mesmo,
quando dizia que “havia se conformado em ter uma inteligência salieriana (de
Salieri, contemporâneo de Mozart), um intelecto intermediário", capaz de
reconhecer, como Salieri reconheceu e entendeu, o gênio do magnifico compositor, mas
incapaz de manifestar semelhante brilho intelectual.
Lembro-me de pensar que aquilo era uma inverdade,
considerando a bagagem intelectual invejável do professor Karnal e o
reconhecimento público recente que ele e seus outros três companheiros deste
grupo que eu chamo, no bom sentido, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Cortela, Pondé e Clóvis
de Barros, tem recebido.
Há um consenso de que, sua inteligência pode ser tudo, menos
mediana.
Percebi entretanto lendo seu texto, hoje, que, se em sua
boca tal afirmação reveste-se de humildade, mesmo que
imprecisa, ele, Karnal, crê que é verdadeira.
E escreve como tal.
Ao construir seus textos, percebi, recorre a um sem número
de citações de autores pelos quais tem apreço e que conhece bem, de forma que
seu texto, antes de um tecido íntegro mais parece um mosaico de retalhos de
pensamentos de vários outros pensadores, uma estratégia mais segura do que
expor-se com pensamentos próprios ou idéias, digamos assim, originais.
Nada que
desabone sua escrita, mas sinto falta em seus textos, digamos assim, de sua
presença efetiva, pois como estão redigidos, são como um baile para o qual são
convidados intelectuais selecionados a dedo, em todas as épocas da humanidade e do
pensamento, uma espécie de simpósio platônico ideal, com convidados mais
interessantes que Alcebíades ou Aristófanes.
Ele mesmo, Karnal, está lá como anfitrião, recebendo-os e
usando-os como referência, o que em princípio é correto, mas um pouco escondido
pela multidão de pessoas à sua volta. Como todo intelectual que se preza, ele,
Karnal, conversa com gente morta. O que chama a atenção, ao observador mais atento, é que esses cadáveres o ocultam dos vivos.
Meu ponto é esse. Se seus textos são como sempre agradáveis
e interessantes, não revelam o autor, que se resguarda (por razões pessoais,
imagino), de mostrar-se em suas elucubrações.
Leitores como eu acabam por estabelecer uma relação quase
pessoal com seus autores, e fantasiosamente, imaginam extrair aspectos da
personalidade daquele que escreve apenas lendo seus textos. Com textos como os de Leandro isso não é possível.
Talvez Bachelard esteja certo e a vida pessoal do intelectual
não tenha nada a ver com seu trabalho literário.
Não sei.
Foi apenas um insight que me ocorreu e que, como sempre,
quis compartilhar, com a certeza de que escrever é uma atividade que tem duas
estratégias possíveis, uma cheia de audácia e sinceridade, apaixonada, outra,
mais comedida e segura, apoiada no ombro de gigantes.
Professor Karnal com certeza, optou pela segunda.
É um direito seu.
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