UM EXERCÍCIO SOLITÁRIO, POÉTICO E FILOSÓFICO, BASEADO NO PRECEITO ROSACRUZ DA MAIS COMPLETA LIBERDADE (POSSÍVEL) DENTRO DA MAIS PERFEITA TOLERÂNCIA (POSSÍVEL). O MARTINISMO E O ROSACRUCIANISMO COMO REFLEXÃO.
Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).
sábado, 26 de junho de 2010
Sobre o Leitor
"O leitor de quem espero algo (...) deve ser calmo e ler sem pressa. (...) O livro está destinado aos homens que ainda não caíram na pressa vertiginosa de nossa época rodopiante e que não sentem um prazer idólatra em ser esmagados por suas rodas. Portanto para poucos homens! Mas esses homens ainda não se habituaram a calcular o valor de cada coisa pelo tempo economizado ou pelo tempo perdido, eles 'ainda têm tempo'; a eles ainda está permitido, sem que venham a sentir remorsos, escolher e procurar as boas horas do dia e seus momentos fecundos e fortes para meditar sobre o futuro de nossa cultura (Bildung), eles mesmos podem se permitir ter passado um dia de maneira digna e útil na meditatio generis futuri. Tal homem ainda não desaprendeu a pensar enquanto lê, compreende ainda o segredo de ler entrelinhas, tem mesmo o caráter tão esbanjador que medita ainda sobre o que leu, mesmo muito tempo depois de não ter mais o livro entre as mãos. E não para escrever uma resenha ou outro livro, mas apenas e somente isso – para meditar! Condenável esbanjador!"
Friederich Nietszche, antes de 1900
quinta-feira, 24 de junho de 2010
CAMINHANDO PARA A LUZ
por Mario Sales,FRC, M.:M.: ,S.:I.:
INTRODUÇÃO
Da Distância, Da Proximidade e Da Identificação.
Junho de 2006 , final do outono do Hemisfério Sul
Existem idéias que precisam ser consolidadas ao longo de uma ou de várias existências, dada a complexidade do conceito e a dificuldade de fazê-lo passar de conceito a vivência.
Experienciar algo que antes foi apenas uma idéia é a diferença e a transição entre conhecer e ser.
Este é o caso de um conceito clássico em Teologia que discute se somos criaturas de Deus,(o que supõe um Deus pessoal, uma entidade separada de nós) ou se somos parte de Deus ,(o que supõe que somos Sua extensão, partes integrantes D’ele, membros de seu corpo).
A maioria das religiões escolhe a primeira opção: Deus é uma entidade separada do Homem, e o Homem é sua criatura, tendo esta criatura uma autonomia em relação ao todo poderoso no sentido do livre arbítrio, escolhendo segundo sua vontade o seu caminho neste mundo.
Essa opção lembra Santo Agostinho, que no capítulo X de “Confissões” intitulado “Quem é Deus?”, cita no versículo nove, o seguinte trecho:
“Quem é Deus?” Perguntei a Terra e disse-me: “Eu não sou”. E tudo que nela existe respondeu-me o mesmo; interroguei o mar, os abismos e os répteis animados e vivos e responderam-me: “Não somos o teu Deus; busca-o acima de nós.(...)” “Já que não sois meu Deus, falai-me do meu Deus, dizei-me ao menos , alguma coisa D’Ele” ; e exclamaram com alarido: “Foi ele quem nos criou”.
Estas afirmações permeiam o corpo doutrinário da igreja católica e de todas as igrejas auto intituladas de inspiração cristã, numa grave interpretação e modificação da afirmação do próprio Jesus que, dando exemplo, dizia: “Deus e eu Somos Um”.
Enquanto o Cristo demonstrava a sua íntima relação com o Criador, Santo Agostinho pregava sua convicção de que Homem e Deus estavam irremediavelmente separados pelo fenômeno da Criação.
Para consolidar a Doutrina da Santa Madre Igreja, o Cristo foi considerado um caso a parte, irreprodutível, de forma que nenhum ser humano poderia conseguir tamanha intimidade com o Criador a não ser o próprio Cristo, já que este era Deus manifesto na forma de homem, e não um homem que atingiu a fusão com a Divindade, o que chamamos em misticismo de Iluminação.
O ponto de vista místico
Já a postura dos místicos é diversa.
Em primeiro lugar, o misticismo parte do princípio Panteísta de que Deus está sim em todas as coisas que existem, e que não se pode falar em uma Entidade Criadora separada da sua Criação.
Este conceito está harmonizado com as culturas pré-cristãs nórdicas, com todas as tradições mitológicas e com muitas abordagens orientais da experiência religiosa.
Ao contrário de Santo Agostinho e de outros pensadores religiosos, o místico não aceita que o Cristo seja um fenômeno isolado, crê que seu caminho pode ser repetido e busca criar as condições necessárias em si mesmo para conseguir esta Yoga, esta Fusão com a Consciência Cósmica, fenômeno do qual o Cristo , em sua vida, deu testemunho e demonstrou.
Panteísmo é uma doutrina que identifica o universo (em grego: pan,tudo) com Deus (em grego: theos). A reflexão deve partir de um conhecimento da realidade divina e depois especular sobre a relação entre o divino e o não-divino. A este ponto de vista chama-se panteísmo acósmico. Inversamente, quando a reflexão começa de uma percepção de toda realidade finita, das entidades passíveis de mudança e é dado o nome Deus a sua totalidade, denomina-se panteísmo cósmico.O panteísta é aquele que acredita e/ou tem a percepção da natureza e do Universo, como divindade. Etimologicamente falando, o termo panteísmo deriva das palavras gregas pan ("tudo") e teismo ("crença em deus"), sustentando a idéia da crença em um Deus que está em tudo, ou à de muitos deuses representados pelos múltiplos elementos divinizados da natureza e do universo. Em diversas culturas panteístas, freqüentemente a idéia de um Deus que vive em tudo, complementa e coexiste pacificamente com o conceito de múltiplos deuses associados com os diversos elementos da natureza, sendo ambos, aspectos do panteísmo.
Ainda em Confissões, S. Agostinho continua sua seqüência de interrogações com a seguinte questão:
“- Dirigi-me então a mim mesmo e perguntei-me: “E tu, quem és?” “Um Homem”,respondi.
Para o Místico, tal resposta seria impensável. Negar a existência de Deus em nós, de sua centelha formadora, isto sim seria um sacrilégio.
Na verdade, esta contradição é compreensível.
A lâmpada pode ter a ilusão de ser individuo e não parte de um circuito em série, como se fosse o que é porque emite luz e não porque uma corrente passou por ela e provocou a luminosidade ao deparar-se com a resistência dentro dela.
Cada homem, e S. Agostinho entre eles, supõe-se um ser à parte porque, sendo apenas um homem, tem uma visão limitada da sua realidade, já que é uma entidade entre tantas do circuito.
A cultura mística, no entanto, desfaz essa ilusão de separação, afirmando, como Aristóteles, que “vivemos cada dia pela graça de Deus” literalmente, ou seja, é Deus em nós que nos faz vivos, e não que nós tenhamos uma vida independente do Todo Poderoso.
É a sua presença em nós que nos manifesta neste mundo, e, se temos um brilho nos olhos, que desaparece dos olhos do cadáver, é o brilho da luz causada pela passagem constante da PRESENÇA DIVINA por nós, enquanto neste ou em outros corpos.
Muda a cor do vidro das lâmpadas, muda até o tamanho das lâmpadas, mas a energia que flui por elas vem da mesma fonte, tem a mesma natureza, causa o mesmo efeito: Luz.
Assim, o Cristo, sabedor e consciente deste fato, vivenciando este conhecimento, disse: “-Eu e o pai somos Um”. E Paulo apóstolo, mais tarde diria, em Gálatas “... logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...” ou em Atos XVII-28: “- Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dentre os poetas de vocês disseram:"Somos da raça do próprio Deus"”
É isto que buscam os yogues e os místicos: IDENTIFICAÇÃO.
Não há distância maior que aquela que vai da ignorância ao conhecimento e, depois, à vivência deste conhecimento.
Não se trata de um problema de espaço a ser percorrido entre o Homem e Deus, ou entre o homem comum e os homens que atingiram uma Iluminação indiscutível, entre eles, o Cristo, Jesus.
Trata-se de uma questão de consciência.
Mais consciência, mais iluminação; menos consciência, maior sensação de separação de Deus e de distância de Sua Presença em nós.
Citando um frater, que recentemente passou pela transição, Euclides Bordignone, em seu famoso discurso, Preciso de Ti, encontramos a afirmação de que “de todos os ensinamentos recebidos na senda rosa-cruz, o mais profundo é o de que não somos criaturas criadas por Deus como uma cadeira foi criada pelo homem, mas sim que Deus e eu somos um , como a minha mão não é criação do meu corpo, mas parte integrante dele”
Esta é a essência do pensamento rosa-cruz, como a AMORC o tem defendido.
Todos aqueles que chegam aos portais da AMORC, imbuídos de outras concepções diferentes desta, levam anos para compreender este que é o ensinamento mais profundo do misticismo rosa-cruz, pois, não há distância maior que aquela que vai da ignorância ao conhecimento e, depois, à vivência deste conhecimento.
Não há como conciliar, no meu modesto ponto de vista, estas duas posições: ou estamos distantes de Deus (e, por decorrência, da experiência testemunhada pelo Cristo Jesus e não temos chance alguma de atingir sua compreensão) ou sim, esta Compreensão, chamada pelos místicos de Iluminação,é possível e esta distância não existe, mas trata-se de uma situação ligada a quantidade e qualidade de nossa consciência atual da inexistência desta separação e desta distância entre nós e o Todo Poderoso; mais do que isto: com esforço e trabalho, ao longo de várias encarnações, nas palavras do Teósofo português Félix Bermudes, todos estamos condenados a ser Deus.
Todas as doutrinas que ministrarem ensinamentos contrários a esta concepção, embora possam autodenominar-se cristãs, são na verdade apenas doutrinas Agostinianas , nem mesmo Paulinas poderiam se dizer.
E a doutrina Agostiniana não é uma doutrina de cunho místico, no sentido de que, antes de tudo, nega o panteísmo.
E como o Agostinianismo trabalha contra o Panteísmo, ele interfere, decididamente, no aumento de consciência dos místicos tocados por sua concepção, da experiência de Deus em si mesmos.
Aqui, a filosofia impede a prática.
O conceito interfere com a prática.
O mundo e nós mesmos somos o que acreditamos.
São as concepções de um homem que o levam a ser como ele é, a fazer suas escolhas na senda do carma.
Para o místico, questões como esta, da distância, da proximidade e da identificação não são apenas questões filosóficas, mas a base para o seu caminhar firme na senda da Iluminação.
E é sobre o caminho para a Iluminação que vamos discorrer agora.
CAMINHANDO PARA A LUZ
Contam os antigos que em um distante país do Norte, deuses impacientes queriam acelerar o Tempo.
E como eram deuses, disseram entre si: vamos ao futuro para descobrir quais as maravilhas que realizaremos em mil anos.
E assim fizeram.
Aceleraram as épocas e viajaram para mil anos a frente, supondo encontrar um mundo mais complexo, curiosos de como seriam os seres daquela época.
Qual não foi a surpresa quando viram que mil anos a frente todos sem exceção eram deuses também, e eles não passavam de seres comuns.
Assim é a história: todos, sem exceção, evoluímos, em direção à plenitude, que quando atingida não será a plenitude, mas apenas um estágio a mais.
E que tipo de estágios são estes?
Degraus como em uma escada? Níveis pelos quais ascendemos em direção ao topo de uma pirâmide?
Não me parece que seja assim.
Na minha concepção, que gostaria de compartilhar, a passagem por estágios sucessivos de evolução não implica deslocamento espacial, mas um movimento interno, como alguém que desperta do sono em sua cama e vai, pouco a pouco, percebendo a pressão da cama sobre o corpo, a temperatura do quarto, a intensidade da luz que chega pela janela, os ruídos de panelas na cozinha, as conversas na sala ao lado. O que muda, na verdade, é a sua consciência do ambiente e de si mesmo.
O quarto, imóvel, aguarda pelo reconhecimento da mente, espera pacientemente por ser percebido, em todos os seus detalhes, odores, cores, texturas, etc.
Da mesma maneira, a perfeição nos circunda. Não estamos exilados, como preferem alguns autores, porém sonolentos, como lembra o apóstolo Paulo.
E aos poucos, despertamos, percebendo o que sempre esteve ali, a nossa frente, à nossa volta, mesmo quando dormíamos.
Portanto, o Entendimento, a Iluminação que todos queremos como místicos, não é um lugar ou uma região determinada do espaço. Antes é um estado de percepção no qual estaremos ou não dependendo de nossa lucidez e discernimento.
Incrementar esta lucidez é o objetivo do místico sincero.Libertar-se de superstições e crenças equivocadas, superar a própria formação familiar e alguns aspectos ligados a sua história pessoal são alguns dos portais a serem atravessados dentro de nossa própria mente.
A Luz tudo esclarece, tudo revela, tudo evidencia.
Ela desfaz as sombras e com elas, ilusões.
Isto, entretanto, pode ser de certo modo, doloroso.
As sombras que nos acompanham são parte de nossa história pessoal e por isso, apegamos-nos a elas.
Nem sempre nos desfazemos delas com facilidade.
Elas nos confortam e protegem nossa visão da força da luminosidade.
Sim, até a Luz em excesso pode nos causar desconforto, temporário, mas significativo.
Por isso aquele que se aproxima do momento em que seus olhos estarão absolutamente abertos, deverá fazê-lo com prudência, sem pressa, com ritmo.
As sombras são menos intensas como experiência, por isto são envolventes; sombras nos cegam, porém não causam dor nem desconforto.
Da mesma maneira a Luz intensa também pode cegar.
A visão do iniciado precisa de tempo para se adaptar.
Por isso o processo de conscientização é gradual. A percepção da Luz é proporcional a cada um, e tem que ser proporcional para que se respeitem as peculiaridades de cada indivíduo, as limitações de cada olhar.
Não somos ou deixamos de ser iluminados: estamos, isto sim, todos nós, em processo de iluminação permanente e temos hoje a quantidade de luz que a qualidade de nossa alma e evolução nos permite ter, quantidade esta que vai se modificando paulatinamente ao longo de nossos dias e iniciações.
Agora, gostaria de fazer algumas considerações sobre o aspecto dual da realidade, o que inclui a compreensão do que as pessoas normalmente chamam de “As Trevas”.
Jacob Boheme e a Dualidade
Boheme sempre nos lembra que luz e calor são atributos inerentes ao fogo, do qual não podem ser separados.
Assim, quem buscar o calor da chama que arde, receberá junto com sua luminosidade, seu calor.
Só que o calor pode queimar.
O mesmo calor que vem junto com a luz pode dar conforto e desconforto, de acordo com a intensidade e a circunstância.
O mesmo fogo se for intenso, poderá causar graves injúrias tanto quanto uma fabulosa luminosidade.
O poder de iluminar do sol depende de explosões nucleares tão intensas quanto destrutivas.
Luminosidade, entretanto é entendida ingenuamente apenas como clareza, brilho, brancura.
E o Branco, habitualmente, é associado ao Bem assim como o Preto ao Mal
E isto me lembra a origem etimológica da palavra branco, a cor que geralmente atribuímos a Luz, e para isso peço a condescendência dos meus irmãos e irmãs, frateres e sórores, para me acompanharem neste raciocínio lingüístico.
Em um livrinho chamado “Dentro do Dentro”, de M.F. Whitaker Salles, Ed. Mercuryo, encontramos a seguinte descrição.
“Branco é uma palavra que não existia em grego nem em latim, essas duas línguas mãe do português: na primeira, branco era Leukos, e na segunda era “Albus”, caso fosse branco sem brilho ou “Candidus”, se fosse brilhante. Nada de se espantar, já que, segundo consta, a língua inuit ( dos esquimós) tem mais de quarenta termos diferentes para descrever o branco da neve.
Nossa língua o adotou ainda na Idade Média (como blank), vindo das tribos germânicas (godos) que habitaram a península ibérica - inclusive o território que depois se tornou Portugal - em progressiva substituição aos antigos ocupantes romanos.
Este vocábulo germânico ocidental, “blank”, significa “brilhante”, “luminoso”, e “branco”, em dialeto frâncico. Vinha de uma raiz indo-européia, com a idéia de “fogo”, “luz” , “ brilho intenso” , e que originou, mais ao sul, por derivação latina, as palavras fulgor, fulminar, flagrante, inflamar, e , por derivação grega, fleugma.
A palavra inglesa “black”, “preto”, nasce neste mesmo “blanck” germânico, que é irmã do nosso “branco”.
Como foi que o branco brilhante originou preto? Simples. O luminoso fogo, queimado, criava a negra fuligem. Assim caminham as idéias – e as palavras que as contém.”
O Luminoso Fogo, Queimado, Criava A Negra Fuligem.
Perfeito.
Luz e Trevas e não Luz ou Trevas.
Esta é a natureza dual da criação que não pode ser desprezada por nenhum buscador sincero que quer se aproximar com segurança e sucesso do estado em que sairá da condição de estudante rosacruz para a condição de verdadeiro Rosacruz, tocado pela graça.
Para que atinjamos a percepção clara da Luz Maior, devemos aceitá-la em sua dualidade.Ver por inteiro não é ver apenas a parte.
As Forças duais na Natureza
Olhemos como exemplo a natureza.
Lindos os pássaros que nos circundam, lindo o céu num dia de Sol e com a cumplicidade da brisa em nosso rosto, dizemos: “que paz, que sossego” e nos sentimos bem.
A mesma natureza que nos embevece neste cenário de paraíso pode, entretanto mostrar-se de outra forma.
Ventos extremos, raios e trovões, terremotos e maremotos que devastam tudo por onde passam, deixando atrás de si morte e caos.
E por acaso esta face da Natureza é menos natural? Podemos em sã consciência dizer que a natureza em fúria não é a mesma das brisas e dos dias azuis?
Não.Ambas as faces pertencem ao mesmo rosto. Se quisermos nos harmonizar com o todo e com este estado, que chamamos Iluminado, temos que aceitar todas as manifestações da realidade como legítimas, e partes integrantes deste todo.
O Luminoso Fogo, Queimado, Cria A Negra Fuligem.
Blanck e Black, Branco e Negro, vêm da mesma fonte. Do mesmo Fogo.
E o que acontece quando aceitamos a dualidade, sem resistências, sem juízos de valor, sem repulsa ou antipatia por esta ou aquela área do que chamamos realidade?
Automaticamente tudo se integra em uma única manifestação, como a combinação de cores do disco de Frater Isaac Newton.
Ou se desagrega , ao contrário, quando perde dinamismo, revelando sua heterogeneidade interna, aparentemente uniforme.
De perto, todas as coisas são mais complexas.
As quarenta nuances do branco da língua esquimó são apenas branco para nós,por que não compartilhamos de sua peculiar relação com a neve, neve que, para nós, aparentemente, é sempre a mesma.
Assim também ocorre com o Despertar Espiritual.
Supomos que vamos das trevas para a luz, mas as trevas vão em nós ,diluindo-se em nossa luz, juntas com nossa clareza, em direção a harmonia , onde todas as distinções desaparecem num estado de percepção e consciência exacerbadas.
E superadas as ilusões da fase anterior, o ser, no despertar da Consciência Cósmica,renovado pelo fogo, o fogo branco, luminoso, que gera o negro, Blank and Black, vê diante de si a Uniformidade do Mundo Espiritual, apenas porque acabou de chegar, porque acabou de acordar. Para ele, tudo no mundo espiritual é UNO, e, como a neve, aparentemente igual.
Após a Iluminação, no entanto, não se espantem.
Os habitantes daquele espaço diferenciado, daquela dimensão, vão nos ensinar 40 novos níveis de compreensão daquilo que chamamos Dimensão dos Iluminados.
Assim, o processo continuará.
Diante de nós, com certeza, abrir-se-ão novos portais, novos níveis hierárquicos de consciência e de aproximação com o Ain Soph, o espírito por trás e dentro de todas as coisas, também chamado o Imanifesto Incognoscível
A Luz e a Sombra Dentro de Nós
A Luz, com suas inevitáveis sombras está dentro e sobre todos nós, neste momento em que conversamos, aqui, como esteve durante todos os momentos de nossas vidas.
“A Luz não veio das Trevas, pois as Trevas são a Ausência da Luz”
As Trevas ou Sombras são um efeito colateral da Luz, não tem existência em si, mas existem apenas enquanto a Luz existir.
A realidade é fundamentalmente Luz , mas como no relógio de Sol, o Movimento natural da Luz em torno de nós, faz com que a sombra também se movimente e assim teremos fragmentos de espaço e de tempo em que a sombra ora se manifestará, ora desaparecerá.
O Todo será o conjunto destes fragmentos e é preciso que entendamos que episódios isolados , mesmo que nos pareçam particularmente sombrios são apenas parte do movimento natural da Luz em torno de nós.
Precisamos ser pacientes e não nos precipitarmos antes de termos todo o quadro para fazermos julgamentos de valor daquilo que nos acontece.
Do Livro “As mais belas parábolas de todos os tempos”, Editora Leitura, tiramos a história abaixo.
Consta que em uma aldeia, existia um homem velho e pobre, mas até reis o invejavam porque ele tinha um lindo cavalo branco. Reis lhe ofereciam quantias fabulosas pelo cavalo, mas o homem dizia:
“-Este cavalo, para mim, não é um cavalo, é como se fosse uma pessoa, um amigo. E como se pode vender uma pessoa, um amigo?”
O homem era pobre, mas jamais vendeu o cavalo. Numa manhã, descobriu que o cavalo não estava na cocheira.
A aldeia inteira se reuniu, e algumas pessoas lhe disseram:
“-Seu velho estúpido! Sabíamos que um dia o cavalo seria roubado. Teria sido melhor vendê-lo. Que desgraça!”.
O velho disse:
“-Não cheguem a tanto. Simplesmente digam que o cavalo não está na cocheira. Este é o fato; o resto é uma dedução. Se se trata de uma desgraça ou uma bênção, não sei, porque este é apenas um fragmento. Quem pode saber o que virá a seguir?”.
As pessoas riam do velho. Elas sempre souberam que ele era um pouco louco. Quinze dias depois, no entanto, de repente, o cavalo voltou. Ele não havia sido roubado, ele havia fugido para a floresta. E não apenas isso: ele trouxera uma dúzia de cavalos selvagens consigo. Novamente as pessoas se reuniram e lhe disseram.
“-Velho, você estava certo. Não se tratava de uma desgraça; na verdade, provou ser uma bênção”.
O velho disse:
“-Novamente vocês estão se adiantando. Apenas digam que o cavalo está de volta. Quem sabe se é uma bênção ou não? Este é apenas um fragmento. Nós acabamos de ler apenas uma palavra de uma sentença: como podemos a partir disso deduzir todo o livro?”.
Dessa vez as pessoas não puderam dizer muita coisa, mas interiormente, sabiam que ele estava errado. Doze lindos cavalos tinham vindo. O velho tinha um único filho, que começou a treinar os cavalos selvagens.
Bem, apenas uma semana depois este filho caiu de um cavalo, fraturou a coluna e ficou paralítico. Novamente as pessoas se reuniram, e mais uma vez, deduzindo, disseram:
“-Você tinha razão novamente. Foi uma desgraça. Seu único filho perdeu o uso das pernas, e na sua velhice ele era seu único amparo. Agora você está mais pobre do que nunca”.
O velho disse:
“-Vocês estão obcecados por deduções. Não se adiantem tanto. Digam apenas que meu filho fraturou as pernas. Ninguém sabe se isto é uma desgraça ou uma bênção. A vida vem em fragmentos, mais que isso nunca é dado”.
Aconteceu que, depois de algumas semanas o país entrou em guerra e todos os jovens da aldeia foram forçados a se alistar. Somente o filho do velho foi deixado para trás, porque era aleijado. A cidade inteira estava chorando, lamentando-se, porque aquela era uma luta perdida e sabiam que a maior parte dos jovens jamais voltaria. Elas vieram até o velho e disseram:
“- Você tinha razão, velho, aquilo se revelou uma bênção. Seu filho pode estar aleijado, mas ainda está com você. Nossos filhos se foram para sempre”.
O velho disse mais uma vez:
“-Vocês continuam deduzindo. Ninguém sabe! Digam apenas que seus filhos foram obrigados a entrar no Exército e meu filho não foi. Somente Deus, a totalidade, sabe se isso é uma bênção ou uma desgraça”.
E continuou:
“- Não deduzam apressadamente porque dessa maneira jamais se tornarão unidos com a totalidade. Vocês ficarão obcecados com fragmentos, pularão para as conclusões a partir de coisas pequenas. Quando alguém deduz apressadamente deixa de crescer. Dedução precipitada significa pensamento estagnado. E a mente sempre quer deduzir e concluir coisas, porque estar sempre em processo é arriscado e desconfortável.
Na verdade a jornada nunca chega ao fim. Um caminho termina, outro começa; uma porta se fecha, outra se abre.
Atinge-se um pico; sempre existe, no entanto, um pico mais alto. Só os serenos e corajosos, não se importando com a meta e se contentando com a jornada, ficam satisfeitos de viver o momento e de nele crescer. Somente estes são capazes de caminhar com a Totalidade”.
Tal percepção assustadora da proximidade de Deus espanta os não iniciados, e alguns iniciados também.
Pois como a iluminação, a iniciação também é um processo em andamento.
Devemos ter em mente de que as iniciações templárias são apenas o início de um sem número de transformações pessoais e místicas ao longo da existência.
Por isso nem todos os iniciados receberão, aceitarão e compreenderão a notícia de que Deus está ao seu lado sem esboçar algum temor.
A Luz, portanto, tão desejada, tão decantada em prosa e verso, em textos secretos ou revelados, está, irmãos e irmãs, a distância de um côvado de nós.
Para que a percebamos, primeiro, mantenhamos a calma.
E nos voltemos lentamente em sua direção.
Este não é um movimento físico, mas uma mudança de perspectiva mundana e iniciática.
Voltarmos-nos para a luz implica abdicar de queixas, lamentos, murmúrios.
Implica na aceitação de nossa vida, em sua totalidade, com alegria e desapego, com confiança, conscientes como Jó de que o Senhor Nosso Deus não nos ameaça, embora nos assuste com sua grandeza, mas, antes, pode ser nosso servo tanto quanto nós somos seus servos.
Esta aparente blasfêmia se sustenta no casamento entre nossa vontade e a Sua Vontade.
Quando a Vontade de Deus e do Homem são uma, o Homem entende que ele e Deus são apenas um.
Sua força está nesta união de interesses, nesta Yoga, que faz com que o homem cavalgue a força do universo, com destreza e agilidade.
O Deus invisível, que sempre foi nosso secreto e imperceptível sustento, será então por nós percebido como algo sólido e íntimo, um companheiro próximo e não mais distante, sólido e palpável ao nosso toque.
Nada mais estará oculto aos nossos olhos, pois enxergaremos pelos olhos do Altíssimo e finalmente reconheceremos a semelhança entre o Lótus e a Lama da qual brota; entre a Beleza da Rosa e seus espinhos, entre aquilo que chamávamos opostos e que neste instante compreenderemos como componentes da mesma Luz que antes pareceu tão distante e que finalmente agora podemos perceber que sempre esteve dentro de nós mesmos.
INTRODUÇÃO
Da Distância, Da Proximidade e Da Identificação.
Junho de 2006 , final do outono do Hemisfério Sul
“O cristianismo,
esta mistura da moralidade judaica
com a filosofia grega,
viverá sempre este impasse, esta dúvida.
E só a fé verdadeira conhece a dúvida”
Salomão Schvartzman
Existem idéias que precisam ser consolidadas ao longo de uma ou de várias existências, dada a complexidade do conceito e a dificuldade de fazê-lo passar de conceito a vivência.
Experienciar algo que antes foi apenas uma idéia é a diferença e a transição entre conhecer e ser.
Este é o caso de um conceito clássico em Teologia que discute se somos criaturas de Deus,(o que supõe um Deus pessoal, uma entidade separada de nós) ou se somos parte de Deus ,(o que supõe que somos Sua extensão, partes integrantes D’ele, membros de seu corpo).
A maioria das religiões escolhe a primeira opção: Deus é uma entidade separada do Homem, e o Homem é sua criatura, tendo esta criatura uma autonomia em relação ao todo poderoso no sentido do livre arbítrio, escolhendo segundo sua vontade o seu caminho neste mundo.
Essa opção lembra Santo Agostinho, que no capítulo X de “Confissões” intitulado “Quem é Deus?”, cita no versículo nove, o seguinte trecho:
“Quem é Deus?” Perguntei a Terra e disse-me: “Eu não sou”. E tudo que nela existe respondeu-me o mesmo; interroguei o mar, os abismos e os répteis animados e vivos e responderam-me: “Não somos o teu Deus; busca-o acima de nós.(...)” “Já que não sois meu Deus, falai-me do meu Deus, dizei-me ao menos , alguma coisa D’Ele” ; e exclamaram com alarido: “Foi ele quem nos criou”.
Estas afirmações permeiam o corpo doutrinário da igreja católica e de todas as igrejas auto intituladas de inspiração cristã, numa grave interpretação e modificação da afirmação do próprio Jesus que, dando exemplo, dizia: “Deus e eu Somos Um”.
Enquanto o Cristo demonstrava a sua íntima relação com o Criador, Santo Agostinho pregava sua convicção de que Homem e Deus estavam irremediavelmente separados pelo fenômeno da Criação.
Para consolidar a Doutrina da Santa Madre Igreja, o Cristo foi considerado um caso a parte, irreprodutível, de forma que nenhum ser humano poderia conseguir tamanha intimidade com o Criador a não ser o próprio Cristo, já que este era Deus manifesto na forma de homem, e não um homem que atingiu a fusão com a Divindade, o que chamamos em misticismo de Iluminação.
O ponto de vista místico
Já a postura dos místicos é diversa.
Em primeiro lugar, o misticismo parte do princípio Panteísta de que Deus está sim em todas as coisas que existem, e que não se pode falar em uma Entidade Criadora separada da sua Criação.
Este conceito está harmonizado com as culturas pré-cristãs nórdicas, com todas as tradições mitológicas e com muitas abordagens orientais da experiência religiosa.
Ao contrário de Santo Agostinho e de outros pensadores religiosos, o místico não aceita que o Cristo seja um fenômeno isolado, crê que seu caminho pode ser repetido e busca criar as condições necessárias em si mesmo para conseguir esta Yoga, esta Fusão com a Consciência Cósmica, fenômeno do qual o Cristo , em sua vida, deu testemunho e demonstrou.
Panteísmo é uma doutrina que identifica o universo (em grego: pan,tudo) com Deus (em grego: theos). A reflexão deve partir de um conhecimento da realidade divina e depois especular sobre a relação entre o divino e o não-divino. A este ponto de vista chama-se panteísmo acósmico. Inversamente, quando a reflexão começa de uma percepção de toda realidade finita, das entidades passíveis de mudança e é dado o nome Deus a sua totalidade, denomina-se panteísmo cósmico.O panteísta é aquele que acredita e/ou tem a percepção da natureza e do Universo, como divindade. Etimologicamente falando, o termo panteísmo deriva das palavras gregas pan ("tudo") e teismo ("crença em deus"), sustentando a idéia da crença em um Deus que está em tudo, ou à de muitos deuses representados pelos múltiplos elementos divinizados da natureza e do universo. Em diversas culturas panteístas, freqüentemente a idéia de um Deus que vive em tudo, complementa e coexiste pacificamente com o conceito de múltiplos deuses associados com os diversos elementos da natureza, sendo ambos, aspectos do panteísmo.
Ainda em Confissões, S. Agostinho continua sua seqüência de interrogações com a seguinte questão:
“- Dirigi-me então a mim mesmo e perguntei-me: “E tu, quem és?” “Um Homem”,respondi.
Para o Místico, tal resposta seria impensável. Negar a existência de Deus em nós, de sua centelha formadora, isto sim seria um sacrilégio.
Na verdade, esta contradição é compreensível.
A lâmpada pode ter a ilusão de ser individuo e não parte de um circuito em série, como se fosse o que é porque emite luz e não porque uma corrente passou por ela e provocou a luminosidade ao deparar-se com a resistência dentro dela.
Cada homem, e S. Agostinho entre eles, supõe-se um ser à parte porque, sendo apenas um homem, tem uma visão limitada da sua realidade, já que é uma entidade entre tantas do circuito.
A cultura mística, no entanto, desfaz essa ilusão de separação, afirmando, como Aristóteles, que “vivemos cada dia pela graça de Deus” literalmente, ou seja, é Deus em nós que nos faz vivos, e não que nós tenhamos uma vida independente do Todo Poderoso.
É a sua presença em nós que nos manifesta neste mundo, e, se temos um brilho nos olhos, que desaparece dos olhos do cadáver, é o brilho da luz causada pela passagem constante da PRESENÇA DIVINA por nós, enquanto neste ou em outros corpos.
Muda a cor do vidro das lâmpadas, muda até o tamanho das lâmpadas, mas a energia que flui por elas vem da mesma fonte, tem a mesma natureza, causa o mesmo efeito: Luz.
Assim, o Cristo, sabedor e consciente deste fato, vivenciando este conhecimento, disse: “-Eu e o pai somos Um”. E Paulo apóstolo, mais tarde diria, em Gálatas “... logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...” ou em Atos XVII-28: “- Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dentre os poetas de vocês disseram:"Somos da raça do próprio Deus"”
É isto que buscam os yogues e os místicos: IDENTIFICAÇÃO.
Não há distância maior que aquela que vai da ignorância ao conhecimento e, depois, à vivência deste conhecimento.
Não se trata de um problema de espaço a ser percorrido entre o Homem e Deus, ou entre o homem comum e os homens que atingiram uma Iluminação indiscutível, entre eles, o Cristo, Jesus.
Trata-se de uma questão de consciência.
Mais consciência, mais iluminação; menos consciência, maior sensação de separação de Deus e de distância de Sua Presença em nós.
Citando um frater, que recentemente passou pela transição, Euclides Bordignone, em seu famoso discurso, Preciso de Ti, encontramos a afirmação de que “de todos os ensinamentos recebidos na senda rosa-cruz, o mais profundo é o de que não somos criaturas criadas por Deus como uma cadeira foi criada pelo homem, mas sim que Deus e eu somos um , como a minha mão não é criação do meu corpo, mas parte integrante dele”
Esta é a essência do pensamento rosa-cruz, como a AMORC o tem defendido.
Todos aqueles que chegam aos portais da AMORC, imbuídos de outras concepções diferentes desta, levam anos para compreender este que é o ensinamento mais profundo do misticismo rosa-cruz, pois, não há distância maior que aquela que vai da ignorância ao conhecimento e, depois, à vivência deste conhecimento.
Não há como conciliar, no meu modesto ponto de vista, estas duas posições: ou estamos distantes de Deus (e, por decorrência, da experiência testemunhada pelo Cristo Jesus e não temos chance alguma de atingir sua compreensão) ou sim, esta Compreensão, chamada pelos místicos de Iluminação,é possível e esta distância não existe, mas trata-se de uma situação ligada a quantidade e qualidade de nossa consciência atual da inexistência desta separação e desta distância entre nós e o Todo Poderoso; mais do que isto: com esforço e trabalho, ao longo de várias encarnações, nas palavras do Teósofo português Félix Bermudes, todos estamos condenados a ser Deus.
Todas as doutrinas que ministrarem ensinamentos contrários a esta concepção, embora possam autodenominar-se cristãs, são na verdade apenas doutrinas Agostinianas , nem mesmo Paulinas poderiam se dizer.
E a doutrina Agostiniana não é uma doutrina de cunho místico, no sentido de que, antes de tudo, nega o panteísmo.
E como o Agostinianismo trabalha contra o Panteísmo, ele interfere, decididamente, no aumento de consciência dos místicos tocados por sua concepção, da experiência de Deus em si mesmos.
Aqui, a filosofia impede a prática.
O conceito interfere com a prática.
O mundo e nós mesmos somos o que acreditamos.
São as concepções de um homem que o levam a ser como ele é, a fazer suas escolhas na senda do carma.
Para o místico, questões como esta, da distância, da proximidade e da identificação não são apenas questões filosóficas, mas a base para o seu caminhar firme na senda da Iluminação.
E é sobre o caminho para a Iluminação que vamos discorrer agora.
CAMINHANDO PARA A LUZ
Contam os antigos que em um distante país do Norte, deuses impacientes queriam acelerar o Tempo.
E como eram deuses, disseram entre si: vamos ao futuro para descobrir quais as maravilhas que realizaremos em mil anos.
E assim fizeram.
Aceleraram as épocas e viajaram para mil anos a frente, supondo encontrar um mundo mais complexo, curiosos de como seriam os seres daquela época.
Qual não foi a surpresa quando viram que mil anos a frente todos sem exceção eram deuses também, e eles não passavam de seres comuns.
Assim é a história: todos, sem exceção, evoluímos, em direção à plenitude, que quando atingida não será a plenitude, mas apenas um estágio a mais.
E que tipo de estágios são estes?
Degraus como em uma escada? Níveis pelos quais ascendemos em direção ao topo de uma pirâmide?
Não me parece que seja assim.
Na minha concepção, que gostaria de compartilhar, a passagem por estágios sucessivos de evolução não implica deslocamento espacial, mas um movimento interno, como alguém que desperta do sono em sua cama e vai, pouco a pouco, percebendo a pressão da cama sobre o corpo, a temperatura do quarto, a intensidade da luz que chega pela janela, os ruídos de panelas na cozinha, as conversas na sala ao lado. O que muda, na verdade, é a sua consciência do ambiente e de si mesmo.
O quarto, imóvel, aguarda pelo reconhecimento da mente, espera pacientemente por ser percebido, em todos os seus detalhes, odores, cores, texturas, etc.
Da mesma maneira, a perfeição nos circunda. Não estamos exilados, como preferem alguns autores, porém sonolentos, como lembra o apóstolo Paulo.
E aos poucos, despertamos, percebendo o que sempre esteve ali, a nossa frente, à nossa volta, mesmo quando dormíamos.
Portanto, o Entendimento, a Iluminação que todos queremos como místicos, não é um lugar ou uma região determinada do espaço. Antes é um estado de percepção no qual estaremos ou não dependendo de nossa lucidez e discernimento.
Incrementar esta lucidez é o objetivo do místico sincero.Libertar-se de superstições e crenças equivocadas, superar a própria formação familiar e alguns aspectos ligados a sua história pessoal são alguns dos portais a serem atravessados dentro de nossa própria mente.
A Luz tudo esclarece, tudo revela, tudo evidencia.
Ela desfaz as sombras e com elas, ilusões.
Isto, entretanto, pode ser de certo modo, doloroso.
As sombras que nos acompanham são parte de nossa história pessoal e por isso, apegamos-nos a elas.
Nem sempre nos desfazemos delas com facilidade.
Elas nos confortam e protegem nossa visão da força da luminosidade.
Sim, até a Luz em excesso pode nos causar desconforto, temporário, mas significativo.
Por isso aquele que se aproxima do momento em que seus olhos estarão absolutamente abertos, deverá fazê-lo com prudência, sem pressa, com ritmo.
As sombras são menos intensas como experiência, por isto são envolventes; sombras nos cegam, porém não causam dor nem desconforto.
Da mesma maneira a Luz intensa também pode cegar.
A visão do iniciado precisa de tempo para se adaptar.
Por isso o processo de conscientização é gradual. A percepção da Luz é proporcional a cada um, e tem que ser proporcional para que se respeitem as peculiaridades de cada indivíduo, as limitações de cada olhar.
Não somos ou deixamos de ser iluminados: estamos, isto sim, todos nós, em processo de iluminação permanente e temos hoje a quantidade de luz que a qualidade de nossa alma e evolução nos permite ter, quantidade esta que vai se modificando paulatinamente ao longo de nossos dias e iniciações.
Agora, gostaria de fazer algumas considerações sobre o aspecto dual da realidade, o que inclui a compreensão do que as pessoas normalmente chamam de “As Trevas”.
Jacob Boheme e a Dualidade
Boheme sempre nos lembra que luz e calor são atributos inerentes ao fogo, do qual não podem ser separados.
Assim, quem buscar o calor da chama que arde, receberá junto com sua luminosidade, seu calor.
Só que o calor pode queimar.
O mesmo calor que vem junto com a luz pode dar conforto e desconforto, de acordo com a intensidade e a circunstância.
O mesmo fogo se for intenso, poderá causar graves injúrias tanto quanto uma fabulosa luminosidade.
O poder de iluminar do sol depende de explosões nucleares tão intensas quanto destrutivas.
Luminosidade, entretanto é entendida ingenuamente apenas como clareza, brilho, brancura.
E o Branco, habitualmente, é associado ao Bem assim como o Preto ao Mal
E isto me lembra a origem etimológica da palavra branco, a cor que geralmente atribuímos a Luz, e para isso peço a condescendência dos meus irmãos e irmãs, frateres e sórores, para me acompanharem neste raciocínio lingüístico.
Em um livrinho chamado “Dentro do Dentro”, de M.F. Whitaker Salles, Ed. Mercuryo, encontramos a seguinte descrição.
“Branco é uma palavra que não existia em grego nem em latim, essas duas línguas mãe do português: na primeira, branco era Leukos, e na segunda era “Albus”, caso fosse branco sem brilho ou “Candidus”, se fosse brilhante. Nada de se espantar, já que, segundo consta, a língua inuit ( dos esquimós) tem mais de quarenta termos diferentes para descrever o branco da neve.
Nossa língua o adotou ainda na Idade Média (como blank), vindo das tribos germânicas (godos) que habitaram a península ibérica - inclusive o território que depois se tornou Portugal - em progressiva substituição aos antigos ocupantes romanos.
Este vocábulo germânico ocidental, “blank”, significa “brilhante”, “luminoso”, e “branco”, em dialeto frâncico. Vinha de uma raiz indo-européia, com a idéia de “fogo”, “luz” , “ brilho intenso” , e que originou, mais ao sul, por derivação latina, as palavras fulgor, fulminar, flagrante, inflamar, e , por derivação grega, fleugma.
A palavra inglesa “black”, “preto”, nasce neste mesmo “blanck” germânico, que é irmã do nosso “branco”.
Como foi que o branco brilhante originou preto? Simples. O luminoso fogo, queimado, criava a negra fuligem. Assim caminham as idéias – e as palavras que as contém.”
O Luminoso Fogo, Queimado, Criava A Negra Fuligem.
Perfeito.
Luz e Trevas e não Luz ou Trevas.
Esta é a natureza dual da criação que não pode ser desprezada por nenhum buscador sincero que quer se aproximar com segurança e sucesso do estado em que sairá da condição de estudante rosacruz para a condição de verdadeiro Rosacruz, tocado pela graça.
Para que atinjamos a percepção clara da Luz Maior, devemos aceitá-la em sua dualidade.Ver por inteiro não é ver apenas a parte.
As Forças duais na Natureza
Olhemos como exemplo a natureza.
Lindos os pássaros que nos circundam, lindo o céu num dia de Sol e com a cumplicidade da brisa em nosso rosto, dizemos: “que paz, que sossego” e nos sentimos bem.
A mesma natureza que nos embevece neste cenário de paraíso pode, entretanto mostrar-se de outra forma.
Ventos extremos, raios e trovões, terremotos e maremotos que devastam tudo por onde passam, deixando atrás de si morte e caos.
E por acaso esta face da Natureza é menos natural? Podemos em sã consciência dizer que a natureza em fúria não é a mesma das brisas e dos dias azuis?
Não.Ambas as faces pertencem ao mesmo rosto. Se quisermos nos harmonizar com o todo e com este estado, que chamamos Iluminado, temos que aceitar todas as manifestações da realidade como legítimas, e partes integrantes deste todo.
O Luminoso Fogo, Queimado, Cria A Negra Fuligem.
Blanck e Black, Branco e Negro, vêm da mesma fonte. Do mesmo Fogo.
E o que acontece quando aceitamos a dualidade, sem resistências, sem juízos de valor, sem repulsa ou antipatia por esta ou aquela área do que chamamos realidade?
Automaticamente tudo se integra em uma única manifestação, como a combinação de cores do disco de Frater Isaac Newton.
Ou se desagrega , ao contrário, quando perde dinamismo, revelando sua heterogeneidade interna, aparentemente uniforme.
De perto, todas as coisas são mais complexas.
As quarenta nuances do branco da língua esquimó são apenas branco para nós,por que não compartilhamos de sua peculiar relação com a neve, neve que, para nós, aparentemente, é sempre a mesma.
Assim também ocorre com o Despertar Espiritual.
Supomos que vamos das trevas para a luz, mas as trevas vão em nós ,diluindo-se em nossa luz, juntas com nossa clareza, em direção a harmonia , onde todas as distinções desaparecem num estado de percepção e consciência exacerbadas.
E superadas as ilusões da fase anterior, o ser, no despertar da Consciência Cósmica,renovado pelo fogo, o fogo branco, luminoso, que gera o negro, Blank and Black, vê diante de si a Uniformidade do Mundo Espiritual, apenas porque acabou de chegar, porque acabou de acordar. Para ele, tudo no mundo espiritual é UNO, e, como a neve, aparentemente igual.
Após a Iluminação, no entanto, não se espantem.
Os habitantes daquele espaço diferenciado, daquela dimensão, vão nos ensinar 40 novos níveis de compreensão daquilo que chamamos Dimensão dos Iluminados.
Assim, o processo continuará.
Diante de nós, com certeza, abrir-se-ão novos portais, novos níveis hierárquicos de consciência e de aproximação com o Ain Soph, o espírito por trás e dentro de todas as coisas, também chamado o Imanifesto Incognoscível
A Luz e a Sombra Dentro de Nós
A Luz, com suas inevitáveis sombras está dentro e sobre todos nós, neste momento em que conversamos, aqui, como esteve durante todos os momentos de nossas vidas.
“A Luz não veio das Trevas, pois as Trevas são a Ausência da Luz”
As Trevas ou Sombras são um efeito colateral da Luz, não tem existência em si, mas existem apenas enquanto a Luz existir.
A realidade é fundamentalmente Luz , mas como no relógio de Sol, o Movimento natural da Luz em torno de nós, faz com que a sombra também se movimente e assim teremos fragmentos de espaço e de tempo em que a sombra ora se manifestará, ora desaparecerá.
O Todo será o conjunto destes fragmentos e é preciso que entendamos que episódios isolados , mesmo que nos pareçam particularmente sombrios são apenas parte do movimento natural da Luz em torno de nós.
Precisamos ser pacientes e não nos precipitarmos antes de termos todo o quadro para fazermos julgamentos de valor daquilo que nos acontece.
Do Livro “As mais belas parábolas de todos os tempos”, Editora Leitura, tiramos a história abaixo.
Consta que em uma aldeia, existia um homem velho e pobre, mas até reis o invejavam porque ele tinha um lindo cavalo branco. Reis lhe ofereciam quantias fabulosas pelo cavalo, mas o homem dizia:
“-Este cavalo, para mim, não é um cavalo, é como se fosse uma pessoa, um amigo. E como se pode vender uma pessoa, um amigo?”
O homem era pobre, mas jamais vendeu o cavalo. Numa manhã, descobriu que o cavalo não estava na cocheira.
A aldeia inteira se reuniu, e algumas pessoas lhe disseram:
“-Seu velho estúpido! Sabíamos que um dia o cavalo seria roubado. Teria sido melhor vendê-lo. Que desgraça!”.
O velho disse:
“-Não cheguem a tanto. Simplesmente digam que o cavalo não está na cocheira. Este é o fato; o resto é uma dedução. Se se trata de uma desgraça ou uma bênção, não sei, porque este é apenas um fragmento. Quem pode saber o que virá a seguir?”.
As pessoas riam do velho. Elas sempre souberam que ele era um pouco louco. Quinze dias depois, no entanto, de repente, o cavalo voltou. Ele não havia sido roubado, ele havia fugido para a floresta. E não apenas isso: ele trouxera uma dúzia de cavalos selvagens consigo. Novamente as pessoas se reuniram e lhe disseram.
“-Velho, você estava certo. Não se tratava de uma desgraça; na verdade, provou ser uma bênção”.
O velho disse:
“-Novamente vocês estão se adiantando. Apenas digam que o cavalo está de volta. Quem sabe se é uma bênção ou não? Este é apenas um fragmento. Nós acabamos de ler apenas uma palavra de uma sentença: como podemos a partir disso deduzir todo o livro?”.
Dessa vez as pessoas não puderam dizer muita coisa, mas interiormente, sabiam que ele estava errado. Doze lindos cavalos tinham vindo. O velho tinha um único filho, que começou a treinar os cavalos selvagens.
Bem, apenas uma semana depois este filho caiu de um cavalo, fraturou a coluna e ficou paralítico. Novamente as pessoas se reuniram, e mais uma vez, deduzindo, disseram:
“-Você tinha razão novamente. Foi uma desgraça. Seu único filho perdeu o uso das pernas, e na sua velhice ele era seu único amparo. Agora você está mais pobre do que nunca”.
O velho disse:
“-Vocês estão obcecados por deduções. Não se adiantem tanto. Digam apenas que meu filho fraturou as pernas. Ninguém sabe se isto é uma desgraça ou uma bênção. A vida vem em fragmentos, mais que isso nunca é dado”.
Aconteceu que, depois de algumas semanas o país entrou em guerra e todos os jovens da aldeia foram forçados a se alistar. Somente o filho do velho foi deixado para trás, porque era aleijado. A cidade inteira estava chorando, lamentando-se, porque aquela era uma luta perdida e sabiam que a maior parte dos jovens jamais voltaria. Elas vieram até o velho e disseram:
“- Você tinha razão, velho, aquilo se revelou uma bênção. Seu filho pode estar aleijado, mas ainda está com você. Nossos filhos se foram para sempre”.
O velho disse mais uma vez:
“-Vocês continuam deduzindo. Ninguém sabe! Digam apenas que seus filhos foram obrigados a entrar no Exército e meu filho não foi. Somente Deus, a totalidade, sabe se isso é uma bênção ou uma desgraça”.
E continuou:
“- Não deduzam apressadamente porque dessa maneira jamais se tornarão unidos com a totalidade. Vocês ficarão obcecados com fragmentos, pularão para as conclusões a partir de coisas pequenas. Quando alguém deduz apressadamente deixa de crescer. Dedução precipitada significa pensamento estagnado. E a mente sempre quer deduzir e concluir coisas, porque estar sempre em processo é arriscado e desconfortável.
Na verdade a jornada nunca chega ao fim. Um caminho termina, outro começa; uma porta se fecha, outra se abre.
Atinge-se um pico; sempre existe, no entanto, um pico mais alto. Só os serenos e corajosos, não se importando com a meta e se contentando com a jornada, ficam satisfeitos de viver o momento e de nele crescer. Somente estes são capazes de caminhar com a Totalidade”.
Tal percepção assustadora da proximidade de Deus espanta os não iniciados, e alguns iniciados também.
Pois como a iluminação, a iniciação também é um processo em andamento.
Devemos ter em mente de que as iniciações templárias são apenas o início de um sem número de transformações pessoais e místicas ao longo da existência.
Por isso nem todos os iniciados receberão, aceitarão e compreenderão a notícia de que Deus está ao seu lado sem esboçar algum temor.
A Luz, portanto, tão desejada, tão decantada em prosa e verso, em textos secretos ou revelados, está, irmãos e irmãs, a distância de um côvado de nós.
Para que a percebamos, primeiro, mantenhamos a calma.
E nos voltemos lentamente em sua direção.
Este não é um movimento físico, mas uma mudança de perspectiva mundana e iniciática.
Voltarmos-nos para a luz implica abdicar de queixas, lamentos, murmúrios.
Implica na aceitação de nossa vida, em sua totalidade, com alegria e desapego, com confiança, conscientes como Jó de que o Senhor Nosso Deus não nos ameaça, embora nos assuste com sua grandeza, mas, antes, pode ser nosso servo tanto quanto nós somos seus servos.
Esta aparente blasfêmia se sustenta no casamento entre nossa vontade e a Sua Vontade.
Quando a Vontade de Deus e do Homem são uma, o Homem entende que ele e Deus são apenas um.
Sua força está nesta união de interesses, nesta Yoga, que faz com que o homem cavalgue a força do universo, com destreza e agilidade.
O Deus invisível, que sempre foi nosso secreto e imperceptível sustento, será então por nós percebido como algo sólido e íntimo, um companheiro próximo e não mais distante, sólido e palpável ao nosso toque.
Nada mais estará oculto aos nossos olhos, pois enxergaremos pelos olhos do Altíssimo e finalmente reconheceremos a semelhança entre o Lótus e a Lama da qual brota; entre a Beleza da Rosa e seus espinhos, entre aquilo que chamávamos opostos e que neste instante compreenderemos como componentes da mesma Luz que antes pareceu tão distante e que finalmente agora podemos perceber que sempre esteve dentro de nós mesmos.
Qualidade de Vida e Higiene Mental
por Mario Sales, F.R.C , M.: M.: , S.: I.:
Recentemente , em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Gilberto Dimenstein nos dá conta do nascimento de um novo profissional: o especialista em conhecimento. Este é o indivíduo que será o responsável pela filtragem da informação que chega aos borbotões todos os dias via pager , TV a cabo ou via satélite ,Internet ou por métodos convencionais como jornais impressos , as TV s abertas e o rádio.
Por causa disso ,estamos vivendo o paradoxal problema da mesmice ,ou seja , com tantas fontes de informação o cérebro é levado a estado de desinteresse e já não capta , com a atenção necessária , as informações que lhe chegam , ou as capta de forma imperfeita , superficial , descoordenada , num verdadeiro exercício de analfabetismo funcional .
Seria o mesmo dizer que de tão cheia de dados a mente dos homens modernos está se tornando vazia .Que podemos fazer em relação a isso ?
Se alguma coisa é certa em relação ao avanço intelectual e social , é que ele nos torna mais seletivos . Embora recebamos um número cada vez maior de apelos ( da propaganda de TV ou impressa ) recusar a maior parte deles é , sem dúvida , demonstração de inteligência .
Um velho professor do instituto em que estudei Filosofia , dizia , em uma palestra , que a vida era muito curta , havia muitos livros bons para serem lidos e era obrigação dos mestres ensinar aos seus alunos quais eram os livros mais importantes para que não perdessem tempo com textos inúteis .
O especialista em conhecimento , citado no início desse artigo , tem a mesma função , nas empresas em que desempenha seu trabalho . Ele organiza a informação e a transforma em conhecimento aplicável ,de forma a poupar o tempo dos funcionários da empresa que precisam de atualização permanente e adequada e não poderiam despender um tempo precioso na garimpagem do que é importante saber e o que não é. Portanto , a primeira e mais adequada atitude para se ter uma mente intelectual e psicologicamente sólida é alimentá-la com o substrato correto , para evitar confusão e desperdício de nossas preciosas energias mentais . Da mesma maneira que o ar que respiramos deve ser o mais saudável para que o corpo não padeça de doenças , a qualidade de nossos pensamentos também deve ser apurada , pela mesma razão .Ora , já que falamos de saúde e de qualidade do pensamento , façamos uma abordagem rosacruciana desses dois aspectos .
Para a Ordem Rosacruz , Sistema e Ordem não são dois princípios aplicáveis apenas a vida material , principalmente porque para os rosacruzes , como para Espinoza , matéria e espírito convivem em um contínuo ininterrupto, sem intervalo, de forma que , como todos podem comprovar no cotidiano , coisas do corpo influenciam nossa disposição mental e coisas da mente podem predispor a doença e a saúde em nosso corpo . Vamos ouvir o que diz Gurdjieff, um pensador místico, não Rosacruz , acerca disso :
“- O pensamento é substancial , como tudo o mais...Já lhe disse , tudo no Universo é material .” Gurdjieff tem razão . O pensamento tem substância .Embora invisível , inodoro, sem som , desencadeia efeitos os mais intensos em quem os emite ou os recebe . O vento , invisível , empurra o barco . A radiação , invisível , mata quem a ela se expõe demasiadamente .O ar que respiramos , invisível e sem som , nos mantém vivos ; uma vez que fossemos privados do ar que respiramos cairíamos mortos , imediatamente.
Portanto , como tantas coisas invisíveis , sem som , mas material, como ensina Gurdjieff , o pensamento tem substância e desencadeia efeitos visíveis , algumas vezes benéficos , outras não , afetando nossa saúde e capacidade de realização . Desta maneira , a qualidade de vida mental é um fator tão importante para o desempenho profissional quanto para o existencial , e assim , se nas empresas já existe alguém para administrar a informação e transformá-la em conhecimento , selecionando-a , também os místicos rosacruzes são estimulados a administrarem as emoções , filtrando-as , de forma a expressar apenas aquelas de bom teor. Viver bem , com qualidade de vida é ,acima de tudo , gozar de qualidade psicológica e mental , tanto quanto material . Nos seus quase 4000 anos de história , a Ordem Rosacruz pregou , incansavelmente , a busca de harmonia na vida cotidiana a seus membros , recomendando-lhes que procurassem a todo custo , higiene tanto física quanto espiritual.
A vida é dual na sua manifestação e se, ambos estes aspectos , físico e mental , não forem contemplados adequadamente, não pode haver felicidade verdadeira . Daí para diante , qualquer comentário passa a ser demasiadamente óbvio . O que é interessante é que nos Estados Unidos , passou também a ser comum a busca de uma maior qualidade de vida , independente do maior ou menor sucesso financeiro .O movimento , que começou em Seattle , chama-se de Simplicidade Voluntária e consiste em recusar um emprego ou uma promoção se de alguma forma o preço social e psicológico em troca for muito alto , como ganhar mais para trabalhar mais , mas exatamente por causa disso , passar menos tempo junto aos familiares ou gozar de menos horas de lazer . Este movimento considerado moderno , é apenas a constatação do que os rosacruzes têm pregado ao longo dos séculos . Para citar o pensador francês Alexis Carrel , é mais importante a qualidade da vida do que a própria vida .
E a qualidade mental é peça fundamental dessa qualidade . Portanto devemos fazer o possível para não trabalharmos em excesso , dar a nós mesmos momentos de tranqüilidade e silêncio , de preferência junto a Natureza , em harmonia . Devemos ler coisas inspiradoras e assistir programas de TV que sejam edificantes . Se não os acharmos em nenhum canal , procuremos uma leitura ou simplesmente o repouso de nossa psique , ouvindo uma música de boa qualidade , suave , e que nos eleve à condições psicológicas agradáveis . A escolha do estilo é pessoal já que nenhuma música que nos cause desprazer ou incômodo , erudita ou não , pode nos fazer bem . Devemos buscar harmonia em nossa família e no trabalho , aplicando a técnica Rosacruz da tolerância permanente e persistente , para estabelecer em torno de nós um ambiente de alegria e contentamento . Gestos e palavras rudes , sempre que possível , devem ser evitados , sem artificialidade ou hipocrisia , mas sempre ponderando que às vezes ( ou melhor , sempre ) um sorriso é muito mais devastador que uma carranca fechada .
Todos temos problemas e nossos companheiros de convívio social , enquanto seres humanos , com certeza os têm tanto quanto nós . É nossa obrigação como rosacruzes , e deveria ser a ambição principal mesmo para aqueles que não pertençam a nossa ordem , antecipar este pressuposto e , municiados com esta informação, dar , a todos que pudermos, atenção e carinho suficientes para diminuir sua tristeza e desencadear uma onda de bem estar em torno de nós . Essa será a primeira conseqüência direta de uma maior qualidade mental em nossas próprias vidas . E segundo imagino , já será um excelente começo .
Recentemente , em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Gilberto Dimenstein nos dá conta do nascimento de um novo profissional: o especialista em conhecimento. Este é o indivíduo que será o responsável pela filtragem da informação que chega aos borbotões todos os dias via pager , TV a cabo ou via satélite ,Internet ou por métodos convencionais como jornais impressos , as TV s abertas e o rádio.
Por causa disso ,estamos vivendo o paradoxal problema da mesmice ,ou seja , com tantas fontes de informação o cérebro é levado a estado de desinteresse e já não capta , com a atenção necessária , as informações que lhe chegam , ou as capta de forma imperfeita , superficial , descoordenada , num verdadeiro exercício de analfabetismo funcional .
Seria o mesmo dizer que de tão cheia de dados a mente dos homens modernos está se tornando vazia .Que podemos fazer em relação a isso ?
Se alguma coisa é certa em relação ao avanço intelectual e social , é que ele nos torna mais seletivos . Embora recebamos um número cada vez maior de apelos ( da propaganda de TV ou impressa ) recusar a maior parte deles é , sem dúvida , demonstração de inteligência .
Um velho professor do instituto em que estudei Filosofia , dizia , em uma palestra , que a vida era muito curta , havia muitos livros bons para serem lidos e era obrigação dos mestres ensinar aos seus alunos quais eram os livros mais importantes para que não perdessem tempo com textos inúteis .
O especialista em conhecimento , citado no início desse artigo , tem a mesma função , nas empresas em que desempenha seu trabalho . Ele organiza a informação e a transforma em conhecimento aplicável ,de forma a poupar o tempo dos funcionários da empresa que precisam de atualização permanente e adequada e não poderiam despender um tempo precioso na garimpagem do que é importante saber e o que não é. Portanto , a primeira e mais adequada atitude para se ter uma mente intelectual e psicologicamente sólida é alimentá-la com o substrato correto , para evitar confusão e desperdício de nossas preciosas energias mentais . Da mesma maneira que o ar que respiramos deve ser o mais saudável para que o corpo não padeça de doenças , a qualidade de nossos pensamentos também deve ser apurada , pela mesma razão .Ora , já que falamos de saúde e de qualidade do pensamento , façamos uma abordagem rosacruciana desses dois aspectos .
Para a Ordem Rosacruz , Sistema e Ordem não são dois princípios aplicáveis apenas a vida material , principalmente porque para os rosacruzes , como para Espinoza , matéria e espírito convivem em um contínuo ininterrupto, sem intervalo, de forma que , como todos podem comprovar no cotidiano , coisas do corpo influenciam nossa disposição mental e coisas da mente podem predispor a doença e a saúde em nosso corpo . Vamos ouvir o que diz Gurdjieff, um pensador místico, não Rosacruz , acerca disso :
“- O pensamento é substancial , como tudo o mais...Já lhe disse , tudo no Universo é material .” Gurdjieff tem razão . O pensamento tem substância .Embora invisível , inodoro, sem som , desencadeia efeitos os mais intensos em quem os emite ou os recebe . O vento , invisível , empurra o barco . A radiação , invisível , mata quem a ela se expõe demasiadamente .O ar que respiramos , invisível e sem som , nos mantém vivos ; uma vez que fossemos privados do ar que respiramos cairíamos mortos , imediatamente.
Portanto , como tantas coisas invisíveis , sem som , mas material, como ensina Gurdjieff , o pensamento tem substância e desencadeia efeitos visíveis , algumas vezes benéficos , outras não , afetando nossa saúde e capacidade de realização . Desta maneira , a qualidade de vida mental é um fator tão importante para o desempenho profissional quanto para o existencial , e assim , se nas empresas já existe alguém para administrar a informação e transformá-la em conhecimento , selecionando-a , também os místicos rosacruzes são estimulados a administrarem as emoções , filtrando-as , de forma a expressar apenas aquelas de bom teor. Viver bem , com qualidade de vida é ,acima de tudo , gozar de qualidade psicológica e mental , tanto quanto material . Nos seus quase 4000 anos de história , a Ordem Rosacruz pregou , incansavelmente , a busca de harmonia na vida cotidiana a seus membros , recomendando-lhes que procurassem a todo custo , higiene tanto física quanto espiritual.
A vida é dual na sua manifestação e se, ambos estes aspectos , físico e mental , não forem contemplados adequadamente, não pode haver felicidade verdadeira . Daí para diante , qualquer comentário passa a ser demasiadamente óbvio . O que é interessante é que nos Estados Unidos , passou também a ser comum a busca de uma maior qualidade de vida , independente do maior ou menor sucesso financeiro .O movimento , que começou em Seattle , chama-se de Simplicidade Voluntária e consiste em recusar um emprego ou uma promoção se de alguma forma o preço social e psicológico em troca for muito alto , como ganhar mais para trabalhar mais , mas exatamente por causa disso , passar menos tempo junto aos familiares ou gozar de menos horas de lazer . Este movimento considerado moderno , é apenas a constatação do que os rosacruzes têm pregado ao longo dos séculos . Para citar o pensador francês Alexis Carrel , é mais importante a qualidade da vida do que a própria vida .
E a qualidade mental é peça fundamental dessa qualidade . Portanto devemos fazer o possível para não trabalharmos em excesso , dar a nós mesmos momentos de tranqüilidade e silêncio , de preferência junto a Natureza , em harmonia . Devemos ler coisas inspiradoras e assistir programas de TV que sejam edificantes . Se não os acharmos em nenhum canal , procuremos uma leitura ou simplesmente o repouso de nossa psique , ouvindo uma música de boa qualidade , suave , e que nos eleve à condições psicológicas agradáveis . A escolha do estilo é pessoal já que nenhuma música que nos cause desprazer ou incômodo , erudita ou não , pode nos fazer bem . Devemos buscar harmonia em nossa família e no trabalho , aplicando a técnica Rosacruz da tolerância permanente e persistente , para estabelecer em torno de nós um ambiente de alegria e contentamento . Gestos e palavras rudes , sempre que possível , devem ser evitados , sem artificialidade ou hipocrisia , mas sempre ponderando que às vezes ( ou melhor , sempre ) um sorriso é muito mais devastador que uma carranca fechada .
Todos temos problemas e nossos companheiros de convívio social , enquanto seres humanos , com certeza os têm tanto quanto nós . É nossa obrigação como rosacruzes , e deveria ser a ambição principal mesmo para aqueles que não pertençam a nossa ordem , antecipar este pressuposto e , municiados com esta informação, dar , a todos que pudermos, atenção e carinho suficientes para diminuir sua tristeza e desencadear uma onda de bem estar em torno de nós . Essa será a primeira conseqüência direta de uma maior qualidade mental em nossas próprias vidas . E segundo imagino , já será um excelente começo .
O TEXTO ESOTÉRICO “ATÉ QUE NÃO DEVIA SER TÃO ESOTÉRICO ASSIM”
Mario Sales FRC, M.:M.:, S.:I.:
Guaratinguetá e Suzano, 21 de Outubro, 2006.
No passado, havia necessidade de ocultar a verdade por vários motivos: perseguições religiosas, a importância daquilo que estava sendo ensinado, a conhecida dificuldade psicológica do homem de valorizar aquilo que consegue com facilidade, etc. Um texto para iniciados, em função disso, era repleto de símbolos e imagens complexas e de difícil decifração.
Para valorizar e resguardar o ensinamento místico precisava-se ocultá-lo, como num jogo de adivinhação.
Com isso, atingia-se dois objetivos primordiais: preservava-se a segurança de informações de grande significado e importância e, ao mesmo tempo, testava-se a determinação daquele que buscasse estes textos.
Esta seria, por assim dizer, sua primeira iniciação, a primeira prova para este indivíduo que queria conhecer estes segredos.
Esta foi a infância do esoterismo, em que tudo era escuridão,véus, principalmente por medo de represálias dos ignorantes, as quais, na época, significavam risco de vida.
Só que, com o tempo, este estilo de escrever por charadas tornou-se um problema e um vício.
Tornou-se obrigatório falar sobre assuntos místicos de modo velado e simbólico, como se houvesse um consenso silencioso sobre como redigir estas informações.
Atualmente, nossa herança de textos esotéricos é composta de muitas páginas de tal hermetismo que a maioria dos místicos não pode ter acesso a eles, e aqueles que se esforçam para interpretá-los, para fazer sua exegese, devem dedicar longos períodos a tal empreitada, em parte por causa dos obstáculos da língua de que falarei adiante, e em parte por causa das armadilhas de interpretação.
Fora os termos que foram propositadamente alterados ao sabor de forças e interesses os mais variados como as alterações feitas nos textos bíblicos pelos sucessivos concílios de cardeais.
Mesmo assim, muitos se dedicam a este esforço de interpretação.Basicamente, estes textos sagrados são pesquisados e lidos por três tipos básicos de pessoas, os quais passaremos a analisar de forma sucinta.
Ao primeiro grupo chamaremos de racionais céticos; ao segundo grupo, de religiosos fanáticos e ao terceiro grupo de racionais sensíveis.
Os Racionais Céticos e os Religiosos Fanáticos
Os racionais céticos assemelham-se mais aos gregos que receberam Paulo, quando de sua viagem de evangelização.Não lhe atiraram pedras; pelo contrário, receberam-no educadamente, na Ágora. Ouviram o que ele tinha a dizer com atenção para depois, dar de ombros com um sorriso de desdém.
Para quase toda a Grécia daquela época, como para uma parte de nossa sociedade hoje, a razão era mais importante que o sentimento e a sensibilidade.
Na verdade, são os céticos que, verdadeiramente, merecem pena e misericórdia.Para eles, religiosos fanáticos ou racionais céticos, (insensíveis, melhor dizendo), o Mestre proferiu a frase célebre: "Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem". Ou o que dizem, eu acrescentaria.
Erkarthausen, a respeito disto, na primeira carta de Nuvem sobre o Santuário, comenta:
A filosofia do nosso século eleva a fraca razão natural a objetividade independente; atribuindo-lhe mesmo um poder legislativo, isentando-a de uma autoridade superior. Torna-a autônoma e a diviniza, suprimindo entre Deus e ela toda relação, toda comunicação, e esta razão deificada, que não tem outra lei que a sua própria, deve governar os homens e torná-los felizes!... As trevas devem expandir a luz!... A pobreza deve dar a riqueza!... E a morte deve dar a vida!...
Os Racionais céticos acham que estão corretos em seu modo de pensar, não se submetendo a nada nem a ninguém, (em sua opinião), muito menos a Deus, já que para eles, Deus só é palpável através de representantes, os quais nem sempre merecem confiança.
Já o grupo dos religiosos fanáticos é famoso e me abstenho de descrevê-lo em detalhes.O nome do grupo fala por si.
Características de nosso Momento Histórico
É verdade que hoje , como sempre, estamos cercados de charlatães e falsos profetas que, com a habilidade que os caracteriza, seduzem multidões com promessas de soluções fáceis para seus problemas pessoais.
É também verdade que, como em todas as épocas, manda o bom senso que pessoas equilibradas, cultas e refinadas, sejam críticas e cuidadosas com assuntos ligados ao misticismo, sob pena de serem consideradas ingênuas.
Infelizmente, por causa disso, pessoas comuns generalizam esta prudência concluindo que, já que grande parte das pessoas que se dedicam aos assuntos místicos são emocionalmente instáveis e influenciáveis, todo e qualquer indivíduo que se envolva com assuntos esotéricos deve ser no mínimo psicologicamente pouco equilibrado.
Preconceito.Puro preconceito.Aliás, um preconceito fora de moda.Os tempos de hoje são os tempos da diferença, chamados pós-modernos pelo filósofo Jean-François Lyotard.
São tempos do indefinido e da mistura.Tempos de heterogeneidade.
Os Racionais Sensíveis, Os Modernos Buscadores.
Nestes tempos onde é mais fácil ser o que se é, existe espaço para um terceiro grupo de pessoas, de características místicas muito peculiares. Este grupo é formado por aqueles que procuram Deus com fome e sede e que não se envergonham disso.
É verdade que existe um grande número de pessoas que são conduzidas para lá e para cá como gado, por qualquer um dos muitos líderes carismáticos existentes.
Só que não se pode confundir um buscador sincero com um indivíduo que caminha ao sabor de quem o influencie melhor.
O problema dos extremos
Estes pobres coitados, que acham que o racional tudo satisfaz (racionais céticos), ou que, ao contrário, no outro extremo, acham que apenas a crença e a fé, sem o discernimento, são suficientes (religiosos fundamentalistas), não conhecem o contato pessoal e solitário com o Cristo Interno, de forma que suas dificuldades em partilhar a fome do Eterno que está presente na vida de um verdadeiro místico são compreensíveis.
Para quem foram feitos os Textos Esotéricos
Este terceiro grupo, os racionais sensíveis, é composto de mentes esclarecidas e conscientes, que não desprezam o legado da razão, mas não a transformam em um novo Deus; sabem de suas limitações, de forma que se valem da sensibilidade para completar as lacunas deixadas pela razão.
O Gita, o Corão, a Bíblia, os sutras de Patânjali e do Buda, foram feitos para este tipo de pessoas, com olhos e espíritos diferenciados.
E só se pode conversar com quem pode ouvir o que estamos dizendo e compreenda a língua que estamos usando.
Portanto, é para estes místicos, que fizeram este contato, que já chegaram ao momento de dizer que “Eu e Deus somos Um”, que os textos esotéricos foram escritos.
Estas pessoas que, nas palavras de Aristóteles, “vivem, cada dia, todos os dias, pela graça de Deus”, a eles, e tão somente a eles são dirigidos os textos sagrados.
Estas pessoas sabem que o Eterno está dentro deles mesmos. Estes são nossos irmãos verdadeiros, sejam ou não rosacruzes, por que isto, aqui, não tem nenhuma importância.
Todas as formas de adoração, se sinceras, devem ser respeitadas e são legítimas.
Todas as formas de Amor valem a pena.
Todos os caminhos levam ao Deus Único.
Só existe um Deus, só existe uma mensagem.
Parte do mistério iniciático, diziam os Yogues, é que só Shiva é Guru, só Deus é nosso único e verdadeiro Mestre.Qualquer alto iniciado entenderá isto, não importa o caminho que tenha resolvido seguir.
Portanto, textos sagrados de todas as linhas, se forem realmente sagrados, trarão, de modo peculiar e diferente, uma única mensagem, que se corretamente interpretada pela sensibilidade daquele que a interroga revelar-se-á pouco original no conteúdo, embora com formas as mais variadas.
Existe uma escola única de interpretação dos Textos Sagrados?
Não há conflito verdadeiro entre as diversas linhas de religião e seus particulares textos sagrados e esotéricos, mas sim complementaridade, como se cada livro nos trouxesse uma perspectiva a mais daquilo que queremos contemplar, como na parábola dos quatro cegos e do elefante.
“Enquanto vires apenas as diferenças teu conhecimento não valerá uma rúpia. Só começarás a aprender quando começares a ver as semelhanças”, diz um velho ditado árabe.
O espírito do iniciado não se preocupa com diferenças de linhas de pensamento.
Para interpretar bem um texto sagrado ou esotérico é preciso, isso sim, atingir determinado nível de evolução e sensibilidade que todos, sem exceção, deverão buscar, da mesma forma que podemos subir uma mesma montanha por vários lados diferentes, mas lá em cima, o topo será o mesmo e a vista que descortinaremos, será igual.
Na montanha da evolução, buscamos todos, a nossa maneira, subir o mais alto possível.
Mesmo o grupo dos racionais céticos, para um místico, está nesta escalada e são buscadores legítimos se bem que em níveis mais inferiores de percepção.
Todos nós somos buscadores do pico desta montanha, saibamos ou não.
Textos Herméticos Demais
Compreende-se que, no passado, por medo da perseguição religiosa, nós, esoteristas, ocultássemos o sentido verdadeiro de nossos textos.
Só que esconder e velar a luz tornou-se um vício.
E hoje ainda se encontra o culto do incompreensível e do esotérico como se isto fosse sublime.
Basta ser incompreensível para ser respeitado.
Textos simples e diretos não são considerados importantes ou profundos, pelo menos não tanto como aqueles que não são.
Na minha opinião, por exemplo, a parábola contada nas páginas manchadas de graxa em Ilusões, de Richard Bach, é de uma santidade e beleza e de um esoterismo que não deve nada a qualquer texto sagrado já escrito.
Um outro problema é que, para decifrar corretamente uma mensagem codificada, devemos ter em nossas mãos a chave do código.
E isto nem sempre está disponível, por motivos técnicos ou mesmo gramaticais.
Técnicos por que o sentido exato do que está escrito, só aquele que o escreveu sabe.
Todos os que o lêem fazem o exercício normal de interpretação a que qualquer exegeta se dedica.
E gramatical por que, por sobre o código do sentido oculto do texto, cai o manto da diferença da língua, e sobre esta, o manto da diferença de época em que aquele texto, naquela língua, foi escrito.
Portanto, lidamos com três camadas de decifração para um mesmo texto: a camada gramatical da língua original (francês, alemão, etc.) a camada do contexto cultural histórico daquela obra (alemão do século XVII, francês do século XVIII) e, finalmente, mas não menos importante, a camada do sentido esotérico do trabalho.
Com tamanha dificuldade não admira os enormes equívocos cometidos ao longo de todas as épocas com textos laicos, imaginem com textos sagrados.
Na camada da língua, por exemplo, ressalte-se que uma língua é uma entidade viva, que se modifica com o passar do tempo, como se as chaves de decifração fossem se modificando com o passar dos séculos, fato que demanda cuidadosa atualização para não mergulharmos em uma tormenta interpretativa.
Textos muito antigos, escritos nos moldes de uma outra época, apresentam dificuldades ao serem decifrados por causa da distância histórica entre as sociedades e os costumes, mesmo que esteja na mesma língua que falamos hoje.
Dou como exemplo o Príncipe dos Filósofos Divinos e Obscuros, Jacob Boheme, cujos textos nos desafiam por várias razões.
Ao começar a ler Boheme, deparei com um problema conceitual banal, mas que me consumiu duas semanas de dúvidas.
Por razões pessoais e de época, Jacob costumava usar exemplos tirados da culinária para descrever o Universo que contemplava em suas visões.
Numa dessas comparações, no primeiro capítulo de Aurora Nascente, ele se esforça por oferecer uma classificação racional do que ele chama de Qualidades da Essência Divina na Natureza.
Dessas qualidades, quatro delas são nomeadas como amarga, doce, azeda e adstringente.
Entender que o amargo é amargo e o doce é doce para mim, foi fácil; entender que o azedo possa ser doce aí foi mais difícil.
Isto porque, senso comum, em nossa época a maioria das pessoas tendem a achar que a palavra azêdo é sinônima de amargo, o que não é verdade.
E eu era um daqueles ingênuos culinários que ignoravam tal fato.
Ao ler que a qualidade azeda está em oposição às qualidades amarga e doce, mas que pode adocicar a ambas, fiquei no mínimo perplexo. Depois, quando ele continuou dizendo que o azêdo “... tempera tudo convenientemente, é um refrigério e um calmante quando as qualidades amarga e doce se elevam em demasia...” fiquei mais perplexo ainda.
Se já estamos lidando com uma metáfora, pelo menos que seja uma boa metáfora e não uma metáfora em si mesma esotérica para aqueles que, como eu, não são conhecedores tão íntimos dos caminhos do paladar.
Para ele, Jacob Boheme, tudo estava claro e bem descrito, já que em 1612 os temperos eram exemplos considerados fáceis de compreender.
Ao conversar com um frater de Ordem, biólogo, sobre meus problemas com a compreensão deste fato, ele me explicou a natureza complexa do azedo e disse que a sua esposa tinha a mesma falsa impressão de semelhança entre azedo e amargo.
Consolei-me com esta informação e me senti melhor já que minha ignorância era compartilhada.
Este é um exemplo de um problema cultural gramatical, não místico, mas que obstrui uma leitura satisfatória de um texto esotérico.
Por causa da mudança dos costumes, Deus e a criação já não pode ser explicado de maneira clara, através dos sabores.
Consensos
O que impede então que estes textos sejam jogados de lado e abandonados como inúteis? O que torna possível sua interpretação por tantas pessoas de forma satisfatória até com o surgimento de consensos interpretativos?
Parece-me que a chave deste mistério é, como sempre, o ser humano.
Não é o texto, esotérico ou não, que se prepara para o homem, mas o homem que se prepara para o texto.
Pouco a pouco alimentamos nossas entranhas mentais com informações que podemos chamar de complementares, as quais preencherão as lacunas que existem nos textos esotéricos.
Porque é assim que se dá o processo interpretativo: parte compreendemos e outra parte, não compreendemos.
E as partes que não compreendemos ficam como espaços em branco, que serão preenchidos pela nossa sensibilidade e intuição.
Para isso, precisamos pertencer àquele terceiro grupo que analisamos no inicio desse ensaio, os racionais sensíveis, de forma a estarmos aptos ao preenchimento desses espaços.
Místicos pertencentes a este grupo, ao trabalhar um texto esotérico, mantém sempre uma atitude prudente de, humildemente, admitir que sua solução interpretativa pode estar incorreta, mesmo que aquela altura lhe pareça a mais adequada.
Textos esotéricos são assim, formados de duas partes: uma sólida e outra instável e flutuante, que é moldada pela mente daquele que o lê, sendo este fato responsável pelo fenômeno de múltiplas interpretações para um único texto.
O que difere o místico que interpreta um texto sagrado do fanático religioso é a presença ou a ausência da dúvida.
O fanático só tem certezas; o místico, na maioria das vezes, está cheio de dúvidas.
Ele, místico, sabe as limitações de sua natureza humana e ao mesmo tempo em que usa seu intelecto, aplica todo o seu coração ao processo interpretativo, pedindo ao Deus de sua compreensão que o inspire a cada passo de sua empreitada.
Assim, reverente, o místico verdadeiramente inspirado entra no texto esotérico como quem pisa em terreno sagrado, em silêncio, com humildade, sem nunca supor que sua interpretação seja definitiva, mas sim a mais satisfatória para aquele momento da sua vida.
O místico como um artista
Talvez a dificuldade desses textos seja circunstancial, talvez seja proposital e parte de uma estratégia
Cheios de vida, eles dançam ante nossos olhos, assumindo formas diversas, mas sempre adequadas as nossas capacidades, trazendo-nos mais que uma informação, uma experiência estética para nossa percepção.
Isto nada teria que ver com compreensão intelectual, mas seria como sentir o texto, da mesma forma que quem não sabe nada sobre música pode se deleitar com uma sinfonia.
Esta é a grande habilidade do interpretador místico: antes de ser um erudito, para concluir satisfatoriamente sua tarefa ele precisa ter a alma de um verdadeiro artista.
Guaratinguetá e Suzano, 21 de Outubro, 2006.
No passado, havia necessidade de ocultar a verdade por vários motivos: perseguições religiosas, a importância daquilo que estava sendo ensinado, a conhecida dificuldade psicológica do homem de valorizar aquilo que consegue com facilidade, etc. Um texto para iniciados, em função disso, era repleto de símbolos e imagens complexas e de difícil decifração.
Para valorizar e resguardar o ensinamento místico precisava-se ocultá-lo, como num jogo de adivinhação.
Com isso, atingia-se dois objetivos primordiais: preservava-se a segurança de informações de grande significado e importância e, ao mesmo tempo, testava-se a determinação daquele que buscasse estes textos.
Esta seria, por assim dizer, sua primeira iniciação, a primeira prova para este indivíduo que queria conhecer estes segredos.
Esta foi a infância do esoterismo, em que tudo era escuridão,véus, principalmente por medo de represálias dos ignorantes, as quais, na época, significavam risco de vida.
Só que, com o tempo, este estilo de escrever por charadas tornou-se um problema e um vício.
Tornou-se obrigatório falar sobre assuntos místicos de modo velado e simbólico, como se houvesse um consenso silencioso sobre como redigir estas informações.
Atualmente, nossa herança de textos esotéricos é composta de muitas páginas de tal hermetismo que a maioria dos místicos não pode ter acesso a eles, e aqueles que se esforçam para interpretá-los, para fazer sua exegese, devem dedicar longos períodos a tal empreitada, em parte por causa dos obstáculos da língua de que falarei adiante, e em parte por causa das armadilhas de interpretação.
Fora os termos que foram propositadamente alterados ao sabor de forças e interesses os mais variados como as alterações feitas nos textos bíblicos pelos sucessivos concílios de cardeais.
Mesmo assim, muitos se dedicam a este esforço de interpretação.Basicamente, estes textos sagrados são pesquisados e lidos por três tipos básicos de pessoas, os quais passaremos a analisar de forma sucinta.
Ao primeiro grupo chamaremos de racionais céticos; ao segundo grupo, de religiosos fanáticos e ao terceiro grupo de racionais sensíveis.
Os Racionais Céticos e os Religiosos Fanáticos
Os racionais céticos assemelham-se mais aos gregos que receberam Paulo, quando de sua viagem de evangelização.Não lhe atiraram pedras; pelo contrário, receberam-no educadamente, na Ágora. Ouviram o que ele tinha a dizer com atenção para depois, dar de ombros com um sorriso de desdém.
Para quase toda a Grécia daquela época, como para uma parte de nossa sociedade hoje, a razão era mais importante que o sentimento e a sensibilidade.
Na verdade, são os céticos que, verdadeiramente, merecem pena e misericórdia.Para eles, religiosos fanáticos ou racionais céticos, (insensíveis, melhor dizendo), o Mestre proferiu a frase célebre: "Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem". Ou o que dizem, eu acrescentaria.
Erkarthausen, a respeito disto, na primeira carta de Nuvem sobre o Santuário, comenta:
A filosofia do nosso século eleva a fraca razão natural a objetividade independente; atribuindo-lhe mesmo um poder legislativo, isentando-a de uma autoridade superior. Torna-a autônoma e a diviniza, suprimindo entre Deus e ela toda relação, toda comunicação, e esta razão deificada, que não tem outra lei que a sua própria, deve governar os homens e torná-los felizes!... As trevas devem expandir a luz!... A pobreza deve dar a riqueza!... E a morte deve dar a vida!...
Os Racionais céticos acham que estão corretos em seu modo de pensar, não se submetendo a nada nem a ninguém, (em sua opinião), muito menos a Deus, já que para eles, Deus só é palpável através de representantes, os quais nem sempre merecem confiança.
Já o grupo dos religiosos fanáticos é famoso e me abstenho de descrevê-lo em detalhes.O nome do grupo fala por si.
Características de nosso Momento Histórico
É verdade que hoje , como sempre, estamos cercados de charlatães e falsos profetas que, com a habilidade que os caracteriza, seduzem multidões com promessas de soluções fáceis para seus problemas pessoais.
É também verdade que, como em todas as épocas, manda o bom senso que pessoas equilibradas, cultas e refinadas, sejam críticas e cuidadosas com assuntos ligados ao misticismo, sob pena de serem consideradas ingênuas.
Infelizmente, por causa disso, pessoas comuns generalizam esta prudência concluindo que, já que grande parte das pessoas que se dedicam aos assuntos místicos são emocionalmente instáveis e influenciáveis, todo e qualquer indivíduo que se envolva com assuntos esotéricos deve ser no mínimo psicologicamente pouco equilibrado.
Preconceito.Puro preconceito.Aliás, um preconceito fora de moda.Os tempos de hoje são os tempos da diferença, chamados pós-modernos pelo filósofo Jean-François Lyotard.
São tempos do indefinido e da mistura.Tempos de heterogeneidade.
Os Racionais Sensíveis, Os Modernos Buscadores.
Nestes tempos onde é mais fácil ser o que se é, existe espaço para um terceiro grupo de pessoas, de características místicas muito peculiares. Este grupo é formado por aqueles que procuram Deus com fome e sede e que não se envergonham disso.
É verdade que existe um grande número de pessoas que são conduzidas para lá e para cá como gado, por qualquer um dos muitos líderes carismáticos existentes.
Só que não se pode confundir um buscador sincero com um indivíduo que caminha ao sabor de quem o influencie melhor.
O problema dos extremos
Estes pobres coitados, que acham que o racional tudo satisfaz (racionais céticos), ou que, ao contrário, no outro extremo, acham que apenas a crença e a fé, sem o discernimento, são suficientes (religiosos fundamentalistas), não conhecem o contato pessoal e solitário com o Cristo Interno, de forma que suas dificuldades em partilhar a fome do Eterno que está presente na vida de um verdadeiro místico são compreensíveis.
Para quem foram feitos os Textos Esotéricos
Este terceiro grupo, os racionais sensíveis, é composto de mentes esclarecidas e conscientes, que não desprezam o legado da razão, mas não a transformam em um novo Deus; sabem de suas limitações, de forma que se valem da sensibilidade para completar as lacunas deixadas pela razão.
O Gita, o Corão, a Bíblia, os sutras de Patânjali e do Buda, foram feitos para este tipo de pessoas, com olhos e espíritos diferenciados.
E só se pode conversar com quem pode ouvir o que estamos dizendo e compreenda a língua que estamos usando.
Portanto, é para estes místicos, que fizeram este contato, que já chegaram ao momento de dizer que “Eu e Deus somos Um”, que os textos esotéricos foram escritos.
Estas pessoas que, nas palavras de Aristóteles, “vivem, cada dia, todos os dias, pela graça de Deus”, a eles, e tão somente a eles são dirigidos os textos sagrados.
Estas pessoas sabem que o Eterno está dentro deles mesmos. Estes são nossos irmãos verdadeiros, sejam ou não rosacruzes, por que isto, aqui, não tem nenhuma importância.
Todas as formas de adoração, se sinceras, devem ser respeitadas e são legítimas.
Todas as formas de Amor valem a pena.
Todos os caminhos levam ao Deus Único.
Só existe um Deus, só existe uma mensagem.
Parte do mistério iniciático, diziam os Yogues, é que só Shiva é Guru, só Deus é nosso único e verdadeiro Mestre.Qualquer alto iniciado entenderá isto, não importa o caminho que tenha resolvido seguir.
Portanto, textos sagrados de todas as linhas, se forem realmente sagrados, trarão, de modo peculiar e diferente, uma única mensagem, que se corretamente interpretada pela sensibilidade daquele que a interroga revelar-se-á pouco original no conteúdo, embora com formas as mais variadas.
Existe uma escola única de interpretação dos Textos Sagrados?
Não há conflito verdadeiro entre as diversas linhas de religião e seus particulares textos sagrados e esotéricos, mas sim complementaridade, como se cada livro nos trouxesse uma perspectiva a mais daquilo que queremos contemplar, como na parábola dos quatro cegos e do elefante.
“Enquanto vires apenas as diferenças teu conhecimento não valerá uma rúpia. Só começarás a aprender quando começares a ver as semelhanças”, diz um velho ditado árabe.
O espírito do iniciado não se preocupa com diferenças de linhas de pensamento.
Para interpretar bem um texto sagrado ou esotérico é preciso, isso sim, atingir determinado nível de evolução e sensibilidade que todos, sem exceção, deverão buscar, da mesma forma que podemos subir uma mesma montanha por vários lados diferentes, mas lá em cima, o topo será o mesmo e a vista que descortinaremos, será igual.
Na montanha da evolução, buscamos todos, a nossa maneira, subir o mais alto possível.
Mesmo o grupo dos racionais céticos, para um místico, está nesta escalada e são buscadores legítimos se bem que em níveis mais inferiores de percepção.
Todos nós somos buscadores do pico desta montanha, saibamos ou não.
Textos Herméticos Demais
Compreende-se que, no passado, por medo da perseguição religiosa, nós, esoteristas, ocultássemos o sentido verdadeiro de nossos textos.
Só que esconder e velar a luz tornou-se um vício.
E hoje ainda se encontra o culto do incompreensível e do esotérico como se isto fosse sublime.
Basta ser incompreensível para ser respeitado.
Textos simples e diretos não são considerados importantes ou profundos, pelo menos não tanto como aqueles que não são.
Na minha opinião, por exemplo, a parábola contada nas páginas manchadas de graxa em Ilusões, de Richard Bach, é de uma santidade e beleza e de um esoterismo que não deve nada a qualquer texto sagrado já escrito.
Um outro problema é que, para decifrar corretamente uma mensagem codificada, devemos ter em nossas mãos a chave do código.
E isto nem sempre está disponível, por motivos técnicos ou mesmo gramaticais.
Técnicos por que o sentido exato do que está escrito, só aquele que o escreveu sabe.
Todos os que o lêem fazem o exercício normal de interpretação a que qualquer exegeta se dedica.
E gramatical por que, por sobre o código do sentido oculto do texto, cai o manto da diferença da língua, e sobre esta, o manto da diferença de época em que aquele texto, naquela língua, foi escrito.
Portanto, lidamos com três camadas de decifração para um mesmo texto: a camada gramatical da língua original (francês, alemão, etc.) a camada do contexto cultural histórico daquela obra (alemão do século XVII, francês do século XVIII) e, finalmente, mas não menos importante, a camada do sentido esotérico do trabalho.
Com tamanha dificuldade não admira os enormes equívocos cometidos ao longo de todas as épocas com textos laicos, imaginem com textos sagrados.
Na camada da língua, por exemplo, ressalte-se que uma língua é uma entidade viva, que se modifica com o passar do tempo, como se as chaves de decifração fossem se modificando com o passar dos séculos, fato que demanda cuidadosa atualização para não mergulharmos em uma tormenta interpretativa.
Textos muito antigos, escritos nos moldes de uma outra época, apresentam dificuldades ao serem decifrados por causa da distância histórica entre as sociedades e os costumes, mesmo que esteja na mesma língua que falamos hoje.
Dou como exemplo o Príncipe dos Filósofos Divinos e Obscuros, Jacob Boheme, cujos textos nos desafiam por várias razões.
Ao começar a ler Boheme, deparei com um problema conceitual banal, mas que me consumiu duas semanas de dúvidas.
Por razões pessoais e de época, Jacob costumava usar exemplos tirados da culinária para descrever o Universo que contemplava em suas visões.
Numa dessas comparações, no primeiro capítulo de Aurora Nascente, ele se esforça por oferecer uma classificação racional do que ele chama de Qualidades da Essência Divina na Natureza.
Dessas qualidades, quatro delas são nomeadas como amarga, doce, azeda e adstringente.
Entender que o amargo é amargo e o doce é doce para mim, foi fácil; entender que o azedo possa ser doce aí foi mais difícil.
Isto porque, senso comum, em nossa época a maioria das pessoas tendem a achar que a palavra azêdo é sinônima de amargo, o que não é verdade.
E eu era um daqueles ingênuos culinários que ignoravam tal fato.
Ao ler que a qualidade azeda está em oposição às qualidades amarga e doce, mas que pode adocicar a ambas, fiquei no mínimo perplexo. Depois, quando ele continuou dizendo que o azêdo “... tempera tudo convenientemente, é um refrigério e um calmante quando as qualidades amarga e doce se elevam em demasia...” fiquei mais perplexo ainda.
Se já estamos lidando com uma metáfora, pelo menos que seja uma boa metáfora e não uma metáfora em si mesma esotérica para aqueles que, como eu, não são conhecedores tão íntimos dos caminhos do paladar.
Para ele, Jacob Boheme, tudo estava claro e bem descrito, já que em 1612 os temperos eram exemplos considerados fáceis de compreender.
Ao conversar com um frater de Ordem, biólogo, sobre meus problemas com a compreensão deste fato, ele me explicou a natureza complexa do azedo e disse que a sua esposa tinha a mesma falsa impressão de semelhança entre azedo e amargo.
Consolei-me com esta informação e me senti melhor já que minha ignorância era compartilhada.
Este é um exemplo de um problema cultural gramatical, não místico, mas que obstrui uma leitura satisfatória de um texto esotérico.
Por causa da mudança dos costumes, Deus e a criação já não pode ser explicado de maneira clara, através dos sabores.
Consensos
O que impede então que estes textos sejam jogados de lado e abandonados como inúteis? O que torna possível sua interpretação por tantas pessoas de forma satisfatória até com o surgimento de consensos interpretativos?
Parece-me que a chave deste mistério é, como sempre, o ser humano.
Não é o texto, esotérico ou não, que se prepara para o homem, mas o homem que se prepara para o texto.
Pouco a pouco alimentamos nossas entranhas mentais com informações que podemos chamar de complementares, as quais preencherão as lacunas que existem nos textos esotéricos.
Porque é assim que se dá o processo interpretativo: parte compreendemos e outra parte, não compreendemos.
E as partes que não compreendemos ficam como espaços em branco, que serão preenchidos pela nossa sensibilidade e intuição.
Para isso, precisamos pertencer àquele terceiro grupo que analisamos no inicio desse ensaio, os racionais sensíveis, de forma a estarmos aptos ao preenchimento desses espaços.
Místicos pertencentes a este grupo, ao trabalhar um texto esotérico, mantém sempre uma atitude prudente de, humildemente, admitir que sua solução interpretativa pode estar incorreta, mesmo que aquela altura lhe pareça a mais adequada.
Textos esotéricos são assim, formados de duas partes: uma sólida e outra instável e flutuante, que é moldada pela mente daquele que o lê, sendo este fato responsável pelo fenômeno de múltiplas interpretações para um único texto.
O que difere o místico que interpreta um texto sagrado do fanático religioso é a presença ou a ausência da dúvida.
O fanático só tem certezas; o místico, na maioria das vezes, está cheio de dúvidas.
Ele, místico, sabe as limitações de sua natureza humana e ao mesmo tempo em que usa seu intelecto, aplica todo o seu coração ao processo interpretativo, pedindo ao Deus de sua compreensão que o inspire a cada passo de sua empreitada.
Assim, reverente, o místico verdadeiramente inspirado entra no texto esotérico como quem pisa em terreno sagrado, em silêncio, com humildade, sem nunca supor que sua interpretação seja definitiva, mas sim a mais satisfatória para aquele momento da sua vida.
O místico como um artista
Talvez a dificuldade desses textos seja circunstancial, talvez seja proposital e parte de uma estratégia
Cheios de vida, eles dançam ante nossos olhos, assumindo formas diversas, mas sempre adequadas as nossas capacidades, trazendo-nos mais que uma informação, uma experiência estética para nossa percepção.
Isto nada teria que ver com compreensão intelectual, mas seria como sentir o texto, da mesma forma que quem não sabe nada sobre música pode se deleitar com uma sinfonia.
Esta é a grande habilidade do interpretador místico: antes de ser um erudito, para concluir satisfatoriamente sua tarefa ele precisa ter a alma de um verdadeiro artista.
domingo, 20 de junho de 2010
O PESSIMISMO MARTINISTA
Por Mario Sales, FRC,M.:M.:, SI
Quando avaliamos o tom emocional das falas do Martinismo, encontramos vários tipos de posturas, nem sempre complementares logicamente, e às vezes com um corte absolutamente diferente, do ponto de vista de valores.
É o caso de Stanislas de Guaita e Louis Claude de Saint Martin, ambos pessoas- chave da tradição dita Martinista, mas, na verdade, com enfoques diferentes sobre como vivenciar o Esotérico, o Oculto e o Místico.
Existe em Guaita um amor ao intelecto e uma paixão pelo conhecimento que não contemplamos nos escritos de Louis Claude de Saint Martin.
Aliás, Saint Martin é desprovido de qualquer paixão. Seu tom constante é, para dizer de maneira delicada, desanimado.
Na intenção de demonstrar um senso de espiritualidade, ele parece, à exemplo de alguns espiritualistas orientais, lamentar pela vida terrena e desejar a morte como real momento de reencontro com o Todo Poderoso.
Se a frase acima parece forte, detenhamo-nos em declarações do próprio Saint Martin, livres de interpretação.
Por exemplo: "O único mérito que existe nas riquezas e alegrias deste mundo é que elas não podem nos impedir de morrer."
Provavelmente o homem que se chamava “O Filósofo Desconhecido”, queria com isso evidenciar a importância que dava a vida espiritual, mas é impossível negar uma presença forte do aspecto de Tanatos, a pulsão de morte, para citar uma categoria psicanalítica. Ou em outro exemplo: "A única diferença que existe entre os homens é que uns estão no outro mundo sabendo disso, enquanto que outros estão nele sem saber." Aqui, também provavelmente, Louis Claude quer evidenciar, até com um tom irônico, a ausência de consciência de alguns, semelhante a uma morte em vida.
O toque de leve sarcasmo é interessante e alentador: o humor, o bom humor, é um sinal de amor a vida, de manifestação de Eros, a pulsão de Vida, num contraponto a Tanatos. Mas a imagem remete ainda a uma tristeza pelo estado de vida material.
Existe uma ânsia de descolar-se da vida no corpo como se, sem isso, fosse impossível ascender espiritualmente.
Quanto a isso, sejamos justos, Saint Martin não está só. Seu jeito austero e com uma forte negação do valor da vida material não foi inaugurado por ele, mas por outros antes dele, muito mais famosos e conhecidos.
Talvez o mais prestigiado, se bem que não o primeiro da Lista, é Paulo , Apóstolo.
Lemos, portanto, em Gálatas, capítulo 5; Versículo 17: Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.
Não há dúvida que, para Paulo, o pecado está na carne, não no espírito.
Todo o mal estava no corpo, e não na mente, idéia tão forte como apêlo que persiste em mentes menos elaboradas até hoje e qualque tentativa de retirar da vida material e biológica este peso e esta culpa é entendido como perverso e mal intencionado.
Lembro-me de uma frase de Harvey Spencer Lewis que até hoje me impressiona.
Falava sobre os instintos humanos e citava o fato de que eles eram uma programação natural do corpo, algo que fazia parte de nossa própria natureza biológica, e concluía que, se estavam lá, haviam sido postos pelo criador em pessoa.
Ora, concluía ele, algo colocado por Deus em nosso corpo ou mesmo nosso corpo, criado por Deus, não poderia ser objeto de pecado. Pois tudo que Deus havia criado era santo.
A beleza e a obviedade dessas palavras me fascinaram e fascinam até hoje. H. Lewis era um homem a frente de seu tempo e esta ausência de repúdio a existência física, esta vontade de mostrar o sagrado em todas as coisas e não apenas naquelas que são invisíveis, sem dúvida era um avanço, já que em sua época, o preconceito contras as coisas do corpo era bem mais intenso do que hoje.
A vida biológica para Lewis, nunca foi contrária a vida do espírito. O desejo carnal, a fome, a ambição pelo progresso material, a semelhança de Calvino, tudo nele enfim, mostrava respeito pelo humano, pelo ser como um todo.
Ao contrário das religiões que repartiram o homem em dois e consagraram uma como de Deus e a outra entregaram ao Demônio e à fogueira das inquisições, o pensamento luminoso e científico de Lewis mostrou seu extremo respeito a vida, em todas as suas manifestações.
O Discurso martinista é calcado em estudos bíblicos e do Cristianismo. E claro, como tal, recebe forte influência do pensamento de Paulo, apóstolo, principalmente do ponto de vista moral.
Saint Martin, de formação era ligado ao Direito e a vida militar, de forte componente Hierárquico. Havia nele, além de uma concepção religiosa baseada no discurso da negação do corpo, um senso de justiça baseada na culpa e no castigo, ou no mérito e na recompensa, categorias judiciais, transportadas para a prática espiritualista.
Diga-se de passagem, culpa, punição, justiça por retribuição, são conceitos frequentes ao Velho Testamento.
Vejamos nos exemplos abaixo:
Samuel 22:48 O Deus que me dá inteira vingança, e sujeita os povos debaixo de mim.
Salmos 18:47 É Deus que me vinga inteiramente, e sujeita os povos debaixo de mim;
Salmos 79:10 Porque diriam os gentios: Onde está o seu Deus? Seja ele conhecido entre os gentios, à nossa vista, pela vingança do sangue dos teus servos, que foi derramado.
Salmos 94:1 O SENHOR Deus, a quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente.
E por aí vai. A visão judicial é de culpa e castigo, para ela não existe erro, como falaria um pensador Rosacruz, Renée Descartes, mas pecado, como dizem os moralistas bíblicos da Torah.
Outro aspecto: o discurso de Martinez de Pasqually, que Louis Claude de Saint Martin ecoa, parte de três premissas básicas: a vida no corpo é abominável, e o corpo de carne é uma prisão; a experiência nessa existência é um castigo conseqüente a uma desobediência ou como ele diz, prevaricação (como condenados que são encarcerados por conta de seu crime); e por último, mas não menos importante, só existem coisas realmente boas e puras fora desta existência, para além da barreira do Eixo Fogo Central Incriado.
Convenhamos, não são declarações de amor à vida e à existência em sociedade. Mas compreende-se este pessimismo, presente ainda, séculos depois, no pensamento de um filósofo, este conhecido, Schopenhauer.
O contexto do filósofo alemão era outro. Sua tristeza com a vida e com o mundo se baseava na Europa que ele contemplava, destruída pela época pós napoleônica.
Saint Martin, por sua vez, vivia a época pré napoleônica, tinha ao seu redor a era pós revolução francesa, muitos de seus conhecidos foram perseguidos e mortos, havia perigo de morte iminente, real e imediato, não era algo fantasioso.
Não havia alegria na vida, só medo e desolação com as execuções do Terror do Diretório, na guilhotina.
Como entender esta época como um reflexo da razão que se propunha libertadora? Impossível.
A conclusão óbvia é que este mundo era mau. Os homens eram maus, a vida no corpo os tinha feito assim, embora fossem todos criações imortais em espírito de Deus, que é todo Bondade.
E qual a saída filosófica para explicar este contrasenso lógico? A mesma de Santo Agostinho no séc. IV: o Livre Arbítrio.
Os homens são maus porque são livres, porque podem escolher entre uma e outra opção de ação. Deus não os fez maus, mas eles, por serem homens, e limitados em percepção, escolhem mal suas opções.
Vejam só: por um lado somos limitados em percepção, estamos em um corpo que é uma prisão, que nos fez esquecer nossa herança divina, e nos aprisiona. Nossa sabedoria está embotada, neste mundo de Ilusões.
Por outro lado, mesmo manietados, cegos e surdos ao Espírito Grandioso que está em nós e além de nós, temos obrigação de escolher de maneira acertada quando diante de duas opções, ou seja, ver sem enxergar, escutar sendo surdos, e ter liberdade quando somos prisioneiros.Isso não faz o menor sentido. Ou temos sabedoria e consciência e estamos aptos a optar com lucidez entre duas alternativas propostas ou não temos esta sabedoria e pagaremos o preço inevitável de nossa ignorância, o erro, inevitável, mas compreensível nessas circunstâncias.
Pessoalmente, sinto mais misericórdia pelo homem e parafraseando Cristo, deveríamos isto sim pedir a Deus que nos perdoasse porque não sabemos e não temos consciência plena do que fazemos.
Os argumentos de Saint Martin ou de Pasqually, bem como de Santo Agostinho, quanto ao livre arbítrio, são frágeis e pouco fundamentados. E chamo Espinoza em minha defesa. Ele compara a crença humana no livre-arbítrio a uma pedra pensando que escolhe o caminho que percorre enquanto cruza o ar até o local onde cai. Ele diz: "as decisões da mente são apenas desejos, os quais variam de acordo com várias disposições"; "não há na mente vontade livre ou absoluta, mas a mente é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa que é determinada por sua vez por outra causa, e essa por outra e assim ao infinito"; "os homens se consideram livres porque estão cônscios das suas volições e desejos, mas são ignorantes das causas pelas quais são conduzidos a querer e desejar" (respectivamente Spinoza, Ética, livro 3, escólio da proposição 2; livro 2, proposição 48; apêndice do livro 1).Somos todos prisioneiros de três naturezas: primeiro de nossos institntos;depois, quando nos tornamos melhores, de nossas leis; e finalmente quando somos mais evoluídos ainda, de nossas consciências.Não há pois, tal coisa como livre arbítrio.
Não posso esperar que alguém de muita idade que enxerga mal, ouve com dificuldade e caminha com dificuldade não esbarre em cadeiras e mesas ou não quebre os copos e os pratos que tenta segurar. Não há pecado nisso mas erro, e um erro previsível e esperado, dadas as circunstâncias, erro que é a única coisa certa, além da morte, na existência.
O erro dos nossos três analisados não foi proposital, mas reflete duas coisas: intolerância com as limitações humanas e o hábito de generalizar.
Primeiro: eram épocas difíceis , como todas foram. Mas mesmo assim, em algum lugar, naquele momento, existiam pessoas que estavam felizes, que não lamentavam a existência, que não sentiam culpa em viver e desfrutar esta existência curta e ilusória mas extremamente abençoada que Deus nos proporciona com o intuito de nosso aperfeiçoamento.
Hoje, quando ainda existem regiões do planeta aparentemente abandonadas pela Providência divina, nenhum místico em sã consciência amaldiçoará sua vida e a dos seus em sã consciência. Pessoas ponderadas não generalizam. Não concluem que por que ao seu redor existem situações que podemos considerar humanamente inaceitáveis, o planeta e a humanidade como um todo seja inaceitável também.
A dor é algo extremamente pessoal e cada um lida com suas limitações do jeito que melhor lhe parece, uns sentindo-se derrotados e outros motivados e desafiados pelos problemas.
Basta que olhemos a paixão do Cristo. Quem passou pela agonia que ele passou não deveria amar a Vida e as pessoas.
E este não é seu discurso. Seu discurso é de amor, não de punição. Ele vem ao mundo para renovar a antiga aliança que existia entre Deus e Moisés. Para transmutar um Deus de Vingança em um Deus de Amor.
E este era o Cristo, o profeta que gerou um dos maiores e mais importantes movimentos religiosos de todos os tempos: o Cristianismo.
Só que é importante lembrar, existe uma diferença entre o Cristo e o Cristianismo, entre o homem e sua mensagem e a religião institucionalizada em seu nome, que recebeu um contorno e uma forma depois do concurso de vários pensadores ao longo dos séculos.
O tipo de pessimismo espiritualista presente em Saint Martin ou em Martinez de Pasqually, e que eles defendem ser produto de uma visão “Cristã” de vida , nada tem a ver com o homem que ia pregar na casa do Cobrador de Impostos, que freqüentava casamentos, que abençoava prostitutas e cujo primeiro grande milagre foi transformar água em vinho.
Não. Este é o Cristianismo da Igreja Católica, a mesma que se diz representante do amor e do pensamento de Jesus, mas que perseguiu e matou milhares de homens e mulheres em nome deste mesmo “amor”.
É preciso separar portanto, as bases de um comportamento em seus componentes essenciais para compreender porque pessoas até esclarecidas mas ingênuas do ponto de vista filosófico tomam como verdadeiro o que é falso, ou seja , que a Igreja representa de maneira correta o que o Cristo pregou.
A tristeza de Saint Martin com a vida é eco direto do discurso que exalta a miséria e a pobreza e nega o direito ao prazer e à felicidade tão presente nos discursos de padres e papas daquele período.
Nós místicos, sabemos o preço que tivemos que pagar por esta tirania psicológica que ao longo de séculos combateu a Inteligência a Arte e a Liberdade de Pensamento e perseguiu de forma implacável e sanguinária todos os que dela discordaram.
Graças a Deus os tempos são outros. A Instituição Igreja ainda está presente em nossos dias, mas hoje é uma pálida lembrança de seus tempos de poder e discriminação.
Os papas já não dizem o que devemos ler, os filmes que devemos assistir ou como devemos pensar. Mas os homens de Bem precisam estar vigilantes todo o tempo pois o Obscurantismo está à espreita, sejam em território Cristão ou Muçulmano.
E talvez seu legado mais maléfico tenha sido o de fazer milhões de pessoas de , até nossos dias, sentirem-se culpadas em ser felizes e achar que se tudo vai bem e se prosperam, algo está errado, porque isto não deve ser a coisa certa.
Lutemos internamente contra este trauma que nos foi imputado por séculos de lavagem cerebral e entendamos que entre nós e a felicidade existe uma cortina, a visão religiosa conservadora, e que como místicos, mentalmente saudáveis, temos por obrigação rasgar este véu, para perceber que este Deus de Vingança desenhado nesta cortina esconde a verdadeira face do Deus Misericordioso e Amoroso que o Cristo pregou.
Quando avaliamos o tom emocional das falas do Martinismo, encontramos vários tipos de posturas, nem sempre complementares logicamente, e às vezes com um corte absolutamente diferente, do ponto de vista de valores.
É o caso de Stanislas de Guaita e Louis Claude de Saint Martin, ambos pessoas- chave da tradição dita Martinista, mas, na verdade, com enfoques diferentes sobre como vivenciar o Esotérico, o Oculto e o Místico.
Existe em Guaita um amor ao intelecto e uma paixão pelo conhecimento que não contemplamos nos escritos de Louis Claude de Saint Martin.
Aliás, Saint Martin é desprovido de qualquer paixão. Seu tom constante é, para dizer de maneira delicada, desanimado.
Na intenção de demonstrar um senso de espiritualidade, ele parece, à exemplo de alguns espiritualistas orientais, lamentar pela vida terrena e desejar a morte como real momento de reencontro com o Todo Poderoso.
Se a frase acima parece forte, detenhamo-nos em declarações do próprio Saint Martin, livres de interpretação.
Por exemplo: "O único mérito que existe nas riquezas e alegrias deste mundo é que elas não podem nos impedir de morrer."
Provavelmente o homem que se chamava “O Filósofo Desconhecido”, queria com isso evidenciar a importância que dava a vida espiritual, mas é impossível negar uma presença forte do aspecto de Tanatos, a pulsão de morte, para citar uma categoria psicanalítica. Ou em outro exemplo: "A única diferença que existe entre os homens é que uns estão no outro mundo sabendo disso, enquanto que outros estão nele sem saber." Aqui, também provavelmente, Louis Claude quer evidenciar, até com um tom irônico, a ausência de consciência de alguns, semelhante a uma morte em vida.
O toque de leve sarcasmo é interessante e alentador: o humor, o bom humor, é um sinal de amor a vida, de manifestação de Eros, a pulsão de Vida, num contraponto a Tanatos. Mas a imagem remete ainda a uma tristeza pelo estado de vida material.
Existe uma ânsia de descolar-se da vida no corpo como se, sem isso, fosse impossível ascender espiritualmente.
Quanto a isso, sejamos justos, Saint Martin não está só. Seu jeito austero e com uma forte negação do valor da vida material não foi inaugurado por ele, mas por outros antes dele, muito mais famosos e conhecidos.
Talvez o mais prestigiado, se bem que não o primeiro da Lista, é Paulo , Apóstolo.
Lemos, portanto, em Gálatas, capítulo 5; Versículo 17: Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.
Não há dúvida que, para Paulo, o pecado está na carne, não no espírito.
Todo o mal estava no corpo, e não na mente, idéia tão forte como apêlo que persiste em mentes menos elaboradas até hoje e qualque tentativa de retirar da vida material e biológica este peso e esta culpa é entendido como perverso e mal intencionado.
Lembro-me de uma frase de Harvey Spencer Lewis que até hoje me impressiona.
Falava sobre os instintos humanos e citava o fato de que eles eram uma programação natural do corpo, algo que fazia parte de nossa própria natureza biológica, e concluía que, se estavam lá, haviam sido postos pelo criador em pessoa.
Ora, concluía ele, algo colocado por Deus em nosso corpo ou mesmo nosso corpo, criado por Deus, não poderia ser objeto de pecado. Pois tudo que Deus havia criado era santo.
A beleza e a obviedade dessas palavras me fascinaram e fascinam até hoje. H. Lewis era um homem a frente de seu tempo e esta ausência de repúdio a existência física, esta vontade de mostrar o sagrado em todas as coisas e não apenas naquelas que são invisíveis, sem dúvida era um avanço, já que em sua época, o preconceito contras as coisas do corpo era bem mais intenso do que hoje.
A vida biológica para Lewis, nunca foi contrária a vida do espírito. O desejo carnal, a fome, a ambição pelo progresso material, a semelhança de Calvino, tudo nele enfim, mostrava respeito pelo humano, pelo ser como um todo.
Ao contrário das religiões que repartiram o homem em dois e consagraram uma como de Deus e a outra entregaram ao Demônio e à fogueira das inquisições, o pensamento luminoso e científico de Lewis mostrou seu extremo respeito a vida, em todas as suas manifestações.
O Discurso martinista é calcado em estudos bíblicos e do Cristianismo. E claro, como tal, recebe forte influência do pensamento de Paulo, apóstolo, principalmente do ponto de vista moral.
Saint Martin, de formação era ligado ao Direito e a vida militar, de forte componente Hierárquico. Havia nele, além de uma concepção religiosa baseada no discurso da negação do corpo, um senso de justiça baseada na culpa e no castigo, ou no mérito e na recompensa, categorias judiciais, transportadas para a prática espiritualista.
Diga-se de passagem, culpa, punição, justiça por retribuição, são conceitos frequentes ao Velho Testamento.
Vejamos nos exemplos abaixo:
Samuel 22:48 O Deus que me dá inteira vingança, e sujeita os povos debaixo de mim.
Salmos 18:47 É Deus que me vinga inteiramente, e sujeita os povos debaixo de mim;
Salmos 79:10 Porque diriam os gentios: Onde está o seu Deus? Seja ele conhecido entre os gentios, à nossa vista, pela vingança do sangue dos teus servos, que foi derramado.
Salmos 94:1 O SENHOR Deus, a quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente.
E por aí vai. A visão judicial é de culpa e castigo, para ela não existe erro, como falaria um pensador Rosacruz, Renée Descartes, mas pecado, como dizem os moralistas bíblicos da Torah.
Outro aspecto: o discurso de Martinez de Pasqually, que Louis Claude de Saint Martin ecoa, parte de três premissas básicas: a vida no corpo é abominável, e o corpo de carne é uma prisão; a experiência nessa existência é um castigo conseqüente a uma desobediência ou como ele diz, prevaricação (como condenados que são encarcerados por conta de seu crime); e por último, mas não menos importante, só existem coisas realmente boas e puras fora desta existência, para além da barreira do Eixo Fogo Central Incriado.
Convenhamos, não são declarações de amor à vida e à existência em sociedade. Mas compreende-se este pessimismo, presente ainda, séculos depois, no pensamento de um filósofo, este conhecido, Schopenhauer.
O contexto do filósofo alemão era outro. Sua tristeza com a vida e com o mundo se baseava na Europa que ele contemplava, destruída pela época pós napoleônica.
Saint Martin, por sua vez, vivia a época pré napoleônica, tinha ao seu redor a era pós revolução francesa, muitos de seus conhecidos foram perseguidos e mortos, havia perigo de morte iminente, real e imediato, não era algo fantasioso.
Não havia alegria na vida, só medo e desolação com as execuções do Terror do Diretório, na guilhotina.
Como entender esta época como um reflexo da razão que se propunha libertadora? Impossível.
A conclusão óbvia é que este mundo era mau. Os homens eram maus, a vida no corpo os tinha feito assim, embora fossem todos criações imortais em espírito de Deus, que é todo Bondade.
E qual a saída filosófica para explicar este contrasenso lógico? A mesma de Santo Agostinho no séc. IV: o Livre Arbítrio.
Os homens são maus porque são livres, porque podem escolher entre uma e outra opção de ação. Deus não os fez maus, mas eles, por serem homens, e limitados em percepção, escolhem mal suas opções.
Vejam só: por um lado somos limitados em percepção, estamos em um corpo que é uma prisão, que nos fez esquecer nossa herança divina, e nos aprisiona. Nossa sabedoria está embotada, neste mundo de Ilusões.
Por outro lado, mesmo manietados, cegos e surdos ao Espírito Grandioso que está em nós e além de nós, temos obrigação de escolher de maneira acertada quando diante de duas opções, ou seja, ver sem enxergar, escutar sendo surdos, e ter liberdade quando somos prisioneiros.Isso não faz o menor sentido. Ou temos sabedoria e consciência e estamos aptos a optar com lucidez entre duas alternativas propostas ou não temos esta sabedoria e pagaremos o preço inevitável de nossa ignorância, o erro, inevitável, mas compreensível nessas circunstâncias.
Pessoalmente, sinto mais misericórdia pelo homem e parafraseando Cristo, deveríamos isto sim pedir a Deus que nos perdoasse porque não sabemos e não temos consciência plena do que fazemos.
Os argumentos de Saint Martin ou de Pasqually, bem como de Santo Agostinho, quanto ao livre arbítrio, são frágeis e pouco fundamentados. E chamo Espinoza em minha defesa. Ele compara a crença humana no livre-arbítrio a uma pedra pensando que escolhe o caminho que percorre enquanto cruza o ar até o local onde cai. Ele diz: "as decisões da mente são apenas desejos, os quais variam de acordo com várias disposições"; "não há na mente vontade livre ou absoluta, mas a mente é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa que é determinada por sua vez por outra causa, e essa por outra e assim ao infinito"; "os homens se consideram livres porque estão cônscios das suas volições e desejos, mas são ignorantes das causas pelas quais são conduzidos a querer e desejar" (respectivamente Spinoza, Ética, livro 3, escólio da proposição 2; livro 2, proposição 48; apêndice do livro 1).Somos todos prisioneiros de três naturezas: primeiro de nossos institntos;depois, quando nos tornamos melhores, de nossas leis; e finalmente quando somos mais evoluídos ainda, de nossas consciências.Não há pois, tal coisa como livre arbítrio.
Não posso esperar que alguém de muita idade que enxerga mal, ouve com dificuldade e caminha com dificuldade não esbarre em cadeiras e mesas ou não quebre os copos e os pratos que tenta segurar. Não há pecado nisso mas erro, e um erro previsível e esperado, dadas as circunstâncias, erro que é a única coisa certa, além da morte, na existência.
O erro dos nossos três analisados não foi proposital, mas reflete duas coisas: intolerância com as limitações humanas e o hábito de generalizar.
Primeiro: eram épocas difíceis , como todas foram. Mas mesmo assim, em algum lugar, naquele momento, existiam pessoas que estavam felizes, que não lamentavam a existência, que não sentiam culpa em viver e desfrutar esta existência curta e ilusória mas extremamente abençoada que Deus nos proporciona com o intuito de nosso aperfeiçoamento.
Hoje, quando ainda existem regiões do planeta aparentemente abandonadas pela Providência divina, nenhum místico em sã consciência amaldiçoará sua vida e a dos seus em sã consciência. Pessoas ponderadas não generalizam. Não concluem que por que ao seu redor existem situações que podemos considerar humanamente inaceitáveis, o planeta e a humanidade como um todo seja inaceitável também.
A dor é algo extremamente pessoal e cada um lida com suas limitações do jeito que melhor lhe parece, uns sentindo-se derrotados e outros motivados e desafiados pelos problemas.
Basta que olhemos a paixão do Cristo. Quem passou pela agonia que ele passou não deveria amar a Vida e as pessoas.
E este não é seu discurso. Seu discurso é de amor, não de punição. Ele vem ao mundo para renovar a antiga aliança que existia entre Deus e Moisés. Para transmutar um Deus de Vingança em um Deus de Amor.
E este era o Cristo, o profeta que gerou um dos maiores e mais importantes movimentos religiosos de todos os tempos: o Cristianismo.
Só que é importante lembrar, existe uma diferença entre o Cristo e o Cristianismo, entre o homem e sua mensagem e a religião institucionalizada em seu nome, que recebeu um contorno e uma forma depois do concurso de vários pensadores ao longo dos séculos.
O tipo de pessimismo espiritualista presente em Saint Martin ou em Martinez de Pasqually, e que eles defendem ser produto de uma visão “Cristã” de vida , nada tem a ver com o homem que ia pregar na casa do Cobrador de Impostos, que freqüentava casamentos, que abençoava prostitutas e cujo primeiro grande milagre foi transformar água em vinho.
Não. Este é o Cristianismo da Igreja Católica, a mesma que se diz representante do amor e do pensamento de Jesus, mas que perseguiu e matou milhares de homens e mulheres em nome deste mesmo “amor”.
É preciso separar portanto, as bases de um comportamento em seus componentes essenciais para compreender porque pessoas até esclarecidas mas ingênuas do ponto de vista filosófico tomam como verdadeiro o que é falso, ou seja , que a Igreja representa de maneira correta o que o Cristo pregou.
A tristeza de Saint Martin com a vida é eco direto do discurso que exalta a miséria e a pobreza e nega o direito ao prazer e à felicidade tão presente nos discursos de padres e papas daquele período.
Nós místicos, sabemos o preço que tivemos que pagar por esta tirania psicológica que ao longo de séculos combateu a Inteligência a Arte e a Liberdade de Pensamento e perseguiu de forma implacável e sanguinária todos os que dela discordaram.
Graças a Deus os tempos são outros. A Instituição Igreja ainda está presente em nossos dias, mas hoje é uma pálida lembrança de seus tempos de poder e discriminação.
Os papas já não dizem o que devemos ler, os filmes que devemos assistir ou como devemos pensar. Mas os homens de Bem precisam estar vigilantes todo o tempo pois o Obscurantismo está à espreita, sejam em território Cristão ou Muçulmano.
E talvez seu legado mais maléfico tenha sido o de fazer milhões de pessoas de , até nossos dias, sentirem-se culpadas em ser felizes e achar que se tudo vai bem e se prosperam, algo está errado, porque isto não deve ser a coisa certa.
Lutemos internamente contra este trauma que nos foi imputado por séculos de lavagem cerebral e entendamos que entre nós e a felicidade existe uma cortina, a visão religiosa conservadora, e que como místicos, mentalmente saudáveis, temos por obrigação rasgar este véu, para perceber que este Deus de Vingança desenhado nesta cortina esconde a verdadeira face do Deus Misericordioso e Amoroso que o Cristo pregou.
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